quarta-feira, 14 de maio de 2014

Resolvido o mistério da formação de estrelas magnéticas?

As estrelas magnéticas são os estranhos restos extremamente densos que resultam de explosões de supernovas.

ilustração da estrela magnética no aglomerado estelar Westerlund 1

© ESO/L. Calçada (ilustração da estrela magnética no aglomerado estelar Westerlund 1)

São os objetos com o campo magnético mais poderoso que se conhecem no Universo, milhões de vezes mais potentes que os mais fortes imãs na Terra. Uma equipe de astrônomos, usando o Very Large Telescope (VLT) do ESO, descobriu pela primeira vez a estrela companheira de uma estrela magnética. Esta descoberta ajuda a explicar como é que estes objetos se formam - um debate que já dura 35 anos - e porque é que esta estrela tão particular não colapsou para formar um buraco negro, como seria de esperar.

Quando uma estrela de massa muito elevada colapsa sob o efeito da sua própria gravidade durante a explosão de uma supernova, dá origem a uma estrela de nêutrons ou a um buraco negro. As estrelas magnéticas são uma forma peculiar e muito exótica de estrela de nêutrons. Tal como todos estes objetos estranhos, as estrelas magnéticas são muito pequenas e possuem campos magnéticos extremamente potentes. As superfícies destes objetos emitem enormes quantidades de raios gama quando sofrem um ajustamento súbito chamado “tremor de estrela”, resultado das enormes forças a que as suas crostas estão sujeitas.

aglomerado estelar Westerlund 1

© ESO (aglomerado estelar Westerlund 1)

O aglomerado estelar Westerlund 1, situado a 16.000 anos-luz de distância na constelação austral do Altar, acolhe uma das duas dúzias de estrelas magnéticas conhecidas na Via Láctea. É a chamada CXOU J16470.2-455216, que muito tem intrigado os astrônomos.

O aglomerado aberto Westerlund 1 foi descoberto na Austrália em 1961 pelo astrônomo sueco Bengt Westerlund. Este aglomerado encontra-se por detrás de uma enorme nuvem de gás e poeira, que bloqueia a maioria da radiação visível emitida. O fator de escurecimento é mais de 100.000, tendo sido esta a razão pela qual se demorou tanto tempo para descobrir a verdadeira natureza deste aglomerado tão peculiar.
O Westerlund 1 é um autêntico laboratório natural para o estudo da física estelar extrema, ajudando os astrônomos a descobrir como é que as estrelas de maior massa da Via Láctea vivem e morrem. A partir de observações, os astrônomos concluíram que esteaglomerado contém, muito provavelmente, não menos de 100.000 vezes a massa do Sol, e que todas as suas estrelas se situam numa região com uma dimensão inferior a 6 anos-luz. O Westerlund 1 parece assim ser o aglomerado jovem de maior massa mais compacto identificado até agora na Via Láctea.
Todas as estrelas deste aglomerado que até agora foram analisadas têm massas de, pelo menos, 30 a 40 vezes a massa do Sol. Uma vez que tais estrelas têm vidas relativamente curtas conclui-se que o Westerlund 1 deve ser muito jovem, com uma idade entre 3,5 e 5 milhões de anos, o que o torna claramente um aglomerado recém nascido na nossa Galáxia.

“O nosso trabalho anterior mostrou que a estrela magnética no enxame Westerlund 1 deve ter nascido de uma explosão de uma estrela moribunda com cerca de 40 vezes a massa do Sol, o que em si mesmo constitui um problema, já que se pensa que estrelas com estes valores de massa colapsem para dar origem a buracos negros e não a estrelas de nêutrons. No momento não percebemos como é que este objeto poderia ter originado uma estrela magnética,” diz Simon Clark, autor principal do artigo que descreve estes resultados.

Os astrônomos propuseram uma solução para este mistério, sugerindo que a estrela magnética se teria formada a partir das interações entre duas estrelas de elevada massa que orbitariam em torno uma da outra num sistema binário tão compacto que caberia no interior da órbita da Terra em torno do Sol. No entanto, até agora não tinha sido detectada nenhuma estrela companheira na posição da estrela magnética de Westerlund 1. Por isso, os astrônomos utilizaram o VLT para a procurarem em outras regiões deste aglomerado. Fizeram uma busca de estrelas fugidias, objetos que escapam do aglomerado com velocidades muito elevadas, que poderiam ter sido ejetadas para fora da sua órbita pela explosão de supernova que deu origem à estrela magnética. Uma estrela, chamada CI* Westerlund 1 W 5 (ou simplesmente Westerlund 1-5), parece corresponder aos critérios de busca dos astrônomos.
“Esta estrela não só possui um movimento consistente com o fato de ter recebido um “pontapé” da supernova mas é também demasiado brilhante para ter nascido como estrela isolada. Mais ainda, possui uma composição rica em carbono altamente invulgar, impossível de obter numa estrela única, uma pista importante que nos mostra que se deve ter formado originalmente com uma companheira num binário de estrelas,” acrescenta Ben Ritchie (Open University), um dos autores do novo artigo científico.
Esta descoberta permitiu reconstruir a história da vida estelar que deu origem à formação da estrela magnética, em vez do esperado buraco negro. À medida que as estrelas envelhecem, as reações nucleares que ocorrem no seu interior modificam a sua composição química, os elementos que alimentam as reações gastam-se, enquanto que os produtos das reações se vão acumulando. Esta impressão digital química é inicialmente rica em hidrogênio e azoto e pobre em carbono. É apenas numa idade muito mais avançada das estrelas que a concentração de carbono aumenta, momento em que o hidrogênio e o azoto já estão severamente reduzidos. Pensa-se que é impossível que uma estrela isolada seja simultaneamente rica em hidrogênio, azoto e carbono, como é o caso da Westerlund 1-5. Na primeira fase deste processo, a estrela de maior massa do par começa a ficar sem combustível, transferindo as suas camadas mais exteriores para a companheira de menor massa, que está destinada a tornar-se uma estrela magnética, e fazendo com que esta gire cada vez mais depressa. Esta rotação rápida parece ser o ingrediente essencial na formação do campo magnético muito intenso da estrela magnética.
Numa segunda fase, e como resultado desta transferência de matéria,  a companheira fica com tanta massa que, por sua vez, descarta uma enorme quantidade desta matéria recém adquirida. A maior parte dessa massa perde-se no espaço mas uma pequena quantidade volta à estrela original que vemos ainda hoje brilhando, a Westerlund 1-5.
“É este processo de troca de material que conferiu à Westerlund 1-5 uma assinatura química tão invulgar e permitiu que a massa da sua companheira diminuísse para níveis suficientemente baixos, dando assim origem a uma estrela magnética em vez de um buraco negro, um jogo da ‘batata quente’ estelar com consequências cósmicas!” conclui o membro da equipe Francisco Najarro (Centro de Astrobiologia, Espanha). 
Assim, o aspecto de uma estrela pertencer a um binário parece ser um ingrediente essencial na confecção de uma estrela magnética. A rotação rápida criada pela transferência de matéria entre as duas estrelas é necessária para dar origem ao campo magnético extremamente intenso e uma segunda fase de transferência de material faz com que a estrela destinada a tornar-se uma estrela magnética "emagreça" o suficiente para não colapsar sob a forma de buraco negro no momento da sua morte.

Este trabalho será brevemente publicado na revista Astronomy & Astrophysics (“A VLT/FLAMES survey for massive binaries in Westerlund 1: IV.Wd1-5 binary product and a pre-supernova companion for the magnetar CXOU J1647-45” de J. S. Clark et al.). A mesma equipe publicou um primeiro estudo deste objeto em 2006 (“A Neutron Star with a Massive Progenitor in Westerlund 1” de M. P. Muno et al., Astrophysical Journal, 636, L41).

Fonte: ESO

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