quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Sinais de rádio de um buraco negro destruindo uma estrela

Astrônomos descobriram o primeiro evento de perturbação de marés que ocorre fora do centro de uma galáxia.

© NRAO (erupções de rádio lançadas por buraco um negro)

O evento, designado AT2024tvd, revelou os sinais de rádio de evolução mais rápida alguma vez observados neste tipo de catástrofe cósmica. A descoberta, liderada por pesquisadores da Universidade da Califórnia, Berkeley, representa um grande avanço na compreensão da forma como buracos negros massivos se podem esconder em locais inesperados do Universo.

Os eventos de perturbação de marés ocorrem quando uma estrela se aventura demasiado perto de um buraco negro massivo e é despedaçada pelas imensas forças gravitacionais do buraco negro. Embora estes eventos ocorram tipicamente nos centros das galáxias onde residem buracos negros supermassivos, AT2024tvd foi descoberto a cerca de 0,8 kiloparsecs (cerca de 2.600 anos-luz) de distância do centro da sua galáxia hospedeira.

A campanha de monitoramento na frequência rádio, que incluiu comprimentos de onda do centímetro ao milímetro, revelou características sem precedentes. O evento mostrou duas erupções rádio distintas com escalas de tempo de evolução muito superiores a tudo o que foi observado anteriormente em eventos de perturbação de marés.

A primeira erupção subiu pelo menos tão rápido quanto t9 (onde t é o tempo desde a descoberta óptica) e declinou como t6, enquanto a segunda erupção exibiu um aumento inicial de t18 e declínio de t12. A emissão rádio de AT2024tvd evolui tão rapidamente que se destaca mesmo entre os eventos cósmicos mais extremos conhecidos.

A descoberta utilizou uma extensa rede de radiotelescópios, incluindo o VLA (Very Large Array) e o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), o AMI-LA (Arcminute Microkelvin Imager Large Array), o ATA (Allen Telescope Array) e o SMA (Submillimeter Array). Esta abordagem multitelescópica permitiu seguir a evolução do evento através de uma vasta gama de frequências de rádio durante aproximadamente 300 dias. A investigação sugere que a rápida evolução rádio resulta de pelo menos um, e possivelmente dois, fluxos lançados significativamente após a perturbação estelar inicial.

A análise da equipe indica que estes fluxos foram provavelmente lançados 80 e 170 dias após a descoberta óptica, desafiando os modelos tradicionais de como se desenrolam os eventos de perturbação de marés. A única razão pela qual foi possível detectar este buraco negro errante é porque ele dilacerou uma estrela e produziu estes sinais de rádio incrivelmente brilhantes.

A posição não nuclear deste evento de perturbação de maré fornece informações cruciais sobre a população de buracos negros massivos que podem estar vagando pelas galáxias ou a retrair-se de interações passadas. As teorias atuais sugerem que tais buracos negros podem resultar de interações de buracos negros triplos ou ser remanescentes de fusões de galáxias.

A sofisticada análise marca também a primeira vez que tanto a absorção livre-livre como o arrefecimento por Compton inverso foram considerados em conjunto na modelação da emissão de rádio de um evento de perturbação de maré, fornecendo novas ferramentas para compreender estes eventos extremos.

Com os próximos levantamentos do céu, poderemos descobrir que estes eventos de perturbação de marés não nucleares são mais comuns do que pensávamos. A pesquisa também revelou uma potencial ligação entre o lançamento de fluxos emissores de rádio e alterações na emissão de raios X do evento, sugerindo uma ligação a processos de acreção em torno do buraco negro. O AT2024tvd foi inicialmente descoberto pelo ZTF (Zwicky Transient Facility) no dia 25 de agosto de 2024, em comprimentos de onda ópticos, antes de observações de seguimento revelarem o seu brilho no rádio e a sua natureza não nuclear.

Os resultados foram publicados no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: National Radio Astronomy Observatory

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Primeira detecção de "água pesada" num disco de formação planetária

A descoberta de água antiga num disco de formação planetária revela que alguma da água encontrada nos cometas, e talvez até na Terra, é mais antiga do que o disco da própria estrela, oferecendo uma visão inovadora da história da água no nosso Sistema Solar.

© NRAO (evolução de água pesada em nuvens moleculares gigantes)

Astrônomos, recorrendo ao ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), fizeram a primeira detecção de água duplamente deuterada (D₂O, ou "água pesada") num disco de formação planetária em torno de V883 Ori, uma estrela jovem. Isto significa que a água neste disco, e por extensão a água nos cometas que aqui se formam, é anterior ao nascimento da própria estrela, tendo viajado através do espaço a partir de antigas nuvens moleculares muito antes da formação deste sistema.

Isto representa um grande avanço na compreensão da viagem da água através da formação planetária, e como esta água chegou ao nosso Sistema Solar, e possivelmente à Terra, através de processos semelhantes. 

A impressão digital química do D₂O mostra que estas moléculas de água sobreviveram aos violentos processos de formação estelar e planetária, viajando bilhões de quilômetros através do espaço e do tempo antes de acabarem em sistemas planetários como o nosso. Em vez de ser destruída e reformada no disco, a maior parte desta água é herdada das primeiras e mais frias fases da formação estelar, uma herança cósmica que também pode estar presente na Terra atual.

Até agora, não era conhecido que a maior parte da água dos cometas e planetas se formou em discos jovens como o de V883 Ori, ou se é "pristina", proveniente de antigas nuvens interestelares. A detecção de água pesada, usando taxas sensíveis de isotopólogos (D₂O/H₂O), prova a herança antiga da água e fornece um elo perdido entre nuvens, discos, cometas e, em última análise, planetas.

Esta descoberta é a primeira evidência direta da viagem interestelar da água desde as nuvens até aos materiais que formam os sistemas planetários, inalterada e intacta. A água é fundamental para a vida e para a habitabilidade. Saber de onde vem a água dos planetas ajuda-nos a compreender os ingredientes para a vida no nosso Sistema Solar e em outros.

A descoberta sugere que muitos planetas jovens, e talvez mesmo exoplanetas, poderão herdar água bilhões de anos mais velha do que eles próprios, lembrando-nos como a nossa existência está profundamente interligada com o passado antigo do Universo.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: National Radio Astronomy Observatory

Um objeto raro e misterioso no espaço

Uma estrutura incomum de anéis duplos observada no espaço com a ajuda de cientistas cidadãos revelou-se uma raridade cósmica.

© LOFAR (galáxia RAD J122622.6+640622)

A anomalia celestial, captada pelo radiotelescópio Low-Frequency Array (LOFAR), é um círculo de rádio estranho, também conhecido como Odd Radio Circle (ORC), provavelmente consistem em plasma magnetizado, ou seja, gás carregado fortemente influenciado por campos magnéticos, e são tão massivos que galáxias inteiras residem em seus centros.

Estendendo-se por centenas de milhares de anos-luz, eles frequentemente atingem de 10 a 20 vezes o tamanho da nossa Via Láctea. Mas também são incrivelmente tênues e geralmente detectáveis apenas por meio do espectro de rádio.

O círculo de rádio ímpar recém-descoberto, denominado RAD J131346.9+500320, é o mais distante conhecido até o momento, localizado a 7,5 bilhões de anos-luz da Terra (um ano-luz é a distância que a luz percorre em um ano, cerca de 9,46 trilhões de quilômetros), e o primeiro descoberto por cientistas cidadãos. É também apenas o segundo círculo de rádio incomum possuindo dois anéis, que foram descobertos pela primeira vez há cerca de seis anos, mas as estruturas permanecem amplamente enigmáticas.

A RAD@home Astronomy Collaboratory é uma comunidade online aberta a qualquer pessoa com formação em ciência, onde astrônomos treinam os usuários para reconhecer padrões em trechos tênues e difusos de ondas de rádio e analisar imagens astronômicas.

O estranho círculo de rádio recém-descoberto apareceu em dados do LOFAR, composto por milhares de antenas na Holanda e em toda a Europa, formando um grande radiotelescópio. É a maior e mais sensível ferramenta que opera em baixas frequências. Embora os participantes do RAD@home Astronomy Collaboratory não tenham sido especificamente treinados para procurar círculos de rádio estranhos, a estrutura incomum de anel duplo se destacou, marcando o primeiro círculo de rádio estranho identificado com o LOFAR. 

Os anéis parecem se cruzar, o que os pesquisadores acreditam ser devido ao nosso ponto de vista a partir da Terra, mas provavelmente estão separados no espaço. O par se estende por 978.469 anos-luz de diâmetro. Astrônomos já acreditaram que os estranhos círculos de rádio poderiam ser gargantas de buracos de minhoca, ondas de choque de colisões de buracos negros ou galáxias em fusão, ou ainda jatos poderosos emitindo partículas energéticas.

As nuvens de plasma provavelmente foram criadas inicialmente por jatos de material liberados pelo buraco negro supermassivo da galáxia. Uma nova onda de choque essencialmente iluminou a “fumaça” deixada pela atividade passada da galáxia. Buracos negros não devoram diretamente estrelas, gás e poeira. Em vez disso, esse material cai em um disco giratório ao redor do buraco negro. À medida que os detritos giram mais rapidamente, tornam-se superaquecidos. Os poderosos campos magnéticos ao redor dos buracos negros ajudam a canalizar essas partículas energéticas e superaquecidas para longe deles em jatos que quase atingem a velocidade da luz.

A equipe de ciência cidadã também detectou dois círculos de rádio estranhos adicionais em duas galáxias diferentes, incluindo um localizado no final de um jato poderoso que apresenta uma curva acentuada, resultando em um anel de rádio com cerca de 100.000 anos-luz de largura. Ambos os círculos de rádio estranhos estão em galáxias que ficam dentro de aglomerados maiores de galáxias, o que significa que os jatos lançados de seus buracos negros supermassivos interagem com o plasma quente ao redor, o que pode ajudar a moldar os anéis de rádio. 

No momento, a ciência cidadã parece ser a melhor abordagem,, pois é difícil treinar uma IA para detectar círculos de rádio estranhos porque há poucos exemplos conhecidos. Os ORCs são realmente difíceis de encontrar, mas sabe-se que devem haver centenas nos dados. 

A equipe acredita que o fenômeno pode servir como uma forma de registrar e preservar eventos antigos e violentos que moldaram galáxias há bilhões de anos atrás. A luz do círculo de rádio viajou por 7,5 bilhões de anos até chegar à Terra e pode fornecer informações sobre os papéis que os círculos de rádio estranhos desempenham na evolução das galáxias em diferentes escalas de tempo, algo ainda pouco compreendido.

Muitas perguntas ainda pairam sobre os círculos de rádio estranhos, incluindo por que os astrônomos só os veem em tamanhos tão grandes. Será que os círculos se expandem a partir de bolhas menores e indetectáveis? E se os círculos de rádio estranhos surgem da fusão de galáxias ou buracos negros supermassivos, por que não são observados com mais frequência? 

A ajuda de cientistas cidadãos e de telescópios de nova geração, como o Square Kilometre Array (SKA), na África do Sul e na Austrália, será essencial para responder a essas perguntas. Atualmente em construção e com previsão de conclusão para 2028, o conjunto incluirá milhares de antenas parabólicas e até um milhão de antenas de baixa frequência, criando o maior radiotelescópio do mundo. Embora essas antenas e pratos estejam em duas partes diferentes do planeta, eles formarão um único telescópio com mais de 1 milhão de metros quadrados de área coletora, permitindo que os astrônomos examinem todo o céu muito mais rapidamente do que nunca. O SKA e outros telescópios em desenvolvimento poderão observar os estranhos círculos de rádio com muito mais detalhes, ajudando os astrônomos a aprender mais sobre a evolução de buracos negros e galáxias.

O estudo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: RAD@home Astronomy Collaboratory

A gravidade remodela os campos magnéticos em aglomerados estelares

Astrônomos usando o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) captaram a imagem mais nítida até agora de como estrelas massivas se formam.

© NASA / Spitzer (NGC 6334)

Esta imagem do telescópio espacial Spitzer da NASA mostra uma região de formação estelar na nuvem molecular NGC 6334, também conhecida como Nebulosa da Pata de Gato. As cores correspondem à emissão em 3,6 micrômetros (azul), 4,5 micrômetros (verde) e 8 micrômetros (vermelho). Esta nuvem está ativamente formando estrelas massivas e está localizada na constelação de Escorpião, entre 4.200 e 5.500 anos-luz da Terra. Os dados do ALMA sobrepostos à imagem mostram detalhes de quatro áreas específicas que foram observadas (NGC6334I, NGC6334I(N), NGC6334IV e NGC6334V), revelando forças invisíveis de magnetismo e gravidade enquanto elas lutam e moldam a formação de estrelas nas profundezas da gigantesca nuvem molecular. A escala de cores nas imagens do ALMA representa a intensidade da emissão de poeira em um comprimento de onda de 1,3 mm e as linhas de cortina representam a orientação do campo magnético.

Ao ampliar a escala para apenas algumas vezes maiores que o nosso Sistema Solar, a equipe conseguiu observar pela primeira vez o cabo de guerra entre campos magnéticos e gravidade que ajuda as estrelas a tomarem forma nas profundezas de nuvens moleculares gigantes. A formação estelar ocorre quando a gravidade comprime o gás frio até que ele colapse sobre si mesmo. Mas esse colapso épico não é impulsionado apenas pela gravidade e, por décadas, os astrônomos debatem qual força de campos magnéticos ou gravitacional, domina o processo de formação estelar.

Enquanto os campos magnéticos e a turbulência começam resistindo fortemente à atração da gravidade, os campos magnéticos são gradualmente puxados para o alinhamento com o gás em queda quando a gravidade assume o papel de força motriz que molda a nuvem em colapso. Foi observado que a gravidade reorienta o campo magnético à medida que as nuvens colapsam, oferecendo novas pistas sobre como estrelas massivas e os aglomerados que elas habitam emergem do meio interestelar.

As observações também revelaram um padrão surpreendente: as orientações do campo magnético em nuvens moleculares não ocorrem aleatoriamente. Em vez disso, ocorrem principalmente de duas maneiras, às vezes alinhando-se com a direção da gravidade e às vezes perpendiculares a ela. O padrão é evidência de uma relação complexa e evolutiva entre essas duas forças cósmicas.

Compreender como as estrelas se formam é fundamental para quase todos os campos da astronomia, moldando tudo, desde as origens do Sol até a evolução das galáxias. A pesquisa traz nova clareza sobre as interações entre gravidade e campos magnéticos na formação de estrelas massivas e fornece aos cientistas novas ferramentas poderosas para testar e refinar teorias sobre os ciclos de vida de estrelas, planetas e nuvens moleculares.

As novas observações foram publicadas no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Harvard–Smithsonian Center for Astrophysics

As marés estão mudando para as anãs brancas

As anãs brancas são os remanescentes compactos de estrelas que pararam a combustão nuclear, um destino que acabará por acontecer ao nosso Sol.

© Lucy McNeill (ilustração do sistema binário J1539+5027)

A ilustração mostra o sistema binário J1539+5027, com um período orbital de 6,9 minutos, composto por uma anã branca aquecida pela maré (amarela) e por uma segunda anã branca companheira mais compacta (azul). Está prestes a iniciar a transferência de massa.

As anãs brancas são estrelas degeneradas extremamente densas porque a sua estrutura é não é intuitiva: quanto mais massivas possuem, menores são. As anãs brancas formam-se muitas vezes em sistemas binários, em que duas estrelas se orbitam uma à outra. A maior parte delas são antigas, mesmo para os padrões galácticos, e arrefeceram até temperaturas superficiais de cerca de 4000 Kelvin.

No entanto, estudos recentes revelaram uma classe de sistemas binários de curto período, em que as estrelas se orbitam uma à outra mais depressa do que uma vez por hora. Ao contrário dos modelos teóricos, estas estrelas incharam até ao dobro do tamanho esperado devido a temperaturas à superfície de 10 a 30 mil Kelvin.

Este fato inspirou uma equipe de pesquisadores a investigar a teoria das marés e a utilizá-la para prever o aumento de temperatura das anãs brancas em órbitas binárias de curto período. As forças de maré deformam frequentemente os corpos celestes em órbitas binárias, determinando a sua evolução orbital.

O aquecimento de maré tem tido algum sucesso na explicação das temperaturas de Júpiteres quentes e das suas propriedades orbitais com as suas estrelas hospedeiras. Mas, até que ponto pode o aquecimento de maré explicar as temperaturas das anãs brancas em binários de curto período?

Os pesquisadores construíram um quadro teórico que explica o aumento de temperatura das anãs brancas em binários de curto período. Esta estrutura é completamente generalizada, permitindo a previsão da evolução passada e futura da temperatura, bem como a evolução orbital de estrelas anãs brancas em sistemas binários.

Os resultados revelaram que as forças de maré podem influenciar fortemente a evolução de tais anãs brancas. Especificamente, a força de maré de uma anã branca pequena afeta o aquecimento interno da sua companheira maior, mas menos massiva, provocando a sua dilatação e aumentando a temperatura da sua superfície para, pelo menos, 10.000 Kelvin. Devido a esta dilatação, prevê-se que as anãs brancas devem ter tipicamente o dobro do tamanho previsto pela teoria quando começam a interagir, ou a transferir massa. Consequentemente, binários de anãs brancas com períodos curtos podem começar a interagir com períodos orbitais três vezes mais longos do que o previsto anteriormente.

Esperava-se que o aquecimento de maré aumentasse as temperaturas destas anãs brancas, mas é surpreendente a diminuição do período orbital das anãs brancas mais antigas quando os seus lóbulos de Roche entram em contato.

As anãs brancas em sistemas binários com períodos orbitais tão curtos acabam por interagir e emitir radiação gravitacional, e pensa-se que causam fenômenos astronómicos como supernovas do Tipo Ia e variáveis cataclísmicas.

No futuro, a equipe planeja aplicar a sua estrutura a sistemas binários com anãs brancas de carbono-oxigênio e potencialmente aprender sobre as progenitoras de explosões do Tipo Ia, prestando especial atenção nas temperaturas se favorecerem ou não o chamado cenário de dupla degenerescência ou fusão.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Kyoto University

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

O "batimento" magnético de uma estrela

Cientistas do Instituto Leibniz de Astrofísica de Potsdam descobriram o intrincado "batimento" magnético de uma estrela distante notavelmente semelhante ao nosso Sol, mas muito mais jovem e mais ativa.

© NASA (estrela Iota Horologii em três momentos diferentes)

O campo magnético variável da estrela Iota Horologii visto na imagem em três momentos diferentes, mostrando uma dupla inversão de polaridade (ciclo magnético). É mostrada a componente radial do campo magnético, com a cor indicando a força e a polaridade do campo (vermelho = positivo, azul = negativo). Em média, o ciclo magnético da estrela completa-se a cada 2,1 anos.

Este estudo inovador, parte da campanha "Far Beyond the Sun", segue quase três anos de observações muito precisas e fornece a forma como estrelas como o nosso Sol geram os seus campos magnéticos, e como estes campos evoluem ao longo do tempo.

A estrela no centro desta pesquisa é Iota Horologii, apelidada de "ι Hor", localizada na constelação Horologium, o Relógio, no céu do hemisfério sul, a cerca de 56 anos-luz da Terra. Com cerca de 600 milhões de anos, muito mais jovem do que o nosso Sol, que tem 4,6 bilhões de anos, ι Hor gira mais depressa e apresenta uma atividade magnética muito mais vigorosa do que o Sol. 

Ao apontar o polarímetro HARPS do telescópio de 3,6 metros do ESO, no Observatório de La Silla, no Chile, para esta estrela, os pesquisadores do Instituto recolheram 199 noites de dados espectropolarimétricos ao longo de seis épocas de observação. Utilizando uma técnica avançada conhecida como ZDI (Zeeman Doppler Imaging), estas medições foram transformadas em 18 "mapas" distintos do campo magnético de grande escala de ι Hor, distribuídos por cerca de 140 rotações completas da estrela.

Estes mapas mostram como as características magnéticas aparecem, desaparecem e até invertem a polaridade, fenômenos que traçam os processos de dínamo profundamente enraizados no interior turbulento da estrela. Uma das descobertas mais notáveis é que ι Hor cumpre um ciclo magnético completo, equivalente ao ciclo de 22 anos do Sol, em pouco mais de 2 anos (cerca de 773 dias). Durante este período, os polos magnéticos norte e sul da estrela invertem-se, para depois voltarem a reverter-se, criando um "batimento" magnético rítmico muito mais rápido do que o do nosso Sol.

Talvez ainda mais excitante seja a criação dos primeiros "diagramas de borboleta magnética" para uma estrela que não a nossa. No Sol, estes diagramas acompanham a migração latitudinal das manchas solares e do campo magnético à medida que o ciclo progride: manchas surgem em latitudes médias e deslocam-se progressivamente em direção ao equador.

Ao calcular a força média do campo magnético mapeado em diferentes latitudes para cada época, os cientistas produziram diagramas análogos para ι Hor. revelando como as suas regiões magnéticas migram para o polo e para o equador ao longo de cada ciclo. A partir destes diagramas de borboletas estelares, a equipe extraiu estimativas diretas de fluxos de grande escala na superfície de ι Hor. Descobriram que as regiões do campo radial migravam em direção às regiões polares a velocidades de 15 a 78 m/s, enquanto a deriva do campo toroidal em direção ao equador se deslocava de 9 a 19 m/s, ambas substancialmente mais rápidas do que os fluxos solares correspondentes.

Esta é a primeira medição de tais fluxos meridionais (em direção ao polo) e equatoriais em qualquer outra estrela localizadas além do Sol. Além disso, a atividade magnética governa os ventos estelares, as erupções e a radiação altamente energética, tudo isto pode moldar o ambiente dos planetas em órbita.

Os conhecimentos de ι Hor, que abriga pelo menos um exoplaneta conhecido, ajudam os astrônomos a avaliar a forma como as estrelas jovens semelhantes ao Sol podem influenciar a habitabilidade dos mundos no seu sistema.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Leibniz Institute for Astrophysics Potsdam