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terça-feira, 22 de julho de 2025

Urano é mais quente do que se pensava

Durante milênios, os astrônomos pensaram que Urano não era mais do que uma estrela distante. Só no final do século XVIII é que Urano foi universalmente aceito como um planeta.

© JWST (Urano)

Ainda hoje, este mundo azul e com anéis subverte as expectativas dos cientistas, mas uma nova pesquisa da NASA ajuda a esclarecer alguma da mística do planeta. Urano é diferente de qualquer outro planeta do nosso Sistema Solar. Gira de lado, o que significa que cada polo está diretamente virado para o Sol durante um "verão" contínuo de 42 anos. Úrano também gira na direção oposta à de todos os planetas, exceto Vênus.

Os dados do sobrevoo da Voyager 2 da NASA por Urano, em 1986, também sugerem que o planeta é incomumente frio no seu interior, desafiando a reconsideração de teorias fundamentais de como os planetas se formaram e evoluíram no nosso Sistema Solar.

As projeções de Urano foram feitas a partir de uma única medição de perto do calor emitido pelo planeta, feita pela Voyager 2: Agora, usando uma técnica avançada de modelação por computador e revisitando décadas de dados, foi descoberto que Urano gera algum calor.

O calor interno de um planeta pode ser calculado comparando a quantidade de energia que recebe do Sol com a quantidade de energia que libera para o espaço sob a forma de luz refletida e calor emitido. Os outros planetas gigantes do Sistema Solar: Saturno, Júpiter e Netuno emitem mais calor do que o que recebem, o que significa que o calor extra vem do interior, em grande parte devido aos processos altamente energéticos que formaram os planetas há 4,5 bilhões de anos.

A quantidade de calor que um planeta emana pode ser uma indicação da sua idade: quanto menos calor liberado em relação ao calor absorvido do Sol, mais velho é o planeta. Urano destacava-se dos outros planetas porque parecia liberar tanto calor como o que recebia, o que implicava que não tinha calor próprio. Este fato intrigou os cientistas. Alguns levantaram a hipótese de que talvez o planeta seja muito mais velho do que todos os outros e tenha arrefecido completamente. Outros propuseram que uma colisão gigantesca, a mesma que pode ter colocado o planeta de lado, teria liberado todo o calor de Urano. Mas nenhuma destas hipóteses são satisfatórias. Será que não existe mesmo calor interno em Urano?

Após refazer os cálculos para ver quanta luz solar é refletida por Urano, os cientistas perceberam que ele é mais refletivo do que as pessoas tinham estimado. Os pesquisadores propuseram-se determinar o orçamento energético total de Urano: a quantidade de energia que recebe do Sol, a quantidade que reflete como luz solar e a quantidade que emite como calor. Para isso, precisavam de estimar a quantidade total de luz refletida pelo planeta em todos os ângulos.

Foram usados dados da atmosfera de Urano a partir de décadas de observações de telescópios terrestres e espaciais, incluindo o telescópio espacial Hubble e o IRTF (Infrared Telescope Facility) da NASA no Havaí. Um modelo computacional foi desenvolvido incluindo informações sobre as neblinas, nuvens e mudanças sazonais do planeta, que afetam a forma como a luz solar é refletida e como o calor escapa. Os pesquisadores descobriram que Urano libera cerca de 15% mais energia do que a que recebe do Sol.

Estes estudos sugerem que Urano tem o seu próprio calor, embora ainda muito menos do que o seu vizinho Netuno, que emite mais do dobro da energia que recebe. Desvendar o passado de Urano é útil não só para mapear a cronologia de quando os planetas do Sistema Solar se formaram e migraram para as suas órbitas atuais, mas também ajuda os cientistas a compreender melhor muitos dos exoplanetas, a maioria dos quais têm o mesmo tamanho que Urano.

Dois artigos foram publicados nos periódicos Geophysical Research Letters e Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: NASA

domingo, 15 de junho de 2025

As luas de Urano revelam uma surpresa

Cientistas recorreram ao telescópio espacial Hubble para procurar evidências de um fenômeno e encontraram outro bem diferente.

© STScI (Urano e suas luas clássicas)

Os pesquisadores estudaram as quatro maiores luas do gigante gelado Urano, o sétimo planeta a contar do Sol, procurando sinais de interações entre a sua magnetosfera e as superfícies das luas. A magnetosfera é uma região em torno de um corpo celeste onde as partículas com carga elétrica são afetadas pelo campo magnético do objeto astronômico. Em particular, foi previsto que, com base nas interações com a magnetosfera de Urano, os lados "dianteiros" destas luas com acoplamento de maré, ou seja, que têm sempre o mesmo lado voltado para o planeta, seriam mais brilhantes do que os lados "traseiros", sempre virados para o lado oposto. Isto deve ser devido ao escurecimento da radiação dos seus lados ocultos [para o planeta] por partículas carregadas, tais como elétrons presos na magnetosfera de Urano.

Em vez disso, não foram encontradas evidências de escurecimento nos hemisférios traseiros das luas, e evidências claras de escurecimento dos lados dianteiros das luas exteriores. Isto surpreendeu a equipe e indica que a magnetosfera de Urano pode não interagir muito com as suas grandes luas, contrariando os dados existentes recolhidos nos comprimentos de onda do infravermelho próximo.

A nítida visão ultravioleta e as capacidades espectroscópicas do Hubble foram fundamentais para permitir a exploração das condições da superfície destas luas e revelar a surpreendente descoberta, apresentada no passado dia 10 de junho na 246.ª reunião da Sociedade Astronómica Americana, em Anchorage, Alasca. 

As quatro luas deste estudo: Ariel, Umbriel, Titânia e Oberon sofrem acoplamento de maré, de modo que mostram sempre o mesmo lado para o planeta Urano. A ideia era que as partículas carregadas presas ao longo das linhas do campo magnético atingissem principalmente o lado oculto de cada lua, o que escureceria este hemisfério. 

Urano tem uma inclinação de 98 graus em relação à eclíptica. Isto significa que ele está dramaticamente inclinado em relação ao plano orbital dos planetas. Urano viaja muito lentamente em torno do Sol, de lado, à medida que completa a sua órbita de 84 anos terrestres. Durante o sobrevoo da Voyager 2, a magnetosfera de Urano estava inclinada cerca de 59 graus em relação ao plano orbital dos satélites. Por isso, há uma inclinação adicional do campo magnético. Como Urano e as suas linhas de campo magnético giram mais depressa do que as suas luas orbitam o planeta, passam constantemente por elas. Se a magnetosfera de Urano interagir com as suas luas, as partículas carregadas deverão atingir preferencialmente a superfície dos hemisférios traseiros. Estas partículas carregadas, bem como os raios cósmicos da Via Láctea, devem escurecer os hemisférios traseiros de Ariel, Umbriel, Titânia e Oberon e possivelmente gerar o dióxido de carbono detectado nestas luas.

A equipe esperava que, especialmente no caso das luas interiores Ariel e Umbriel, estes hemisférios fossem mais escuros do que os lados dianteiros nos comprimentos de onda do ultravioleta e no visível. Mas não foi isso que descobriram. Ao que parece, os hemisférios dianteiro e traseiro de Ariel e Umbriel são de fato muito semelhantes em termos de brilho. No entanto, os pesquisadores observaram uma diferença entre os hemisférios das duas luas exteriores, Titânia e Oberon. Ainda mais estranho é o fato de a diferença de brilho ser o oposto do que esperavam. As duas luas exteriores têm hemisférios dianteiros mais escuros e mais vermelhos do que os hemisférios traseiros. Os astrônomos pensam que a poeira de alguns dos satélites irregulares de Urano está cobrindo os lados dianteiros de Titânia e Oberon. 

Os satélites irregulares são corpos naturais que têm órbitas grandes, excêntricas e inclinadas em relação ao plano equatorial do seu planeta. Micrometeoritos estão constantemente atingindo as superfícies dos satélites irregulares de Urano, liberando pequenos pedaços de material para órbita do planeta. Ao longo de milhões de anos, este material poeirento move-se para dentro em direção a Urano e eventualmente atravessa as órbitas de Titânia e de Oberon.

Estas luas exteriores varrem a poeira e apanham-na principalmente nos seus hemisférios dianteiros, que estão virados para o planeta. É como os insetos que batem no para-brisas do carro quando se conduz numa rodovia. Este material faz com que Titânia e Oberon tenham hemisférios dianteiros mais escuros e mais avermelhados. Estas luas exteriores protegem efetivamente as luas interiores Ariel e Umbriel da poeira, razão pela qual os hemisférios das luas interiores não mostram uma diferença de brilho.

Fonte: Space Telescope Science Institute

sábado, 12 de abril de 2025

Determinado com maior precisão o período de rotação de Urano

Uma equipe internacional de astrônomos, utilizando o telescópio espacial Hubble, efetuou novas medições do ritmo de rotação interior de Urano com uma técnica inovadora, atingindo um nível de precisão 1.000 vezes superior ao das estimativas anteriores.

© Hubble (aurora dinâmica de Urano)

Ao analisar mais de uma década de observações, pelo Hubble, das auroras de Urano, os pesquisadores refinaram o período de rotação do planeta e estabeleceram um novo e crucial ponto de referência para a futura exploração planetária.

A determinação do ritmo de rotação interior de um planeta é um desafio, particularmente para um mundo como Urano, onde não são possíveis medições diretas. Uma equipe liderada por Laurent Lamy, do Observatório de Paris, desenvolveu um método inovador para seguir o movimento de rotação das auroras de Urano: espetaculares manifestações de luz geradas na atmosfera superior pelo fluxo de partículas energéticas perto dos polos magnéticos do planeta.

Esta técnica revelou que Urano realiza uma rotação completa em 17 horas, 14 minutos e 52 segundos, com 28 segundos mais do que a estimativa obtida pela Voyager 2 da NASA durante o seu sobrevoo em 1986.

Esta medição não só fornece uma referência essencial para a comunidade científica planetária, como também resolve um problema de longa data: os sistemas de coordenadas anteriores, baseados em períodos de rotação desatualizados, tornaram-se rapidamente imprecisos, impossibilitando a localização dos polos magnéticos de Urano ao longo do tempo.

Com este novo sistema de longitude, é possível agora comparar observações de auroras ao longo de quase 40 anos e até planejar a próxima missão a Urano. Este avanço foi possível graças ao monitoramento de longo prazo de Urano pelo Hubble. Durante mais de uma década, o Hubble observou regularmente as suas emissões aurorais ultravioletas, permitindo seguir a posição dos polos magnéticos com modelos de campos magnéticos.

Ao contrário das auroras da Terra, Júpiter ou Saturno, as auroras de Urano comportam-se de uma forma única e imprevisível. Este fato deve-se ao campo magnético altamente inclinado do planeta, que está significativamente deslocado do seu eixo de rotação.

As descobertas não só ajudam a compreender a magnetosfera de Urano, como também fornecem informações vitais para futuras missões. O "Planetary Science Decadal Survey" dos EUA deu prioridade ao conceito de uma sonda e orbitador para futuras explorações de Urano.

Com a sua capacidade de monitorar corpos celestes ao longo de décadas, o telescópio espacial Hubble continua sendo uma ferramenta indispensável para a ciência planetária, abrindo caminho para a próxima era de exploração de Urano.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: Observatoire de Paris

sábado, 5 de abril de 2025

Novas informações atmosféricas do planeta Urano

O planeta gigante gelado Urano, que viaja em volta do Sol de lado, é um mundo estranho e misterioso.

© NASA (mudanças na atmosfera do planeta Urano)

Agora, num estudo sem precedentes que se estende por duas décadas, pesquisadores que utilizam o telescópio espacial Hubble descobriram novas informações sobre a composição e dinâmica atmosférica do planeta.

Isto só foi possível graças à alta resolução do Hubble, às suas capacidades espectrais e à sua longevidade. Os resultados da equipe vão ajudar os astrônomos a melhor compreender como a atmosfera de Urano funciona e como reage às mudanças da luz solar.

Estas observações de longo prazo fornecem dados valiosos para a compreensão da dinâmica atmosférica deste distante gigante gelado, que pode servir como um representante para o estudo de exoplanetas de tamanho e composição semelhantes.

Quando a Voyager 2 passou por Urano em 1986, tirou uma fotografia em grande plano do planeta. O que viu assemelhava-se a uma bola de bilhar azul-esverdeada com poucas características. Em comparação, o Hubble registou uma história de 20 anos de mudanças sazonais, de 2002 a 2022. Durante esse período, astrônomos utilizaram o instrumento STIS (Space Telescope Imaging Spectrograph) do Hubble, para traçar um quadro preciso da estrutura atmosférica de Urano.

A atmosfera de Urano é constituída principalmente por hidrogênio e hélio, com uma pequena quantidade de metano e vestígios de água e amoníaco. O metano dá a Urano a sua cor ciano, absorvendo os comprimentos de onda vermelhos da luz solar.

A equipa do Hubble observou Urano quatro vezes no período de 20 anos: em 2002, 2012, 2015 e 2022. Descobriram que, ao contrário do que acontece nos gigantes gasosos Saturno e Júpiter, o metano não está uniformemente distribuído por Urano. Em vez disso, está fortemente empobrecido perto dos polos. Este empobrecimento manteve-se relativamente constante ao longo das duas décadas.

No entanto, a estrutura aerossol e da neblina mudou drasticamente, aumentando significativamente o brilho na região polar norte à medida que o planeta se aproxima do solstício de verão em 2030.

Urano demora um pouco mais de 84 anos terrestres para completar uma única órbita em torno do Sol. Assim, ao longo de duas décadas, a equipa do Hubble só viu sobretudo a primavera setentrional, à medida que o Sol deixa de brilhar diretamente sobre o equador de Urano para brilhar quase diretamente sobre o seu polo norte em 2030.

As observações do Hubble sugerem padrões complexos de circulação atmosférica em Urano durante este período. Os dados mais sensíveis à distribuição do metano indicam uma descida nas regiões polares e uma subida em outras regiões. A equipe analisou os seus resultados de várias formas. As colunas da imagem mostram a mudança de Urano durante os quatro anos em que o STIS observou o planeta ao longo do período de 20 anos. Durante esse período de tempo, os pesquisadores observaram as estações de Urano, à medida que a região polar sul (à esquerda) escurecia ao entrar na sombra do inverno, ao passo que a região polar norte (à direita) aumentava de brilho à medida que começava a ser vista mais diretamente com o aproximar do verão. A linha superior, no visível, mostra como a cor de Urano aparece ao olho humano, mesmo através de um telescópio amador.

Na segunda linha, a imagem do planeta, em cores falsas, é constituída a partir de observações no visível e no infravermelho próximo. A cor e o brilho correspondem às quantidades de metano e de aerossóis. Ambas as quantidades não podiam ser distinguidas antes de o STIS do Hubble ter sido apontado pela primeira vez para Urano em 2002. Geralmente, as áreas verdes indicam menos metano do que as áreas azuis, e as áreas vermelhas não mostram metano. As áreas vermelhas estão no limbo, onde a estratosfera de Urano é quase completamente desprovida de metano. As duas linhas inferiores mostram a estrutura de latitude dos aerossóis e do metano inferida a partir de 1.000 comprimentos de onda (cores) diferentes, do visível ao infravermelho próximo.

Na terceira linha, as áreas claras indicam condições mais nubladas, enquanto as áreas escuras representam condições mais limpas. Na quarta linha, as áreas claras indicam metano empobrecido, enquanto as áreas escuras mostram a quantidade total de metano. Nas latitudes médias e baixas, os aerossóis e o empobrecimento de metano têm a sua própria estrutura latitudinal que, na sua maioria, não se alterou muito ao longo das duas décadas de observação.

No entanto, nas regiões polares, os aerossóis e o empobrecimento de metano comportam-se de forma muito diferente. Na terceira linha, os aerossóis perto do polo norte apresentam um aumento dramático, aparecendo muito escuros durante o início da primavera setentrional, tornando-se muito brilhantes nos últimos anos. Os aerossóis também parecem desaparecer no limbo esquerdo à medida que a radiação solar diminui.

Esta é uma evidência de que a radiação solar altera a névoa de aerossóis na atmosfera de Urano. Por outro lado, o empobrecimento de metano parece manter-se bastante elevado em ambas as regiões polares durante todo o período de observação. Os astrônomos vão continuar observando Urano à medida que o planeta se aproxima do verão setentrional.

Fonte: Space Telescope Science Institute

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

O que está por baixo das superfícies insípidas de Urano e Netuno?

Chuva de diamantes? Água superiônica?

© Quanta Magazine (vista interior de um planeta gigante gasoso)

Estas são apenas duas propostas que os cientistas planetários apresentaram para o que se encontra por baixo das espessas atmosferas azuladas de hidrogênio e hélio de Urano e Netuno, gigantes gelados do nosso Sistema Solar, mas superficialmente insípidos.

O cientista planetário Burkhard Militzer, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, EUA, propõe agora uma teoria alternativa, que os interiores destes dois planetas são constituídos por camadas e que as duas camadas, tal como o azeite e a água, não se misturam. Esta configuração explica perfeitamente os incomuns campos magnéticos dos planetas e implica que as teorias prévias acerca dos interiores provavelmente não são verdadeiras.

Ele defende que existe um oceano profundo de água logo abaixo das camadas de nuvens e, por baixo, um fluido altamente comprimido de carbono, nitrogênio e hidrogênio. As simulações em computador mostram que, sob as temperaturas e pressões do interior dos planetas, uma combinação de água (H2O), metano (CH3) e amônia (NH3) se separaria naturalmente em duas camadas, principalmente porque o hidrogênio seria espremido do metano e da amônia que constituem grande parte do interior profundo. Estas camadas imiscíveis explicariam porque é que nem Urano nem Netuno têm um campo magnético como o da Terra. Esta foi uma das descobertas surpreendentes acerca dos gigantes gelados do nosso Sistema Solar feitas pela missão Voyager 2 no final da década de 1980.Os planetas do tamanho de Urano e Netuno, os chamados planetas subnetuno, estão entre os exoplanetas mais comuns descobertos até à data. 

À medida que um planeta arrefece da sua superfície para baixo, o material frio e mais denso afunda-se, enquanto as manchas de fluido mais quente sobem como água fervendo, um processo chamado convecção. Se o interior for condutor de eletricidade, uma camada espessa de material em convecção gerará um campo magnético dipolar semelhante ao de um ímã em barra. O campo dipolar da Terra, criado pelo seu núcleo externo de ferro líquido, produz um campo magnético que vai do polo norte ao polo sul e é a razão pela qual as bússolas apontam para os polos. 

Mas a Voyager 2 descobriu que nenhum dos dois gigantes de gelo tem este campo dipolar, apenas campos magnéticos desorganizados. Isto implica que não há movimento convectivo de material, numa camada espessa, no interior profundo dos planetas. Para explicar estas observações, dois grupos de pesquisa distintos propuseram, há mais de 20 anos, que os planetas devem ter camadas que não se podem misturar, impedindo assim a convecção em grande escala e um campo magnético dipolar global. A convecção numa das camadas poderia, no entanto, produzir um campo magnético desorganizado. 

Mas nenhum dos grupos conseguiu explicar de que eram feitas estas camadas que não se misturam. Há dez anos, Militzer tentou repetidamente resolver o problema, utilizando simulações em computador de cerca de 100 átomos com as proporções de carbono, oxigénio, nitrogênio e hidrogênio refletindo a composição conhecida dos elementos do Sistema Solar primitivo. Com as pressões e temperaturas previstas para os interiores dos planetas, 3,4 milhões de vezes a pressão atmosférica da Terra e 4750 K, respectivamente, não conseguiu encontrar uma forma de formar camadas. Porém, no ano passado, com a ajuda da aprendizagem de máquina, conseguiu executar um modelo que simulava o comportamento de 540 átomos e, para sua surpresa, descobriu que as camadas se formam naturalmente à medida que os átomos são aquecidos e comprimidos.

Nota-se que uma camada é rica em água e a outra é rica em carbono, e em Urano e Netuno, é o sistema rico em carbono que está por baixo. A parte pesada fica em baixo e a parte mais leve fica em cima e não pode fazer qualquer convecção. A quantidade de hidrogênio espremido aumenta com a pressão e a profundidade, formando uma camada estratificada estável de carbono, nitrogênio e hidrogênio, quase como um polímero plástico. Enquanto a camada superior, rica em água, provavelmente realiza convecção para produzir o campo magnético desorganizado observado, a camada mais profunda, estratificada e rica em hidrocarbonetos, não pode. Quando modelou a gravidade produzida por um Urano e por um Netuno em camadas, os campos gravitacionais coincidiram com os medidos pela Voyager 2 há quase 40 anos. 

Militzer prevê que por baixo da atmosfera de Urano, com quase 5 mil quilômetros de espessura, se encontre uma camada rica em água com cerca de 8 mil quilômetros de espessura e, por baixo desta, uma camada rica em hidrocarbonetos, também com cerca de 8 mil quilômetros de espessura. 

O seu núcleo rochoso tem aproximadamente o tamanho do planeta Mercúrio. Apesar de Netuno ser mais massivo do que Urano, é menor em diâmetro, com uma atmosfera mais fina, mas com camadas igualmente espessas, ricas em água e hidrocarbonetos. 

Uma missão proposta pela NASA a Urano poderia também fornecer uma confirmação, se a nave espacial tiver a bordo um gerador de imagens Doppler para medir as vibrações do planeta. Um planeta em camadas vibraria a frequências diferentes das de um planeta em convecção. O próximo projeto é utilizar o modelo computacional para calcular a diferença entre as vibrações dos planetas.

Um artigo foi publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences.

Fonte: University of California

domingo, 3 de novembro de 2024

Miranda, uma lua de Urano, pode ter um oceano sob a sua superfície

Um novo estudo sugere que a lua Miranda, de Urano, pode abrigar um oceano de água sob a sua superfície, uma descoberta que desafiaria muitas suposições sobre a história e sobre a composição da lua e poderia colocá-la na companhia dos poucos mundos do nosso Sistema Solar com ambientes potencialmente habitáveis.

© Voyager 2 (lua Miranda de Urano)

Entre as luas do Sistema Solar, Miranda destaca-se. As poucas imagens que a Voyager 2 captou em 1986 mostram que o hemisfério sul de Miranda (a única parte que vimos) é um terreno com sulcos, dividido por escarpas ásperas e áreas com crateras, como quadrados numa manta de retalhos. 

A maioria dos pesquisadores suspeita que estas estruturas bizarras são o resultado das forças de maré e do aquecimento no interior da lua. A equipe propôs-se explicar a enigmática geologia de Miranda através de engenharia reversa das características da superfície, trabalhando para trás para descobrir qual deve ter sido a estrutura interior da lua para moldar a sua geologia em resposta à força das marés. Depois de mapear as várias características da superfície, como fissuras, cristas e as coronas trapezoidais únicas de Miranda, foi desenvolvido um modelo de computador para testar várias estruturas possíveis do interior da lua, fazendo corresponder os padrões de tensão previstos à geologia real da superfície. 

A configuração que produziu a melhor correspondência entre os padrões de tensão previstos e as características superficiais observadas exigiu a existência de um vasto oceano sob a superfície gelada de Miranda há cerca de 100 a 500 milhões de anos. Este oceano subsuperficial tinha pelo menos 100 quilômetros de profundidade e estava escondido sob uma crosta gelada com uma espessura não superior a 30 quilômetros. Dado que Miranda tem um raio de apenas 235 quilômetros, o oceano teria preenchido quase metade do corpo da lua. 

O motivo para a criação deste oceano podem ser as forças de maré entre Miranda e as luas vizinhas. Estas atrações gravitacionais regulares podem ser amplificados por ressonâncias orbitais, uma configuração em que o período de cada lua em torno de um planeta é um número inteiro exato dos períodos das outras. As luas de Júpiter, Io e Europa, por exemplo, têm uma ressonância de 2:1: por cada duas órbitas que Io faz em torno de Júpiter, Europa faz exatamente uma, o que leva a forças de maré que são conhecidas por manter um oceano sob a superfície de Europa. Estas configurações orbitais e as forças de maré resultantes deformam as luas como bolas de borracha, levando ao atrito e ao calor que mantém os interiores quentes. Isto também cria tensões que racham a superfície, criando uma rica tapeçaria de características geológicas. 

Simulações numéricas sugeriram que Miranda e as suas luas vizinhas provavelmente tiveram uma ressonância deste tipo no passado, oferecendo um potencial mecanismo que poderia ter aquecido o interior de Miranda para produzir e manter um oceano subsuperficial. Num certo momento, o movimento orbital das luas dessincronizou-se, abrandando o processo de aquecimento, de modo que o interior da lua começou a arrefecer e a solidificar. 

Mas os pesquisadores acham que o interior de Miranda ainda não congelou completamente. Se o oceano tivesse congelado completamente teria se expandido e causado certas fissuras na superfície, que não existem. Isto sugere que Miranda ainda está arrefecendo, e pode ter ainda hoje um oceano sob a sua superfície. 

A lua Encélado de Saturno é agora um alvo principal na procura de vida para além da Terra. Miranda pode ser um caso semelhante. É comparável em tamanho e composição a Encélado e, de acordo com um estudo de 2023, pode estar liberando ativamente material para o espaço. Se tiver (ou tiver tido) um oceano, poderá ser um futuro alvo para estudar a habitabilidade e a vida.

Um artigo foi publicado no periódico The Planetary Science Journal

Fonte: Johns Hopkins University

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Óxidos de carbono na lua Ariel de Urano

A superfície da lua de Urano, Ariel, está coberta por uma quantidade significativa de dióxido de carbono gelado, especialmente no hemisfério que está sempre virado para o lado oposto à direção do movimento orbital da lua.

© Voyager 2 (Ariel, lua de Urano)

Este fato é surpreendente, porque mesmo nas regiões geladas do sistema uraniano, que está 20 vezes mais longe do Sol do que a Terra, o dióxido de carbono transforma-se rapidamente em gás e perde-se para o espaço. 

Os cientistas têm teorizado que algo está fornecendo dióxido de carbono à superfície de Ariel. Alguns defendem a ideia de que as interações entre a superfície da lua e as partículas carregadas na magnetosfera de Urano criam dióxido de carbono através de um processo chamado radiólise, no qual as moléculas são quebradas por radiação ionizante.

Mas um novo estudo faz pender a balança a favor de uma teoria alternativa, a de que o dióxido de carbono e outras moléculas estão emergindo do interior de Ariel, possivelmente até de um oceano líquido subsuperficial. 

Usando o telescópio espacial James Webb para recolher espectros químicos da lua e depois comparando-os com espectros de misturas químicas simuladas em laboratório, uma equipe de pesquisa liderada por Richard Cartwright do Laboratório de Física Aplicada Johns Hopkins em Laurel, no estado norte-americano de Maryland, descobriu que Ariel tem alguns dos depósitos mais ricos em dióxido de carbono do Sistema Solar, somando uma espessura estimada de 10 milímetros ou mais no hemisfério posterior da lua. 

Entre esses depósitos havia outra descoberta intrigante: os primeiros sinais claros de monóxido de carbono. Não deveria estar presente, pois é preciso descer até aos 30 K (-243º C) para que o monóxido de carbono fique estável. A temperatura da superfície de Ariel, entretanto, é em média cerca de 30º C mais quente. O monóxido de carbono teria de ser ativamente reabastecido. A radiólise pode ainda ser responsável por alguma dessa reposição.

Experiências laboratoriais mostraram que o bombardeamento por radiação da água gelada misturada com material rico em carbono pode produzir tanto dióxido de carbono como monóxido de carbono. Assim, a radiólise pode fornecer uma fonte de reabastecimento e explicar a abundância de ambas as moléculas no hemisfério posterior de Ariel. Mas permanecem muitas questões sobre a magnetosfera uraniana e sobre a extensão das suas interações com as outras luas do planeta. 

Mesmo durante o sobrevoo da Voyager 2 por Urano, há quase 40 anos, os cientistas suspeitavam que essas interações poderiam ser limitadas porque o eixo do campo magnético de Urano e o plano orbital das suas luas estão deslocados um do outro cerca de 58 graus. A Voyager 2 fotografou apenas cerca de 35% da superfície de Ariel durante o seu breve voo rasante.

Modelos recentes confirmam essa previsão. Ao invés, a maior parte dos óxidos de carbono pode ser proveniente de processos químicos que aconteceram (ou ainda estão acontecendo) num oceano de água por baixo da superfície gelada de Ariel, escapando através de fendas no exterior gelado da lua ou possivelmente através de plumas eruptivas. Além disso, as novas observações espectrais sugerem que a superfície de Ariel pode também abrigar minerais de carbonato, sais que só podem ser produzidos através da interação da água líquida com as rochas.

Com a superfície de Ariel coberta de desfiladeiros semelhantes a cortes, sulcos entrecruzados e manchas lisas que se pensa serem de erupções criovulcânicas, os pesquisadores já suspeitavam que a lua foi ou ainda pode ser ativa. Um estudo de 2023 sugeriu que Ariel e/ou a sua lua irmã, Miranda, podiam estar emitindo material para a magnetosfera de Urano, incluindo possivelmente através de plumas. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: Johns Hopkins University