Um estudo, que contou com a colaboração do astrônomo do Observatório Nacional (ON/MCTI), Dr. Rodney Gomes, revelou a origem do planeta anão Ceres, o maior objeto do Cinturão de Asteroides localizado entre Marte e Júpiter.
© ESO/L. Calçada (Ceres)
De acordo com os pesquisadores, o planeta anão foi formado na zona mais fria do Sistema Solar, que se estende além da órbita de Júpiter. Posteriormente, Ceres teria sido lançado para o Cinturão de Asteroides, onde permanece até hoje.
O que levou os cientistas a essa conclusão foi a composição diferenciada de Ceres em relação aos objetos vizinhos.
O planeta anão tem um formato aproximadamente esférico, com o núcleo sendo provavelmente composto de ferro e silicato. Seu diâmetro é de quase mil quilômetros, mas a massa de Ceres não é suficientemente grande para segurar, por atração gravitacional, uma atmosfera.
Contudo, o que realmente destaca Ceres dos demais objetos é seu manto de gelo de amônia e água, que evapora com a incidência da luz solar, formando uma névoa que se dispersa no exterior.
Como a maioria dos corpos do cinturão não tem amônia, é provável que Ceres tenha sido formado fora do Cinturão, em uma órbita além de Saturno, onde a amônia era abundante. Depois, devido à instabilidade gravitacional provocada pela formação de Júpiter e Saturno, Ceres teria sido “puxado” para a zona média do Cinturão.
“A presença de gelo de amônia é uma forte evidência observacional de que Ceres possa ter sido formado na região mais fria do Sistema Solar, além da chamada Linha de Gelo, onde as temperaturas eram baixas o suficiente para ocorrer condensação e fusão de água e substâncias voláteis, como monóxido de carbono, dióxido de carbono e amônia,” afirmou o autor principal do estudo Rafael Ribeiro de Sousa, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Quando o Sistema Solar estava em formação, há cerca de 4,5 bilhões de anos, essa Linha Gel, que hoje está próxima da órbita de Júpiter, variou de posição, de acordo com a evolução do disco de gás protoplanetário (disco composto por 99% de gás e 1% de poeira).
Mais precisamente, a perturbação gravitacional provocada pelo crescimento dos planetas pode ter alterado a densidade, a pressão e a temperatura do disco, deslocando a Linha de Gelo e fazendo com que planetas em crescimento migrassem para órbitas mais próximas do Sol.
Para chegar a esta conclusão, os cientistas realizaram simulações computacionais da fase de formação dos planetas gigantes, considerando as presenças de Júpiter, Saturno, embriões planetários (precursores de Urano e Netuno) e vários objetos similares em tamanho e composição química a Ceres.
Nas simulações, eles verificaram que a fase de formação dos planetas gigantes caracterizou-se por colisões gigantescas entre os precursores de Urano e Netuno e pela ejeção de planetas para fora do Sistema Solar. Além disso, a perturbação gravitacional espalhou objetos similares a Ceres por toda a parte, sendo que alguns provavelmente alcançaram a região do Cinturão de Asteroides, adquirindo órbitas estáveis.
“Nosso principal resultado indica que, no passado, havia no mínimo 3.500 objetos do tipo Ceres, além da órbita de Saturno. E que, com esse número de objetos, nosso modelo mostrou que um deles conseguiu ser transportado e capturado no Cinturão de Asteroides, em uma órbita muito similar à órbita atual de Ceres,” destacou o professor Ribeiro de Sousa.
O estudo, então, corrobora pesquisas anteriores que já haviam estimado o número de 3.500 objetos de tipo Ceres a partir da observação de crateras e de tamanhos de outras populações de astros situadas além de Saturno.
“Com nosso cenário, fomos capazes de confirmar tal número e explicar as propriedades orbitais e químicas de Ceres. Esse trabalho conta um ponto a favor dos modelos mais recentes de formação do Sistema Solar,” resume Ribeiro de Sousa.
O Cinturão de Asteroides é uma espécie de laboratório, pois guarda informações do que teria sido a evolução do Sistema Solar primitivo.
“Nos primórdios do Sistema Solar, interagiam gravitacionalmente objetos maiores chamados proto-planetas e objetos menores, denominados planetesimais, pequenos corpos que, em se agregando, formariam os proto-planetas e finalmente os planetas. Nesse tempo ainda existia um disco de gás no qual esses corpos estavam imersos. Esse disco de gás teria tido um importante papel na estabilização final da órbita de Ceres,” disse Gomes.
Quando os planetas já estavam praticamente formados, muitos dos planetesimais restantes, encontrando um meio menos denso, não conseguiram se aglutinar em corpos maiores e permaneceram no seu tamanho original.
Hoje esses planetesimais são os chamados asteroides, que se encontram em sua maior parte entre as órbitas de Marte e Júpiter, como também os objetos transnetunianos, que se encontram além da órbita de Netuno.
“No entanto, os asteroides hoje apresentam composições químicas bastante variadas, sugerindo que tenham vindo de regiões diferentes. A maior parte teria tido sua origem na própria região asteroidal, muito embora nesta região tenha havido uma ‘mistura’ de objetos inicialmente em distâncias diferentes ao Sol. Contudo, alguns objetos, devido a sua composição de elementos mais voláteis, sugerem terem vindo de regiões mais afastadas do Sol e este seria o caso de Ceres," disse Gomes.
"O trabalho liderado por Rafael Ribeiro de Souza tem justamente o objetivo de mostrar um caminho dinâmico pelo qual Ceres se deslocou de sua posição inicial além dos planetas gigantes até a sua posição atual dentro do Cinturão de Asteroides. Além disso, o estudo visa mostrar que esse caminho tem uma probabilidade significativa de ter ocorrido, sendo, portanto, uma hipótese provável. Minha contribuição foi principalmente orientar o Rafael no emprego de ferramentas estatísticas e sua interpretação a fim de avaliar a probabilidade da hipótese. Entre várias importâncias que esse trabalho pode ter, uma delas é dar mais uma comprovação do modelo primordial de formação e evolução do Sistema Solar primitivo. Também motiva a realização de um estudo mais amplo sobre a origem de outros asteroides de composição compatível com uma formação primordial além das órbitas originais dos planetas gigantes,” complementa Gomes.
Além de Ribeiro de Sousa e Rodney Gomes, também assinam o artigo o professor Ernesto Vieira Neto (UNESP) e pesquisadores da Université Côte d’Azur, na França; da Rice University e nos Estados Unidos.
O estudo em questão será publicado em junho deste ano no periódico Icarus.
Fonte: Observatório Nacional