quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Olhos infravermelhos mais aguçados para o VLT

O instrumento científico mais recente do ESO, o ERIS (Enhanced Resolution Imager and Spectrograph), completou com sucesso as suas primeiras observações de teste, uma das quais mostrou o coração da galáxia NGC 1097 detalhes extraordinários.

© VLT (NGC 1097)

Instalado no Very Large Telescope (VLT) do ESO, no Cerro Paranal, no norte do Chile, este instrumento infravermelho será capaz de ver mais longe e com mais detalhes, liderando o caminho nas observações do Sistema Solar, exoplanetas e galáxias. A versatilidade do ERIS se presta a muitos campos de pesquisa astronômica. Com este instrumento espera-se observar, com um único telescópio de 8,2 metros, as imagens mais nítidas obtidas até o momento, utilizando óptica adaptativa, uma técnica que corrige os efeitos de desfoque da atmosfera da Terra em tempo real. O ERIS estará ativo por pelo menos dez anos e espera-se que faça contribuições significativas para uma miríade de tópicos em astronomia, desde galáxias distantes e buracos negros até exoplanetas e planetas anões dentro do nosso próprio Sistema Solar.

As primeiras observações de teste do ERIS foram realizadas em fevereiro deste ano, com observações posteriores realizadas em agosto e novembro para testar os limites do instrumento. Uma destas observações mostra o anel interior da galáxia NGC 1097, situada a 45 milhões de anos-luz de distância da Terra, na Constelação do Forno. Este anel gasoso e empoeirado fica bem no centro da galáxia; os pontos brilhantes são berçários estelares, mostrados aqui com detalhes sem precedentes. O centro brilhante mostra o núcleo ativo da galáxia, um buraco negro supermassivo que se alimenta do seu meio circundante.

Para colocar a resolução do ERIS em perspectiva, esta imagem mostra, em detalhes, uma porção do céu com menos de 0,03% do tamanho da Lua Cheia. O ERIS irá substitutir os instrumentos de sucesso NACO e SINFONI, fornecendo algumas melhorias essenciais à infraestrutura durante a próxima década. O ERIS possui uma câmara infravermelha de última geração, a NIX (Near Infrared Camera System), que foi utilizada para obter imagens do anel interno de NGC 1097. A NIX oferecerá uma visão nova e única de muitos objetos astronômicos diferentes, como exoplanetas e os discos de gás e poeira em torno de estrelas jovens. Ela pode usar uma técnica chamada coronagrafia, que bloqueia a luz das estrelas de forma semelhante a um eclipse solar, permitindo observar os tênues planetas ao seu redor.

O ERIS também possui um espectrógrafo 3D chamado SPIFFIER, que é uma atualização do SPIFFI (SPectrometer for Infrared Faint Field Imaging) do SINFONI. O SPIFFIER coleta um espectro para cada pixel individual dentro do seu campo de visão, o que permite aos astrônomos estudar, por exemplo, a dinâmica de galáxias distantes com detalhes incríveis, ou medir as velocidades das estrelas que orbitam o buraco negro supermassivo situado no centro da Via Láctea, o que é fundamental para testar a Relatividade Geral e entender a física de buracos negros. 

O módulo de óptica adaptativa do ERIS é equipado com sensores para analisar a turbulência atmosférica em tempo real, monitorando uma fonte astronômica real ou uma estrela-guia artificial a laser. O módulo envia informação até mil vezes por segundo para o espelho secundário deformável do VLT, que corrige os efeitos de distorção em tempo real, criando assim imagens muito mais detalhadas.

Fonte: ESO

Detecção mais distante de um buraco negro engolindo uma estrela

No início deste ano, o Very Large Telescope (VLT) do ESO foi alertado depois que uma fonte incomum de luz visível foi detectada por um telescópio de rastreio.


© ESO (ilustração de um buraco negro engolindo uma estrela)

O VLT, juntamente com outros telescópios, foi rapidamente apontado na direção desta fonte: um buraco negro supermassivo em uma galáxia distante que havia "devorado" uma estrela, expelindo os restos de material sob a forma de um jato. 

O VLT determinou que é o exemplo mais distante de tal evento já observado. Como o jato está quase apontando para nós, esta também é a primeira vez que foi descoberto com luz visível, fornecendo uma nova maneira de detectar estes eventos extremos. 

As estrelas que se aproximam demasiado de um buraco negro são destruídas pelas enormes forças de maré deste objeto, num fenômeno a que se chama evento de ruptura de maré (TDE, do inglês tidal disruption event). Cerca de 1% destes eventos dão origem a jatos de plasma e radiação que são ejetados a partir dos polos do buraco negro em rotação. 

Os astrônomos estão constantemente caçando estes eventos extremos para entender como os jatos são realmente criados e por que uma fração tão pequena de TDEs os produz. É por esta razão que muitos telescópios, incluindo o ZTF (Zwicky Transient Facility), nos EUA, mapeiam constantemente o céu à procura de sinais de eventos de curta duração, frequentemente extremos, que possam ser estudados com mais detalhe por grandes telescópios, como o VLT do ESO, no Chile. 

Em fevereiro deste ano, o ZTF detectou uma nova fonte de radiação visível. O evento, chamado AT2022cmc, foi uma reminiscência de uma explosão de raios gama, a fonte de radiação mais poderosa do Universo. Com o intuito de investigar este fenômeno raro, a equipe utilizou vários telescópios em todo o mundo para observar a misteriosa fonte com mais detalhe. Isto incluiu o VLT do ESO, que rapidamente observou este novo evento com o instrumento X-shooter. Os dados do VLT colocaram a fonte a uma distância sem precedentes no que diz respeito a estes eventos: a luz produzida pelo AT2022cmc começou a sua viagem quando o Universo tinha apenas cerca de um terço da sua idade atual. 

Uma grande variedade de radiação, desde raios gama de alta energia a ondas rádio de baixa energia, foi coletada por 21 telescópios em todo o mundo. A equipe comparou estes dados com diferentes tipos de eventos conhecidos, desde estrelas em colapso a quilonovas. O único cenário que explicava os dados obtidos era um raro evento de ruptura de maré com um jato apontando na nossa direção. Uma vez que o jato relativístico aponta na nossa direção, o fenômeno se torna muito mais brilhante e visível ao longo de uma uma extensão mais ampla do espectro eletromagnético. 

As medições de distância executadas com o VLT mostraram que o AT2022cmc é o TDE mais distante já descoberto, mas este não é o único recorde que este objeto bate. Até agora, o pequeno número destes eventos que se conheciam, tinham sido inicialmente detectados por telescópios de raios gama ou de raios X. Esta foi a primeira descoberta feita durante um rastreio no visível! Isto nos mostra uma nova maneira de detectar rupturas de maré com jatos, nos permitindo estudar melhor estes eventos raros e analisar os meios extremos que circundam os buracos negros. 

Esta pesquisa foi apresentada em um artigo intitulado “A very luminous jet from the disruption of a star by a massive black hole”, publicado na revista Nature

Fonte: ESO

Revisitando um remanescente de supernova

Fragmentos do remanescente de supernova DEM L 190 de cores vivas parecem ondular na tela nesta imagem do telescópio espacial Hubble.


© Hubble (DEM L 190)

Um remanescente de supernova, em forma de chama, ocupa o centro e o topo. É feito de muitos fios longos e finas camadas de gás, que brilham em laranja e azul. Nuvens de gás tênues contornam suas bordas. É cercado por várias estrelas azuis e vermelhas espalhadas, e o fundo é preto e cheio de pequenas estrelas vermelhas. 

As folhas delicadas e os filamentos intrincados são detritos da morte cataclísmica de uma estrela massiva que viveu na Grande Nuvem de Magalhães, uma pequena galáxia satélite da Via Láctea. A DEM L 190, também conhecida como LMC N49, é o remanescente de supernova mais brilhante na Grande Nuvem de Magalhães e fica a aproximadamente 160.000 anos-luz de distância da Terra, na constelação de Dorado.

Esta imagem impressionante foi criada com dados de duas investigações astronômicas diferentes, usando um dos instrumentos aposentados do Hubble, a Wide Field Planetary Camera 2 (WFPC2). Este instrumento já foi substituído pela mais poderosa Wide Field Camera 3, mas durante sua vida útil contribuiu para a ciência de ponta e produziu uma série de impressionantes imagens de alcance público. A primeira das duas observações do WFPC2 usou o DEM L 190 como um laboratório natural para estudar a interação de remanescentes de supernovas e o meio interestelar, a tênue mistura de gás e poeira que existe entre as estrelas. 

No segundo projeto, os astrônomos recorreram ao Hubble para identificar a origem de um Soft Gamma-ray Repeater, um objeto enigmático à espreita em DEM L 190 que emite repetidamente rajadas de alta energia de raios gama. Esta não é a primeira imagem do DEM L 190 a ser divulgada ao público, um retrato anterior do Hubble deste remanescente de supernova foi publicado em 2003. Esta nova imagem incorpora dados adicionais e técnicas de processamento de imagem aprimoradas, tornando esta espetacular exibição de fogos de artifício celeste ainda mais impressionante! 

Fonte: ESA

Um par de galáxias em fusão

Esta imagem do telescópio espacial James Webb mostra o IC 1623, um par entrelaçado de galáxias em interação que fica a cerca de 270 milhões de anos-luz da Terra na constelação de Cetus.

© James Webb (IC 1623)

As duas galáxias giram em um único objeto caótico no centro. Os braços espirais longos e azuis se estendem verticalmente, fracos nas bordas. O gás quente se espalha horizontalmente, principalmente em vermelho brilhante com muitos pontos pequenos dourados de formação estelar. O núcleo das galáxias em fusão é muito brilhante e irradia oito grandes picos dourados de difração. O fundo é preto, com muitas galáxias minúsculas em laranja e azul.

As duas galáxias em IC 1623 estão se aproximando uma da outra em um processo conhecido como fusão de galáxias. Sua colisão iniciou uma onda frenética de formação estelar conhecida como starburst, criando novas estrelas a uma taxa mais de vinte vezes maior que a da Via Láctea. 

Este sistema de galáxias em interação é particularmente brilhante em comprimentos de onda infravermelhos, tornando-o um campo de provas perfeito para a capacidade do Webb de estudar galáxias luminosas. 

Uma equipe de astrônomos captou o IC 1623 nas porções infravermelhas do espectro eletromagnético usando um trio de instrumentos científicos de ponta do Webb: MIRI, NIRSpec e NIRCam. Ao fazer isso, eles forneceram uma abundância de dados que permitirão à comunidade astronômica em geral explorar completamente como os recursos sem precedentes do Webb ajudarão a desvendar as complexas interações nos ecossistemas galácticos. 

Estas observações também são acompanhadas por dados de outros observatórios, incluindo o telescópio espacial Hubble, e ajudarão a preparar o terreno para futuras observações de sistemas galácticos com o Webb. 

A fusão destas duas galáxias tem sido de interesse para os astrônomos e já foi fotografada pelo Hubble e por outros telescópios espaciais. A contínua e extrema explosão estelar causa intensa emissão infravermelha, e as galáxias em fusão podem muito bem estar no processo de formação de um buraco negro supermassivo. Uma espessa faixa de poeira bloqueou estas informações valiosas da visão de telescópios como o Hubble. No entanto, a sensibilidade infravermelha do Webb e sua resolução impressionante nestes comprimentos de onda permitem que ele veja além da poeira e resultou na imagem espetacular acima, uma combinação de imagens MIRI e NIRCam. 

O núcleo luminoso da fusão galáctica revela-se muito brilhante e altamente compacto, tanto que os picos de difração do Webb aparecem no topo da galáxia nesta imagem. Os picos de difração de 8 pontas, semelhantes a flocos de neve, são criados pela interação da luz das estrelas com a estrutura física do telescópio. A aparência pontiaguda das observações do Webb é particularmente perceptível em imagens contendo estrelas brilhantes, como a primeira imagem de campo profundo de Webb.

Os resultados baseados nesta observação do IC 1623 foram publicados no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: ESA

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Uma atmosfera exoplanetária com pletora de componentes

O telescópio espacial James Webb acabou de "marcar outro gol": um retrato molecular e químico dos céus de um mundo distante.

© STScI (ilustração do exoplaneta WASP-39 b e sua estrela)

Ao passo que o Webb e outros telescópios espaciais, incluindo o telescópio espacial Hubble, revelaram anteriormente ingredientes isolados da atmosfera quente deste planeta, as novas leituras fornecem um menu completo de átomos, moléculas e até mesmo sinais de química ativa e nuvens. Os últimos dados também fornecem pistas de como estas nuvens podem parecer quando vistas de perto: isoladas em vez de como um cobertor único e uniforme sobre o planeta. 

O conjunto de instrumentos altamente sensíveis do telescópio analisou a atmosfera de WASP-39 b, um "Saturno quente" (um planeta tão massivo quanto Saturno, mas numa órbita mais íntima que a de Mercúrio em torno do Sol) em órbita de uma estrela a cerca de 700 anos-luz de distância. 

Um perfil dos constituintes atmosféricos de WASP-39 b inclui água, dióxido de enxofre, monóxido de carbono, sódio e potássio. As descobertas são um bom presságio da capacidade dos instrumentos do Webb em realizar explorações exoplanetárias. Isto inclui a análise das atmosferas de planetas menores e rochosos, como os do sistema TRAPPIST-1.

Os achados foram detalhados num conjunto de cinco novos artigos científicos, três dos quais já foram divulgados pela imprensa científica e dois ainda estão em revisão. Entre as revelações sem precedentes está a primeira detecção, numa atmosfera exoplanetária, de dióxido de enxofre, uma molécula produzida a partir de reações químicas desencadeadas pela luz altamente energética da estrela hospedeira do planeta. Na Terra, a camada protetora de ozônio, na atmosfera superior, é criada de forma semelhante. Esta é a primeira vez que ocorreram evidências concretas de fotoquímica em exoplanetas.

A proximidade do planeta à sua estrela progenitora, oito vezes mais perto do que Mercúrio está do Sol, também o torna um laboratório ideal para estudar os efeitos da radiação das estrelas hospedeiras nos exoplanetas. Um melhor conhecimento da ligação estrela-planeta deverá trazer uma compreensão mais profunda de como estes processos afetam a diversidade dos planetas observados na Galáxia.

O Webb também verificou a presença de dióxido de carbono (CO2) com maior resolução, fornecendo duas vezes mais dados do que os relatados nas suas observações anteriores. Entretanto, o monóxido de carbono (CO) foi detectado, mas as assinaturas óbvias de metano (CH4) e sulfureto de hidrogênio (H2S) ficaram ausentes dos dados do Webb. Se presentes, estas moléculas existem a níveis muito baixos. 

Para capturar este largo espectro da atmosfera de WASP-39 b, uma equipe internacional de centenas de cientistas analisou independentemente os dados de quatro modos dos instrumentos finamente calibrados do telescópio Webb.

Ter uma lista tão completa de ingredientes químicos numa atmosfera exoplanetária também fornece aos cientistas um vislumbre da abundância de diferentes elementos uns em relação aos outros, tais como as taxas carbono/oxigênio ou potássio/oxigênio. Isto, por sua vez, proporciona uma visão de como este planeta, e talvez outros, se formou a partir do disco de gás e poeira que rodeava a sua estrela nos seus primeiros anos.

O inventário químico de WASP-39 b sugere uma história de colisões e fusões de corpos menores chamados planetesimais. A abundância de enxofre relativamente ao hidrogênio indicou que o planeta presumivelmente sofreu uma grande acreção de planetesimais que podem fornecer estes ingredientes à atmosfera. Os dados também indicam que o oxigênio é muito mais abundante do que o carbono na atmosfera. Isto indica potencialmente que WASP-39 b se formou originalmente muito longe da estrela central. 

Ao revelar com precisão os detalhes de uma atmosfera exoplanetária, os instrumentos do telescópio Webb tiveram um desempenho muito superior às expectativas dos cientistas.

Fonte: Space Telescope Science Institute

Aprendizagem de máquina classifica automaticamente 1.000 supernovas

As instalações astronômicas de hoje varrem o céu noturno cada vez mais profunda e rapidamente do que nunca.


© Caltech (supernovas classificadas automaticamente)

A identificação e classificação de eventos cósmicos conhecidos e potencialmente interessantes está se tornando impossível para um ou um grupo de astrônomos. Portanto, cada vez mais utilizam computadores para fazer o trabalho. Os astrônomos da colaboração ZTF (Zwicky Transient Facility) no Caltech anunciaram que o seu algoritmo de aprendizagem de máquina já classificou e relatou 1.000 supernovas de forma completamente autônoma.

Foi usado um novo algoritmo, denominado SNIascore. O SNIascore classificou a sua primeira supernova em abril de 2021 e um ano e meio depois atingiu o marco de 1.000 supernovas sem qualquer envolvimento humano. Muitas das questões científicas atuais e mais excitantes que os astrônomos estão tentando responder exigem que eles recolham grandes amostras de diferentes eventos cósmicos. Como resultado, os observatórios astronômicos modernos tornaram-se incansáveis máquinas geradoras de dados que lançam dezenas de milhares de alertas e imagens aos astrônomos todas as noites. Isto é particularmente verdade no campo da astronomia no domínio do tempo, em que os pesquisadores procuram objetos em rápida mudança, ou transientes, tais como estrelas em explosão ou moribundas conhecidas como supernovas, buracos negros que comem estrelas em órbita, asteroides e muito mais. 

Para além de liberar tempo para os astrônomos perseguirem outras questões científicas, o algoritmo de aprendizagem de máquina é muito mais rápido na classificação de potenciais candidatos a supernova e o compartilhamento dos resultados com a comunidade astronômica. Com o SNIascore o processo é encurtado de 2 a 3 dias para 10 minutos, ou quase em tempo real.

Esta identificação precoce de explosões cósmicas é muitas vezes crítica para melhor estudar a sua física. Atualmente, o SNIascore só pode classificar o que é conhecido como supernovas do Tipo Ia, ou as "velas padrão" utilizadas pelos astrônomos para medir o ritmo de expansão do Universo. Estas são estrelas moribundas que explodem numa reação termonuclear de força consistente. No entanto, os pesquisadores estão trabalhando arduamente na ampliação das capacidades do algoritmo para classificar outros tipos de supernovas num futuro próximo.

O SNIascore está atualmente adaptado para trabalhar com o espectrógrafo SEDM (Spectral Energy Distribution Machine), alojado numa cúpula a apenas algumas centenas de metros de distância da câmara ZTF no Observatório Palomar. O ZTF varre continuamente o céu e envia todas as noites centenas de milhares de alertas de potenciais transientes cósmicos a astrônomos de todo o mundo. O espectrógrafo SEDM é acionado para acompanhar e observar os mais promissores. Produz um espectro do evento cósmico que transporta informação sobre a intensidade das várias frequências da luz captada pela câmara do telescópio. Este espectro é o que pode dizer definitivamente aos astrônomos que tipo de evento está  sendo observado. 

O SNIascore está sendo adaptado para trabalhar com o próximo espectrógrafo SEDMv2 montado no telescópio de 2,1 metros no Observatório Kitt Peak no estado norte-americano do Arizona. O SEDMv2 será a versão avançada do SEDM e permitirá a detecção e classificação de supernovas mais fracas. 

Atualmente, o SNIascore classifica em média duas supernovas por noite. Com o SEDMv2 este número pode potencialmente duplicar. As vantagens do SNIascore vão além da construção rápida e confiável de grandes conjuntos de dados de supernovas. Os astrônomos que procuram outros eventos transientes podem agora rapidamente excluir candidatos classificados pelo SNIascore como supernovas, de tal forma que não se desperdiça tempo de telescópio a segui-los quando o alvo são efetivamente outros tipos de explosões cósmicas.

Outros esforços de classificação de eventos transientes também usam aprendizagem de máquina, mas dependem apenas da chamada "curva de luz" do evento ou da quantidade de luz vista pelo telescópio como uma evolução do tempo. O SNIascore tem a vantagem de ter sido treinado para utilizar informação espectroscópica, a única forma robusta de confirmar a natureza da maioria dos fenômenos transientes. O algoritmo é de código aberto e outros grupos podem adaptá-lo às suas próprias instalações telescópicas.

O SNIascore foi desenvolvido como parte do BTS (Bright Transient Survey) do ZTF, atualmente, o maior levantamento de supernovas disponível para a comunidade astronômica. Todo o conjunto de dados BTS tem perto de 7.000 supernovas, 90% das quais foram descobertas e classificadas pelo ZTF (10% foram contribuições de outros grupos e instalações). 

Fonte: Zwicky Transient Facility

Vulcanismo extremo pode ter alterado o clima de Vênus

Um novo estudo da NASA sugere que a atividade vulcânica, que durou centenas a milhares de séculos e que liberou quantidades massivas de material, pode ter ajudado a transformar Vênus de um mundo temperado e úmido para a estufa ácida que é hoje.

© NASA / JPL (Maat Mons)

Maat Mons é apresentado nesta perspetiva tridimensional, gerada por computador, da superfície de Vênus. O ponto de vista situa-se a 634 quilômetros para norte de Maat Mons, a uma altitude de 3 quilômetros. Os fluxos de lava estendem-se por centenas de quilômetros através das planícies fraturadas vistas em primeiro plano, até à base de Maat Mons. Os dados de radar de abertura sintética da missão Magellan da NASA foram combinados com altimetria de radar para desenvolver um mapa tridimensional da superfície. A escala vertical nesta perspectiva foi exagerada 10 vezes.

O estudo também discute estas "grandes províncias ígneas" na história da Terra que causaram várias extinções em massa no nosso próprio planeta há milhões de anos atrás. As grandes províncias ígneas são os produtos de períodos de vulcanismo em grande escala que duram dezenas de milhares ou até mesmo centenas de milhares de anos. Podem depositar cerca de 500.000 quilômetros cúbicos de rocha vulcânica à superfície. No limite superior, poderá significar rocha fundida suficiente para enterrar toda a Península Ibérica a quase um quilômetro de profundidade.

Hoje, Vênus tem temperaturas superficiais  em média de cerca de 464ºC e uma atmosfera com cerca de 90 vezes a pressão da Terra ao nível do mar. De acordo com o estudo, as enormes erupções vulcânicas podem ter dado início a estas condições infernais na história antiga de Vênus. Em particular, a ocorrência de várias destas erupções num curto espaço de tempo geológico (um milhão de anos) poderia ter levado a um efeito de estufa que deu início à transição do planeta de úmido e temperado para quente e seco. Oitenta por cento da superfície total de Vênus está coberta por grandes campos de rocha vulcânica solidificada.

A vida na Terra sofreu pelo menos cinco grandes eventos de extinção em massa desde a origem da vida multicelular há cerca de 540 milhões de anos, cada um dos quais dizimando mais de 50% da vida animal em todo o planeta. Segundo este estudo e outros anteriores, a maioria destes eventos de extinção foram causados ou exacerbados pelos tipos de erupções que produzem grandes províncias ígneas. No caso da Terra, as perturbações climáticas provocadas por estes eventos não foram suficientes para causar um efeito de estufa extremo como ocorreu em Vênus, por razões ainda desconhecidas. 

As próximas missões da NASA a Vênus, programadas para o final desta década, a missão DAVINCI (Deep Atmosphere Venus Investigation of Noble gases, Chemistry, and Imaging) e a missão VERITAS (Venus Emissivity, Radio science, InSAR, Topography, And Spectroscopy), visam estudar a origem, história e estado atual de Vênus em detalhes sem precedentes. 

A missão DAVINCI precederá a VERITAS, um orbitador concebido para analisar a superfície e o interior de Vênus, para melhor compreender a sua história vulcânica e volátil e, assim, o percurso de Vênus até ao seu estado atual. Os dados de ambas as missões podem ajudar os cientistas a melhor determinar o registo exato de como Vênus pode ter passado de úmido e temperado para seco e escaldante. Pode também ajudar a compreender melhor como o vulcanismo aqui na Terra afetou a vida no passado e como poderá continuar a fazê-lo no futuro. 

Um artigo foi publicado no periódico The Planetary Science Journal

Fonte: NASA

sábado, 19 de novembro de 2022

Uma "ampulheta" incandescente e o nascer de uma nova estrela

O telescópio espacial James Webb revelou as características outrora escondidas da protoestrela dentro da nuvem escura L1527 com o seu instrumento NIRCam (Near Infrared Camera), fornecendo uma visão da formação de uma nova estrela.

© STScI (protoestrela L1527)

Estas nuvens abrasadoras dentro da região de formação estelar de Touro só são visíveis no infravermelho, tornando-as num alvo ideal para o Webb. A protoestrela L1527, vista nesta imagem está embebida numa nuvem de material que está alimentando o seu crescimento. O material ejetado da estrela limpou as cavidades acima e abaixo dela, cujos limites brilham em laranja e azul nesta imagem infravermelha. A região central superior exibe formas semelhantes a bolhas devido às ejeções esporádicas. O Webb também detecta filamentos feitos de hidrogênio molecular que foi gerado por ejeções estelares passadas. Intrigantemente, as bordas das cavidades no canto superior esquerdo e inferior direito aparecem retos, enquanto os limites no canto superior direito e inferior esquerdo são curvados. A região na parte inferior direita aparece azul, pois há menos poeira entre ela e o Webb do que as regiões em tom laranja mais acima. 

A protoestrela propriamente dita está escondida dentro do "pescoço" desta forma de ampulheta. O disco protoplanetário, visto de lado, é a linha escura que atravessa o meio do pescoço. A luz da protoestrela "vaza" para cima e para baixo deste disco, iluminando cavidades dentro do gás e poeira circundantes. As características mais prevalentes da região, as nuvens azuis e alaranjadas, contornam cavidades criadas à medida que o material que se afasta da protoestrela colide com a matéria em redor. As cores são devidas a camadas de poeira entre o Webb e as nuvens. As áreas azuis são onde a poeira é mais fina. Quanto mais espessa for a camada de poeira, menos luz azul é capaz de escapar, criando bolsas de cor laranja. 

O Webb também revela filamentos de hidrogênio molecular que foram produzidos à medida que a protoestrela ejeta o material para longe. Os choques e a turbulência inibem a formação de novas estrelas, que de outra forma existiriam por toda a nuvem. Como resultado, a protoestrela domina o espaço, roubando grande parte do material para si própria. Apesar do caos que L1527 está causando, tem apenas cerca de 100.000 anos, um corpo relativamente jovem. 

Dada a sua idade e o seu brilho no infravermelho distante, L1527 é considerada uma protoestrela de classe 0, a fase mais precoce da formação estelar. Protoestrelas como esta, que ainda se encontram envoltas numa nuvem escura de poeira e gás, têm um longo caminho a percorrer antes de se tornarem estrelas de pleno direito. A L1527 ainda não gera a sua própria energia através da fusão nuclear de hidrogênio, uma característica essencial das estrelas. 

A sua forma, embora majoritariamente esférica, é também instável, assumindo a configuração de um pequeno, quente e inchado "tufo" de gás entre 20% e 40% a massa do nosso Sol. À medida que uma protoestrela continua acretando massa, o seu núcleo comprime-se gradualmente e aproxima-se da fusão nuclear estável.

A imagem revela que L1527 está fazendo exatamente isso. A nuvem molecular circundante é constituída por poeira densa e gás que estão sendo arrastados para o centro, onde a protoestrela reside. À medida que o material cai para dentro, espirala em torno do centro. Isto cria um disco denso de material, que alimenta o material para a protoestrela. À medida que ganha mais massa e se comprime cada vez mais, a temperatura do seu núcleo sobe, acabando por atingir o limite que dá início à fusão nuclear. 

O disco, visto na imagem como uma banda escura em frente do centro brilhante, tem aproximadamente o tamanho do nosso Sistema Solar. Dada a densidade, não é incomum que tanto deste material se aglomere, para dar ignição na formação dos planetas. Em última análise, esta vista de L1527 fornece uma janela do aspeto do nosso Sol e do Sistema Solar na sua infância. 

Fonte: ESA

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Visão nublada

Uma pequena e densa nuvem de gás e poeira escurece o centro desta imagem obtida pelo telescópio espacial Hubble.

© Hubble (CB 130-3)

A imagem mostra um objeto laranja brilhante de forma irregular composto de gás denso e poeira, que parece mais escuro e mais compacto no centro. Esta nuvem densa, chamada CB 130-3, é delineada por gás e poeira mais finos em tons claros de azul. O fundo mostra uma infinidade de estrelas brilhantes.

O CB 130-3 é um objeto conhecido como núcleo denso, uma aglomeração compacta de gás e poeira. Este núcleo denso em particular está na constelação de Serpens e parece se espalhar por um campo de estrelas de fundo. Núcleos densos como o CB 130-3 são os berços das estrelas e, como tal, são de particular interesse para os astrônomos. 

Durante o colapso destes núcleos, massa suficiente pode se acumular num lugar para atingir as temperaturas e densidades necessárias para iniciar a fusão do hidrogênio, marcando o nascimento de uma nova estrela.

Embora possa não ser óbvio a partir desta imagem, um objeto compacto oscilando à beira de se tornar uma estrela de pleno direito está embutido nas profundezas da CB 130-3. Os astrônomos usaram a Wide Field Camera 3 do Hubble para entender melhor o ambiente ao redor desta estrela incipiente. Como esta imagem mostra, a densidade da CB 130-3 não é constante; as bordas externas da nuvem consistem apenas em mechas tênues, enquanto em seu núcleo o CB 130-3 apaga totalmente a luz de fundo.

O gás e a poeira que compõem a CB 130-3 afetam não apenas o brilho, mas também a cor das estrelas de fundo, com estrelas no centro da nuvem aparecendo mais vermelhas do que suas contrapartes nos arredores desta imagem. Os astrônomos usaram o Hubble para medir este efeito de avermelhamento e delinear a densidade da CB 130-3, fornecendo informações sobre a estrutura interna deste berçário estelar.

Fonte: ESA

Uma notável fábrica de estrelas

Nos últimos 60 anos o Observatório Europeu do Sul (ESO) tem permitido aos cientistas de todo o mundo descobrir os segredos do Universo.


© VLT (Nebulosa do Cone)

O ESO assinala este marco com uma nova imagem de uma fábrica de estrelas, a Nebulosa do Cone, obtida com o Very Large Telescope (VLT) do ESO. 

No dia 5 de outubro de 1962, cinco países assinaram a convenção que criou o ESO. Agora, seis décadas mais tarde e apoiado por 16 Estados Membros e parceiros estratégicos, o ESO reúne cientistas e engenheiros do mundo inteiro para desenvolver e operar observatórios terrestres de vanguarda, no Chile, que permitem descobertas astronômicas revolucionárias.

Nesta nova imagem podemos ver o pilar de sete anos-luz de comprimento da Nebulosa do Cone, que pertence a uma região de formação estelar maior, a NGC 2264, descoberta no final do século XVIII pelo astrônomo William Herschel. No céu, encontramos esta nebulosa em forma de chifre na constelação do Unicórnio, o que é, curiosamente, um nome muito apropriado. Situada a menos de 2.500 anos-luz de distância de nós, a Nebulosa do Cone se encontra relativamente perto da Terra, sendo por isso um objeto bem estudado. No entanto, esta imagem é mais dramática que qualquer outra obtida anteriormente, já que mostra uma aparência nebulosa, escura e impenetrável, fazendo lembrar uma criatura mitológica ou monstruosa. 

A Nebulosa do Cone é um exemplo perfeito das formas em pilar que se desenvolvem em nuvens gigantescas de gás molecular frio e poeira, conhecidas por formarem novas estrelas. Este tipo de pilar ocorre quando estrelas azuis brilhantes massivas recém formadas liberam ventos estelares e radiação ultravioleta intensa, que varre o material da sua vizinhança. À medida que este material é empurrado, o gás e a poeira que se encontram mais longe destas estrelas jovens vai-se comprimindo, dando origem a pilares densos e escuros. Este processo ajudou a criar a Nebulosa do Cone, cujo pilar aponta na direção oposta das estrelas brilhantes existentes na NGC 2264. 

Nesta imagem, obtida com o instrumento FORS2 (FOcal Reducer and low dispersion Spectrograph 2) montado no VLT, o hidrogênio gasoso está representado em azul e o enxofre em vermelho. O uso destes filtros faz com que as estrelas azuis brilhantes, que indicam a recente formação estelar, pareçam quase douradas, contrastando com o cone escuro como faíscas brilhantes. 

Esta imagem é apenas um exemplo das muitas observações extraordinárias que os telescópios do ESO têm feito ao longo de 60 anos. Apesar desta imagem ter sido obtida para fins de divulgação, a maior parte do tempo de observação dos telescópios do ESO é dedicado a observações científicas que nos permitiram captar a primeira imagem de um exoplaneta, estudar o buraco negro no centro da nossa Galáxia e encontrar provas de que a expansão do Universo está se acelerando. Baseando-se nos 60 anos de experiência que tem em desenvolvimento, descoberta e cooperação astronômicas, o ESO continua mapeando novos territórios na astronomia e tecnologia europeias e colaborações internacionais. Com as instalações atuais e o futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, em construção, este centro científico continuará abordando as maiores questões da humanidade sobre o Universo e permitindo descobertas inimagináveis.

Fonte: ESO

Migração planetária precoce pode explicar exoplanetas em falta

Um novo modelo que explica a interação de forças que atuam sobre os planetas recém-nascidos pode explicar duas observações intrigantes que surgiram repetidamente entre os mais de 3.800 sistemas planetários catalogados até o momento.

© NASA / JPL-Caltech (ilustração das variações de exoplanetas)

Um problema conhecido como "vale-raio" refere-se à raridade de exoplanetas com um raio cerca de 1,8 vezes superior ao da Terra. O observatório Kepler da NASA observou planetas deste tamanho com cerca de 2 a 3 vezes menos frequência do que observou super-Terras com raios cerca de 1,4 vezes o da Terra e mini-Neptunos com raios cerca de 2,5 vezes o da Terra. O segundo mistério, conhecido como "ervilhas numa vagem", refere-se a planetas vizinhos de tamanho semelhante que foram encontrados em centenas de sistemas planetários. Estes incluem TRAPPIST-1 e Kepler-223, que também apresentam órbitas planetárias de harmonia quase musical. 

Os pesquisadores utilizaram um supercomputador para simular os primeiros 50 milhões de anos de desenvolvimento de sistemas planetários utilizando um modelo de migração planetária. No modelo, discos protoplanetários de gás e poeira que dão origem a jovens planetas também interagem com eles, puxando-os para mais perto das suas estrelas progenitoras e fechando-os em cadeias orbitais ressonantes. As cadeias são quebradas em apenas alguns milhões de anos, quando o desaparecimento do disco protoplanetário causa instabilidades que levam dois ou mais planetas a colidirem um com o outro. 

Modelos de migração planetária têm sido utilizados para estudar sistemas planetários que mantiveram as suas cadeias orbitais ressonantes. Por exemplo, o projeto CLEVER Planets (Cycles of Life-Essential Volatile Elements in Rocky Planets) usou um modelo de migração em 2021 para calcular a quantidade máxima de perturbações a que o sistema de sete planetas TRAPPIST-1 poderia ter resistido durante o bombardeamento e ainda retido a sua estrutura orbital harmoniosa. 

A migração de jovens planetas em direção às suas estrelas hospedeiras cria sobrelotação e resulta frequentemente em colisões cataclísmicas que roubam as atmosferas ricas em hidrogênio dos planetas. Isto significa que impactos gigantescos, como o que formou a nossa Lua, são provavelmente um resultado genérico da formação planetária. 

A pesquisa sugere que os planetas vêm de duas tendências, as super-Terras que são secas, rochosas e 50% maiores do que a Terra, e os mini-Neptunos que são ricos em água gelada e cerca de 2,5 vezes maiores do que a Terra. 

As novas observações parecem apoiar os resultados, que entram em conflito com a visão tradicional de que tanto as super-Terras como os mini-Neptunos são exclusivamente mundos secos e rochosos. Com base nestes resultados, os pesquisadores fizeram previsões que podem ser testadas pelo telescópio espacial James Webb da NASA. Sugerem, por exemplo, que uma fração de planetas com cerca do dobro do tamanho da Terra, tanto vão conservar a sua atmosfera primordial, rica em hidrogênio, como serão ricos em água.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: Rice University

Os detritos planetários mais antigos da Via Láctea

Astrônomos, liderados pela Universidade de Warwick, identificaram a estrela mais antiga na nossa Galáxia que está acretando detritos de planetesimais em órbita, um dos mais antigos sistemas planetários rochosos e gelados descobertos na Via Láctea.

© M. Garlick (antigas anãs brancas rodeadas por detritos planetários)

Os seus achados concluem que uma tênue anã branca localizada a 90 anos-luz da Terra, bem como os remanescentes do seu sistema planetário em órbita, têm mais de 10 bilhões de anos. 

O destino da maioria das estrelas, incluindo aquelas como o nosso Sol, é tornarem-se uma anã branca. Uma anã branca é uma estrela que queimou todo o seu combustível e liberou as suas camadas exteriores e está agora sofrendo um processo de encolhimento e arrefecimento. Durante este processo, quaisquer planetas em órbita serão perturbados e, em alguns casos, destruídos, restando os seus detritos que acretam para a superfície da anã branca. 

Para este estudo, os astrônomos modelaram duas anãs brancas incomuns que foram detectadas pelo observatório espacial Gaia da ESA. Ambas as estrelas estão poluídas por detritos planetários, tendo uma delas sido encontrada com um tom azul, enquanto a outra é a mais tênue e vermelha encontrada até à data na nossa vizinhança galáctica. 

Usando dados espectroscópicos e fotométricos do Gaia, do DES (Dark Energy Survey) e do instrumento X-Shooter no ESO para determinar há quanto tempo está arrefecendo, os astrônomos descobriram que a estrela "vermelha" WDJ2147-4035 tem cerca de 10,7 bilhões de anos, dos quais 10,2 bilhões foram passados arrefecendo como uma anã branca. A espectroscopia envolve a análise da luz estelar em diferentes comprimentos de onda, que pode detectar quando os elementos da atmosfera da estrela estão absorvendo luz com cores diferentes e ajuda a determinar quais são estes elementos e em que quantidade.

Ao analisar o espectro de WDJ2147-4035, a equipe encontrou a presença dos metais sódio, lítio, potássio e tentativamente carbono, fazendo desta a anã branca mais antiga, poluída por metais, descoberta até agora. A segunda estrela "azul", WDJ1922+0233, é apenas ligeiramente mais nova que WDJ2147-4035 e foi poluída por detritos planetários de composição semelhante à da crosta continental da Terra.

Os astrônomos concluíram que a cor azul de WDJ1922+0233, apesar da sua fria temperatura superficial, é provocada pela sua incomum atmosfera mista de hélio-hidrogênio. Os detritos encontrados na atmosfera de hélio quase puro e de alta gravidade da estrela vermelha WDJ2147-4035 são de um antigo sistema planetário que sobreviveu à evolução da estrela em anã branca, levando os astrônomos a concluir que este é o mais antigo sistema planetário em torno de uma anã branca descoberta na Via Láctea. 

Estas estrelas poluídas por metais mostram que a Terra não é única, existem por aí outros sistemas planetários com corpos semelhantes à Terra, onde 97% de todas as estrelas se tornarão anãs brancas e são tão omnipresentes no Universo que são muito importantes de compreender, especialmente estas extremamente frias. Formadas a partir das estrelas mais antigas, as anãs brancas frias fornecem informações sobre a formação e evolução dos sistemas planetários em torno das estrelas mais antigas da Via Láctea. Nota-se que estes planetas morreram muito antes mesmo da Terra ter sido formada. 

Os astrônomos também podem utilizar os espectros da estrela para determinar a rapidez com que estes metais afundam no núcleo da estrela, o que lhes permite olhar para trás no tempo e determinar a abundância de cada um destes metais no corpo planetário original. Ao comparar destas abundâncias com corpos astronômicos e material planetário encontrado no nosso próprio Sistema Solar, é possível adivinhar como teriam sido estes planetas antes da estrela morrer e se tornar uma anã branca, mas no caso de WDJ2147-4035, isto provou ser um desafio.

A estrela vermelha WDJ2147-4035 é um mistério, uma vez que os detritos planetários que acretou são muito ricos em lítio e potássio, ao contrário de qualquer objeto conhecido no nosso próprio Sistema Solar. Esta é uma anã branca muito interessante, uma vez que a sua temperatura superficial ultrafria, os metais que a poluem, a sua idade, e o fato de ser magnética, a tornam extremamente rara.

Quando estas estrelas velhas se formaram, há mais de 10 bilhões de anos, o Universo era menos rico em metais do que é agora, uma vez que os metais são formados em estrelas evoluídas e em explosões estelares gigantescas. As duas anãs brancas observadas proporcionam uma janela excitante para a formação planetária num ambiente pobre em metais e rico em gás que era diferente das condições quando o Sistema Solar foi formado.

Um artigo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society

Fonte: University of Warwick

sábado, 12 de novembro de 2022

Exoplanetas podem se adaptar ao redor de anãs vermelhas

Na busca por exoplanetas habitáveis, as estrelas anãs vermelhas, também conhecidas como anãs M, são alvos tentadores.

© J. Fohlmeister (ilustração de uma anã vermelha e seu exoplaneta)

Estas estrelas não são apenas extremamente comuns, mas também é mais fácil observar planetas terrestres em suas zonas habitáveis, onde podem potencialmente hospedar água em suas superfícies, do que encontrar mundos rochosos orbitando estrelas como o nosso Sol. 

Mas as anãs M também são incrivelmente voláteis, explodindo qualquer biosfera em seus planetas da zona habitável com radiação de alta energia. No entanto, novas descobertas sugerem que mundos habitáveis orbitando anãs vermelhas podem não ser completamente indefesos contra o clima estelar turbulento de seus sistemas. Os resultados da simulação mostram que explosões estelares repetidas podem construir uma “camada de proteção” de ozônio nestes planetas, oferecendo alguma proteção contra futuras explosões.

Embora os telescópios de hoje não sejam poderosos o suficiente para vislumbrar as atmosferas de mundos rochosos ao redor de estrelas como o nosso Sol, há um pequeno número de planetas orbitando a menor e mais fria das estrelas M que pode propiciar algumas medições atmosféricas. 

As anãs vermelhas são muito menores e mais frias que o Sol, então seus planetas devem orbitar muito mais perto para cair dentro da zona habitável. Isto força estes planetas em um bloqueio de maré, que mantém um lado voltado para as estrelas, enquanto o lado escuro congela.

As anãs M também são muito mais ativas do que as estrelas semelhantes ao Sol. Frequentemente, elas podem lançar partículas em eventos tão energéticos quanto os mais poderosos em toda a história registrada do Sol. É até possível que estas erupções violentas de partículas carregadas conhecidas como ejeções de massa coronal, possam retirar completamente as atmosferas dos planetas. 

Estudos anteriores deixam espaço para esperança, uma vez que as anãs vermelhas tendem a brilhar de seus pólos, o que pode poupar os planetas do pior de suas explosões. E supondo que os planetas ao redor das anãs M possam manter suas atmosferas, as erupções ainda deixariam uma marca em sua composição química. 

Para entender como as erupções podem interferir nas atmosferas de planetas anões potencialmente habitáveis, os pesquisadores criaram um modelo de computador de tal planeta e o submeteram a erupções simuladas. Os resultados mostraram que as chamas podem aumentar a quantidade de ozônio bloqueador de UV na atmosfera em 20 vezes.

Nas simulações, esta camada de proteção corta a radiação UV subsequentes em 85%, embora mesmo o índice UV reduzido de 55 ainda seja alto para os padrões terrestres (os índices UV típicos na Terra variam de 0 a 10).  Para simplificar as coisas, as simulações assumem que o planeta começa com uma atmosfera semelhante à da Terra cheia de oxigênio; sendo que a Terra não tinha uma atmosfera tão rica em oxigênio até que a vida já estivesse bem estabelecida.

As ejeções de massa coronal nas simulações também acumularam óxido nitroso na atmosfera. Este gás, assim como o ozônio, é considerado um possível indicador de vida. À medida que os astrônomos procuram estes sinais de vida em atmosferas de exoplanetas, é necessário saber qual é a probabilidade de que eles possam ser produzidos por processos abióticos, como explosões estelares. Simulações como esta podem ajudar a fornecer esta informação. A detecção de vida fora do Sistema Solar, se acontecer algum dia, será provavelmente o resultado mais importante em todo o campo de exoplanetas.

Os resultados serão publicados no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society

Fonte: Sky & Telescope

A forma e a orientação do plasma em torno de buraco negro

Cygnus X-1, descoberto em 1964, foi o primeiro objeto cósmico alguma vez identificado como contendo um buraco negro.

© J. Paice (ilustração do sistema Cygnus X-1)

Agora, telescópios da NASA juntaram-se para revelar novos detalhes sobre a configuração da matéria quente em torno deste famoso buraco negro. 

Num novo estudo, os astrônomos que utilizam os dados da missão IXPE (Imaging X-Ray Polarimetry Explorer) da NASA descobriram que o fluxo de matéria em direção ao disco do buraco negro encontra-se mais de lado do que se pensava anteriormente, o que significa que a orla do disco estará mais apontada em direção à Terra do que se esperava.

O IXPE, uma colaboração internacional entre a NASA e a Agência Espacial Italiana, possui a capacidade especial de olhar para a polarização dos raios X. A polarização é uma propriedade da luz que nos diz mais sobre os campos elétricos e magnéticos interligados que compõem todos os comprimentos de onda da luz. A orientação e organização destes campos fornece informações valiosas sobre objetos extremos como Cygnus X-1, tais como a forma como as partículas são aceleradas à sua volta. 

Uma das fontes de raios X mais brilhantes da nossa Galáxia, Cygnus X-1 contém um buraco negro com 21 vezes a massa do Sol. O buraco negro está em órbita com uma estrela companheira que tem o equivalente em massa a 41 sóis. A matéria é aquecida a milhões de graus à medida que é atraída para o buraco negro. Esta matéria quente brilha em raios X. 

Os pesquisadores estão usando medições da polarização destes raios X para testar e refinar modelos que descrevem como os buracos negros engolem a matéria, tornando-se algumas das fontes de luz mais luminosas, incluindo raios X, no Universo. 

Observações anteriores, em raios X, de buracos negros apenas mediram a direção de chegada, a hora de chegada e a energia dos raios X a partir do plasma quente que espirala em direção aos buracos negros. O IXPE também mede a sua polarização linear, que transporta informação sobre como os raios X foram emitidos; e se, e para onde, dispersam o material perto do buraco negro.

Os cientistas observaram que uma melhor compreensão da geometria do plasma em torno de um buraco negro pode revelar mais sobre o funcionamento interno dos buracos negros e da forma como acretam massa. Estes novos conhecimentos vão permitir melhores estudos, em raios X, de como a gravidade curva o espaço e o tempo perto dos buracos negros. O horizonte de eventos de um buraco negro é o limite para além do qual nenhuma luz, nem mesmo os raios X, conseguem escapar. 

Os raios X detectados com o IXPE são emitidos pela matéria quente, ou plasma, numa região com 2.000 km de diâmetro ao redor do horizonte de eventos com 60 quilômetros de diâmetro do buraco negro.

O IXPE observou Cygnus X-1 de 15 a 21 de maio de 2022. A combinação dos dados do IXPE com observações simultâneas dos observatórios NICER (Neutron star Interior Composition Explorer) e NuSTAR (Nuclear Spectroscopic Telescope Array) da NASA em maio e junho de 2022 permitiu restringir a geometria, ou seja, a forma e localização do plasma.

Os pesquisadores descobriram que o plasma estende-se perpendicularmente a um fluxo com dois lados, em forma de lápis, ou jato, visto em observações rádio anteriores. O alinhamento da direção da polarização dos raios X e do jato apoia fortemente a hipótese de que os processos na região brilhante perto do buraco negro desempenham um papel crucial no lançamento do jato. As observações correspondem a modelos que preveem que o anel de plasma quente, denominado coroa", ou compacta o disco de matéria que espirala para o buraco negro ou substitui a porção interna deste disco. Os novos dados de polarização excluem modelos em que a coroa do buraco negro é uma coluna ou cone estreito de plasma ao longo do eixo do jato. 

Um artigo sobre este estudo foi publicado na revista Science

Fonte: Washington University

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

O buraco negro mais próximo da Terra

Os astrônomos que utilizam o Observatório Gemini, operado pelo NOIRLab (National Optical-Infrared Astronomy Research Laboratory), descobriram o buraco negro mais próximo da Terra.

© NOIRLab (buraco negro e sua estrela companheira)

Esta é a primeira detecção inequívoca de um buraco negro de massa estelar dormente na Via Láctea. A sua proximidade da Terra fornece um intrigante alvo de estudo para o avanço da nossa compreensão da evolução dos sistemas binários. 

Os buracos negros são os objetos mais extremos do Universo. As versões supermassivas destes objetos inimaginavelmente densos residem provavelmente nos centros de todas as grandes galáxias. Os buracos negros de massa estelar, que têm aproximadamente entre cinco a 100 vezes a massa do Sol, são muito mais comuns, com uma estimativa de 100 milhões só na Via Láctea. No entanto, apenas um punhado foi confirmado até à data e quase todos eles são "ativos", o que significa que brilham em raios X à medida que consomem material de uma companheira estelar próxima, ao contrário dos buracos negros adormecidos que não o fazem.

O buraco negro mais próximo da Terra, é denominado Gaia BH1. Este buraco negro inativo é cerca de 10 vezes mais massivo do que o Sol e está localizado a cerca de 1.600 anos-luz de distância na direção da constelação de Ofiúco, tornando-o três vezes mais próximo da Terra do que o anterior detentor do recorde, um binário de raios X na direção da constelação de Unicórnio. 

A nova descoberta foi possível através de observações requintadas do movimento da companheira do buraco negro, uma estrela parecida com o Sol que orbita o buraco negro aproximadamente à mesma distância que a Terra orbita o Sol.

Embora existam provavelmente milhões de buracos negros de massa estelar vagando pela Via Láctea, os poucos que foram detectados foram descobertos devido às suas interações energéticas com uma estrela companheira. À medida que o material de uma estrela próxima espirala em direção ao buraco negro, torna-se sobreaquecido e gera poderosos raios X e jatos de material. 

A equipe identificou originalmente o sistema como potencialmente anfitrião de um buraco negro através da análise de dados da nave espacial Gaia da ESA. O observatório Gaia captou as minúsculas irregularidades no movimento da estrela provocadas pela gravidade de um objeto massivo e invisível. 

Para explorar o sistema com mais detalhe, os astrônomos utilizaram o instrumento GMOS (Gemini Multi-Object Spectrograph) no Gemini North, que mediu a velocidade da estrela companheira em órbita do buraco negro e forneceu uma medição precisa do seu período orbital. As observações de acompanhamento do Gemini foram cruciais para restringir o movimento orbital e, consequentemente, as massas dos dois componentes do sistema binário, permitindo a identificação do corpo central como um buraco negro cerca de 10 vezes mais massivo do que o nosso Sol. 

Os modelos atuais dos astrônomos sobre a evolução dos sistemas binários têm dificuldade em explicar como a peculiar configuração do sistema Gaia BH1 pode ter surgido. Especificamente, a estrela progenitora que mais tarde se transformou no buraco negro recentemente detectado teria sido pelo menos 20 vezes mais massiva do que o nosso Sol. Isto significa que teria vivido apenas alguns milhões de anos. Se ambas as estrelas se formaram ao mesmo tempo, esta estrela massiva teria se transformado rapidamente numa supergigante, inchando e engolindo a outra estrela antes de esta ter tido tempo de se tornar uma estrela normal de sequência principal, que queima hidrogênio, como o nosso Sol. 

Não é de todo claro como a estrela de massa solar pode ter sobrevivido a este episódio, acabando como uma estrela aparentemente normal, como indicam as observações do binário que abriga o buraco negro. 

Dos modelos teóricos que permitem a sobrevivência, todos preveem que a estrela de massa solar deveria ter acabado numa órbita muito mais íntima do que a atualmente observada. Isto pode indicar que existem importantes lacunas na nossa compreensão de como os buracos negros se formam e evoluem nos sistemas binários e também sugere a existência de uma população ainda não explorada de buracos negros dormentes em binários.

Um artigo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Gemini Observatory