Depois de um jogo cósmico de esconde-esconde com quase vinte anos, astrônomos usando o observatório espacial XMM-Newton da ESA finalmente encontraram evidências de gás quente e difuso que permeia o cosmos, fechando uma lacuna intrigante no orçamento geral da matéria ordinária do Universo.
© Illustris Collaboration (simulação de uma teia cósmica interligando aglomerados de galáxias)
Embora a misteriosa matéria escura e a energia escura componham cerca de 25% e 70% do nosso cosmos, respetivamente, a matéria comum que constitui tudo o que vemos corresponde a apenas 5%, que são muito difíceis de rastrear.
A quantidade total de matéria comum, denominadas bárions, pode ser estimada a partir de observações da radiação cósmica de fundo em micro-ondas, que é a luz mais antiga do Universo e que remonta a apenas 380 mil anos após o Big Bang.
As observações de galáxias muito distantes permitem que o acompanhamento da evolução desta matéria ao longo dos primeiros dois bilhões de anos do Universo. No entanto, depois disso, mais da metade parece desaparecer.
Os bárions desaparecidos representam um dos maiores mistérios da astrofísica moderna. Esta matéria existiu no início do Universo, mas não é observada mais no presente. Para onde foi?
A contagem da população de estrelas em galáxias espalhadas pelo Universo, mais o gás interestelar que permeia as galáxias, a matéria-prima para a formação de estrelas, só totaliza uns meros 10% de toda a matéria comum. Somando o gás quente e difuso nos halos que englobam as galáxias e o gás ainda mais quente que preenche os aglomerados de galáxias, as maiores estruturas cósmicas unidas pela gravidade, eleva o inventário para menos de 20%.
Isto não é surpreendente: as estrelas, as galáxias e os aglomerados de galáxias formam-se nos nós mais densos da teia cósmica, a distribuição filamentar da matéria escura e comum que se estende por todo o Universo. Embora estes locais sejam densos, também são raros, portanto não são os melhores locais para procurar a maioria da matéria cósmica.
Os astrônomos suspeitavam que os bárions desaparecidos deviam estar à espreita nos filamentos omnipresentes desta teia cósmica, onde a matéria é menos densa e, portanto, mais difícil de observar. Usando técnicas diferentes ao longo dos anos, conseguiram localizar uma boa parte deste material intergaláctico, principalmente nos seus componentes frios e quentes, elevando o orçamento total até uns respeitáveis 60%, mas deixando o mistério ainda sem solução.
Os bárions em falta são procurados há quase duas décadas, desde que os observatórios de raios X, como o XMM-Newton da ESA e o Chandra da NASA ficaram disponíveis à comunidade científica.
Observando nesta zona do espectro eletromagnético, é possível detectar o gás intergaláctico quente, com temperaturas de cerca de um milhão de graus ou mais, que bloqueia os raios X emitidos por fontes ainda mais distantes.
Para este projeto, os astrônomos usaram o XMM-Newton para observar um quasar, uma galáxia massiva com um buraco negro supermassivo no seu centro que está devorando ativamente matéria e brilhando intensamente em raios X e no rádio. Observaram este quasar, cuja luz leva mais de quatro bilhões de anos até chegar até nós, durante um total de 18 dias, divididos entre 2015 e 2017, na mais longa observação de raios X já realizada para uma fonte deste tipo.
Depois vasculharem os dados, os astrônomos conseguiram encontrar a assinatura do oxigênio no gás intergaláctico quente entre nós e o quasar distante, em dois locais diferentes ao longo da linha de visão.
Este resultado extraordinário é o começo de uma nova missão. São necessárias observações de diferentes fontes, espalhadas pelo céu, para confirmar se estas descobertas são realmente universais e para investigar mais profundamente o estado físico desta matéria há muito procurada.
Os pesquisadores planejam estudar mais quasares com o XMM-Newton e com o Chandra nos próximos anos. No entanto, para explorar completamente a distribuição e as propriedades deste chamado meio intergaláctico morno-quente, serão necessários instrumentos mais sensíveis, como o Athena (Advanced Telescope for High-Energy Astrophysics) da ESA, com lançamento previsto para 2028.
Uma solução para o mistério do desaparecimento dos bárions foi publicada na revista Nature.
Fonte: University of Colorado