Hoje, em coletivas de imprensa simultâneas em todo o mundo, inclusive na sede do Observatório Europeu do Sul (ESO), na Alemanha, os astrônomos divulgaram a primeira imagem do buraco negro supermassivo situado no centro da nossa própria Galáxia, a Via Láctea.
© EHT (primeira imagem do buraco negro central da Via Láctea)
Este resultado fornece evidências contundentes de que o objeto é de fato um buraco negro e fornece pistas valiosas sobre o funcionamento de tais gigantes, que se acredita existirem no centro da maioria das galáxias.
A imagem foi criada por uma equipe internacional de pesquisadores, a chamada Colaboração Event Horizon Telescope (EHT), a partir de observações obtidas por uma rede mundial de radiotelescópios. A imagem é uma visão muito esperada do objeto massivo que se encontra no centro da nossa Galáxia.
Os cientistas já tinham observado estrelas em órbita de algo invisível, compacto e muito massivo no centro da Via Láctea. Esse fato sugeria fortemente que este objeto, conhecido por Sagitário A* (Sgr A*), se tratava de um buraco negro e a imagem de hoje fornece a primeira evidência visual direta disso. Embora não possamos ver o buraco negro em si, já que é completamente escuro, o gás brilhante que o rodeia revela uma assinatura inconfundível: uma região central escura (chamada sombra) cercada por uma estrutura brilhante em forma de anel. A nova visão capta a luz que se curva sob a poderosa gravidade do buraco negro, que é quatro milhões de vezes mais massivo que o nosso Sol.
O tamanho do anel que foi observado está de acordo com as previsões da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein. Estas observações sem precedentes fornecem informações de como é que estes buracos negros gigantes interagem com o meio que os rodeia.
Como o buraco negro está a uma distância de cerca de 27.000 anos-luz da Terra, ele aparece para nós no céu com o mesmo tamanho de uma rosquinha (donut) na Lua. Para observá-lo, a equipe criou um poderoso EHT, ligando entre si oito radiotelescópios existentes em todo o planeta, para formar um único telescópio virtual do “tamanho da Terra”, uma técnica denominada interferometria.
O EHT observou Sgr A* em 2017 durante várias noites, colectando dados ao longo de muitas horas seguidas, num processo semelhante a tirar uma fotografia de longa exposição com uma máquina fotográfica. Além de outras instalações, a rede EHT de observatórios no comprimento de onda rádio inclui o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e o Atacama Pathfinder EXperiment (APEX), ambos instalados no deserto do Atacama no Chile. A Europa contribuiu também para as observações EHT com outros observatórios nesta frequência, o Telescópio IRAM de 30 metros na Espanha e, desde 2018, o NOEMA (NOrthern Extended Millimeter Array) na França, além de um supercomputador que combina os dados EHT e que se encontra no Instituto Max Planck de Radioastronomia, na Alemanha.
Uma base sólida para a interpretação desta nova imagem foi fornecida por pesquisas anteriores realizadas em Sgr A*. Desde os anos 1970 que os astrônomos tinham conhecimento da fonte rádio brilhante e densa localizada no centro da Via Láctea na direção da constelação do Sagitário. Ao fazer medições das órbitas de várias estrelas muito próximas no nosso centro galáctico durante um período de 30 anos, equipes lideradas por Reinhard Genzel (Diretor do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre, na Alemanha) e Andrea M. Ghez (Professor no Departamento de Física e Astronomia da Universidade da California, Los Angeles, EUA), concluiram que a explicação mais provável para um objeto dessa massa e densidade seria um buraco negro supermassivo. As infraestruturas do ESO (incluindo o Very Large Telescope e o Interferômetro do Very Large Telescope) e o Observatório Keck foram utilizados para realizar estes trabalhos, que partilharam o Prêmio Nobel de Física de 2020.
A conquista do EHT segue o lançamento da Colaboração em 2019 da primeira imagem de um buraco negro, chamado M87*, situado no centro de uma galáxia mais distante, a Messier 87 (M87). Os dois buracos negros são muito parecidos, embora o buraco negro da nossa galáxia seja mais de mil vezes menor e menos massivo que M87*. Os buracos negros são os únicos objetos que conhecemos em que as massas estão diretamente ligadas ao tamanho, ou seja, um buraco negro mil vezes menor que outro é também mil vezes menos massivo.
Este resultado foi consideravelmente mais difícil de se obter que o de M87*, apesar de Sgr A* se encontrar muito mais perto de nós. O gás que se encontra perto dos buracos negros se move à mesma velocidade, quase à velocidade da luz, tanto em torno de Sgr A* como em torno de M87*. No entanto, o gás leva dias a semanas para orbitar o muito maior M87*, enquanto que em torno do mais pequeno Sgr A* completa uma órbita em meros minutos. Consequentemente, o brilho e o padrão do gás que circunda Sgr A* variavam rapidamente à medida que ele é observado, um pouco como tentar tirar uma fotografia nítida de um cachorro que persegue a sua cauda a toda a velocidade.
Os pesquisadores tiveram que desenvolver novas ferramentas sofisticadas que explicassem o movimento do gás em torno de Sgr A*. Enquanto o M87* era um alvo mais fácil e estável, com quase todas as imagens parecendo iguais, isto não acontece com o Sgr A*. A imagem do buraco negro Sgr A* é uma média das diferentes imagens que a equipe extraiu, finalmente revelando pela primeira vez o gigante que se esconde no centro da nossa Galáxia.
Este trabalho foi possível graças ao esforço conjunto de mais de 300 pesquisadores de cerca de 80 instituições de todo o mundo, que se juntaram na Colaboração EHT. Além de desenvolver ferramentas complexas para superar os desafios da imagem Sgr A*, a equipe trabalhou rigorosamente por cinco anos, usando supercomputadores para combinar e analisar seus dados, enquanto compilava uma biblioteca sem precedentes de buracos negros simulados para comparar com as observações. Os cientistas estão particularmente animados por terem finalmente imagens de dois buracos negros de tamanhos muito diferentes, o que nos oferece a oportunidade de os comparar e contrastar.
A equipe começou também a utilizar os novos dados para testar teorias e modelos de como é que o gás se comporta em torno de buracos negros supermassivos. Apesar de não ser ainda completamente compreendido, acredita-se que este processo desempenhe um papel crucial na formação e evolução das galáxias.
Os progressos do EHT continuam: uma grande campanha de observação em março de 2022 incluiu mais telescópios do que nunca. A expansão contínua da rede EHT e atualizações tecnológicas significativas permitirão que os cientistas compartilhem imagens ainda mais impressionantes, bem como filmes de buracos negros em um futuro próximo.
Esta pesquisa foi apresentada em seis artigos publicados hoje no The Astrophysical Journal Letters.
Fonte: ESO & EHT
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