sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O lado oculto da Via Láctea

Astrônomos do consórcio Sloan Digital Sky Survey III (SDSS-III) lançaram hoje um novo banco de dados público que contém informações para 60 mil estrelas e ajuda a contar a história de como a Via Láctea se formou.

Apogee DR10

© SDSS (Apogee DR10)

Trata-se do Data Release 10, cujo destaque é um novo conjunto de espectros estelares de alta resolução (medições da quantidade de luz emitida por uma estrela em cada frequência eletromagnética) na luz infravermelha, invisível aos olhos humanos mas capaz de penetrar o véu de poeira que obscurece o centro da Galáxia.
"Esta é a mais abrangente coleção de espectros estelares no infravermelho jamais produzida", diz Steven Majewski, cientista da University of Virginia que lidera o projeto Apache Point Observatory Galactic Evolution Experiment (APOGEE). Este é um subprojeto do SDSS-III que busca criar um censo abrangente da população estelar da Via Láctea: "Estas 60 mil estrelas foram selecionadas por estarem em partes diferentes de nossa galáxia, desde nossa vizinhança quase despovoada até o centro envolto por poeira. Nossos espectros permitem-nos retirar as cortinas que fazem com que parte da Via Láctea nos seja oculta".
"O espectro estelar contém informações importantes para o conhecimento de uma estrela. Ele indica detalhes fundamentais, como temperatura e tamanho da estrela, e quais elementos estão em sua atmosfera", afirma Jon Holtzman, da New Mexico State University, que liderou a preparação dos dados: "Os espectros são uma das melhores ferramentas de que dispomos para aprender sobre as estrelas. É como ter a foto de uma pessoa em vez de apenas conhecer sua altura e peso".
A participação do Brasil no projeto é coordenada pelo Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA), cuja sede fica no Observatório Nacional. "O time brasileiro colaborou com a equipe do APOGEE com simulações de populações estelares da Via Láctea, que permitiram a escolha das melhores posições do céu para apontar o instrumento, de modo a ter uma boa cobertura da galáxia. Agora, participamos do esforço de interpretação desses dados", conta o pesquisador Luiz Nicolaci da Costa, do Observatório Nacional.
A questão de como a Via Láctea se formou tem sido objeto de especulação científica e debate já há centenas de anos. O mapa tridimensional do APOGEE fornecerá informações-chave para a solução de questões centrais sobre como a nossa Galáxia se formou e evoluiu ao longo dos bilhões de anos de sua história.
Nos cenários atualmente aceitos pela comunidade científica, a Via Láctea tem atualmente três partes principais: um bojo oblongo de alta densidade no centro, o disco achatado em que vivemos, e uma componente esférica de baixa densidade chamada de "halo" que se estende por centenas de milhares de anos-luz. "Estrelas nessas diferentes regiões têm idades e composições químicas distintas, o que significa que elas se formaram em momentos diferentes e sob condições diversas ao longo da história da nossa galáxia", explica Gail Zasowski, da Ohio State University, que selecionou a melhor amostra possível de estrelas.
Quem olha para o céu a partir de um local escuro, longe do brilho esmagador das luzes da cidade, enxerga a Via Láctea aparecendo como uma faixa luminosa no céu, entrecortada por cortinas escuras. Esta faixa é o disco e bojo de nossa galáxia, e as cortinas são formadas pela poeira que bloqueia a luz visível de partes mais distantes. Devido a essa poeira, estudos anteriores eram limitados em sua capacidade de medir de forma consistente estrelas na direção do centro da Via Láctea. A solução buscada pelo APOGEE foi observar a luz infravermelha delas, que consegue atravessar com mais facilidade as nuvens de poeira. Esta capacidade de explorar regiões previamente escondidas da galáxia permite ao APOGEE conduzir o primeiro estudo abrangente da Via Láctea, do centro ao halo.
Observar dezenas de milhares de estrelas é uma tarefa demorada. Para conseguir seu objetivo de observar 100 mil estrelas em apenas três anos, o APOGEE observa até 300 estrelas diferentes ao mesmo tempo, usando cabos de fibra óptica ligados a uma grande placa de alumínio com furos alinhados à posição de cada estrela. A luz é levada através de cada fibra ao espectrógrafo APOGEE, onde uma rede prismática distribui a luz por comprimento de onda. "A grade é a primeira e maior de seu tipo já implantada em um instrumento astronômico", revela John Wilson, da University of Virginia, que liderou a equipe de design do instrumento APOGEE.
Espectros de estrelas da Apogee ajudarão a desvendar a história da nossa galáxia, e a chave para isso é conhecer a composição química e o movimento das estrelas de cada região. Como os elementos mais pesados que o hidrogênio e o hélio são produzidos em estrelas e disseminados pela galáxia por explosões e ventos estelares, os astrônomos sabem que as estrelas que tenham mais desses elementos pesados devem ter-se formado mais recentemente, após gerações estelares anteriores terem tempo para criar esses elementos pesados.
"Em descobrindo quais partes da galáxia contêm estrelas mais velhas e quais contém estrelas mais jovens, e considerando essa informação em conjunto com o modo como as estrelas estão se movendo, podemos traçar uma história detalhada de como a galáxia se formou e evoluiu para o que vemos hoje", diz Peter Frinchaboy, da Texas Christian University, que coordenou todas as observações do APOGEE.
Os dados do APOGEE também fornecem um contexto rico para investigar uma ampla gama de questões sobre as próprias estrelas. Uma vez que o APOGEE observa cada estrela-alvo várias vezes, ele pode identificar mudanças em seu espectro ao longo do tempo. Esta característica permitiu que a equipe do APOGEE descobrisse tipos incomuns de estrelas variáveis de curto período, identificasse quantas estrelas são realmente binárias com companheiros invisíveis e, até mesmo, detectasse movimentos estelares sutis causados por exoplanetas em órbita.
O Data Release 10 também publica outros 685 mil espectros de outro subprojeto do SDSS, o Baryon Oscillation Spectroscopic Survey (BOSS). Esses novos espectros vêm de galáxias e quasares distantes, cuja luz corresponde a uma época muito mais jovem do Universo, justamente quando a força misteriosa conhecida como energia escura começava a influenciar a expansão do Universo. Os novos espectros coletados pelo BOSS e os espectros adicionais que o SDSS-III vai continuar a obter nos anos finais da pesquisa ajudarão os cientistas a entender o que é a energia escura.
O SDSS-III é um levantamento de seis anos voltado para estrelas próximas, a Via Láctea e o cosmos distante. O telescópio de 2,5 metros de diâmetro da Sloan Foundation, situado no Observatório Apache Point, no Novo México, conduz observações que são usadas para alimentar ou o espectroscópico óptico do BOSS ou o espectroscópio infravermelho do APOGEE. "Temos lançado dados desde 2001 e ainda não estamos perto de parar", diz o porta-voz do SDSS-III, Michael Wood-Vasey, da University of Pittsburgh: "Acesso público aos dados sempre foi um objetivo central de nosso projeto, e estamos orgulhosos de continuar essa tradição, hoje, com esta nova distribuição rica em informação sobre nossa galáxia". Todos os dados estão disponíveis para quem tiver interesse em http://www.sdss3.org/dr10. Em breve, eles também poderão ser encontrados no portal mantido pelo LineA, no endereço: http://skyserver.linea.gov.br.

Fonte: ON

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