domingo, 30 de outubro de 2022

Estrela anã M parece não ter qualquer atmosfera

Um planeta semelhante à Terra, em órbita de uma anã M, o tipo mais comum de estrela no Universo, parece não ter qualquer atmosfera.

© NASA (atmosfera de planeta sendo dilacerada por estrela)

Esta descoberta poderá provocar uma grande mudança na procura por vida em outros planetas. Dado que as anãs M são tão ubíquas, esta descoberta significa que um grande número de planetas que orbitam estas estrelas podem também carecer de atmosferas e, portanto, é pouco provável que abriguem vida. 

Este planeta orbita a sua estrela duas vezes no decurso de um único dia na Terra. É ligeiramente maior do que a Terra e está muito mais próximo da sua estrela do que a Terra está do Sol, tornando GJ 1252b intensamente quente, bem como inóspito. A pressão da radiação da estrela é imensa, o suficiente para soprar para longe a atmosfera de um planeta. 

A Terra também perde alguma da sua atmosfera com o tempo devido ao Sol, mas as emissões vulcânicas e outros processos cíclicos do carbono tornam a perda quase imperceptível ao ajudar a repor o que se perde. No entanto, numa maior proximidade com uma estrela, um planeta pode não conseguir continuar repondo a quantidade que se perde.

No nosso Sistema Solar, este é o destino de Mercúrio. Mercúrio tem uma atmosfera, mas é extremamente fina, constituída por átomos arrancados da sua superfície pelo Sol. O calor extremo do planeta faz com que estes átomos escapem para o espaço. 

Para determinarem que GJ 1252 b não tinha atmosfera, os astrônomos mediram a radiação infravermelha do planeta à medida que a sua luz era obscurecida durante um eclipse secundário. Este tipo de eclipse ocorre quando um planeta passa atrás de uma estrela e a luz do planeta, bem como a luz refletida da sua estrela, é bloqueada. A radiação revelou que as abrasadoras temperaturas diurnas do planeta atingem 1.228 ºC, quente o suficiente para derreter o ouro, prata e cobre. O calor, juntamente com a suposta baixa pressão superficial, propicia a falta de atmosfera. 

Mesmo com uma enorme quantidade de dióxido de carbono, que aprisiona o calor, os pesquisadores concluíram que GJ 1252b mesmo assim não seria capaz de sustentar uma atmosfera. O planeta poderia ter 700 vezes mais carbono do que a Terra tem, e ainda assim não teria uma atmosfera. 

As estrelas anãs M tendem a ter mais surtos e mais atividade do que o Sol, reduzindo ainda mais a probabilidade de que os planetas que as rodeiam intimamente possam agarrar as suas atmosferas. 

Existem 5.000 estrelas próximas da Terra, a maioria delas anãs M. Mesmo que os planetas que as orbitam possam ser totalmente descartados, ainda existem cerca de 1.000 estrelas semelhantes ao Sol com condições que permitem a habitabilidade exoplanetária.

Se um planeta estiver suficientemente longe de uma anã M, pode potencialmente reter uma atmosfera. Ainda não se pode concluir que todos os planetas rochosos em torno destas estrelas vão ser reduzidos ao destino de Mercúrio. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: University of California

Um mundo "marshmallow" em órbita de uma fria anã vermelha

Usando o telescópio WIYN de 3,5 metros no Observatório Nacional de Kitt Peak, no estado norte-americano do Arizona, os astrônomos observaram um planeta incomum semelhante a Júpiter em torno de uma fria estrela anã vermelha.

© NOIRLab (exoplaneta gigante gasoso em órbita de estrela anã vermelha)

Localizado a aproximadamente 580 anos-luz da Terra, na direção da constelação de Cocheiro, este planeta, identificado como TOI-3757 b, é o planeta com a menor densidade jamais detectado em torno de uma anã vermelha e estima-se que tenha uma densidade média semelhante à de um marshmallow.

As estrelas anãs vermelhas são os membros menores e tênues das chamadas estrelas da sequência principal; estrelas que convertem hidrogênio em hélio nos seus núcleos a um ritmo constante. Embora "frias" em comparação com estrelas como o nosso Sol, as estrelas anãs vermelhas podem ser extremamente ativas e sofrer erupções poderosas capazes de despojar um planeta da sua atmosfera, tornando este sistema estelar num local aparentemente inóspito para formar um planeta tão delicado.

Os planetas gigantes que orbitam anãs vermelhas têm, tradicionalmente, sido considerados difíceis de formar. Até agora, isto só foi analisado com pequenas amostras de levantamentos Doppler, que tipicamente encontram planetas gigantes mais longe destas estrelas anãs vermelhas. 

Ainda existem mistérios inexplicados acerca de TOI-3757 b, sendo o maior planeta gigante gasoso que se pode formar em torno de uma estrela anã vermelha, e especialmente um planeta de tão baixa densidade. 

Os pesquisadores podem ter uma solução para este mistério. Propõem que a densidade muito baixa de TOI-3757 b pode ser o resultado de dois fatores. O primeiro está relacionado com o núcleo rochoso do planeta; pensa-se que os gigantes de gás começam como núcleos rochosos massivos com cerca de dez vezes a massa da Terra, momento em que rapidamente puxam grandes quantidades de gás vizinho para formar os gigantes de gás que vemos hoje. A estrela hospedeira de TOI-3757 b tem uma menor abundância de elementos pesados em comparação com outras anãs-M que abrigam gigantes gasosos, e isto pode ter resultado na formação mais lenta do núcleo rochoso, atrasando o início da acreção de gás e afetando assim a densidade global do planeta. O segundo fator pode ser a órbita do planeta, que é ligeiramente elíptica. Há momentos em que se aproxima mais da sua estrela do que em outros, resultando num substancial excesso de aquecimento que pode provocar o inchaço da atmosfera do planeta.

O planeta foi inicialmente avistado pelo satélite TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA. O TESS analisou o trânsito deste exoplaneta TOI-3757 b em frente da sua estrela, o que permitiu o cálculo do diâmetro do planeta em cerca de 150.000 quilômetros, ou ligeiramente maior do que o de Júpiter. O planeta completa uma órbita em torno da sua estrela hospedeira em apenas 3,5 dias, 25 vezes menos do que o planeta mais próximo do Sol, Mercúrio, que leva cerca de 88 dias para o fazer.

Os astrônomos mediram o movimento aparente da estrela ao longo da nossa linha de visão, também conhecido como a sua velocidade radial. Estas medições forneceram a massa do planeta, que foi calculada como sendo cerca de um-quarto da de Júpiter, ou cerca de 85 vezes a massa da Terra. Sabendo o tamanho e a massa foi possível calcular a densidade média de TOI-3757 b, 0,27 gramas por centímetro cúbico, o que a tornaria inferior a metade da densidade de Saturno (o planeta com a densidade mais baixa do Sistema Solar), cerca de um-quarto da densidade da água (o que significa que flutuaria se colocado numa banheira gigante cheia de água) ou com a densidade semelhante à de um marshmallow. 

Potenciais observações futuras da atmosfera deste planeta, usando o novo telescópio espacial James Webb da NASA, podem ajudar a esclarecer a sua natureza inchada.

Um artigo foi publicado no periódico The Astronomical Journal

Fonte: National Optical-Infrared Astronomy Research Laboratory

Os raios cósmicos impulsionam ventos galácticos

Utilizando o VLA (Karl G. Jansky Very Large Array), os astrônomos descobriram uma nova e importante pista sobre como as galáxias põem freios aos vigorosos episódios de formação estelar.

© ESO (ilustração de ventos galácticos)

A ilustração mostra os ventos cósmicos (azul e verde) sobreposta a uma imagem, no visível, da galáxia M33 (vermelho e branco) observada com o VST (VLT Survey Telescope) no Observatório Paranal do ESO no Chile.

Um novo estudo da galáxia vizinha M33 indica que os velozes raios cósmicos podem impulsionar ventos que sopram para longe o gás necessário para formar novas estrelas. Tais ventos são responsáveis por abrandar o ritmo de formação estelar à medida que as galáxias evoluem ao longo do tempo. 

No entanto, as ondas de choque de explosões de supernova e de jatos energéticos alimentados por buracos negros supermassivos, provenientes de núcleos galácticos, têm sido considerados os principais impulsionadores destes ventos. 

Pensava-se que os raios cósmicos contribuíam pouco, particularmente em galáxias como M33 que têm regiões de prolífica formação estelar. Temos visto ventos galácticos impulsionados por raios cósmicos na nossa própria Via Láctea e na galáxia de Andrômeda, que têm taxas muito mais fracas de formação estelar, mas ainda não numa galáxia como M33. 

Os astrônomos fizeram detalhadas observações em vários comprimentos de onda de M33 com o VLA, uma galáxia espiral a quase 3 milhões de anos-luz de distância e que faz parte do Grupo Local de galáxias que inclui a Via Láctea. Também utilizaram dados de observações anteriores do VLA, do radiotelescópio de Effelsberg na Alemanha e telescópios de ondas milimétricas, telescópios ópticos e infravermelhos. 

Estrelas muito mais massivas do que o nosso Sol têm vidas mais curtas, acabando por explodir como supernovas. As explosivas ondas de choque podem acelerar as partículas até quase à velocidade da luz, criando raios cósmicos. Uma quantidade suficiente destes raios cósmicos pode construir uma pressão que impulsiona os ventos a afastarem o gás necessário para continuar formando estrelas. As observações VLA indicaram que os raios cósmicos em M33 estão escapando das regiões onde nascem, tornando-os capazes de conduzir ventos mais extensos. 

Com base nas suas observações, os astrônomos concluíram que as numerosas explosões de supernova e remanescentes de supernova nos gigantescos complexos de prolífera formação estelar de M33 tornavam mais prováveis os ventos impulsionados pelos raios cósmicos. Isto significa que os raios cósmicos são provavelmente uma causa mais geral dos ventos galácticos, particularmente em tempos anteriores na história do Universo, quando a formação estelar estava ocorrendo a um ritmo muito mais elevado. Este mecanismo torna-se assim um aspecto mais importante na compreensão da evolução das galáxias ao longo do tempo.

Um artigo foi divulgado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: National Radio Astronomy Observatory

A estrela de nêutrons mais leve de todos os tempos?

Uma equipe de astrônomos afirma ter medido a estrela de nêutrons mais leve, uma descoberta que pode implicar em nova física, mas uma afirmação tão extraordinária requer provas extraordinárias.

© XMM-Newton / Suzaku (HESS J1731-347)

O objeto em questão é uma estrela de nêutrons bem conhecida no núcleo do remanescente de supernova HESS J1731-347, a mais de 8.000 anos-luz de distância na constelação de Escorpião. 

Depois de reanalisar quase uma década de observações de raios X feitas com os observatórios espaciais XMM-Newton e Suzaku, Victor Doroshenko e colegas da Universidade de Tübingen, Alemanha, concluíram que esta estrela de nêutrons tem apenas 80% da massa do Sol. 

Quando uma estrela envelhecida perde sua batalha contra a gravidade, seu núcleo colapsa, esmagando-se em uma esfera do tamanho de uma cidade. Esta estrela de nêutrons recém-nascida é tão densa que uma única colher de chá trazida para a Terra pesaria 4 bilhões de toneladas. Sua formação desencadeia uma onda de choque que explode as camadas externas da estrela em uma nuvem gasosa, mas o núcleo colapsado ainda deve capturar mais do que a massa de um Sol.

A evidência de uma estrela de nêutrons leve vem da construção de modelos de computador do calor emitido pela superfície e atmosfera de uma estrela de nêutrons e, em seguida, combinando estes modelos com os espectros de raios X. Para fazer isso, os astrônomos fazem algumas suposições: eles argumentam que a estrela de nêutrons irradia uniformemente de sua superfície, aquecendo uma atmosfera baseada em carbono.

Embora a própria estrela de nêutrons seja composta de nêutrons, ela está cercada por uma atmosfera de apenas alguns centímetros de espessura que pode conter núcleos inteiros. Com base nessas suposições, a equipe de Doroshenko reproduz as observações de raios X usando um modelo leve de uma estrela de nêutrons, com entre 0,7 e 1 massa solar e uma circunferência de cerca de 11,25 quilômetros. 

Se for uma estrela de nêutrons, sua massa e seu raio indicam um interior estranho, no qual os nêutrons se desfazem em seus constituintes, ou seja, quarks, ou se transformam em outro estado exótico da matéria.

Observações anteriores de estrelas de nêutrons de alta massa (usando o telescópio de raios X NICER, bem como sinais de ondas gravitacionais) não indicaram tal colapso. Há outra possibilidade intrigante. O objeto poderia ser uma “estrela estranha”, uma estrela feita inteiramente de quarks. Mas a física de fazer uma versão leve de tal estrela é ainda mais complicada do que no caso de estrelas de nêutrons.

A descoberta pode levar a uma nova compreensão de como as estrelas de nêutrons se formam, talvez até uma nova compreensão da física da matéria densa. Os problemas remontam às suposições que a equipe fez ao produzir modelos de estrelas de nêutrons. Talvez haja um campo magnético a ser considerado, ou talvez apenas uma pequena parte da superfície (como seus pólos) irradia, ou sua atmosfera pode ser mais hidrogênio do que carbono. 

Se a equipe quebrar qualquer uma destas suposições, o modelo mais adequado poderá ter uma massa maior. É necessário observações adicionais para fazer medições mais precisas. Sem dúvida, os astrônomos retornarão para revisitar o misterioso objeto neste remanescente de supernova. 

Um artigo foi publicado na Nature Astronomy.

Fonte: Sky & Telescope

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Ondas gravitacionais confirmam uma lei prevista por Stephen Hawking

Apesar de sua natureza misteriosa, acredita-se que os buracos negros seguem certas regras simples. Agora, uma das leis mais famosas dos buracos negros, prevista pelo físico Stephen Hawking, foi confirmada com ondas gravitacionais.

© SXS Project (ondas gravitacionais da fusão de dois buracos negros)

De acordo com o teorema da área do buraco negro, desenvolvido por Hawking no início da década de 1970, os buracos negros não podem diminuir em área de superfície ao longo do tempo. O teorema da área fascina os físicos porque reflete uma regra física bem conhecida de que a desordem, ou entropia, não pode diminuir com o tempo. Em vez disso, a entropia aumenta consistentemente. 

A área da superfície de um buraco negro solitário não mudará; afinal, nada pode escapar de seu interior. No entanto, se você jogar algo em um buraco negro, ele ganhará mais massa, aumentando sua área de superfície. Mas o objeto que chega também pode fazer o buraco negro girar, o que diminui a área da superfície. A lei da área diz que o aumento da área de superfície devido à massa adicional sempre superará a diminuição da área de superfície devido ao spin adicionado.

Para testar essa regra de área, os astrofísicos Maximiliano Isi, do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e Will Farr, da Stony Brook University, em Nova York, usaram ondulações no espaço-tempo provocadas por dois buracos negros que espiralaram para dentro e se fundiram em um buraco negro maior.

A área de superfície de um buraco negro é definida por seu horizonte de eventos, o limite interno do qual é impossível escapar. De acordo com o teorema da área, a área do horizonte de eventos do buraco negro recém-formado deve ser pelo menos tão grande quanto as áreas dos horizontes de eventos dos dois buracos negros originais combinados. 

A equipe analisou dados das primeiras ondas gravitacionais, que foram detectadas pelo Advanced Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, LIGO, em 2015. Os pesquisadores dividiram os dados das ondas gravitacionais em dois segmentos de tempo, antes e depois da fusão, e calcularam as áreas de superfície dos buracos negros em cada período. A área de superfície do buraco negro recém-formado era maior do que a dos dois buracos negros iniciais combinados, mantendo a lei da área com um nível de confiança de 95%. 

O teorema da área é resultado da teoria geral da relatividade de Albert Einstein, que descreve a física dos buracos negros e das ondas gravitacionais. Análises anteriores de ondas gravitacionais concordaram com as previsões da relatividade geral e, portanto, já sugeriram que a lei da área não pode estar totalmente errada. Mas o novo estudo é uma confirmação mais explícita da lei da área. 

Até agora, a teoria da relatividade geral descreve bem os buracos negros. Esta teoria que normalmente se aplica a objetos grandes como buracos negros, ainda possui discrepâncias em relação à mecânica quântica, que descreve pequenas coisas como átomos e partículas subatômicas. Neste reino quântico, coisas estranhas podem acontecer. Por exemplo, os buracos negros podem liberar uma tênue névoa de partículas chamada radiação Hawking, outra ideia desenvolvida por Hawking na década de 1970. Este efeito pode permitir que os buracos negros encolham, violando a lei de área, mas apenas por períodos de tempo extremamente longos, para que não tenha afetado a fusão relativamente rápida de buracos negros que o LIGO observou. 

Os físicos estão procurando uma teoria aprimorada que combine as duas grandes teorias em uma nova e aprimorada teoria da gravidade quântica. Qualquer falha dos buracos negros em obedecer às regras da relatividade geral poderia apontar os físicos na direção certa para encontrar esta nova teoria.

Um artigo foi publicado no periódico Physical Review Letters.

Fonte: Science News

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Descoberto um denso nó cósmico no Universo primitivo

Os astrônomos que olham para o início do Universo fizeram uma descoberta surpreendente utilizando o telescópio espacial James Webb.

© Webb (quasar SDSS J165202.64)

As capacidades espectroscópicas do Webb, combinadas com a sua sensibilidade infravermelha, revelaram um aglomerado de galáxias massivas em processo de formação ao redor de um quasar extremamente vermelho.

O resultado vai expandir a nossa compreensão de como as galáxias no início do Universo se fundiram na teia cósmica que vemos hoje. O quasar em questão, SDSS J165202.64+172852.3, é um quasar "extremamente vermelho" que existe nos primórdios do Universo, há 11,5 bilhões de anos.

Os quasares são um tipo raro e incrivelmente luminoso de núcleo galáctico ativo. Este quasar é um dos mais poderosos núcleos galácticos ativos conhecidos que foi visto a uma distância tão extrema. Os astrônomos tinham especulado que a emissão extrema do quasar poderia causar um "vento galáctico", empurrando gás livre para fora da sua galáxia hospedeira e possivelmente influenciando em muito a sua futura formação estelar.

Um núcleo galáctico ativo é uma região compacta no centro de uma galáxia que emite radiação eletromagnética suficiente para brilhar mais do que todas as estrelas da galáxia. Os núcleos galácticos ativos, incluindo os quasares, são alimentados por gás que cai num buraco negro supermassivo no centro da sua galáxia. Normalmente emitem grandes quantidades de luz em todos os comprimentos de onda, mas este núcleo galáctico é um membro de uma classe invulgarmente vermelha. Para além da sua cor vermelha intrínseca, a luz da galáxia foi desviada ainda mais para o vermelho devido à sua grande distância. Isto fez com que o Webb, tendo uma sensibilidade inigualável em comprimentos de onda infravermelhos, fosse perfeitamente adequado para examinar a galáxia em detalhe.

Para analisar o movimento do gás, da poeira e do material estelar na galáxia, foi utilizado o NIRSpec (Near Infrared Spectrograph) do telescópio. Este poderoso instrumento pode simultaneamente reunir espectros em todo o campo de visão do telescópio, em vez de apenas um ponto de cada vez, uma técnica conhecida como espectroscopia de campo integral. Isto permitiu-lhes examinar simultaneamente o quasar, a sua galáxia e o ambiente mais amplo. 

A espectroscopia foi fundamental para compreender o movimento dos vários fluxos e ventos que rodeavam o quasar. Os movimentos destes gases afetam a luz que emitem e refletem, fazendo com que esta seja desviada para o vermelho ou desviada para o azul em proporção à sua velocidade e direção. 

A equipe foi capaz de ver e caracterizar este movimento ao rastrear o oxigênio ionizado nos espectros do NIRSpec. Estudos anteriores realizados, entre outros, pelo telescópio espacial Hubble e pelo NIFS (Near-Infrared Integral Field Spectrometer) montado no telescópio Gemini North, chamaram a atenção para os poderosos fluxos do quasar e os astrônomos tinham especulado que a sua galáxia hospedeira poderia estar se fundindo com algum parceiro invisível. Além disso, os dados NIRSpec do Webb indicaram claramente que não estavam apenas olhando para uma galáxia, mas para pelo menos mais três girando à sua volta. 

Graças aos espectros de campo integral, os movimentos de todo este material circundante puderam ser mapeados, resultando na conclusão de que SDSS J165202.64+172852.3 fazia parte de um nó denso de formação galáctica.

Usando as observações de campo integral do NIRSpec, a equipe foi capaz de confirmar três companheiras galácticas deste quasar e mostrar como estão ligadas. Os dados de arquivo do Hubble sugerem que podem haver ainda mais. As imagens do WFC3 (Wide Field Camera 3) do Hubble tinham mostrado material alargado em torno do quasar e da sua galáxia, levando à sua seleção para este estudo sobre o fluxo e os efeitos na sua galáxia hospedeira. 

As três galáxias confirmadas orbitam-se umas às outras a velocidades incrivelmente elevadas, uma indicação de que está presente uma grande quantidade de massa. Quando combinadas com a proximidade a que se encontram na região ao redor deste quasar, a equipe pensa que isto marca uma das áreas de formação galáctica mais densa conhecidas no início do Universo.

 Há muito que se suspeita que os quasares são os responsáveis pela redução da formação estelar nas suas galáxias hospedeiras. As presentes observações são apenas as primeiras de um conjunto que irá estudar três quasares com o Webb, cada um em momentos diferentes no passado do Universo. "Separar a luz incrivelmente brilhante de um quasar distante da hospedeira muito mais fraca e das suas companheiras é quase impossível a partir do solo.

Fonte: Johns Hopkins University

Um viveiro estelar turbulento

A vida das estrelas recém-nascidas é tempestuosa, como mostra esta imagem do telescópio espacial Hubble dos objetos Herbig-Haro HH 1 e HH 2.

© Hubble (HH 1 e HH 2)

Ambos os objetos estão na constelação de Órion e ficam a cerca de 1.250 anos-luz da Terra. HH 1 é a nuvem luminosa acima da estrela brilhante no canto superior direito desta imagem, e HH 2 é a nuvem no canto inferior esquerdo. 

Enquanto os dois objetos Herbig-Haro são visíveis, o jovem sistema estelar responsável por sua criação está à espreita, envolto nas espessas nuvens de poeira no centro desta imagem. No entanto, um fluxo de gás de uma destas estrelas pode ser visto saindo da nuvem escura central como um jato brilhante. 

Enquanto isso, pensava-se que a estrela brilhante entre este jato e a nuvem HH 1 era a fonte destes jatos, mas agora se sabe que é uma estrela dupla não relacionada que se formou nas proximidades. 

Os objetos Herbig-Haro são aglomerados brilhantes encontrados em torno de algumas estrelas recém-nascidas e são criados quando jatos de gás lançados para fora destas estrelas jovens colidem com o gás e a poeira circundantes em velocidades incrivelmente altas. 

Em 2002, as observações do Hubble revelaram que partes de HH 1 estão se movendo a mais de 400 quilômetros por segundo! 

Esta cena de um turbulento berçário estelar foi captada com a Wide Field Camera 3 do Hubble usando 11 filtros diferentes nos comprimentos de onda infravermelho, visível e ultravioleta. Cada um destes filtros é sensível a apenas uma pequena porção do espectro eletromagnético e permite que os astrônomos identifiquem processos interessantes que emitem luz em comprimentos de onda específicos.

No caso de HH 1 e HH2, dois grupos de astrônomos solicitaram observações do Hubble para dois estudos diferentes. O primeiro mergulhou na estrutura e movimento dos objetos Herbig-Haro visíveis nesta imagem, dando aos astrônomos uma melhor compreensão dos processos físicos que ocorrem quando os fluxos de estrelas jovens colidem com o gás e a poeira circundantes. O segundo estudo investigou os próprios fluxos para lançar as bases para futuras observações com o telescópio espacial James Webb. O Webb, com sua capacidade de perscrutar as nuvens de poeira que envolvem estrelas jovens, revolucionará o estudo dos fluxos de estrelas jovens. 

Fonte: ESA

sábado, 22 de outubro de 2022

Uma nova teoria explica o motivo de Urano girar de lado

Um dos fenômenos mais bizarros do nosso sistema solar é a maneira estranha como Urano gira de lado. Isso é um quebra-cabeça porque todos os outros planetas giram na vertical.

© Gerhald (lua migratória deslocou o eixo de rotação de Urano)

O que poderia ter acontecido para tornar Urano tão diferente, particularmente de seu vizinho Netuno, que se formou aproximadamente ao mesmo tempo em circunstâncias semelhantes? O pensamento convencional sustenta que logo após a formação do Sistema Solar, Urano foi impactado por uma série de colisões com alguns dos numerosos planetesimais que varreram a região naquela época. O problema com essa teoria é que Netuno sobreviveu ileso às mesmas condições. Isso sugere que algum outro processo foi responsável pelo comportamento bizarro de Urano. 

Mas o que poderia ser? Agora temos uma resposta potencial graças ao trabalho de Melaine Saillenfest, do Observatório de Paris, na França, e colegas, que pensam que Urano poderia ter se inclinado de outra maneira. Eles dizem que a inclinação pode ser explicada se Urano já teve um grande satélite antigo cuja órbita interagiu gravitacionalmente com a própria rotação do planeta de uma maneira que o virou lentamente de lado. 

Os astrônomos há muito perceberam que a relação gravitacional entre planetas e seus satélites pode ser complexa e duradoura. De fato, pequenos satélites podem ter um impacto significativo em seus hospedeiros maiores por seus repetidos empurrões gravitacionais enquanto orbitam. Quando os empurrões ocorrem em uma frequência que ressoa com uma propriedade do planeta hospedeiro, os efeitos podem ser significativamente ampliados, particularmente quando o satélite está se afastando lentamente de seu hospedeiro. 

Nota-se que a Lua está migrando lentamente para longe da Terra a uma taxa de cerca de 3,8 centímetros por ano. Mas observações recentes revelaram que os satélites em torno de Júpiter e Saturno também estão migrando. Nessas condições, os empurrões gravitacionais de um grande satélite podem ter ressoado com a precessão do eixo de rotação de Urano, fazendo com que o planeta se inclinasse gradualmente para o lado. 

A equipe simulou o processo com Urano para determinar as condições sob as quais isso poderia ter ocorrido. Acontece que um satélite com apenas um milésimo da massa de Urano poderia ter inclinado o planeta enquanto migrava para uma distância de cerca de 10 vezes o raio de Urano. Para atingir a inclinação em menos do que a idade do sistema solar, a taxa média de deriva do satélite deve ser comparável à atual expansão orbital da Lua.

As simulações da equipe mostram que, uma vez que o planeta se inclina além de 80 graus, seu comportamento e a órbita do satélite se tornam caóticos e imprevisíveis a ponto de o satélite poder colidir com Urano. No entanto, quando isso acontece, o comportamento de Urano se estabiliza e seu giro fica travado nesse ângulo inclinado altamente incomum. Surpreendentemente, Urano hoje não tem um grande satélite, ao contrário de Netuno, que tem Tritão, Saturno, que tem Titã, e Júpiter, que tem Ganimedes e outros.

Essa é a primeira vez que um único mecanismo é capaz de inclinar Urano e fossilizar seu eixo de rotação em seu estado final sem invocar um impacto gigante ou outros fenômenos externos. As condições necessárias para a inclinação parecem amplamente realistas, mas resta determinar se Urano poderia ter hospedado um grande satélite primordial sujeito a uma migração substancial de maré. 

Uma coisa que pode ajudar a entender esse cenário é uma melhor compreensão da migração dos satélites de Urano hoje, bem como suas outras propriedades. Para Saturno e Júpiter, muitos desses detalhes tiveram que esperar a visita de várias sondas em órbita, como Galileu, Juno e Cassini. Apenas uma nave espacial fez a jornada solitária para Urano. A Voyager 2 passou em janeiro de 1986 ao sair do Sistema Solar.

E embora várias agências espaciais tenham planos de enviar um orbitador, nenhuma missão foi aprovada. Até que sejam, os astrônomos terão que se contentar com as observações cada vez mais detalhadas da Terra e do telescópio espacial James Webb.

Fonte: Astronomy

Um jato ultrarrápido oriundo de colisão estelar

Os astrônomos que utilizam o telescópio espacial Hubble fizeram uma medição única que indica que um jato foi impulsionado pela colisão titânica entre duas estrelas de nêutrons.

© STScI (ilustração da colisão de duas estrelas de nêutrons)

O evento explosivo, denominado GW170817, foi observado em agosto de 2017. A explosão liberou a energia comparável à de uma explosão de supernova. Foi a primeira detecção combinada de ondas gravitacionais e radiação gama a partir de uma fusão de uma estrela de nêutrons binária.

As consequências desta fusão foram vistas coletivamente por 70 observatórios em todo o mundo e no espaço, através de uma ampla faixa do espectro eletromagnético, em adição à detecção de ondas gravitacionais. Isto assinalou um avanço significativo para para estudar o Universo à medida que este muda ao longo do tempo. 

Os cientistas rapidamente apontaram o Hubble para o local da explosão apenas dois dias depois. As estrelas de nêutrons colapsaram para formar um buraco negro cuja poderosa gravidade começou a atrair material na sua direção. Este material formou um disco com rápida rotação que gerou jatos que se deslocavam para longe dos seus polos. O estrondoso jato esmagou e varreu o material na concha em expansão dos detritos da explosão. Isto incluiu uma mancha de material através do qual emergiu um jato. 

Embora o evento tenha ocorrido em 2017, foram necessários vários anos para os cientistas arranjarem uma forma de analisar os dados do Hubble e os dados de outros telescópios. A observação do Hubble foi combinada com observações de vários radiotelescópios trabalhando em conjunto com o VLBI (Very Long Baseline Interferometry). Os dados de rádio foram obtidos 75 dias e 230 dias após a explosão. 

Combinando as diferentes observações, foi possível determinar o local da explosão. A medição do Hubble mostrou que o jato se movia a uma velocidade aparente de sete vezes a velocidade da luz. As observações rádio mostraram que o jato mais tarde tinha desacelerado até uma velocidade aparente de quatro vezes a da luz. Na realidade, nada pode exceder a velocidade da luz, por isso este movimento "superluminal" é uma ilusão. Uma vez que o jato se desloca na direção da Terra quase à velocidade da luz, a luz que emite num momento posterior tem uma distância mais curta para percorrer. Na realidade, já passou mais tempo entre a emissão da luz pelo jato do que o observador pensa. Isto faz com que a velocidade do objeto seja sobrestimada; neste caso, aparentemente excedendo a velocidade da luz. 

O resultado indica que o jato estava se movendo pelo menos a 99,97% da velocidade da luz quando foi lançado. As medições Hubble, combinadas com as medições do VLBI, anunciadas em 2018, reforçam em muito a ligação há muito presumida entre as fusões de estrelas de nêutrons e as explosões de raios gama de curta duração. Esta ligação requer o aparecimento de um jato rápido, que foi agora medido em GW170817. 

Este trabalho prepara o caminho para estudos mais precisos de fusões de estrelas de nêutrons, detectadas pelos observatórios de ondas gravitacionais LIGO, Virgo e KAGRA. Com uma amostra suficientemente grande nos próximos anos, as observações de jatos relativísticos poderão fornecer outra linha de pesquisa para medir o ritmo de expansão do Universo, associada a um número conhecido como a constante de Hubble. 

Atualmente, existe uma discrepância entre os valores da constante de Hubble estimados para o Universo primitivo e para o Universo próximo, um dos maiores mistérios da astrofísica atual. Os valores diferentes baseiam-se em medições extremamente precisas de supernovas do Tipo Ia pelo Hubble e por outros observatórios, e em medições do fundo cósmico de micro-ondas pelo satélite Planck da ESA. Mais observações de jatos relativistas poderiam acrescentar informações para resolver este desafio. 

Um artigo foi publicado na revista Nature

Fonte: Space Telescope Science Institute

A recente explosão de raios gama

A explosão de raios gama GRB 221009A provavelmente sinaliza o nascimento de um novo buraco negro, formado no núcleo de uma estrela em colapso há muito tempo no Universo distante.

© Fermi (GRB 221009A)

A explosão extremamente poderosa é retratada através de dados do telescópio espacial de raios gama Fermi. O telescópio Fermi captou os dados em energias de raios gama, detectando fótons com mais de 100 milhões de elétron-volts. Em comparação, os fótons de luz visível têm energias de cerca de 2 elétron-volts. 

Um brilho de raios gama constante e de alta energia no plano da galáxia Via Láctea percorre diagonalmente a imagem de 20 graus à esquerda, enquanto o flash de raios gama transitório da GRB 221009A aparece no centro e depois desaparece. 

Uma das explosões de raios gama mais brilhantes já detectadas GRB 221009A também está próxima no que diz respeito às explosões de raios gama, mas ainda está a cerca de 2 bilhões de anos-luz de distância. 

Na órbita baixa da Terra, o Fermi's Large Area Telescope registrou fótons de raios gama da explosão por mais de 10 horas, enquanto a radiação de alta energia da GRB 221009A varreu o planeta Terra no dia 9 de outubro deste ano.

Fonte: NASA

domingo, 16 de outubro de 2022

Elemento mais pesado é detectado na atmosfera de exoplaneta

Astrônomos descobriram o elemento mais pesado já encontrado na atmosfera de um exoplaneta, o bário.

© ESO (exoplaneta ultra quente transitando em frente sua estrela)

Os pesquisadores ficaram surpreendidos ao descobrir bário na atmosfera superior de dois exoplanetas, WASP-76b e WASP-121b, gigantes gasosos ultra quentes que orbitam estrelas fora do nosso Sistema Solar. Esta descoberta inesperada levanta questões sobre a composição destas atmosferas exóticas. 

Os exoplanetas WASP-76b e WASP-121b não são exoplanetas comuns. Ambos são conhecidos como Júpiteres ultra quentes, pois são comparáveis em tamanho a Júpiter, embora tenham temperaturas de superfície extremamente altas, acima de 1.000 °C. Este fato se deve à sua proximidade com as estrelas hospedeiras, o que significa também que completam uma órbita em torno das estrelas em apenas um ou dois dias. Consequentemente, estes planetas apresentam características exóticas: por exemplo, em WASP-76b os astrônomos suspeitam que chova ferro. Ainda assim, os cientistas ficaram surpreendidos ao descobrir bário, que é duas vezes e meia mais pesado que o ferro, nas atmosferas superiores de ambos estes exoplanetas.

Dada a elevada gravidade dos planetas, é esperado que elementos pesados como o bário caíssem rapidamente nas camadas mais inferiores da atmosfera. O fato do bário ter sido detectado nas atmosferas de ambos estes Júpiteres ultra quentes sugere que este tipo de planetas pode ser ainda mais estranho. Embora ocasionalmente vejamos bário em nossos próprios céus, como a cor verde brilhante dos fogos de artifício, a questão para os cientistas é qual processo natural poderia fazer com que este elemento pesado estivesse em altitudes tão altas nestes exoplanetas.

As atmosferas destes exoplanetas, sendo gasosas e quentes, são muito extensas e por isso mais fáceis de observar e estudar do que as de exoplanetas menores e mais frios. Determinar a composição da atmosfera de um exoplaneta requer equipamento muito especializado. A equipe utilizou o instrumento ESPRESSO montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO, no Chile, para analisar a luz das estrelas filtrada pela atmosfera de WASP-76b e de WASP-121b. Deste modo foi possível detectar claramente vários elementos, entre eles bário. 

Com futuros instrumentos, tais como o espectrógrafo ANDES (ArmazoNes high Dispersion Echelle Spectrograph), que será montado no futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, os astrônomos poderão estudar as atmosferas de exoplanetas, tanto grandes como pequenos, incluindo as de planetas rochosos semelhantes à Terra, com muito mais detalhe e juntar mais pistas sobre a natureza destes estranhos mundos. 

Esta pesquisa foi publicada no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: ESO

Par de estrelas forma "impressão digital" no espaço

Uma nova imagem pelo telescópio espacial James Webb revela uma notável visão cósmica: pelo menos 17 anéis concêntricos de poeira emanando de um par de estrelas.

© STScI (duas estrelas em Wolf-Rayet 140)

Localizadas a pouco mais de 5.000 anos-luz da Terra, as estrelas são coletivamente conhecidas como Wolf-Rayet 140 (WR 140). Cada anel foi criado quando as duas estrelas se aproximaram e os seus ventos estelares (fluxos de gás que sopram para o espaço) se encontraram, comprimindo o gás e formando poeira.

As órbitas das estrelas aproximam-nas cerca de uma vez em cada oito anos; tal como o crescimento dos anéis num tronco de uma árvore, os anéis de poeira assinalam a passagem do tempo. Nota-se a produção de poeira neste sistema durante mais de um século. A imagem também ilustra o quão sensível é o telescópio espacial James Webb. Antes, só era possível ver dois anéis de poeira, utilizando telescópios terrestres. Agora vemos pelo menos 17 anéis.

Para além da sensibilidade geral do Webb, o seu instrumento MIRI (Mid-Infrared Instrument) está unicamente qualificado para estudar os anéis de poeira, ou conchas, porque são mais espessos e largos do que aparecem na imagem. Os instrumentos científicos do Webb detectam luz infravermelha, um comprimento de onda invisível ao olho humano. O MIRI detecta os comprimentos de onda infravermelhos mais longos, o que significa que pode frequentemente ver objetos mais frios, incluindo os anéis de poeira, do que os outros instrumentos do telescópio. O espectrômetro do MIRI também revelou a composição da poeira, formada principalmente a partir de material ejetado por um tipo de estrela conhecida como estrela Wolf-Rayet. 

Uma estrela Wolf-Rayet é uma estrela de classe O, nascida com pelo menos 25 vezes mais massa do que o nosso Sol, que está perto do fim da sua vida, quando provavelmente irá colapsar e formar um buraco negro. Mais quente agora que durante a sua juventude, uma estrela Wolf-Rayet gera ventos poderosos que empurram enormes quantidades de gás para o espaço. 

A estrela Wolf-Rayet neste par particular pode ter vertido mais de metade da sua massa original através deste processo. A transformação de gás em poeira é um pouco como transformar farinha em pão: requer condições e ingredientes específicos. O elemento mais comum encontrado nas estrelas, o hidrogênio, não pode formar poeira por si só. Mas dado que as estrelas Wolf-Rayet liberam tanta massa, também ejetam elementos mais complexos tipicamente encontrados no interior de uma estrela, incluindo carbono. Os elementos pesados, no vento, arrefecem enquanto viajam pelo espaço e são depois comprimidos onde os ventos de ambas as estrelas se encontram.

Alguns outros sistemas Wolf-Rayet formam poeira, mas nenhum é conhecido por fazer anéis como WR 140. O padrão único dos anéis forma-se porque a órbita da estrela Wolf-Rayet em WR 140 é alongada, não circular. Só quando as estrelas se aproximam - mais ou menos à mesma distância entre a Terra e o Sol - e os seus ventos colidem está o gás sob pressão suficiente para formar poeira. Com órbitas circulares, os binários Wolf-Rayet podem produzir poeira continuamente.

Os pesquisadores pensam que os ventos de WR 140 também varreram para longe a área circundante de material residual com o qual podiam colidir, o que pode ser a razão pela qual os anéis permanecem tão imaculados em vez de estarem manchados ou de se dispersarem. É provável que existam ainda mais anéis que se tenham tornado demasiado fracos e dispersos, que nem mesmo o Webb os consegue ver nos dados. 

As estrelas Wolf-Rayet podem parecer exóticas em comparação com o nosso Sol, mas podem ter desempenhado um papel na formação estelar e planetária. Quando uma estrela Wolf-Rayet "limpa" uma área, o material varrido pode acumular-se na periferia e tornar-se denso o suficiente para a formação de novas estrelas. Há algumas evidências de que o Sol se formou num tal cenário.

Utilizando dados do modo de espectroscopia de resolução média do MIRI, o novo estudo fornece as melhores evidências, até agora, de que as estrelas Wolf-Rayet produzem moléculas de poeira ricas em carbono. Além disso, a preservação das conchas de poeira indica que esta poeira pode sobreviver no ambiente hostil entre estrelas, passando a fornecer material para futuras estrelas e planetas. Estimam-se que deveriam haver pelo menos alguns milhares de estrelas Wolf-Rayet na Via Láctea, mas apenas cerca de 600 foram encontradas até à data. Embora as estrelas Wolf-Rayet sejam raras na nossa Galáxia porque têm vida curta no que toca às estrelas, é possível que tenham produzido muita poeira ao longo da história da Via Láctea antes de explodirem e/ou formarem buracos negros.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy

Fonte: ESA

Um par de buracos negros em fusão com extrema precessão orbital

Um par de buracos negros foi visto oscilando enquanto se fundiam, num exemplo extremo de uma previsão feita pela teoria geral da relatividade de Albert Einstein que foi vista claramente pela primeira vez.

© Alamy (ilustração de dois buracos negros orbitando um ao outro)

Esta oscilação, conhecida como precessão, ocorre quando a órbita ou rotação de um objeto muda lentamente com o tempo, um exemplo comum é quando um pião começa a girar em um ângulo diferente à medida que desacelera.

A precessão orbital induzida pela gravidade, uma consequência da previsão da relatividade geral de que objetos pesados dobram o espaço-tempo, vê a forma da órbita de tal objeto mudar ao longo do tempo. Este efeito havia sido observado muito fracamente em estrelas de nêutrons orbitando umas às outras, mas era tão sutil que as órbitas apenas oscilavam a uma taxa de algumas vezes por ano.

Agora, Mark Hannam, da Universidade de Cardiff, Reino Unido, e seus colegas viram um efeito muito mais extremo num par de buracos negros movendo-se a um quinto da velocidade da luz, causado por um deles girando em um ângulo de 90 graus em relação ao seu movimento orbital. 

À medida que se fundiam, os buracos negros liberavam uma onda gravitacional, conhecida como GW200129, que carregava a assinatura da precessão a uma taxa de três vezes por segundo. É 10 bilhões de vezes mais rápido do que o encontrado em medições anteriores, então é realmente o regime mais extremo da teoria de Einstein, onde o espaço e o tempo são deformados e distorcidos de maneiras completamente anormais. 

Para identificar a precessão, a equipe reanalisou dados coletados pela primeira vez em 2020 por três detectores de ondas gravitacionais, baseados nos EUA (LIGO) e na Itália (VIRGO). Uma análise anterior foi inconclusiva, mas usando um modelo mais avançado do sinal da onda gravitacional, os pesquisadores descobriram que a melhor maneira de explicar o sinal era com um dos buracos negros, girando quase no limite superior permitido pela relatividade geral. causando a precessão da órbita do sistema.

As implicações astrofísicas da detecção são bastante significativas. A rotação extrema e o desalinhamento com sua órbita não são previstos pelas ideias atuais de formação de buracos negros, que envolvem estrelas em implosão, e precisam de outra explicação. 

Um artigo foi publicado na revista Nature

Fonte: New Scientist

Estrela desintegra-se ao passar perto de buraco negro

Em outubro de 2018, uma pequena estrela foi desfeita em pedaços quando vagueou demasiado perto de um buraco negro numa galáxia situada a 665 milhões de anos-luz da Terra.

© DESY (ilustração de um evento de perturbação de marés)

Embora possa parecer excitante, o evento não foi uma surpresa para os astrônomos que ocasionalmente testemunham estes eventos violentos enquanto observam o céu noturno. Mas quase três anos após o massacre, o mesmo buraco negro voltou a iluminar os céus.

Os pesquisadores concluíram que o buraco negro está agora ejetando material viajando a metade da velocidade da luz, mas não sabem por que razão o fluxo foi atrasado por vários anos. 

A equipe detectou a explosão incomum ao mesmo tempo que revisitava eventos de perturbação de marés que ocorreram ao longo dos últimos anos. Dados de rádio do VLA (Very Large Array), no estado norte-americano do Novo México, mostraram que o buraco negro tinha sido misteriosamente reanimado em junho de 2021.

Foram recolhidas observações do evento de perturbação de marés, chamado AT2018hyz, em vários comprimentos de onda utilizando o VLA, o observatório ALMA no Chile, o MeerKAT na África do Sul, o ATCA (Australian Telescope Compact Array) na Austrália, o Observatório de raios X Chandra e o Observatório Neil Gehrels Swift, estes dois últimos situados no espaço. As observações rádio do evento de perturbação de marés revelaram-se as mais marcantes.

Na última década descobriu-se por vezes que eventos de perturbação de marés  brilham no rádio enquanto ejetam material e enquanto a estrela é consumida pela primeira vez pelo buraco negro. Mas em AT2018hyz houve silêncio radiofônico durante os primeiros três anos e agora está dramaticamente iluminado para se tornar um dos eventos de perturbação de marés mais luminosos no rádio alguma vez observados. 

Os eventos de perturbação de marés são bem conhecidos por emitirem luz quando ocorrem. À medida que uma estrela se aproxima de um buraco negro, as forças gravitacionais começam a esticar a estrela. Eventualmente, o material alongado espalha-se em torno do buraco negro e aquece, criando um clarão que pode ser detectados a milhões de anos-luz de distância. Alguns materiais são ocasionalmente atirados para o espaço. 

A emissão, conhecida como fluxo, normalmente desenvolve-se rapidamente após a ocorrência de um evento de perturbação de maré, não anos mais tarde. Mas neste buraco negro ocorreu um retardo na ejeção de material oriundos da estrela. 

O fluxo de material provocados por este buraco negro viaja tão depressa quanto 50% da velocidade da luz. Para comparação, a maioria dos eventos de perturbação de marés tem um fluxo que viaja a 10% da velocidade da luz.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Harvard University

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Descoberto buraco negro disparando jatos em galáxia vizinha

Com a ajuda de cientistas cidadãos, uma equipe de astrônomos descobriu um buraco negro único expelindo um jato impetuoso em outra galáxia.

© GMRT / Ananda Hota (RAD12)

O buraco negro é hospedado pela galáxia RAD12 localizada a cerca de um bilhão de anos-luz de distância da Terra. 

As galáxias são normalmente divididas em duas classes principais com base em sua morfologia: espirais e elípticas. As espirais têm braços espirais opticamente azuis com uma abundância de gás frio e poeira. Nas galáxias espirais, novas estrelas se formam a uma taxa média de uma estrela semelhante ao Sol por ano. Em contraste, as galáxias elípticas parecem amareladas e carecem de características distintas, como braços espirais. A formação de estrelas em galáxias elípticas é muito escassa; ainda é um mistério para os astrônomos por que as galáxias elípticas que vemos hoje não formam novas estrelas há bilhões de anos. Evidências sugerem que buracos negros supermassivos são os responsáveis. 

Estes buracos negros supermassivos expelem jatos gigantescos de elétrons se movendo em velocidades muito altas em outras galáxias, esgotando o combustível necessário para a futura formação de estrelas: gás frio e poeira. 

A natureza única da RAD12 foi observada em 2013 usando dados ópticos do Sloan Digitized Sky Survey (SDSS) e dados de rádio do Very Large Array (FIRST survey). No entanto, a observação de acompanhamento com o Giant Meterwave Radio Telescope (GMRT) na Índia foi necessária para confirmar sua natureza verdadeiramente exótica: o buraco negro em RAD12 parece estar ejetando o jato apenas em direção a uma galáxia vizinha, chamada RAD12-B. 

Em todos os casos, os jatos são ejetados aos pares, movendo-se em direções opostas em velocidades relativísticas. Por que apenas um jato é visto vindo do RAD12 continua sendo um enigma para os astrônomos. Uma haste cônica de plasma jovem é vista sendo ejetada do centro e alcança muito além das estrelas visíveis da RAD12. 

As observações do GMRT revelaram que o plasma mais fraco e mais antigo se estende muito além da haste cônica central e se expande como a tampa de um cogumelo (visto em vermelho na imagem tricolor). Toda a estrutura tem 440 mil anos-luz de comprimento, muito maior do que a própria galáxia hospedeira.

A RAD12 é diferente de tudo conhecido até agora; esta é a primeira vez que um jato foi observado colidindo com uma grande galáxia como RAD12-B. Os astrônomos estão agora um passo mais perto de entender o impacto de tais interações nas galáxias elípticas, o que pode deixá-las com pouco gás frio para a futura formação de estrelas. 

O líder de pesquisa Dr. Ananda Hota diz: "Estamos entusiasmados por ter descoberto um sistema raro que nos ajuda a entender o fluxo do jato de rádio de buracos negros supermassivos na formação de estrelas de galáxias durante fusões. Observações com o GMRT e dados de vários outros telescópios, como o radiotelescópio MeerKAT sugere fortemente que o jato de rádio em RAD12 está colidindo com a galáxia companheira.

O trabalho foi publicado hoje no peródico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society Letters.

Fonte: Oxford University