quarta-feira, 9 de julho de 2025

Detalhes de uma "água-viva" cósmica

A cerca de 320 milhões de anos-luz de distância, uma galáxia atravessa seu aglomerado, deixando para trás filetes de gás onde novas estrelas começam a se formar.

© Hubble / ALMA (NGC 4858)

Uma imagem da galáxia NGC 4858 feita pelo telescópio espacial Hubble mostra os tentáculos estelares estendendo-se para o norte a partir do disco espiral barrado. O gás molecular frio na NGC 4858, observado pelo radiotelescópio ALMA com sua cauda interna em forma de "orelha de coelho", é mostrado em laranja.

No denso mar de galáxias que compõe o aglomerado, o gás quente no ambiente atravessa a galáxia viajante como vento, soprando seu gás sem perturbar suas estrelas. Esse tipo de galáxia é conhecido como "água-viva" devido à aparência ondulada das caudas gasosas.

Harrison Souchereau (Universidade de Yale) liderou observações usando o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), de 23 galáxias-água-viva em aglomerados próximos por meio do levantamento ALMA-JELLY. O ALMA não só consegue produzir imagens impressionantes das galáxias desmembradas, como também pode medir a velocidade do gás frio em suas caudas.

Observando a NGC 4858, uma galáxia no Aglomerado Coma, a equipe encontrou não apenas uma, mas duas caudas, chamadas de “orelhas de coelho”, que se originaram de uma colisão lateral com o vento contrário do aglomerado. Ao compreender o impacto da interação da galáxia com seu ambiente local, é esperado obter informações sobre como esses gigantes de estrelas, gás e poeira evoluem e continuam formando estrelas.

Quando as galáxias passam por um aglomerado de galáxias, muitas vezes deixam de atingir as outras galáxias. Mas o gás quente que permeia o aglomerado tem um efeito descomunal conhecido como redução da pressão de aríete. Mesmo em um dia sem vento, ao colocar a mão para fora da janela de um carro em movimento, você ainda sente um vento na mão, criado pelo seu próprio movimento, isso é pressão de aríete. 

A NGC 4858 viaja a 90.000 km/h pelo aglomerado de Coma. Foi medido brilhantes aglomerados azuis de luz estelar em suas grandes caudas de gás, indicando formação estelar recente. Como a pressão de impacto não é forte o suficiente para arrancar estrelas e gás, essas estrelas tiveram que nascer nas próprias caudas.

Para entender o impacto da pressão de aríete na galáxia sem o efeito da rotação, a equipe subtraiu a rotação da galáxia de suas observações. Isso deixou os movimentos no gás devido apenas à pressão de aríete. Estranhamente, a equipe descobriu que o gás na base da cauda estava se movendo na direção oposta ao que eles esperavam. Acredita-se que o gás pode, na verdade, ser um vento galáctico que agora está caindo de volta para o disco. A pressão de aríete primeiro empurra o gás para fora ao longo do lado do disco que está girando com o vento, onde pode ser removido com muito mais facilidade. Mas o gás também continua girando e, ao atingir o outro lado do disco, seu movimento vai contra a pressão do vento de impacto.

A equipe simulou galáxias em uma espécie de túnel de vento e observou um mecanismo semelhante emergir, especialmente para galáxias que atingem o vento de lado. Essa imagem pode surgir para galáxias sem qualquer tipo de estrutura espiral, mas NGC 4858 possui braços espirais fortes, sendo isso que produz as caudas em formato de orelhas de coelho.

As duas estruturas em formato de orelhas de coelho que são notadas nesta galáxia são provavelmente dois componentes inteiros de braços espirais que foram completamente removidos, e estão em diferentes estágios evolutivos. O recuo de gás frio para uma galáxia como esta nunca foi observado antes de forma tão clara e inequívoca.

Essa descoberta é apenas um dos resultados do levantamento ALMA-JELLY, que visa revelar como diferentes galáxias interagem com o ambiente cósmico mais amplo. O estudo das interações da NGC 4858 com seu ambiente fornece uma janela para algumas das condições mais extremas do Universo.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Sky & Telescope