quarta-feira, 31 de março de 2021

Como as explosões estelares esculpem nuvens de detritos

Os astrônomos estão agora numa melhor posição para interpretar as observações de remanescentes de supernovas, graças às simulações de computador destes eventos cataclísmicos por astrofísicos do RIKEN (Japão).

© Giller Ferrand (simulação de supernova criando nuvens de detritos)

Quando certos tipos de estrelas morrem, explodem violentamente no que é conhecido como supernova. Uma das formas mais comuns de supernova, as do Tipo Ia, começa com uma estrela anã branca densa que queimou o seu combustível de hidrogênio. 

A matéria que flui de uma estrela companheira pode dar início a uma reação de fusão nuclear descontrolada na anã, desencadeando uma conflagração massiva que cria muitos dos elementos mais pesados do Universo. Estes são lançados para fora numa nuvem luminosa conhecida como remanescente, que contém uma "impressão digital" da explosão.

Giller Ferrand do Laboratório Astrofísico do Big Bang do RIKEN e colegas no Japão e na Alemanha têm desenvolvido simulações tridimensionais de computador que recriam supernovas. As suas simulações envolvem duas etapas: a primeira modela a própria explosão de supernova, enquanto a segunda usa isso como entrada para um modelo do remanescente de supernova.

"O nosso objetivo é explorar como diferentes condições da explosão produzem remanescentes com formas e composições características, semelhantes às que observamos na nossa Galáxia," explica Ferrand.

As mais recentes simulações da equipe concentram-se em dois aspetos das supernovas: como a explosão começa dentro de uma anã branca e como a combustão se espalha pela estrela. A ignição pode começar em apenas alguns lugares dentro da anã branca ou pode ser disparada em vários pontos simultaneamente.

Entretanto, a combustão pode ser uma deflagração turbulenta que se move mais lentamente do que a velocidade local do som ou pode envolver deflagração seguida por uma detonação supersônica. Ao colocar estas opções juntas de maneiras diferentes, os pesquisadores produziram quatro modelos de remanescentes de supernova. 

Cada modelo tem as suas propriedades distintas. Por exemplo, uma supernova com poucos pontos de ignição e uma explosão de deflagração produziu um remanescente com uma concha simétrica deslocada do centro da explosão. Em contraste, uma simulação que envolve poucos pontos de ignição e uma detonação produziu um remanescente no qual metade da concha externa era duas vezes mais espessa que a outra metade.

Os remanescentes das simulações de deflagração também apresentavam "costuras" inesperadas de material mais denso. Estes resultados sugerem que o melhor momento para ver a impressão digital de uma supernova no seu remanescente é cerca de 100 a 300 anos após a explosão. 

Esta impressão é visível por mais tempo em supernovas com menos pontos de ignição, e todos os remanescentes nas simulações tornaram-se esféricos, no global, em 500 anos. Estes resultados vão conduzir os astrônomos na interpretação das observações de remanescentes de supernovas.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: RIKEN

terça-feira, 30 de março de 2021

Uma superbolha estrelada

Esta área do céu com um brilho suave é na verdade uma bolha quente de gás hidrogênio, chamada Sh 2-305, que foi bombardeada por intensa radiação emitida por estrelas próximas.

© ESO (Sh 2-305)

Este tipo de nuvens de gás são conhecidas como nebulosas de emissão ou regiões HII. A radiação emitida se situa na região ultravioleta do espectro eletromagnético e acredita-se que emane de pelo menos duas estrelas do tipo O, o que corresponde às estrelas mais brilhantes e quentes que conhecemos. Estes objetos podem ter até 90 vezes a massa do Sol e brilham um milhão de vezes mais intensamente do que a nossa estrela.

Juntamente com cinco bolhas vizinhas, a Sh 2-305 pertence a um complexo gigantesco de nuvens densas de gás e poeira e, a uma escala maior, a um anel enorme chamado superconcha de formação estelar GS234-02, situado no braço da constelação de Perseus.

Fonte: ESO

segunda-feira, 29 de março de 2021

A Nebulosa da Galinha Fugitiva

Tirada dos céus brasileiros nas noites de 13,14,15 de fevereiro de 2021, com 960 minutos de tempo total de exposição, a Nebulosa da Galinha Fugitiva encontra-se entre duas vistas famosas: o Cruzeiro do Sul e a Nebulosa da Carina.

© C. Fairbairn/M. Germiniani/G. R. Santos (IC 2944)

Ao longo desta imagem a Nebulosa da Galinha Fugitiva, também conhecida por IC 2944, mostra toda a sua complexidade e tantos tons de vermelho. Emissões de hidrogênio alfa (H-Alpha) deslumbrantes. 

Ela está localizada a cerca de 6.500 anos-luz de distância em Centaurus. Os glóbulos escuros no centro da imagem são chamados de glóbulos de Thackeray, em homenagem ao astrônomo sul-africano Andrew David Thackeray, que os observou pela primeira vez em 1950. 

Estas regiões, quando vistas através de telescópios infravermelhos, revelam um berçário estelar, ou seja, uma região de formação de estrelas. Um olhar mais atento mostra que os glóbulos escuros maiores são formados por duas partes separadas, mas sobrepostas, dando a impressão de serem uma. Estas duas nuvens juntas têm uma massa equivalente a 15 vezes a massa do Sol! 

Os glóbulos parecem estar fraturados devido ao ambiente hostil em que estão imersos. Uma vez que estrelas jovens e quentes energizam e aquecem a nebulosa de emissão, os glóbulos são dissipados, evitando que se contraiam e se tornem estrelas massivas. 

Esta notável paisagem celestial se espalha por um campo estimado de 60.000 anos-luz. 

A imagem final é o resultado de um mosaico de quatro painéis, obtida pelos astrônomos Carlos `Kiko` Fairbairn, Maicon Germiniani e Gabriel R. Santos, em Serra Alta, Santa Catarina (SC) Brasil.

Fonte: Amateur Astronomy Photo of the Day

O aglomerado de estrelas mais próximo do Sol está sendo destruído?

Dados do satélite de mapeamento estelar Gaia da ESA revelaram evidências tentadoras de que o aglomerados de estrelas mais próximo do Sol está sendo perturbado pela influência gravitacional de uma estrutura massiva, mas invisível, na nossa Galáxia.

© Hubble (Híades)

A ser verdade, isto pode fornecer evidências de uma população suspeita de "sub-halos de matéria escura". Estas nuvens invisíveis de partículas são consideradas relíquias da formação da Via Láctea, e estão agora espalhadas pela Galáxia, formando uma subestrutura invisível que exerce uma influência gravitacional perceptível em qualquer coisa que se aproxime demais. 

A pesquisadora Tereza Jerabkova e colegas da ESA e do ESO fizeram a descoberta enquanto estudavam a forma como um aglomerado estelar próximo está se fundindo com o plano de fundo geral das estrelas na nossa Galáxia. Esta descoberta teve por base o catálogo EDR3 (Early third Data Release) do Gaia e dados do segundo catálogo. 

A equipe escolheu as Híades como o seu alvo porque é o aglomerado de estrelas mais próximo do Sol. Está localizado a pouco mais de 153 anos-luz de distância e é facilmente visível para os observadores do céu nos hemisfério norte e sul como uma forma conspícua em "V" de estrelas brilhantes que assinalam a cabeça da constelação de Touro.

Além das estrelas brilhantes facilmente visíveis, os telescópios revelam cerca de cem estrelas mais fracas contidas numa região esférica do espaço com aproximadamente 60 anos-luz de diâmetro. Um aglomerado perderá estrelas naturalmente, porque à medida que estas estrelas se movem dentro do aglomerado, puxam-se gravitacionalmente. Estas atrações gravitacionais constantes mudam ligeiramente as velocidades das estrelas, movendo algumas para as orlas do aglomerado. 

A partir daí, as estrelas podem ser varridas pela atração gravitacional da galáxia, formando duas longas caudas. Uma cauda segue o aglomerado, a outra vai à sua frente. São conhecidas como caudas de maré e foram amplamente estudadas em galáxias em colisão, mas até muito recentemente ninguém as tinha visto num aglomerado estelar aberto próximo.

A chave para detectar caudas de maré é identificar quais as estrelas no céu que se movem de maneira semelhante ao aglomerado estelar. O Gaia torna isto fácil porque mede com precisão a distância e o movimento de mais de um bilhão de estrelas na nossa Galáxia. 

As tentativas anteriores por outras equipes tiveram apenas sucesso limitado porque os foram procuradas estrelas que correspondessem intimamente ao movimento do aglomerado. Isto excluiu membros que partiram no início da sua história de 600-700 milhões de anos e que estão agora viajando em órbitas diferentes. 

Para entender o alcance das órbitas foi construído um modelo de computador que simulava as várias perturbações que as estrelas fugitivas do aglomerado poderiam sentir durante as suas centenas de milhões de anos no espaço. Foi depois de executar este código e, em seguida, comparar as simulações com os dados reais, que a verdadeira extensão das caudas de maré das Híades foram reveladas.

Tereza e colegas encontraram milhares de ex-membros nos dados do Gaia. Estas estrelas estendem-se agora por milhares de anos-luz ao longo da Galáxia em duas enormes caudas de maré. Mas a verdadeira surpresa foi que a cauda de maré traseira parecia ter estrelas em falta. Isto indica que algo muito mais brutal está ocorrendo do que o aglomerado estelar se dispersando suavemente.Notou-se que os dados poderiam ser reproduzidos se aquela cauda colidisse com uma nuvem de matéria contendo cerca de 10 milhões de massas solares.

Mas o que poderia ser este amontoado de matéria? Não existem observações de uma nuvem de gás ou de um aglomerado estelar tão massivo nas proximidades. Se nenhuma estrutura visível for detectada mesmo em levantamentos futuros, Tereza sugere que este objeto pode ser um sub-halo de matéria escura. 

Estes são agregados naturais de matéria escura que se pensa ajudarem a moldar a galáxia durante a sua formação. Este novo trabalho mostra como o Gaia está ajudando os astrônomos a mapear esta estrutura invisível de matéria escura da Galáxia. "Com o Gaia, a forma como vemos a Via Láctea mudou completamente. E tendo provado a técnica com as Híades, os pesquisadores estão agora estendendo o trabalho à procura de caudas de maré em outros aglomerados de estrelas mais distantes.

Fonte: ESA

quinta-feira, 25 de março de 2021

Observados campos magnéticos nas bordas de buraco negro

A colaboração EHT (Event Horizon Telescope), que nos mostrou a primeira imagem de um buraco negro, revelou uma nova visão do objeto massivo situado no centro da galáxia Messier 87 (M87): como ele se parece em luz polarizada.

© Event Horizon Telescope (buraco negro da M87 em luz polarizada)

Esta é a primeira vez que os astrônomos conseguiram medir a polarização, uma assinatura de campos magnéticos, tão perto da borda de um buraco negro. Estas observações são cruciais para explicar como é que a M87, situada a 55 milhões de anos-luz de distância de nós, consegue lançar jatos energéticos a partir do seu centro.

“Estamos vendo agora a próxima pista crucial para compreender como é que os campos magnéticos se comportam em torno dos buracos negros e como é que a atividade nesta região compacta do espaço consegue lançar jatos tão poderosos que se estendem para além da galáxia,” disse Monika Mościbrodzka, Coordenadora do Grupo de Trabalho de Polarimetria do EHT e Professora Assistente na Universidade Radboud na Holanda.

No dia 10 de abril de 2019, os cientistas divulgaram a primeira imagem de um buraco negro, relevando uma estrutura brilhante em forma de anel com uma região central escura, a sombra do buraco negro. Desde então, a colaboração EHT se aprofundou nos dados sobre o objeto supermassivo no núcleo da galáxia M87 coletados em 2017 e descobriu que uma fração significativa da luz em torno do buraco negro da M87 se encontra polarizada.

“Esta descoberta é um marco importante: a polarização da luz carrega informações que nos permitem compreender melhor a física por trás da imagem que vimos em abril de 2019, o que não era possível antes,” explica Iván Martí-Vidal, também Coordenador do Grupo de Trabalho de Polarimetria do EHT e Pesquisador do GenT na Universidade de Valência, Espanha. 

Para revelar esta nova imagem em luz polarizada foram precisos anos de trabalho devido às técnicas complexas envolvidas na obtenção e análise dos dados. A luz torna-se polarizada quando passa por determinados filtros, tal como as lentes polarizadas dos óculos de sol ou quando é emitida em regiões quentes do espaço onde existem campos magnéticos. Da mesma forma que os óculos de sol polarizados nos ajudam a ver melhor ao reduzir os reflexos e o brilho de superfícies brilhantes, também os astrônomos podem ter uma visão mais nítida da região em torno do buraco negro ao observar como é que a luz que daí emerge está polarizada.

Especificamente, a polarização permite aos astrônomos mapear as linhas do campo magnético presentes na borda interna do buraco negro. Os jatos brilhantes de energia e matéria que emergem do núcleo da M87 e se estendem pelo menos 5.000 anos-luz a partir do seu centro são uma das estruturas mais misteriosas e energéticas da galáxia. A maioria da matéria que se encontra perto das bordas do buraco negro cai para dentro deste.

No entanto, algumas das partículas circundantes escapam momentos antes de serem capturadas e são lançadas para o espaço sob a forma de jatos. Os astrônomos têm contado com diferentes modelos teóricos que explicam como a matéria se comporta perto do buraco negro para compreender melhor este processo. Mas, ainda não se sabe exatamente como é que jatos maiores que a galáxia são lançados da sua região central, região esta que é comparável ao nosso Sistema Solar em termos de tamanho, nem como é que a matéria cai exatamente no buraco negro.

Com a nova imagem EHT do buraco negro e da sua sombra em luz polarizada, os astrônomos conseguiram olhar pela primeira vez para a região que fica logo a seguir ao buraco negro, local onde ocorre a interação entre a matéria que está fluindo para o buraco negro e a matéria que está sendo ejetada. 

As observações fornecem novas informações sobre a estrutura dos campos magnéticos fora do buraco negro. A equipe descobriu que apenas modelos teóricos com gás fortemente magnetizado conseguem explicar o que estamos vendo no horizonte de eventos. “As observações sugerem que os campos magnéticos na borda do buraco negro são suficientemente fortes para empurrar o gás quente e ajudá-lo a resistir à força da gravidade. Apenas o gás que escapa ao campo magnético consegue espiralar em direção ao horizonte de eventos do buraco negro,” explica Jason Dexter, Professor Assistente na University of Colorado Boulder, EUA, e Coordenador do Grupo de Trabalho Teórico do EHT. 

Para observar o coração da M87, a colaboração EHT ligou oito telescópios ao redor do mundo, incluindo o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e o Atacama Pathfinder EXperiment (APEX) no norte do Chile, para criar um telescópio virtual do tamanho da Terra, o EHT. A impressionante resolução obtida com o EHT é equivalente a conseguir medir o comprimento de um cartão de crédito na superfície da Lua. Com as suas 66 antenas, o ALMA domina o sinal total coletado em luz polarizada, enquanto o APEX se revelou essencial para a calibração da imagem. 

A rede EHT permitiu à equipe observar de forma direta a sombra do buraco negro e o anel de luz que a rodeia, com a nova imagem em luz polarizada mostrando claramente que o anel está magnetizado. 

Espera-se que futuras observações do EHT revelem com mais precisão a estrutura do campo magnético ao redor do buraco negro e forneça mais detalhes sobre a física do quente gás nesta região.

Esta pesquisa foi apresentada em dois artigos publicados no The Astrophysical Journal Letters. Uma pesquisa complementar foi apresentada num artigo que foi aceito para publicação no The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: ESO

Fluxos torrenciais em protoestrelas influenciam no crescimento

Embora a nossa Galáxia seja imensa com pelo menos 200 bilhões de estrelas, os detalhes de como se formaram permanecem envoltos em mistério.


© Hubble/R. B. Andreo (nuvem de Órion)

O material vermelho na imagem é hidrogênio gasoso ionizado e aquecido pela radiação ultravioleta de estrelas massivas em Órion. As estrelas formam-se em nuvens de hidrogênio gasoso frio que são invisíveis ou aparecem como regiões escuras nesta imagem. A forma crescente é conhecida como Loop de Barnard e envolve parcialmente a figura da constelação de Órion, o Caçador. O cinturão do Caçador é a cadeia diagonal de três estrelas no centro da imagem. São vistas as estrelas brilhantes Saiph (acima à esquerda) e Rigel (em baixo à esquerda). Esta paisagem abrange dezenas de milhares de estrelas que se formaram e ganharam vida. Muitas ainda estão envoltas nos seus casulos natais de gás e poeira e só são vistas no infravermelho. A linha ondulante de pontos amarelos, que começa acima à esquerda, é uma imagem sobreposta de 304 protoestrelas obtida pelo telescópio espacial Hubble da NASA.

Sabe-se que as estrelas se formam a partir do colapso de enormes nuvens de hidrogênio que são comprimidas pela gravidade até ao ponto de ignição da fusão nuclear. Mas apenas mais ou menos 30% da massa inicial da nuvem termina como uma estrela recém-nascida. 

Para onde vai o resto do hidrogênio durante um processo tão ineficiente? Supõe-se que uma estrela recém-formada libere uma grande quantidade de gás quente por meio de jatos e ventos semelhantes a furacões lançados do disco circundante por poderosos campos magnéticos. Estes fogos de artifício devem impedir o crescimento da estrela central.

Mas um novo e abrangente levantamento do Hubble mostra que esta explicação mais comum não parece funcionar, confundindo os astrônomos. Os pesquisadores usaram dados previamente recolhidos pelos telescópios espaciais Hubble e Spitzer da NASA e pelo telescópio espacial Herschel da ESA (o Spitzer e o Herschel já não estão operacionais).

Neste que é até à data o maior levantamento de estrelas nascentes, os cientistas estão descobrindo que a eliminação do gás pelo escoamento de uma estrela pode não ser tão importante na determinação da sua massa final como sugerem as teorias convencionais. O objetivo dos pesquisadores era determinar se os fluxos estelares interrompiam a queda de gás numa estrela e impediam o seu crescimento.

Em vez disso, descobriram que as cavidades na nuvem de gás circundante, esculpidas pelo fluxo de uma estrela em formação, não cresciam regularmente à medida que amadureciam, como propõem as teorias. "Num modelo de formação estelar, se começarmos com uma pequena cavidade, à medida que a protoestrela rapidamente se torna mais evoluída, o seu fluxo cria uma cavidade cada vez maior até que o gás circundante é eventualmente expelido, deixando uma estrela isolada," explicou Nola Habel da Universidade de Toledo. "As nossas observações indicam que não há um crescimento progressivo que podemos encontrar, de modo que as cavidades não estão crescendo até que empurrem toda a massa da nuvem. Portanto, deve haver algum outro processo acontecendo que elimina o gás que não acaba na estrela." 

Durante o estágio relativamente breve de nascimento de uma estrela, que dura apenas mais ou menos 500.000 anos, a estrela rapidamente aumenta de massa. Conforme a estrela cresce, ela lança um vento, bem como um par de jatos giratórios parecidos a aspersores que disparam em direções opostas. Estes fluxos começam a corroer a nuvem circundante, criando cavidades no gás. 

As teorias populares preveem que, à medida que a jovem estrela evolui e o fluxo continua, as cavidades ficam mais largas até que toda a nuvem de gás em torno da estrela é completamente afastada. Com combustível exaurido, a estrela para de acumular massa, ou seja, para de crescer. 

Para procurar o crescimento da cavidade, os pesquisadores primeiro classificaram as protoestrelas por idade, analisando os dados do Herschel e Spitzer da emissão de luz de cada estrela. Embora as próprias estrelas estejam envoltas em poeira, elas emitem radiação poderosa que atinge as paredes da cavidade e espalha grãos de poeira iluminando as lacunas nos invólucros gasosos no infravermelho.

As imagens do Hubble revelam os detalhes das cavidades produzidas pelas protoestrelas em vários estágios de evolução. Os astrônomos usaram as imagens para medir as formas das estruturas e estimar os volumes de gás liberados para formar as cavidades. A partir desta análise, puderam estimar a quantidade de massa que foi eliminada pelas explosões estelares.

"Descobrimos que no final da fase protoestelar, onde a maior parte do gás caiu da nuvem circundante para a estrela, várias estrelas jovens ainda têm cavidades bastante estreitas," disse Tom Megeath da Universidade de Toledo. "Então, esta imagem que ainda é comum sobre o que determina a massa de uma estrela e o que impede a queda do gás é que esta cavidade crescente do fluxo recolhe todo o gás. Isto tem sido fundamental para a nossa ideia de como a formação estelar continua, mas simplesmente não parece encaixar aqui nos dados." 

O futuro telescópio espacial James Webb da NASA irá investigar mais profundamente o processo de formação das protoestrelas. As observações espectroscópicas vão examinar as regiões internas dos discos que rodeiam as protoestrelas no infravermelho, procurando jatos nas fontes mais jovens, e também ajudará a medir o ritmo de acreção de material do disco para estrela e estudará como o disco interno está interagindo com o fluxo.

Os resultados serão publicados no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: ESA

terça-feira, 23 de março de 2021

Uma visão peculiar

A imagem a seguir apresenta a galáxia NGC 7678, que está localizada a aproximadamente 164 milhões de anos-luz de distância na constelação de Pégaso (O Cavalo Alado).

© Hubble (NGC 7678)

Com um diâmetro de cerca de 115.000 anos-luz, esta galáxia espiral brilhante tem um tamanho semelhante à nossa própria galáxia (a Via Láctea) e foi descoberta em 1784 pelo astrônomo alemão-britânico William Herschel. 

O Atlas de Galáxias Peculiares é um catálogo produzido em 1966 pelo astrônomo americano Halton Arp. A NGC 7678 está entre as 338 galáxias apresentadas neste catálogo, que organiza galáxias peculiares de acordo com suas características incomuns, sendo catalogada aqui como Arp 28, esta galáxia está listada junto com outras seis no grupo “galáxias espirais com um braço denso”.

Fonte: NASA

sábado, 20 de março de 2021

Perscrutando o núcleo empoeirado de uma galáxia

Pesquisadores vão em breve mapear e modelar o núcleo da galáxia vizinha Centaurus A com o telescópio espacial James Webb da NASA.

© NASA/NRAO/Rolf Olsen (Centaurus A)

Centaurus A é uma galáxia gigante, mas as suas aparições em observações telescópicas podem enganar. Faixas de poeira escura e jovens aglomerados de estrelas azuis, que cruzam a sua região central, são aparentes no ultravioleta, no visível e no infravermelho próximo, pintando uma paisagem bastante moderada. Mas se mudarmos para comprimentos de onda em raios X e rádio desvenda-se uma cena muito mais "barulhenta": do núcleo da galáxia elíptica disforme, jatos espetaculares de material irromperam do seu buraco negro supermassivo, conhecido como núcleo galáctico ativo, enviando material para o espaço muito além dos limites da galáxia. 

O que, precisamente, está acontecendo no seu núcleo para provocar toda esta atividade? O gás, o disco e as estrelas da galáxia movem-se sob a influência do seu buraco negro supermassivo central. Dado que a galáxia está tão perto da Terra, será possível criar mapas bidimensionais para ver como o gás e as estrelas se movem na sua região central, como são influenciados pelos jatos do seu núcleo galáctico ativo e, em última análise, caracterizar melhor a massa do seu buraco negro.

Centaurus A é bem estudada porque está relativamente próxima, a cerca de 13 milhões de anos-luz, o que significa que podemos resolver claramente a galáxia inteira. O primeiro registo foi feito em meados do século XIX, mas os astrônomos perderam o interesse até à década de 1950 porque a galáxia parecia ser uma galáxia elíptica quieta, embora deformada.

Assim que os pesquisadores começaram a observá-la com radiotelescópios nas décadas de 1940 e 50, Centaurus A tornou-se radicalmente mais interessante, os seus jatos tornaram-se visíveis. Em 1954, os cientistas descobriram que Centaurus A é o resultado de duas galáxias que se fundiram, o que mais tarde foi estimado ter ocorrido há 100 milhões de anos. Com mais observações no início dos anos 2000, estimou-se que há cerca de 10 milhões de anos, o seu núcleo galáctico ativo disparou jatos gêmeos em direções opostas. Quando examinada em todo o espectro eletromagnético, desde raios X ao rádio, fica claro que há muito mais nesta história que ainda precisamos de aprender. 

A combinação de imagens e espectros fornecidos pelo telescópio James Webb permitirá a criação de mapas de altíssima resolução das velocidades do gás e das estrelas no centro de Centaurus A, para modelar como todo o disco no centro da galáxia se move para determinar com mais precisão a massa do buraco negro. Com um conjunto mais completo de dados infravermelhos, também será possível determinar se partes diferentes do gás estão se comportando conforme o previsto.

Fonte: Space Telescope Science Institute

sexta-feira, 19 de março de 2021

O que aconteceu à água de Marte?

Há bilhões de anos, o Planeta Vermelho era muito mais azul; de acordo com evidências ainda encontradas à superfície, a água abundante fluiu por Marte formando lagos e oceanos profundos.

© Viking (Marte)

A questão que se põe é, então para onde foi toda esta água? A resposta: para lado nenhum. Segundo uma nova pesquisa do California Institute of Technology (Caltech) e do Jet Propulsion Laboratory (JPL), uma porção significativa da água de Marte, entre 30% e 99%,  está presa dentro de minerais na crosta do planeta. 

A pesquisa desafia a teoria atual de que a água do Planeta Vermelho escapou para o espaço. A equipe do Caltech/JPL descobriu que há cerca de quatro bilhões de anos, Marte continha água suficiente para cobrir todo o planeta com um oceano com aproximadamente 100 a 1.500 metros de profundidade; um volume aproximadamente equivalente a metade do Oceano Atlântico da Terra. Mas, um bilhão de anos depois, o planeta estava tão seco quanto hoje. 

Anteriormente, os cientistas que procuravam explicar o que aconteceu com a água que corria em Marte sugeriram que escapou para o espaço, vítima da baixa gravidade de Marte. Embora parte da água realmente tenha deixado Marte desta maneira, parece agora que tal fuga não pode ser responsável pela maior parte da perda de água.

A equipe estudou a quantidade de água em Marte ao longo do tempo em todas as suas formas (vapor, líquido e gelo) e a composição química da atual atmosfera e crosta do planeta por meio da análise de meteoritos, bem como usando dados fornecidos por rovers e orbitadores, olhando em particular para a proporção de deutério para hidrogênio. 

A água é composta por hidrogênio e oxigênio. No entanto, nem todos os átomos de hidrogênio são criados iguais. Existem dois isótopos estáveis de hidrogênio. A vasta maioria dos átomos de hidrogênio tem apenas um próton dentro do núcleo atômico, enquanto uma pequena fração (cerca de 0,02%) existe como deutério, ou o chamado hidrogênio "pesado", que tem um próton e um nêutron no núcleo. O hidrogênio mais leve (também conhecido como prótio) tem mais facilidade em escapar da gravidade do planeta para o espaço do que a sua contraparte mais pesada. Por causa disto, o escape de água de um planeta pela atmosfera superior deixaria uma assinatura reveladora na proporção de deutério para hidrogênio na atmosfera do planeta; haveria uma proporção descomunal de deutério deixado para trás. 

No entanto, a perda de água apenas através da atmosfera não pode explicar o sinal de deutério para hidrogênio observado na atmosfera marciana nem as grandes quantidades de água no passado. Em vez disso, o estudo propõe que uma combinação de dois mecanismos, o aprisionamento de água em minerais na crosta do planeta e a perda de água para a atmosfera, pode explicar o sinal de deutério para hidrogênio observado na atmosfera marciana. 

Quando a água interage com a rocha, a erosão química forma argilas e outros minerais hidratados que contêm água como parte da sua estrutura mineral. Este processo ocorre tanto na Terra quanto em Marte. Dado que a Terra é tectonicamente ativa, a crosta velha é derretida continuamente no manto e forma uma nova crosta nos limites das placas, reciclando água e outras moléculas de volta para a atmosfera através do vulcanismo. 

No entanto, Marte é principalmente tectonicamente inativo e, portanto, a "secagem" da superfície, assim que ocorre, é permanente. A fuga atmosférica claramente teve um papel na perda de água, mas as descobertas da última década de missões marcianas apontaram para o fato de que havia um enorme reservatório de antigos minerais hidratados cuja formação certamente diminuiu a disponibilidade de água ao longo do tempo. Toda esta água foi sequestrada bastante cedo, e nunca mais reciclada. 

A pesquisa, que se baseou em dados de meteoritos, telescópios, observações de satélites e amostras analisadas por rovers em Marte, ilustra a importância de existirem várias maneiras de estudar o Planeta Vermelho. 

Pesquisas anteriores buscaram entender a habitabilidade de Marte ao traçar a história do carbono, dado que o dióxido de carbono é o principal constituinte da atmosfera. Em seguida, a equipe planeja continuar usando dados isotópicos e de composição mineral para determinar o destino dos minerais contendo nitrogênio e enxofre. 

Além disso, a equipe pretende examinar os processos pelos quais a água da superfície de Marte foi perdida para a crosta usando experiências laboratoriais que simulam processos de erosão marciana, bem como através de observações da crosta antiga pelo rover Perseverance, que recolherá amostras de rochas e enviará à Terra, o que permitirá aos cientistas testar estas hipóteses sobre as causas das mudanças climáticas em Marte.

Um artigo foi publicado na revista Science.

Fonte: California Institute of Technology

Ventos estratosféricos muito fortes em Júpiter

Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), do qual o Observatório Europeu do Sul (ESO) é um parceiro, uma equipe de astrônomos mediu diretamente, e pela primeira vez, ventos na atmosfera intermediária de Júpiter.

© ESO/L. Calçada (representação de ventos estratosféricos em Júpiter)

Ao analisar o resultado da colisão de um cometa em 1994, os pesquisadores descobriram ventos muito fortes, com velocidades de até 1.450 km/hora, perto dos polos de Júpiter, o que pode apontar para o que a equipe descreveu como um “monstro meteorológico único no nosso Sistema Solar”.

O planeta Júpiter é famoso pelas suas distintas faixas vermelhas e brancas: nuvens rodopiantes de gás em movimento que os astrônomos tradicionalmente usam para rastrear os ventos na baixa atmosfera de Júpiter. Os cientistas observam também brilhos intensos, as chamadas auroras, perto dos polos do planeta gigante, que parecem estar associadas a ventos fortes na atmosfera superior.

Porém, até agora, os pesquisadores nunca foram capazes de medir diretamente os padrões do vento entre estas duas camadas atmosféricas, isto é, na estratosfera. Medir a velocidade do vento na estratosfera de Júpiter usando as técnicas normais de rastreamento de nuvens é impossível devido à ausência de nuvens nesta parte da atmosfera. 

No entanto, com a ajuda do cometa Shoemaker-Levy 9, que colidiu com o gigante gasoso de forma espetacular em 1994, os astrônomos tiveram a oportunidade de fazer estas medições utilizando uma técnica alternativa. O impacto deste cometa no planeta deu origem a novas moléculas na estratosfera de Júpiter, onde elas têm se movido com os ventos desde então.

Uma equipe de astrônomos, liderada por Thibault Cavalié do Laboratoire d'Astrophysique de Bordeaux, na França, seguiu uma destas moléculas, o cianeto de hidrogênio (HCN), para medir diretamente “jatos” estratosféricos em Júpiter. Estes jatos se referem às faixas estreitas de ventos na atmosfera, tal como as correntes de jato na Terra.

“O resultado mais espetacular que obtivemos foi a detecção de jatos muito fortes, com velocidades de até 400 metros por segundo, localizados por baixo das auroras, perto dos polos,” diz Cavalié. 

Estas velocidades dos ventos correspondem a mais de duas vezes as velocidades máximas de tempestade alcançadas na Grande Mancha Vermelha de Júpiter e mais de três vezes a velocidade do vento medida nos tornados mais fortes da Terra. Esta detecção indica que estes jatos podem se comportar como um vórtice gigante com um diâmetro de até quatro vezes o tamanho da Terra e com cerca de 900 km de altura.

Os astrônomos já sabiam da existência de ventos fortes perto dos polos de Júpiter, mas situados muito mais alto na atmosfera, a centenas de quilômetros acima da área de foco deste novo estudo. Estudos anteriores previam que estes ventos na atmosfera superior diminuiriam em velocidade e desapareceriam muito antes de chegar às profundidades correspondentes à estratosfera.

A equipe utilizou 42 das 66 antenas de alta precisão do ALMA, localizadas no deserto do Atacama, no norte do Chile, para analisar as moléculas de cianeto de hidrogênio que se movem na estratosfera de Júpiter desde o impacto do cometa Shoemaker-Levy 9. Os dados do ALMA permitiram medir o desvio de Doppler, ou seja, variações minúsculas na frequência da radiação emitida pelas moléculas, causado pelos ventos nesta região do planeta. Ao medir estas variações é possível determinar a velocidade dos ventos, análogo à velocidade de um trem que passa pela variação na frequência do apito do trem.

Além dos surpreendentes ventos polares, a equipe usou também o ALMA para confirmar a existência de fortes ventos estratosféricos em torno do equador do planeta ao medir diretamente, e também pela primeira vez, as suas velocidades. Os jatos descobertos nesta região do planeta têm velocidades médias de cerca de 600 quilômetros por hora. As observações ALMA necessárias para seguir os ventos estratosféricos nos polos e no equador de Júpiter necessitaram de menos de 30 minutos em termos de tempo de telescópio. 

“Esta descoberta preparou também o terreno para as medições, semelhantes mas mais extensas, que serão feitas pela missão JUICE e o seu instrumento de ondas submilimétricas,” disse Thomas Greathouse, cientista no Southwest Research Institute. O JUICE (JUpiter ICy moons Explorer) da Agência Espacial Europeia (ESA), com previsão que seja lançado no próximo ano. 

O Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, que deverá ver a sua primeira luz durante a segunda metade desta década, irá também explorar Júpiter. O telescópio será capaz de fazer observações extremamente detalhadas das auroras do planeta, dando-nos uma visão mais aprofundada da atmosfera de Júpiter. 

Este trabalho foi apresentado no artigo intitulado "First direct measurement of auroral and equatorial jets in the stratosphere of Jupiter”, publicado na revista Astronomy & Astrophysics.

Fonte: ESO

quarta-feira, 17 de março de 2021

O esboço de um sistema estelar envelhecido

Os astrônomos pintaram a sua melhor imagem de uma variável RV Tauri, um tipo raro de binário estelar onde duas estrelas, orbitam dentro de um extenso disco de poeira.

© NASA (estrela primária de U Mon e sua companheira azulada)

O seu conjunto de dados de 130 anos abrange a mais ampla gama de luz já recolhida para um destes sistemas, de rádio a raios X. Existem apenas cerca de 300 variáveis RV Tauri conhecidas na Via Láctea. 

O estudo estudo foi concentrado na segunda mais brilhante, de nome U Monocerotis, que é agora o primeiro destes sistemas no qual foram detetados raios X. O sistema, abreviado para U Mon, está situado a cerca de 3.600 anos-luz de distância na direção da constelação de Unicórnio. 

As suas duas estrelas orbitam-se uma à outra a cada seis anos e meio num percurso inclinado 75 graus a partir da nossa perspetiva. A estrela primária, uma velha supergigante amarela, tem cerca de duas vezes a massa do Sol, mas inchou para 100 vezes o tamanho do Sol. 

Uma concorrência entre a pressão e a temperatura na sua atmosfera faz com que se expanda e contraia regularmente, e estas pulsações criam mudanças de luz previsíveis com alternância de profundas e superficiais diminuições de brilho, características dos sistemas RV Tauri. 

Os cientistas sabem menos sobre a estrela companheira, no entanto acham que tem massa semelhante mas é muito mais jovem do que a primária. O disco frio em torno de ambas as estrelas é composto de gás e poeira ejetados pela estrela primária à medida que evolui.

Usando observações rádio do SMA (Submillimeter Array) em Maunakea, Havaí, a equipe estimou que o disco tem cerca de 82 bilhões de quilômetros de diâmetro. O binário orbita dentro de uma lacuna central que os cientistas pensam ser comparável à distância entre as duas estrelas na sua separação máxima, quando estão a mais ou menos 870 milhões de quilômetros uma da outra. 

Quando as estrelas estão mais distantes uma da outra, estão aproximadamente alinhadas com a nossa linha de visão. O disco obscurece parcialmente a primária e cria outra flutuação previsível na luz do sistema. Os astrônomos acham que é quando uma ou ambas as estrelas interagem com a orla interna do disco, sugando fluxos de gás e poeira. Eles sugerem que a estrela companheira canaliza o gás para o seu próprio disco, que aquece e gera um fluxo de gás que emite raios X.

Este modelo poderia explicar os raios X detectados em 2016 pelo satélite XMM-Newton da ESA. As medições foram efetuadas em vários comprimentos de onda, tanto no solo como no espaço, fornecendo novas informações sobre um sistema há muito estudado. Na análise de U Mon, também foi incorporada 130 anos de observações no visível. 

A primeira medição disponível do sistema, recolhida no dia 25 de dezembro de 1888, veio dos arquivos da AAVSO (American Association of Variable Star Observers), uma rede internacional de astrônomos amadores e profissionais com sede em Cambridge, Massachusetts. A AAVSO forneceu medições históricas adicionais que vão desde meados da década de 1940 até ao presente.

Os cientistas também usaram imagens de arquivo catalogadas pelo DASCH (Digital Access to a Sky Century @ Harvard), um programa do Observatório de Harvard em Cambridge dedicado à digitalização de imagens astronômicas em placas fotográficas de vidro feitas por telescópios terrestres entre as décadas de 1880 e 1990.

A luz de U Mon varia porque a estrela primária pulsa e porque o disco obscurece parcialmente a cada aproximadamente 6,5 anos. Os dados combinados da AAVSO e do DASCH permitiram os astrônomos detectassem um ciclo ainda mais longo, em que o brilho do sistema aumenta e diminui a cada 60 anos. Eles pensam que uma dobra ou amontoado no disco, localizado à mesma distância do sistema que Netuno do Sol, provoca esta variação extra durante a sua órbita.

Este sistema evoluído tem muitas características e comportamentos em comum com binários recém-formados. Ambos estão embebidos em discos de gás e poeira, puxam material destes discos e produzem fluxos de gás. E os discos podem formar dobras ou amontoados. Nos binários jovens, podem assinalar o início da formação de um planeta.

Ainda os pesquisadores têm dúvidas sobre a característica no disco de U Mon, que podem ser respondidas por futuras observações no rádio. É fascinante como estes dois estágios da existência de binários se assemelham.

O artigo que descreve os achados foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: NASA

Detectado um buraco negro em movimento

Os cientistas há muito que teorizam que os buracos negros supermassivos podem vaguear pelo espaço, mas captá-los no ato é difícil.

© SDSS (galáxia J0437+2456)

Agora, pesquisadores do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics identificaram o caso mais claro até agora de um buraco negro supermassivo em movimento. 

Pesquisadores têm trabalhado para observar esta rara ocorrência ao longo dos últimos cinco anos, comparando as velocidades de buracos negros supermassivos e galáxias. 

Será que as velocidades dos buracos negros são as mesmas que as velocidades das galáxias onde residem? Espera-se que tenham a mesma velocidade. Caso contrário, isso implica que o buraco negro foi perturbado. Para a sua busca, a equipe investigou inicialmente 10 galáxias distantes e os buracos negros supermassivos nos seus núcleos. Estudaram especificamente os buracos negros que continham água nos seus discos de acreção, as estruturas espirais que giram para dentro em direção ao buraco negro.

Conforme a água orbita ao redor do buraco negro, produz um feixe de rádio semelhante a um laser conhecido como maser. Quando estudado com uma rede combinada de antenas de rádio usando uma técnica conhecida como VLBI (Very Long Baseline Interferometry), os masers podem ajudar a medir a velocidade de um buraco negro com muita precisão.

A técnica ajudou determinar que nove dos dez buracos negros supermassivos estavam em repouso, mas um destacou-se e parecia estar em movimento. Localizado a 230 milhões de anos-luz da Terra, o buraco negro fica no centro de uma galáxia chamada J0437+2456. A sua massa é cerca de três milhões de vezes a do nosso Sol. 

Usando observações de acompanhamento com os Observatórios Arecibo e Gemini, a equipe confirmou agora as suas descobertas iniciais. O buraco negro supermassivo está se movendo a uma velocidade de aproximadamente 177.000 quilômetros por hora dentro da galáxia J0437+2456. 

Mas o que está causando este movimento não é conhecido. A equipe suspeita que existem duas possibilidades. Pode estar sendo observado as consequências da fusão de dois buracos negros supermassivos. O resultado de tal fusão pode fazer com que o buraco negro recém-nascido recue, e podemos observá-lo  no ato de recuar ou enquanto se acomoda novamente. Mas há outra possibilidade: o buraco negro pode ser parte de um sistema binário.

O que pode estar sendo observado na galáxia J0437+2456 é um dos buracos negros deste par, com o outro permanecendo oculto nas nossas observações rádio por causa da sua falta de emissão maser. No entanto, serão necessárias mais observações para determinar a verdadeira causa do movimento incomum deste buraco negro supermassivo. 

Os seus resultados foram publicados no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

segunda-feira, 15 de março de 2021

Nova atmosfera se formando em um exoplaneta rochoso

Pela primeira vez, cientistas usando o telescópio espacial Hubble encontraram evidências de atividade vulcânica reformando a atmosfera em um exoplaneta rochoso ao redor de uma estrela distante.

© Caltech/R. Hurt (ilustração do exoplaneta GJ 1132 b)

O planeta, GJ 1132 b, tem densidade, tamanho e idade semelhantes aos da Terra. O planeta GJ 1132 b parece ter começado a vida como um mundo gasoso com uma espessa manta de atmosfera. Este Sub-Netuno, com várias vezes o raio da Terra, rapidamente perdeu sua atmosfera primordial de hidrogênio e hélio, que foi arrancada pela intensa radiação de sua jovem estrela quente. 

Em um curto período de tempo, foi reduzido a um núcleo vazio do tamanho da Terra. Para a surpresa dos astrônomos, novas observações do Hubble descobriram uma atmosfera secundária que substituiu a primeira atmosfera do planeta. É rico em hidrogênio, cianeto de hidrogênio, metano e amônia, e também possui uma névoa de hidrocarbonetos. 

Os astrônomos teorizam que o hidrogênio da atmosfera original foi absorvido pelo manto de magma derretido do planeta e agora está sendo lentamente liberado pelo vulcanismo para formar uma nova atmosfera. Esta segunda atmosfera, que continua vazando para o espaço, está continuamente sendo reabastecida do reservatório de hidrogênio no magma do manto.

Em alguns aspectos, GJ 1132 b tem vários paralelos com a Terra, mas em outros também é muito diferente. Ambos têm densidades semelhantes, tamanhos e idades semelhantes, com cerca de 4,5 bilhões de anos. Ambos começaram com uma atmosfera dominada por hidrogênio e ambos estavam quentes antes de esfriarem. 

O trabalho da equipe até sugere que GJ 1132 b e a Terra têm pressão atmosférica semelhante na superfície. No entanto, as histórias de formação dos planetas são profundamente diferentes. Não se acredita que a Terra seja o núcleo sobrevivente de um sub-Netuno. E a Terra orbita a uma distância confortável de nosso Sol. 

O GJ 1132 b está tão perto de sua estrela anã vermelha hospedeira que completa uma órbita em torno da estrela uma vez a cada dia e meio. Esta proximidade extremamente estreita mantém o GJ 1132 b travado por força de maré, mostrando a mesma face para sua estrela o tempo todo, assim como nossa Lua mantém um hemisfério permanentemente voltado para a Terra.

A questão é: o que mantém o manto quente o suficiente para permanecer líquido e alimentar o vulcanismo? O fenômeno do aquecimento das marés ocorre através do atrito, quando a energia da órbita e rotação de um planeta é dispersa como calor dentro do planeta. O GJ 1132 b está em uma órbita elíptica, e as forças de maré agindo sobre ele são mais fortes quando está mais próximo ou mais distante de sua estrela hospedeira. 

Pelo menos um outro planeta no sistema da estrela hospedeira também exerce uma atração gravitacional no planeta. As consequências são que o planeta é comprimido ou esticado por esta atração gravitacional. 

Este aquecimento das marés mantém o manto líquido por muito tempo. Um exemplo próximo em nosso próprio Sistema Solar é a lua de Júpiter, Io, que tem vulcanismo contínuo como resultado de um cabo de guerra entre Júpiter e as luas de Júpiter vizinhas.

A equipe acredita que a crosta do GJ 1132 b é extremamente fina, talvez com apenas centenas de metros de espessura. Isso é muito fraco para suportar qualquer coisa que se pareça com montanhas vulcânicas. Seu terreno plano também pode ser rachado como uma casca de ovo pela flexão da maré. 

O hidrogênio e outros gases podem ser liberados por meio destas rachaduras. Se esta atmosfera tiver uma pressão superficial semelhante à da Terra, provavelmente significa que poderá ser vistor até o solo em comprimentos de onda infravermelhos. Isto significa que se os astrônomos usarem o telescópio espacial James Webb para observar este planeta, existe a possibilidade de que eles vejam não o espectro da atmosfera, mas sim o espectro da superfície. 

E se houver poças de magma ou vulcanismo acontecendo, estas áreas serão mais quentes, gerando mais emissão. Este resultado é significativo porque fornece uma maneira de descobrir algo sobre a geologia de um planeta a partir de sua atmosfera. E também é importante para entender onde os planetas rochosos no Sistema Solar (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte) se encaixam no quadro mais amplo da planetologia comparativa, em termos da disponibilidade de hidrogênio versus oxigênio na atmosfera.

Fonte: ESA

A origem da luz zodiacal

Olhe para o céu logo antes do nascer do Sol, ou depois do pôr do Sol, e poderá ver uma tênue coluna de luz se estendendo do horizonte.

© Juan Carlos Casado (luz zodiacal)

Este brilho difuso é a luz zodiacal, ou luz solar refletida em direção à Terra por uma nuvem de minúsculas partículas de poeira que orbitam o Sol. Os astrônomos há muito tempo que pensam que a poeira é trazida para o Sistema Solar interior por algumas famílias de asteroides e cometas que se aventuram de longe. Mas agora, cientistas da Juno argumentam que Marte pode ser o responsável. 

Um instrumento a bordo da sonda Juno detectou por acaso partículas de poeira se chocarem contra a nave espacial durante a sua viagem da Terra a Júpiter. Os impactos forneceram pistas importantes sobre a origem e evolução orbital da poeira, resolvendo algumas variações misteriosas da luz zodiacal.

Os pesquisadores calcularam o tamanho aparente e a velocidade dos objetos nas imagens e perceberam algo: grãos de poeira estavam colidindo com a Juno a cerca de 16.000 km/h, lascando pedaços submilimétricos. Ao que parece, o spray de detritos estava vindo dos grandes painéis solares da Juno, o maior e mais sensível detector não intencional de poeira já construído. Cada pedaço de detrito regista o impacto de uma partícula de poeira interplanetária, permitindo compilar uma distribuição de poeira ao longo da viagem da Juno. 

A Juno foi lançada em 2011. Após uma manobra no espaço profundo no cinturão de asteroides em 2012, regressou ao Sistema Solar interior para uma assistência gravitacional da Terra em 2013, que catapultou a nave em direção a Júpiter. Os pesquisadores notaram que a maioria dos impactos de poeira foram registados entre a Terra e o cinturão de asteroides, com lacunas na distribuição relacionadas com a influência da gravidade de Júpiter. 

Segundo os cientistas, esta foi uma revelação radical. Até agora, não foi possível medir a distribuição destas partículas de poeira no espaço. Os detectores de poeira dedicados têm áreas de recolhimento limitadas e, portanto, sensibilidade limitada a uma população esparsa de poeira. Contam principalmente as partículas de poeira mais abundantes e muito menores do espaço interestelar. Em comparação, os expansivos painéis solares da Juno têm 1.000 vezes mais área de absorção do que a maioria dos detectores de poeira. 

Os cientistas da Juno determinaram que a nuvem de poeira acaba na Terra porque a gravidade do nosso planeta "suga" toda a poeira que chega aqui. Esta é a poeira que vemos como luz zodiacal. Referente à orla mais externa, a cerca de 2 UA do Sol (1 UA é a distância entre a Terra e o Sol), esta acaba logo além de Marte.

Neste ponto, a influência da gravidade de Júpiter atua como uma barreira, evitando que as partículas de poeira atravessem do Sistema Solar interior para o espaço profundo. Este mesmo fenômeno, conhecido como ressonância orbital, também funciona no sentido inverso, onde bloqueia a poeira originária no espaço profundo de passar para o Sistema Solar interior.  

A influência profunda da barreira gravitacional indica que as partículas de poeira estão numa órbita quase circular em torno do Sol. E o único objeto conhecido numa órbita quase circular por volta das 2 UA é Marte, de modo que Marte seja uma fonte desta poeira.

Os cientistas desenvolveram um modelo de computador para prever a luz refletida pela nuvem de poeira, dispersada pela interação gravitacional com Júpiter que espalha a poeira num disco mais espesso. O espalhamento depende apenas de duas variáveis: a inclinação da poeira em relação à eclíptica e a sua excentricidade orbital.

Quando os pesquisadores inseriram os elementos orbitais de Marte, a distribuição previu com precisão a assinatura reveladora da variação da luz zodiacal perto da elíptica. Embora existam agora boas evidências de que Marte, o planeta mais empoeirado que conhecemos, seja a fonte da luz zodiacal, os astrônomos ainda não conseguem explicar como a poeira pode ter escapado da atração gravitacional marciana. 

Entretanto, salientam que a determinação da verdadeira distribuição e densidade das partículas de poeira no Sistema Solar vai ajudar os engenheiros a projetar materiais para naves espaciais que podem suportar melhor os impactos da poeira. O conhecimento da distribuição precisa de poeira também pode orientar o design de trajetórias de voo para futuras espaçonaves, a fim de evitar a maior concentração de partículas.

As partículas minúsculas que viajam a velocidades tão altas podem arrancar até 1.000 vezes a sua massa de uma nave espacial. Os painéis solares da Juno escaparam a estes danos porque as células solares estão bem protegidas contra impactos na parte de trás (lado escuro) dos painéis pela estrutura de suporte.

Um artigo foi publicado no periódico Journal of Geophysical Research: Planets.

Fonte: NASA

Um lampejo de vida

Localizada a cerca de 5.000 anos-luz de distância na constelação de Cygnus (O Cisne), Abell 78 é um tipo incomum de nebulosa planetária.

© Hubble/M. Guerrero/Judy Schmidt (Abell 78)

Depois de exaurir o combustível nuclear em seus núcleos, estrelas com massa em torno de 0,8 a 8 vezes a massa do nosso Sol colapsam para formar estrelas anãs brancas quentes e densas. 

À medida que este processo ocorre, a estrela moribunda se desprende de suas camadas externas de material, formando uma elaborada nuvem de gás e poeira conhecida como nebulosa planetária. 

Este fenômeno não é incomum, e as nebulosas planetárias são um foco popular para astrofotógrafos por causa de suas formas frequentemente belas e complexas. No entanto, algumas como Abell 78 são o resultado de uma estrela “renascida”.

Embora o núcleo da estrela tenha parado de queimar hidrogênio e hélio, uma reação termonuclear em sua superfície ejeta material em alta velocidade. Este material ejetado choca e varre o material da antiga nebulosa, produzindo os filamentos e a casca irregular ao redor da estrela central vista na imagem acima, que apresenta dados da Wide Field Camera 3 do Hubble e PANSTARSS.

Fonte: ESA

sexta-feira, 12 de março de 2021

Detritos de explosão estelar encontrados em local incomum

No primeiro levantamento de todo o céu pelo telescópio de raios X eROSITA, astrônomos do Instituto Max Planck para Física Extraterrestre identificaram um remanescente de supernova até então desconhecido, denominado "Hoinga".

© ICRAR/eROSITA (remanescente de supernova Hoinga)

A imagem acima é uma composição de dados rádio e de raios X do remanescente de supernova Hoinga. Os raios X descobertos pelo eROSITA são emitidos pelos detritos quentes da progenitora explodida, ao passo que as antenas de rádio detectam emissão de síncrotron dos elétrons relativistas, que são desacelerados na camada exterior do remanescente.

O remanescente de supernova Hoinga é muito grande e está localizado longe do plano galáctico, o que implica que os próximos anos podem trazer muito mais descobertas. 

As estrelas massivas terminam as suas vidas em explosões de supernova gigantescas quando os processos de fusão no seu interior não produzem mais energia suficiente para conter o seu colapso gravitacional. Mas mesmo com centenas de bilhões de estrelas numa galáxia, estes eventos são muito raros. Na Via Láctea, estima-se a ocorrência de uma supernova, em média, a cada 30 a 50 anos.

Embora a própria supernova só seja observável numa escala de tempo de meses, os seus remanescentes podem ser detectados durante cerca de 100.000 anos. Estes remanescentes são compostos por material ejetado a altas velocidades pela explosão da estrela que formam ondas de choque quando atingem o meio interestelar circundante. 

Conhecemos atualmente cerca de 300 remanescentes de supernovas, muito menos dos que os 1.200 estimados na nossa Galáxia. Portanto, ou os astrofísicos entenderam mal o ritmo de ocorrência de supernovas ou uma grande maioria não foi observada até agora. 

Uma equipe internacional de astrônomos está agora usando os levantamentos de todo o céu do telescópio de raios X eROSITA para procurar vestígios de supernovas até então desconhecidas. Com temperaturas de milhões de graus, os detritos de tais supernovas emitem radiação altamente energética, ou seja, devem aparecer nos dados de levantamentos de raios X de alta qualidade. 

Hoinga é o maior remanescente de supernova já descoberto em raios X. Com um diâmetro de aproximadamente 4,4 graus, cobre uma área cerca de 9 vezes maior do que o tamanho da Lua Cheia. Além disso, fica muito longe do plano galáctico, o que é muito incomum. 

A maioria das pesquisas anteriores por remanescentes de supernova concentraram-se no disco da nossa Galáxia, onde a formação estelar é mais alta e os remanescentes estelares, portanto, devem ser mais numerosos, mas parece que muitos remanescentes de supernova foram negligenciados devido a esta estratégia de pesquisa. 

Depois dos astrônomos terem descoberto o objeto nos dados de todo o céu do eROSITA, voltaram-se para outros recursos para confirmar a sua natureza. Hoinga é visível também em dados obtidos pelo telescópio de raios X ROSAT de há 30 anos atrás, mas ninguém o tinha visto antes devido ao seu fraco brilho e à sua localização a altas latitudes galácticas. No entanto, a confirmação real veio de dados de rádio, a banda espectral onde 90% de todos os remanescentes de supernova conhecidos foram encontrados até agora.

O telescópio de raios X eROSITA vai realizar um total de oito levantamentos de todo o céu e é cerca de 25 vezes mais sensível do que o seu antecessor ROSAT. Ambos os observatórios espaciais foram projetados, construídos e são operados pelo Instituto Max Planck para Física Extraterrestre.

Os astrônomos esperam descobrir novos remanescentes de supernova nos seus dados de raios X nos próximos anos, mas ficaram surpresos ao identificar um tão cedo no programa. 

Juntamente com as próximas pesquisas no rádio, o levantamento de raios X do eROSITA mostra-se bastante promissor no que se refere a encontrar muitos dos remanescentes de supernova em falta, ajudando a resolver este mistério astrofísico de longa data.

Fonte: Max Planck Institute for Extraterrestrial Physics

Sistema Solar estava na mira das grandes explosões cósmicas no passado

Eventos como os GRBs, que despejam em 10 segundos energia equivalente à que toda a Via Láctea emite em um século, eram sérias ameaças ao surgimento da vida. Só a partir de 4 bilhões de anos o Sistema Solar teria experimentado condições mais seguras.

© NASA/Swift/Cruz deWilde (ilustração de uma GRB alcançando a Terra)

Para entender como a vida surgiu na Terra, os cientistas têm procurado avaliar todos os possíveis fatores que permitem que ela se forme e se mantenha, desde os mais microscópicos e locais até os de dimensões verdadeiramente cósmicas.

Agora, um novo estudo sugere que, na verdade, até seis bilhões de anos atrás o Sistema Solar estava posicionado numa região perigosa para o surgimento da vida. Nesta época, a parte central da nossa galáxia, onde está a Terra, era varrida por intensas explosões de raios gama, capazes de destruir formas incipientes de vida. E talvez uma destas explosões tenha realmente contribuído para um dos grandes eventos de destruição em massa que o nosso planeta experimentou. 

Um grupo de pesquisadores liderado por Riccardo Spinelli, doutorando na Universidade de Insubria e associado ao Instituto Nacional de Astrofísica da Itália (INAF), procurou determinar onde e quando a vida poderia ter se desenvolvido em nossa galáxia de forma a estar a salvo do impacto de violentas explosões cósmicas, tais como as explosões de raios gama (GRBs) e as explosões de supernovas. 

Tanto as supernovas quanto as GRBs estão ligados ao ciclo de vida das estrelas e, em particular, à sua morte. Uma supernova ocorre quando uma estrela com massa muito maior do que o Sol chega ao fim de sua vida e explode. Ou quando explode uma anã branca – o remanescente de estrelas menos massivas, como o Sol – após acumular massa de uma companheira em um sistema binário. Já a GRB é um flash intenso de radiação de alta energia emitido quando uma estrela muito massiva e em rotação rápida morre, ou quando duas estrelas de nêutrons, ou uma estrela de nêutrons e um buraco negro – ambos remanescentes de estrelas massivas – se fundem. 

A energia liberada por GRBs e supernovas é enorme. Uma supernova libera em poucas horas, na faixa de alta energia, tanta energia quanto a Via Láctea, que contém centenas de bilhões de estrelas. Uma GRB, em 10 segundos, emite o mesmo que nossa galáxia em um século. As supernovas são mais frequentes em regiões do espaço onde estrelas de grande massa são formadas. Já as GRBs costumam ocorrer em áreas de formação de estrelas onde há pouca disponibilidade de elementos pesados. 

“Nessas regiões, as estrelas massivas formadas por gases pobres em metais perdem menos massa durante sua vida, devido aos ventos estelares. Portanto, estas estrelas são capazes de se manter em rotação rápida, condição necessária para que, uma vez formado um buraco negro, um jato poderoso seja gerado,” diz Giancarlo Ghirlanda, também do INAF. 

“Para entender como estes eventos se distribuem em nossa galáxia, partimos de um modelo que descreve a evolução de nossa galáxia,” diz Francesco Haardt, pesquisador associado do INAF. “Este modelo prevê que as regiões internas se formaram rapidamente nos estágios iniciais da história de nossa galáxia, ao contrário do que ocorreu nas regiões periféricas. Com o passar do tempo, a taxa de formação de estrelas diminuiu no centro e aumentou gradualmente na periferia. Consequentemente, no centro da Via Láctea, os gases primordiais, contendo hidrogênio e hélio, foram enriquecidos com elementos mais pesados ​​(oxigênio, carbono, nitrogênio) rapidamente. Já na periferia o enriquecimento foi mais gradual, sem entretanto atingir as altas metalicidades das regiões centrais.” 

“Excluindo as regiões muito centrais, a menos de 6.500 anos-luz do centro galáctico, onde as explosões de supernovas são mais frequentes, nosso estudo sugere que a pressão evolutiva em cada época é determinada principalmente por GRBs,” diz Spinelli. “Embora sejam eventos muito mais raros que as supernovas, as GRBs são capazes de causar uma extinção em massa a distâncias maiores”. 

Os resultados do estudo mostram que, até 6 bilhões de anos atrás, excetuando-se as regiões periféricas da Via Láctea, onde havia relativamente poucos planetas, os demais planetas estavam sujeitos a muitos destes eventos de grandes explosões, capazes de desencadear extinções em massa, devido à alta taxa de formação de estrelas e baixa metalicidade que se verificava à época. 

Mais tarde, a partir de 4 bilhões de anos atrás, o aumento na quantidade de elementos pesados ​disponíveis, que foi o resultado das gerações seguintes de estrelas, reduziu a frequência da ocorrência de GRBs. Isto garantiu que as regiões centrais se tornassem um ambiente mais seguro, numa distância entre 6,5 mil e 26 mil anos-luz do centro galáctico (e 26 mil anos-luz corresponde à distância do Sol ao centro).

É nesta região que planetas do tipo da Terra são mais abundantes. Em paralelo, aumentava a formação de estrelas na periferia da galáxia, favorecendo a ocorrência de GRBs e tornando estas regiões inseguras. Em um planeta como a Terra, um evento como um GRB teria efeitos catastróficos. 

Vários estudos sugerem que a radiação gama liberada por uma GRB a uma distância de 3,3 mil anos-luz da Terra destruiria a camada de ozônio na atmosfera. Sem esta proteção, o planeta ficaria exposto à radiação ultravioleta do Sol que poderia desencadear a extinção de quase todas as formas de vida na superfície.

A destruição da camada de ozônio produziria compostos de nitrogênio. Isto reduziria a luz solar visível, causando resfriamento global. Por estas razões, vários estudos propuseram que a primeira das cinco extinções em massa que afetaram a Terra, a extinção em massa do Ordoviciano Tardio, cerca de 445 milhões de anos atrás, foi causada por uma GRB.

O trabalho de Spinelli e colaboradores apóia essa hipótese. Em relação ao passado “recente”, o estudo constata que, nos últimos 500 milhões de anos, a Via Láctea tornou-se globalmente mais segura do que em épocas anteriores. As regiões periféricas estão mais expostas à ação das GRBs letais. Já nas regiões a uma distância de até 6,5 mil anos-luz do centro galáctico estão mais expostas à supernovas. 

Por fim os pesquisadores estimam que nosso planeta deve ter experimentado pelo menos uma GRB letal nos últimos 500 milhões de anos, possivelmente associado à primeira grande extinção em massa de que temos conhecimento.

O trabalho foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Scientific American