Uma equipe internacional de astrônomos conseguiu obter pela primeira vez a imagem de uma linha de neve num sistema planetário recém nascido.
© ESO (ilustração das linhas de neve em torno de estrela)
A linha de neve, situada no disco que rodeia a estrela do tipo solar TW Hydrae, promete ensinar-nos mais sobre a formação de planetas e cometas, incluindo os fatores que determinam a sua composição e consequentemente sobre a história do nosso próprio Sistema Solar.
Na Terra, as linhas de neve formam-se a altitudes elevadas, onde as temperaturas baixas transformam a umidade do ar em neve. Esta linha é claramente visível numa montanha, no local onde o pico coberto de neve termina e a face rochosa descoberta começa.
© ESO (linha de neve do monóxido de carbono)
As linhas de neve em torno das estrelas jovens formam-se de maneira semelhante, nas regiões distantes e frias dos discos de poeira, a partir dos quais se formam os sistemas planetários. Partindo da estrela em direção ao exterior, a água (H2O), é a primeira a congelar, formando a primeira linha de neve. Mais longe da estrela, à medida que as temperaturas descem, as moléculas mais exóticas podem congelar e transformar-se em neve, tais como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o monóxido de carbono (CO). Estes diferentes tipos de neve dão aos grãos de poeira uma camada exterior pegajosa e desempenham um papel importante, ajudando os grãos a ultrapassarem a sua tendência natural para se quebrarem por meio de colisões, e permitindo-lhes tornarem-se os blocos constituintes cruciais de planetas e cometas. A neve também aumenta a quantidade de matéria sólida disponível, podendo fazer acelerar drasticamente o processo de formação planetária.
Cada uma destas diferentes linhas de neve - água, dióxido de carbono, metano e monóxido de carbono - podem estar ligadas à formação de tipos particulares de planetas. Por exemplo, os planetas rochosos secos formam-se no lado interior da linha de neve da água (mais próximo da estrela), onde apenas a poeira pode existir. No outro extremo encontram-se os planetas gigantes gelados que se formam para lá da linha de neve do monóxido de carbono. Em torno de uma estrela do tipo solar, num sistema planetário como o nosso, a linha de neve da água corresponderia à distância entre as órbitas de Marte e Júpiter, e a linha de neve do monóxido de carbono corresponderia à órbita de Netuno.
A linha de neve descoberta pelo ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array ) é o primeiro indício que temos da linha de neve de monóxido de carbono em torno de TW Hydrae, uma estrela jovem situada a 175 anos-luz de distância da Terra. Os astrônomos acreditam que este sistema planetário em formação partilha muitas das características do nosso Sistema Solar, quando este tinha apenas alguns milhões de anos de idade.
“O ALMA deu-nos a primeira imagem real de uma linha de neve em torno de uma estrela jovem, o que é tremendamente excitante, pelo que podemos aprender sobre o período inicial da história do nosso Sistema Solar”, disse Chunhua “Charlie” Qi (Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, Cambridge, EUA), um dos autores principais do artigo científico que descreve este trabalho.
A presença da linha de neve do monóxido de carbono pode ter também consequências mais importantes do que apenas a formação de planetas. O gelo de monóxido de carbono é necessário à formação de metanol, que é um dos blocos constituintes das moléculas orgânicas mais complexas essenciais à vida. Se os cometas levarem estas moléculas a planetas recém formados, do tipo da Terra, estes planetas poderiam também ficar equipados com os ingredientes necessários à vida.
Até hoje, nunca se tinham obtido imagens diretas de linhas de neve, já que estas linhas se formam sempre no plano central relativamente estreito do disco protoplanetário e por isso, tanto a sua localização precisa como a sua extensão nunca tinham sido determinadas. Acima e abaixo da região estreita onde as linhas de neve existem, a radiação da estrela impede a formação de gelo. A concentração de gás e poeira no plano central é indispensável para isolar a área da radiação estelar, de modo a que o monóxido de carbono e outros gases possam arrefecer e congelar nesta zona.
A equipe de astrônomos conseguiu espreitar para o interior deste disco, onde a neve se formou, utilizando um truque. Em vez de procurarem a neve, que não pode ser observada diretamente, procuraram uma molécula chamada diazenylium (N2H+), a qual brilha intensamente na região do milímetro do espectro electromagnético e é por isso um alvo perfeito para um telescópio como o ALMA. Esta molécula frágil é facilmente destruída na presença de monóxido de carbono gasoso, por isso só aparecerá em quantidades susceptíveis de serem detectadas em regiões onde o monóxido de carbono se transformou em neve, não podendo por isso destruir a molécula. Ou seja, de uma maneira geral, a chave para encontrar a neve de monóxido de carbono consiste em encontrar diazenylium.
A sensibilidade e resolução únicas do ALMA permitiram aos astrônomos detectar a presença e traçar a distribuição de diazenylium, e com isso encontrar uma fronteira claramente definida a cerca de 30 UA (unidades astronômicas) da estrela (30 vezes a distância entre a Terra e o Sol), o que dá, efetivamente, uma imagem contrária da neve de monóxido de carbono no disco que rodeia TW Hydrae, que pode ser usada para ver a linha de neve do monóxido de carbono precisamente onde a teoria prevê que deva estar, na zona interior do anel de diazenylium.
“Nestas observações usamos apenas 26 das antenas ALMA, que serão um total de 66. Indicações de linhas de neve em torno de outras estrelas começam já a aparecer noutras observações ALMA, e estamos convencidos que futuras observações que usarão a rede total revelarão e fornecerão mais pistas sobre a formação e evolução de planetas. Aguardemos estes resultados“, conclui Michiel Hogerheijde do Observatório de Leiden, Holanda.
Os resultados foram publicados hoje na revista Science Express.
Fonte: ESO
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