Uma interpretação inovadora de dados de raios X de um aglomerado de galáxias pode ajudar na determinação da natureza da matéria escura.
© Chandra/XMM-Newton/Hitomi (aglomerado de galáxias de Perseu)
A descoberta envolve uma nova explicação para um conjunto de resultados obtidos com o observatório de raios X Chandra da NASA, com o XMM-Newton da ESA e com o Hitomi, um telescópio de raios X japonês. Se confirmada com observações futuras, poderá representar um avanço na compreensão da natureza da substância misteriosa e invisível no Universo.
A história deste trabalho começou em 2014 quando uma equipe de astrônomos liderada por Esra Bulbul, do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, encontrou um pico de intensidade numa energia muito específica em observações de gás quente no aglomerado galáctico de Perseu com o Chandra e com o XMM-Newton.
Este pico, ou linha de emissão, encontra-se a uma energia de 3,5 keV (quilo elétons-volt). A intensidade da linha de emissão com esta energia é muito difícil, se não impossível, de explicar em termos de características previamente observadas ou previstas de objetos astronômicos e, portanto, foi sugerida uma origem relacionada com a matéria escura. Os pesquisadores também anunciaram a existência da linha de 3,5 keV num estudo de outros 73 aglomerados de galáxias usando o XMM-Newton.
O enredo desta história da matéria escura ficou mais complexo quando apenas uma semana após a equipe de Bulbul ter submetido o seu trabalho, um grupo diferente, liderado por Alexey Boyarksy da Universidade de Leiden, Holanda, relatou evidências de uma linha de emissão a 3,5 keV nas observações da galáxia M31 e dos arredores do aglomerado de Perseu com o XMM-Newton, confirmando o resultado anterior.
No entanto, estes dois resultados eram controversos, pois outros astrônomos detectaram a mesma linha de 3,5 keV ao observar outros objetos, e outros não a conseguiram detectar.
O debate parecia estar resolvido em 2016 quando o Hitomi, especialmente contruído para observar características detalhadas, como a emissão nos espectros de raios X de fontes cósmicas, não conseguiu detectar a linha de 3,5 keV no aglomerado de Perseu.
O telescópio Hitomi tinha imagens muito mais desfocadas do que o Chandra, de modo que os seus dados do aglomerado de Perseu são na realidade uma mistura de sinais de raios X de duas fontes: um componente difuso de gás quente que envolve a grande galáxia no centro do aglomerado e uma emissão de raios X de perto do buraco negro supermassivo nesta galáxia. A visão mais nítida do Chandra pode separar a contribuição das duas regiões. Então, o sinal de raios X do gás quente foi isolado, removendo fontes pontuais da sua análise, incluindo raios X do material perto do buraco negro supermassivo.
A fim de testar se esta diferença era importante, foram analisados novamente os dados do Chandra próximos do buraco negro no centro do aglomerado de Perseu obtidos em 2009. Foram encontrados algo surpreendente: evidências de um déficit em vez de um excesso de raios X a 3,5 keV. Isto sugere que algo em Perseu está absorvendo raios X nesta energia. Quando os pesquisadores simularam o espectro do Hitomi adicionando esta linha de absorção à linha de emissão do gás quente vista com o Chandra e com o XMM-Newton, não encontraram evidências no espectro somado para a absorção ou para a emissão de raios X a 3,5 keV, consistente com as observações do Hitomi.
O desafio é explicar este comportamento: detectar absorção de raios X quando se observa o buraco negro e emissão de raios X, à mesma energia, quando observando o gás quente a ângulos maiores longe do buraco negro.
Realmente, tal comportamento é bem conhecido no estudo de estrelas e nuvens de gás com telescópios ópticos. A luz de uma estrela rodeada por uma nuvem de gás geralmente mostra linhas de absorção produzidas quando a luz estelar de uma energia específica é absorvida pelos átomos na nuvem de gás. A absorção empurra os átomos de um estado baixo de energia para um estado de alta energia. O átomo rapidamente volta ao estado de baixa energia com a emissão de luz de uma energia específica, mas a luz é reemitida em todas as direções, produzindo uma perda líquida de luz na energia específica, ou seja, uma linha de absorção, no espectro observado da estrela. Em contraste, uma observação de uma nuvem na direção oposta à da estrela apenas detectaria a luz reemitida numa energia específica, que apareceria como uma linha de emissão.
Os pesquisadores sugerem que as partículas de matéria escura podem ser como átomos, tendo dois estados de energia separados por 3,5 keV. Se assim for, pode ser possível detectar uma linha de absorção a 3,5 keV quando observando a ângulos próximos da direção do buraco negro, e a linha de emissão quando observando o gás quente do aglomerado em grandes ângulos, longe do buraco negro.
Para escrever o próximo capítulo desta história, os astrônomos vão precisar de mais observações do aglomerado de Perseu e de outros como ele. Por exemplo, são necessários mais dados para confirmar a realidade do mergulho energético e para excluir a possibilidade de uma combinação de um efeito instrumental inesperado e uma queda estatisticamente improvável em raios X com energia de 3,5 keV. O Chandra, o XMM-Newton e as futuras missões de raios X vão continuar observando aglomerados de galáxias para abordar o mistério da matéria escura.
O artigo que descreve estes resultados foi publicado na revista Physical Review D.
Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics
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