segunda-feira, 27 de março de 2017

Estrelas nascidas em ventos de buracos negros supermassivos

Com o auxílio do Very Large Telescope (VLT) do ESO foram descobertas estrelas formando-se nos poderosos fluxos de matéria lançados por buracos negros supermassivos, situados nos núcleos de galáxias.

ilustração de estrelas nascidas em ventos de buracos negros supermassivos

© ESO/M. Kornmesser (ilustração de estrelas nascidas em ventos de buracos negros supermassivos)

Tratam-se das primeiras observações confirmadas de estrelas em formação neste tipo de ambiente extremo. A descoberta tem muitas consequências para a compreensão da evolução e propriedades das galáxias.

Um grupo de astrônomos europeus liderado pelo Reino Unido utilizou os instrumentos MUSE e X-shooter montados no VLT, no Observatório do Paranal no Chile, para estudar uma colisão entre duas galáxias, chamadas coletivamente IRAS F23128-5919, situadas a cerca de 600 milhões de anos-luz de distância da Terra. A equipe observou os ventos colossais de matéria que têm origem perto do buraco negro supermassivo situado no núcleo da galáxia do par mais ao sul, e descobriu evidências claras de formação de estrelas ocorrendo nestes fluxos. As estrelas formam-se nos fluxos a taxas muito elevadas; os astrônomos pensam que são formadas estrelas correspondentes a um total de 30 vezes a massa do Sol por ano, o que equivale a mais de um quarto da formação estelar em todo este sistema de galáxias em fusão.

Este tipo de fluxos galácticos tem origem na enorme liberação de energia por parte dos centros ativos e turbulentos das galáxias. Os buracos negros supermassivos “escondem-se” no coração da maioria das galáxias e ao “engolirem” matéria aquecem o gás ao seu redor, lançando-o para fora da galáxia hospedeira sob a forma de ventos densos e poderosos. A expulsão do gás sob a forma de fluxos galácticos dá origem a um meio pobre em gás no interior da galáxia, o que pode muito bem ser a razão pela qual algumas galáxias param de formar novas estrelas à medida que envelhecem. Embora estes fluxos tenham muito provavelmente a sua origem em buracos negros supermassivos centrais, também é possível que estes ventos sejam alimentados por supernovas num núcleo com formação estelar explosiva, ou seja, que está formando estrelas de forma vigorosa.

“Os astrônomos já suspeitavam há algum tempo que as condições no interior destes fluxos fossem adequadas para a ocorrência de formação estelar, no entanto ninguém tinha observado ainda o fenômeno acontecendo, já que se trata de uma observação muito difícil,” disse o líder da equipe Roberto Maiolino da Universidade de Cambridge. “Os nossos resultados são excitantes porque mostram sem ambiguidade que estrelas estão se formando no interior destes fluxos.”

A equipe resolveu estudar as estrelas que se encontram diretamente nos fluxos, assim como o gás ao redor. Os instrumentos espectroscópicos MUSE e X-shooter, ambos líderes mundiais, permitiram à equipe realizar um estudo muito detalhado das propriedades da radiação emitida, de modo a identificar a sua fonte.

Sabe-se que a radiação emitida por estrelas jovens faz as nuvens de gás próximas brilharem de um modo particular. A extrema sensibilidade do X-shooter permitiu à equipe descartar outras causas possíveis para este brilho, incluindo choques no gás ou núcleos ativos na galáxia.

A equipe detectou também, sem sombra de dúvidas e de forma direta, uma população estelar muito jovem nos fluxos. Acredita-se que estas estrelas tenham uma idade inferior a algumas dezenas de milhões de anos, e análises preliminares sugerem que estes objetos são mais quentes e brilhantes do que estrelas que se formam em meios menos extremos tais como os discos galácticos.

Como evidências adicionais, os astrônomos determinaram também o movimento e a velocidade destas estrelas. A radiação emitida pela maioria das estrelas na região indica que estas se deslocam a altas velocidades afastando-se do centro da galáxia, o que faz sentido para objetos "apanhados" numa corrente de material que se desloca a alta velocidade.

“As estrelas que se formam no vento próximo do centro galáctico podem ser freadas ou até começar a voltar, mas as estrelas que se formam mais longe apresentam menor desaceleração, podendo até deslocar-se para fora da galáxia,” explica Helen Russell  do Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge.

Esta descoberta nos dá novas informações que ajudarão a compreender vários fenômenos astrofísicos, por exemplo: como que certas galáxias obtêm as suas formas; como que o meio intergaláctico se enriquece de elementos pesados, e qual a origem da inexplicável radiação cósmica de fundo infravermelha.

As galáxias espirais têm uma estrutura em disco óbvia, apresentando no centro um bojo distendido de estrelas e estando rodeadas por uma nuvem difusa de estrelas chamada halo. As galáxias elípticas são essencialmente compostas por estes elementos esferoidais. As estrelas formadas nos fluxos e que são ejetadas do disco principal poderão dar origem a estas estruturas galácticas.

Como é que o espaço entre as galáxias, o meio intergaláctico, se enriquece em elementos pesados é uma questão que ainda permanece em aberto, no entanto as estrelas dos fluxos poderão fornecer uma resposta. Se forem lançadas para fora da galáxia e depois explodirem sob a forma de supernovas, os elementos pesados que contêm poderão ser liberados neste meio.

A radiação cósmica de fundo infravermelha, semelhante à mais famosa radiação cósmica de fundo de microondas, é um brilho fraco na região infravermelha do espectro que vem de todas as direções do espaço. No entanto, a sua origem nas bandas do infravermelho próximo nunca foi verificada de modo satisfatório. Uma população de estrelas de fluxo lançadas para o espaço intergaláctico poderá contribuir para esta radiação.

“Se tivermos de fato formação estelar ocorrendo na maioria dos fluxos galácticos, como algumas teorias prevêem, então poderemos ter um cenário completamente diferente de evolução das galáxias,” disse Maiolino.

Este trabalho foi descrito no artigo científico intitulado “Star formation in a galactic outflow” de Maiolino et al., que foi publicado hoje na revista Nature.

Fonte: ESO

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