sexta-feira, 30 de junho de 2023

Encontradas evidências do fundo estocástico de ondas gravitacionais

Astrofísicos, utilizando grandes radiotelescópios com o objetivo de observar uma coleção de "relógios" cósmicos na nossa Galáxia, encontraram evidências da existência de ondas gravitacionais que oscilam com períodos de anos a décadas.

© NANOGrav (ondulações gravitacionais produzidas por um binário de buraco negro)

O sinal das ondas gravitacionais foi observado em 15 anos de dados obtidos pelo PFC (Physics Frontiers Center) do NANOGrav (North American Nanohertz Observatory for Gravitational Waves), uma colaboração de mais de 190 cientistas dos EUA e do Canadá que utilizam pulsares para procurar ondas gravitacionais. As colaborações internacionais que utilizam telescópios na Europa, Índia, Austrália e China registaram resultados semelhantes de forma independente. 

Embora resultados anteriores do NANOGrav tenham revelado um sinal temporal enigmático comum a todos os pulsares observados, era demasiado tênue para revelar a sua origem. A publicação dos dados de 15 anos demonstra que o sinal é consistente com ondas gravitacionais ondulantes que passam lentamente pela Via Láctea. Esta é uma evidência fundamental da existência de ondas gravitacionais com frequências muito baixas. Ao contrário das fugazes ondas gravitacionais de alta frequência observadas por instrumentos terrestres como o LIGO (Laser Interferometer Gravitational-wave Observatory), este sinal contínuo de baixa frequência só poderia ser percebido com um detector muito maior do que a Terra. 

Para responder a esta necessidade, os astrônomos transformaram o nosso sector da Via Láctea numa enorme antena de ondas gravitacionais, recorrendo a estrelas exóticas chamadas pulsares. O esforço de 15 anos do NANOGrav recolheu dados de 68 pulsares para formar um tipo de detector chamado PTA (Pulsar Timing Array). 

Os pulsares são remanescentes ultradensos do núcleo de uma estrela massiva após a sua morte numa explosão de supernova. Os pulsares giram rapidamente e emitem feixes de ondas de rádio através do espaço, de modo a parecerem "pulsar" quando vistos da Terra. Os objetos mais rápidos, chamados pulsares de milissegundo, giram centenas de vezes por segundo. Os seus pulsos são muito estáveis, o que os torna úteis como relógios cósmicos precisos. 

Ao longo de 15 anos de observações com o Observatório de Arecibo, em Porto Rico, com o GBT (Green Bank Telescope), em Virgínia Ocidental, EUA, e com o VLA (Very Large Array), no Novo México, EUA, o NANOGrav veio aumentando gradualmente o número de pulsares que observa.

A teoria da relatividade geral de Einstein prevê com precisão a forma como as ondas gravitacionais devem afetar os sinais dos pulsares. Ao esticar e comprimir o tecido do espaço, as ondas gravitacionais afetam o tempo de cada pulso de uma forma pequena, mas previsível, atrasando alguns e adiantando outros. Estes desvios estão correlacionados para todos os pares de pulsares de uma forma que depende da distância a que as duas estrelas de nêutrons aparecem no céu.

Em 2004, um pequeno grupo de astrônomos obteve o primeiro conjunto de observações de pulsares que viria a constituir a base deste trabalho. Em 2020, com pouco mais de doze anos de dados, os cientistas do NANOGrav começaram a ver indícios de um sinal, um "zumbido" extra que era comum ao comportamento temporal de todos os pulsares na matriz e que a cuidadosa consideração de possíveis explicações alternativas não conseguiu eliminar. A colaboração sentiu-se confiante de que este sinal era real e que se tornava mais fácil de detectar à medida que mais observações eram incluídas. Mas era ainda demasiado tênue para mostrar a assinatura de ondas gravitacionais prevista pela relatividade geral. 

Agora, estão mostrando as primeiras evidências da presença de ondas gravitacionais, com períodos de anos a décadas. O próximo passo é utilizar as nossas observações para estudar as fontes que produzem este zumbido. Uma possibilidade é que o sinal provenha de pares de buracos negros supermassivos, com massas milhões ou bilhões de vezes superiores à do nosso Sol. À medida que estes gigantescos buracos negros se orbitam, produzem ondas gravitacionais de baixa frequência. Pensa-se que os buracos negros supermassivos residem nos centros das maiores galáxias do Universo. Quando duas galáxias se fundem, os buracos negros de cada uma acabam por se colapsar para o centro, orbitando-se mutuamente como um sistema binário muito depois da fusão inicial das galáxias. Eventualmente, os dois buracos negros fundem-se. 

Entretanto, a sua lenta espiral estica e comprime o tecido do espaço-tempo, gerando ondas gravitacionais que se propagam para longe da galáxia de origem como ondulações num lago, acabando por chegar à nossa. Espera-se que os sinais de ondas gravitacionais destes binários gigantescos se sobreponham, como vozes numa multidão ou instrumentos numa orquestra, produzindo um zumbido geral de fundo que imprime um padrão único nos dados temporais dos pulsares. Este padrão é o que os cientistas do NANOGrav procuram há quase 20 anos. 

O NANOGrav demonstra a evidência deste fundo de ondas gravitacionais. A análise detalhada do zumbido de fundo já está fornecendo informações sobre a forma como os buracos negros supermassivos crescem e se fundem. Tendo em conta a força do sinal que o NANOGrav detecta, a população de buracos negros binários extremamente massivos no Universo deve ser de centenas de milhares, talvez mesmo milhões.

A investigação futura deste sinal contribuirá para que os cientistas compreendam como o Universo evoluiu às maiores escalas, fornecendo informações sobre a frequência com que as galáxias colidem e o que leva os buracos negros a fundirem-se. Além disso, as ondulações gravitacionais do próprio Big Bang podem constituir uma fração do sinal, fornecendo uma visão sobre a formação do próprio Universo. Estes resultados têm até implicações em escalas menores, colocando limites no tipo de partículas exóticas que podem existir no nosso Universo. 

Um conjunto de artigos foram publicados no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: NANOGrav

Visitando uma galáxia irregular

A galáxia irregular ESO 174-1, que se assemelha a uma nuvem solitária e nebulosa contra um plano de fundo de estrelas brilhantes, domina esta imagem do telescópio espacial Hubble.

© Hubble (ESO 174-1)

A galáxia irregular ESO 174-1 fica a cerca de 11 milhões de anos-luz da Terra e consiste em uma nuvem brilhante de estrelas e um tênue e sinuoso tentáculo de gás escuro e poeira. 

Esta imagem faz parte de uma coleção de observações do Hubble que visa conhecer nossos vizinhos galácticos próximos. Para ser mais preciso, as observações visam resolver as estrelas mais brilhantes e as propriedades básicas de todas as galáxias conhecidas em 10 megaparsecs (cerca de 32 milhões de anos-luz)Por exemplo, a estrela mais próxima do Sol, Proxima Centauri, está a cerca de 1,3 parsecs de distância (cerca de 4,2 anos-luz), ou seja, são impressionantes 40 trilhões de quilômetros!

O programa para captar todas as nossas galáxias vizinhas foi projetado para usar 2 a 3% do tempo do Hubble que absolutamente nenhum outro programa de observação pode usar. Muitos dos inúmeros objetos que o Hubble observa só podem ser vistos em determinadas épocas do ano, o que torna o preenchimento da programação do observatório um desafio logístico assustador. A observação de programas como o que captou a galáxia irregular ESO 174-1 ajuda os operadores do Hubble a aproveitar ao máximo cada minuto de observação. 

Fonte: ESA

Descoberta surpreendente de composto químico em protoplaneta

Cientistas, recorrendo ao ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) para estudar o disco protoplanetário em torno de uma estrela jovem, descobriram a evidência química mais convincente até à data da formação de protoplanetas.

© M. Weiss (ilustração de exoplaneta interagindo com gás molecular)

A descoberta irá fornecer aos astrônomos um método alternativo para detectar e caracterizar protoplanetas quando não for possível fazer observações diretas ou obter imagens.

A HD 169142 é uma estrela jovem localizada na direção da constelação de Sagitário, que é de grande interesse devido à presença do seu grande disco circunstelar, rico em poeira e gás, que é visto quase de face. 

Na última década, foram identificados vários candidatos a protoplanetas e, no início deste ano, cientistas da Universidade de Liège e da Universidade Monash confirmaram que um destes candidatos, o HD 169142 b, é um protoplaneta gigante semelhante a Júpiter. As descobertas reveladas numa nova análise de dados de arquivo do ALMA podem agora tornar mais fácil a detecção, confirmação e, finalmente, a caracterização de protoplanetas que se formam em torno de estrelas jovens. 

A equipe focou-se no sistema HD 169142 porque pensavam que a presença do protoplaneta gigante HD 169142 b estaria provavelmente acompanhada por assinaturas químicas detectáveis, e com razão. Foi detectado monóxido de carbono (tanto ¹²CO como o seu isotopólogo ¹³CO) e monóxido de enxofre (SO), que já tinham sido detectados anteriormente e que se pensava estarem associados a protoplanetas em outros discos. Mas, pela primeira vez, também foi detectado monossulfureto de silício (SiS). 

Isto foi uma surpresa porque, para que a emissão de SiS seja detectável pelo ALMA, os silicatos têm de ser liberados de grãos de poeira próximos em ondas de choque massivas causadas por gás viajando com altas velocidades, um comportamento tipicamente resultante de fluxos que são conduzidos por protoplanetas gigantes.

O monossulfureto de silício era uma molécula que nunca tinha sido vista antes num disco protoplanetário, muito menos na vizinhança de um protoplaneta gigante. A detecção da emissão de SiS significa que este protoplaneta deve estar produzindo poderosas ondas de choque no gás circundante.

Com esta nova abordagem química para a detecção de protoplanetas jovens, os cientistas podem estar abrindo uma nova janela para o Universo e aprofundando a sua compreensão dos exoplanetas. Os protoplanetas, especialmente aqueles que ainda estão embebidos nos seus discos circunstelares natais, como é o caso do sistema HD 169142, fornecem uma ligação direta à população de exoplanetas conhecidos.

Há uma enorme diversidade de exoplanetas e, ao usar assinaturas químicas observadas com o ALMA, isto fornece uma nova forma de compreender como diferentes protoplanetas se desenvolvem ao longo do tempo e, em última análise, de relacionar as suas propriedades com as dos sistemas exoplanetários. Para além de fornecer uma nova ferramenta para a caça de planetas com o ALMA, esta descoberta possibilita encontrar outras moléculas interessantes.

Os resultados serão publicados futuramente no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: National Radio Astronomy Observatory

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Estrela pulsante massiva calibrando os modelos de evolução estelar

Uma colaboração internacional, com a participação do IAC (Instituto de Astrofísica de Canarias), determinou com um nível de precisão sem precedentes a massa, a idade e o perfil de rotação do núcleo de uma estrela pulsante massiva.

© IAC / G. P. Diaz (ilustração do interior da estrela HD 192575)

Conhecida como HD 192575, tem sido observada continuamente pelo TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA durante mais de um ano. 

Os resultados elucidam a estrutura interna destas estrelas e a sua evolução até à morte, quando explodem como supernovas e formam estrelas de nêutrons e buracos negros. A equipe científica também utilizou observações feitas com o telescópio Mercator, localizado no Observatório Roque de los Muchachos, em La Palma. 

As estrelas massivas têm uma vida extremamente curta no Universo; têm núcleos muitos densos e quentes, queimam rapidamente o seu combustível e morrem jovens. Quando estas estrelas colapsam, geram uma violenta explosão de supernova e, dependendo da sua massa e da estrutura do seu núcleo, acabam por formar uma estrela de nêutrons ou um buraco negro. As estrelas massivas são, portanto, fundamentais, não só para compreender os processos físicos responsáveis pela sua evolução, mas também para resolver outras questões fundamentais sobre o Universo. 

Um estudo internacional, liderado pela KU Leuven (Bélgica), aplicou a técnica de asterossismologia para estudar a variabilidade da estrela pulsante HD 192575 que o satélite TESS da NASA tem observado durante mais de um ano. A asterossismologia é o estudo das ondas no interior das estrelas. Estas ondas são afetadas pelas propriedades internas das estrelas e, em particular, pela rotação do seu núcleo, o que nos permite acessar a informação sobre os processos físicos que ocorrem no interior das estrelas a partir das suas alterações de brilho. Estes processos físicos permanecem atualmente não calibrados, mas precisam de ser compreendidos para prever o destino final da estrela. 

O estudo de estrelas massivas requer dados de alta precisão e de longo prazo para análises avançadas. Graças à missão TESS, o estudo de HD 192575 atingiu um nível de detalhe sem precedentes. 

As novas ferramentas de modelagem desenvolvidas neste trabalho permitiram a medida da massa de HD 192575 como sendo 12 vezes a massa do nosso Sol, e uma idade de 15 milhões de anos. A HD 192575 é uma das estrelas mais raras e mais massivas alguma vez modeladas através da asterossismologia. Além disso, descobriu-se que o núcleo de HD 192575 gira cerca de 1,5 vezes mais depressa do que as suas camadas superficiais, o que não é previsto pelos modelos atuais.

Tal como uma bailarina que gira mais depressa aproximando os seus braços esticados para perto do corpo, HD 192575 deveria ter um núcleo que gira mais depressa à medida que envelhece e encolhe. No entanto, a rotação do núcleo que medimos atualmente não é tão rápida em relação às suas camadas exteriores como previsto por modelos de rotação não magnéticos. Os dados do TESS, combinados com os do telescópio Mercator e da missão espacial Gaia da ESA, permitiram à equipe inferir com precisão a quantidade de mistura química nas profundezas de HD 192575 e a massa do seu núcleo, que é um indicador chave da evolução futura de uma estrela massiva e da explosão de supernova.

A determinação exata da massa do núcleo, da idade e do perfil de rotação de HD 192575 faz desta estrela massiva um ponto de calibração único para o ajuste de modelos de evolução estelar, que são, em última análise, fundamentais para compreender o impacto das estrelas massivas na evolução das galáxias e na infância do Universo. 

Um artigo foi publicado no periódico Nature Astronomy

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canarias

Detectado novo composto de carbono num sistema estelar jovem

Uma equipe de cientistas internacionais usou o telescópio espacial James Webb para detectar um novo composto de carbono no espaço pela primeira vez.

© James Webb (aglomerado Trapezium na Nebulosa de Órion)

Conhecida como cátion metil (CH3+), a molécula é importante porque auxilia na formação de moléculas mais complexas baseadas em carbono. O cátion metil foi detectado em um sistema estelar jovem, com um disco protoplanetário, conhecido como d203-506, localizado a cerca de 1.350 anos-luz de distância na Nebulosa de Órion. 

Os compostos de carbono formam as bases de toda a vida conhecida e, como tal, são particularmente interessantes para os cientistas que trabalham para entender como a vida se desenvolveu na Terra e como ela poderia se desenvolver em outras partes do nosso Universo. 

O estudo da química interestelar orgânica, que Webb está abrindo de novas maneiras, é uma área de grande fascínio para muitos astrônomos. As capacidades únicas do Webb o tornaram um observatório ideal para procurar por essa molécula crucial. A excelente resolução espacial e espectral de Webb, bem como sua sensibilidade, contribuíram para o sucesso da equipe. Em particular, a detecção de uma série de linhas de emissão chave do CH3+ consolidou a descoberta. 

A estrela em d203-506 é uma pequena anã vermelha, o sistema é bombardeado por forte luz ultravioleta (UV) de estrelas quentes, jovens e massivas próximas. Os cientistas acreditam que a maioria dos discos de formação de planetas passa por um período de intensa radiação UV, uma vez que as estrelas tendem a se formar em grupos que geralmente incluem estrelas massivas produtoras de UV. Normalmente, espera-se que a radiação UV destrua moléculas orgânicas complexas, caso em que a descoberta de CH3+ pode parecer uma surpresa.

No entanto, a equipe prevê que a radiação UV pode realmente fornecer a fonte de energia necessária para a formação do CH3+. Uma vez formado, promove reações químicas adicionais para construir moléculas de carbono mais complexas. Em termos gerais, a equipe observa que as moléculas que eles veem em d203-506 são bem diferentes dos discos protoplanetários típicos. Em particular, eles não conseguiram detectar nenhum sinal de água.

Isso mostra claramente que a radiação ultravioleta pode mudar completamente a química de um disco protoplanetário. Na verdade, pode desempenhar um papel crítico nos primeiros estágios químicos das origens da vida. 

Essas descobertas, que são do programa Early Release Science, foram publicadas na revista Nature.

Fonte: Space Telescope Science Institute

Nebulosa do “gato sorridente”

Esta nuvem vermelha e laranja, parte da nebulosa Sh2-284, foi captada com todo o detalhe pelo VLT Survey Telescope (VST), no Observatório Europeu do Sul (ESO).

© ESO / VST (Sh2-284)

A nebulosa encontra-se repleta de estrelas jovens, já que gás e poeira coalescem nesta nuvem para formar novos sóis. Se olharmos para a nuvem como um todo talvez vejamos a cara de um gato que nos sorri. 

A maternidade estelar Sh2-284 é uma vasta região de gás e poeira e a sua zona mais brilhante, visível nesta imagem, tem uma dimensão de cerca de 150 anos-luz (mais de 1,4 quatrilhões de km). Situa-se a aproximadamente 15;000 anos-luz de distância da Terra na constelação do Unicórnio. 

Aninhado no centro da parte mais brilhante da nebulosa, mesmo por baixo do “focinho do gato”, encontra-se um aglomerado de estrelas jovens conhecido por Dolidze 25, que produz enormes quantidades de radiação e ventos fortes. A radiação é suficientemente intensa para ionizar o hidrogênio gasoso na nuvem, o que dá origem às brilhantes cores vermelhas e laranjas. É em nuvens como esta que residem os blocos constituintes de novas estrelas. 

Os ventos do aglomerado central de estrelas empurram o gás e a poeira para fora da nebulosa, criando um espaço vazio no seu centro. Ao encontrar zonas mais densas de material, que oferecem mais resistência à erosão, os ventos varrem primeiro as áreas que as rodeiam, criando vários pilares, que apontam para o centro da nebulosa. Podemos ver estas estruturas ao longo das fronteiras de Sh2-284, como por exemplo o que vemos do lado direito da imagem. Apesar destes pilares parecerem pequenos, a verdade é que têm uma dimensão de vários anos-luz e contêm enormes quantidades de gás e poeira, a partir dos quais se formam novas estrelas. 

Esta imagem foi criada a partir de dados obtidos pelo VST, propriedade do Instituto Nacional de Astrofísica italiano (INAF) e acolhido pelo ESO no seu Observatório do Paranal, no Chile. O VST dedica-se a mapear o céu austral no visível com o auxílio da sua câmara de 256 milhões de pixels especialmente concebida obter imagens de campo muito largo. Esta imagem foi obtida no âmbito do rastreio VPHAS+ (VST Photometric Hα Survey of the Southern Galactic Plane and Bulge), que estudou mais de 500 milhões de objetos da Via Láctea, ajudando-nos a compreender melhor o nascimento, vida e morte eventual das estrelas existentes na nossa Galáxia. 

Fonte: ESO

sábado, 24 de junho de 2023

Galáxias gigantes na constelação do Pavão

Com mais de 500.000 anos-luz de diâmetro, NGC 6872 (canto superior direito) é uma galáxia espiral barrada verdadeiramente enorme, com pelo menos 5 vezes o tamanho da Via Láctea.

© El Sauce Observatory / Mike Selby (galáxia Condor)

A aparência dos braços espirais distorcidos e esticados desta galáxia gigante sugere as magníficas asas de um pássaro gigante. Claro que seu apelido popular é a galáxia Condor. Encontra-se a cerca de 200 milhões de anos-luz de distância em direção à constelação do sul de Pavo, o Pavão. 

Alinhados com regiões de formação de estrelas, os braços espirais distorcidos são devidos à interação gravitacional de NGC 6872 com a galáxia menor próxima IC 4970, vista logo acima do núcleo da galáxia gigante. 

A galáxia elíptica gigante dominante do grupo de galáxias Pavo, NGC 6876, está abaixo e à esquerda da elevada galáxia Condor. 

Fonte: NASA

Encontrado no espaço interestelar um aminoácido essencial à vida

A pesquisadora Susana Iglesias-Groth, do IAC (Instituto de Astrofísica de Canarias), descobriu a existência de triptofano, um aminoácido essencial para a formação de proteínas e para o desenvolvimento de organismos vivos, num sistema estelar da Nuvem de Perseu.

© IAC (moléculas de triptofano na região de formação estelar IC 348)

Para o efeito, utilizou dados do observatório espacial Spitzer. O triptofano é um dos 20 aminoácidos considerados essenciais para a formação das proteínas, que são macromoléculas fundamentais para o desenvolvimento da vida na Terra. Este aminoácido tem muitas características espectrais no infravermelho, como já tinha sido caracterizado Iglesias Groth. Ela identificou mais de 10 bandas de emissão desta molécula, as mais fortes de acordo com as suas medições laboratoriais.

Dada a cobertura espectral no infravermelho e a grande base de dados espectroscópicos do telescópio Spitzer, este aminoácido era o candidato óbvio a procurar no espaço. O estudo teve em conta dados de muitas regiões de formação estelar e planetária, mas foi numa das regiões mais próximas e mais bem conhecidas, o complexo de nuvens moleculares em Perseu, e em particular no sistema estelar IC 348, que a combinação de todos os dados espectroscópicos do satélite permitiu atingir a sensibilidade máxima e identificar linhas que o triptofano produz em laboratório.

O IC 348 é uma região excepcional de formação estelar e um laboratório químico extraordinário; graças à sua proximidade com a Terra, é possível realizar algumas das buscas mais sensíveis de moléculas no meio interestelar. Na mesma região foram detectadas evidências de outras moléculas como água (H20), dióxido de carbono (CO2), cianeto de hidrogénio (HCN), acetileno (C2H), benzeno (C6H6), HAPs (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos) e fulerenos, entre outros.

A novidade deste trabalho é que o triptofano nunca havia sido detectado no meio interestelar e, além disso, apesar de décadas de pesquisa, não houve detecção confirmada de outros aminoácidos em nenhuma outra região de formação estelar. O estudo apresenta evidências de que as linhas de emissão associadas ao triptofano podem também estar presentes em outras regiões de formação estelar e sugere que a sua presença, e possivelmente a de outros aminoácidos, é comum no gás a partir do qual as estrelas e os planetas se formam.

É provável que os aminoácidos, os blocos de construção das proteínas, possam estar enriquecendo o gás nos discos protoplanetários e nas atmosferas de exoplanetas jovens, recém-formados e talvez acelerando o aparecimento de vida nestes locais. A análise das bandas de emissão desta molécula também permitiu estimar a temperatura a que o gás desta nuvem se encontra: cerca de 280 Kelvin, ou seja, perto de 0º C, uma temperatura muito semelhante à medida para o hidrogênio molecular e para a água no meio interestelar de IC 348 em estudos anteriores. 

O novo trabalho apresenta também uma estimativa da abundância de triptofano na mesma região: cerca de dez bilhões de vezes menos abundante do que o hidrogênio molecular. 

É sabido que os aminoácidos fazem parte dos meteoritos e podem ter estado presentes desde a formação do Sistema Solar. A descoberta do triptofano e de outros aminoácidos no futuro, pode indicar que os agentes de construção de proteínas, que são fundamentais para o desenvolvimento de organismos vivos, existem naturalmente nas regiões onde as estrelas e os sistemas planetários se formam, e que a vida pode ser mais comum na nossa Galáxia do que poderíamos prever.

Os resultados da descoberta foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canarias

O buraco negro central da Via Láctea "acordou" há 200 anos

O buraco negro supermassivo Sagitário A* no centro da Via Láctea, é muito menos luminoso do que outros buracos negros nos centros de galáxias que podemos observar, o que significa que o buraco negro central da nossa Galáxia não tem devorado ativamente o material à sua volta.

© IXPE / Chandra (raios X da área ao redor de Sagitário A*)

O painel inferior combina dados do IXPE, em laranja, com dados do Chandra, em azul. O painel superior mostra um campo de visão muito mais alargado do centro da Via Láctea. As finas linhas brancas sobrepostas no painel superior enquadram a área realçada e indicam que a perspectiva no painel inferior foi rodada cerca de 45 graus para a direita.

Novas evidências do telescópio IXPE (Imaging X-ray Polarimetry Explorer) da NASA sugerem que o velho gigante adormecido acordou recentemente, há cerca de 200 anos, para absorver gás e outros detritos cósmicos ao seu alcance. 

Sagitário A* fica a mais de 25.000 anos-luz da Terra, o buraco negro supermassivo mais próximo, com uma massa estimada em milhões de vezes a do nosso Sol. Ele situa-se na direção da constelação de Sagitário, no coração da Via Láctea. 

Os cientistas recorreram ao IXPE para um olhar mais atento quando estudos anteriores de raios X detectaram emissões de raios X relativamente recentes provenientes de nuvens gigantes de gás na sua vizinhança. Dado que a maioria das nuvens cósmicas, chamadas "nuvens moleculares", são frias e escuras, as assinaturas de raios X destas nuvens deveriam ter sido tênues. Em vez disso, brilharam intensamente. 

Um dos cenários para explicar porque é que estas nuvens moleculares gigantes estão brilhando é que estão ecoando um flash de luz de raios X que já passou há muito tempo, indicando que o nosso buraco negro supermassivo não estava assim tão quiescente há alguns séculos atrás. 

O IXPE, que mede a polarização dos raios X, ou a direção e intensidade médias do campo elétrico das ondas de luz, foi apontado para estas nuvens moleculares durante dois períodos de estudo, em fevereiro e março de 2022. Quando os astrônomos combinaram os dados resultantes com imagens do observatório de raios X Chandra da NASA e os compararam com observações de arquivo da missão XMM-Newton da ESA, puderam isolar o sinal de raios X refletido e descobrir o seu ponto de origem.

O ângulo de polarização atua como uma bússola, apontando-nos para a misteriosa fonte de iluminação há muito desaparecida. E o que se encontra nessa direção? Nada mais nada menos do que Sgr A*. Analisando os dados, a equipe descobriu que os raios X das nuvens moleculares gigantes eram luz refletida de uma erupção intensa e de curta duração produzida por ou perto de Sgr A*, possivelmente causada pelo buraco negro que consumiu abruptamente material próximo. Os dados também ajudaram os pesquisadores a estimar a luminosidade e a duração do surto original, sugerindo que o evento ocorreu aproximadamente no início do século XIX.

O próximo objetivo da equipe é repetir a observação e reduzir as incertezas da medição. Os dados de acompanhamento poderão melhorar as estimativas de quando a erupção ocorreu e qual a sua intensidade no pico, e ajudarão a determinar a distribuição tridimensional das nuvens moleculares gigantes que rodeiam o buraco negro quiescente. Estes estudos ajudam a compreender melhor os processos físicos necessários para despertar Sgr A* novamente, mesmo que apenas temporariamente, do seu sono inquieto. Sabemos que as mudanças podem ocorrer, nas galáxias ativas e nos buracos negros supermassivos, ao longo de uma escala humana de tempo.

Um artigo foi publicado na revista Nature

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Sonificação de dados astronômicos gerando harmonia cósmica

Novas sonificações foram geradas por telescópios da NASA.

© NASA (sonificação do Quinteto de Stephan)

Os astrônomos geralmente observam objetos no espaço através de vários telescópios. Como diferentes telescópios podem detectar diferentes tipos de luz, cada um traz suas próprias informações para o que está sendo observado. De certa forma, isso é semelhante a como diferentes notas da escala musical podem ser tocadas juntas para criar harmonias que são impossíveis apenas com notas isoladas. 

Nos últimos anos, a NASA vem produzindo sonificações de dados astronômicos de objetos no espaço. Este projeto pega os dados digitais captados por seus telescópios no espaço – a maioria dos quais é invisível a olho nu – e os traduz em notas musicais e sons para que possam ser ouvidos em vez de vistos. 

Cada camada de som nessas sonificações representa comprimentos de onda específicos de luz detectados pelo observatório de raios X Chandra da NASA, telescópio espacial James Webb, telescópio espacial Hubble e telescópio espacial Spitzer em várias combinações. 

No Quinteto de Stephan, quatro galáxias se movem em torno umas das outras, mantidas juntas pela gravidade, enquanto uma quinta galáxia está no quadro, mas na verdade está a uma distância muito diferente. Uma imagem visual do Quinteto de Stephan contém luz infravermelha do telescópio espacial James Webb (vermelho, laranja, amarelo, verde e azul) com dados adicionais do telescópio espacial Spitzer (vermelho, verde e azul) e luz de raios X do Chandra (azul claro). 

Uma sonificação desses dados começa no topo e varre a imagem para baixo. À medida que o cursor se move, o tom muda em relação ao brilho de maneiras diferentes. As galáxias de fundo e as estrelas de primeiro plano nas imagens visuais que Webb detecta são mapeadas para diferentes notas em uma marimba de vidro sintético. 

Enquanto isso, estrelas com picos de difração são tocadas como pratos de choque. As próprias galáxias do Quinteto de Stephan são ouvidas com frequências que mudam suavemente conforme a varredura passa sobre elas. Os raios X do Chandra, que revelam uma onda de choque que superaqueceu o gás a dezenas de milhões de graus, são representados por um som de corda sintética. 

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

A compreensão da física envolvendo superexplosões estelares

A relação entre as manchas solares e as explosões solares tem sido bastante investigada nos estudos sobre o Sol.

© NASA (estrela com grande cobertura de manchas e superflares)

Até porque essas erupções associadas a ejeções de massa coronal, em que grandes quantidades de energia são liberadas, impactam diretamente nosso planeta, causando maior ocorrência de auroras boreais; blecautes nas comunicações por rádio; incremento do efeito de cintilação nos sinais de GPS; redução nas velocidades e altitudes dos satélites artificiais. 

Para entender a física por trás desses eventos estelares, uma nova pesquisa enfocou um fenômeno ainda mais intenso, denominado superexplosão (superflare, em inglês), com energia de 1.000 a 10.000 vezes maior do que as maiores explosões vistas no Sol. E buscou esse tipo de evento em duas estrelas do tipo K: a Kepler-411 e a Kepler-210. 

Descobriu que, a despeito de essas estrelas serem semelhantes em todos os aspectos, desde as massas até os períodos de rotação e os sistemas planetários, e de ambas exibirem em torno de 100 manchas, a primeira produziu 65 supererupções, enquanto a segunda não produziu nenhuma. “A área das manchas estelares parece não ser a principal responsável pelo desencadeamento das superexplosões. Talvez a explicação deva ser buscada na complexidade magnética das regiões ativas”, diz Alexandre Araújo, pós-doutorando na Escola de Engenharia Mackenzie. Com apoio da FAPESP, o estudo foi conduzido por ele e sua ex-orientadora de doutorado, atual supervisora de pós-doutorado, Adriana Valio, pesquisadora do Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie (CRAAM), da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

As manchas de ambas as estrelas foram caracterizadas com a técnica de mapeamento por trânsito planetário, que fornece a intensidade, temperatura, posição (latitude e longitude) e raio. “Pelo conhecimento que se tinha da literatura, as estrelas com manchas maiores teriam mais chance de produzir superflares, mas não foi isso que observamos. As manchas estelares da Kepler-411 são muito menores do que as da Kepler-210. Teoricamente, seria esta que deveria ter superexplosões, mas isso não acontece. Nossa explicação para a inexistência de superflares na Kepler-210, mesmo com grandes manchas na sua superfície, está na complexidade magnética, na evolução e no tempo de vida das manchas”, afirma Araújo. 

Além de buscar um avanço no conhecimento das atividades estelares, o presente estudo teve uma motivação adicional. A partir da descoberta das primeiras superexplosões em estrelas de tipo solar, a comunidade científica passou a olhar com atenção para tais fenômenos, principalmente para investigar quais seriam as possibilidades de o Sol apresentar uma explosão dessa proporção. Se as erupções de muito menor intensidade já impactam tão fortemente nossa sociedade tecnológica, o que esperar de fenômenos energéticos de tal magnitude? “Certamente os planetas que orbitam estrelas com uma frequência de superflares podem chegar a perder sua atmosfera e, por isso, não desenvolver a vida, pelo menos a vida como a conhecemos”, responde Araújo. 

A estrutura das estrelas de tipo solar 

Para entender tudo isso, é preciso abrir um largo parêntese e recapitular alguns conhecimentos básicos sobre a estrutura das estrelas, obtidos principalmente a partir dos estudos sobre o Sol. Para efeito didático, essa estrutura é dividida em camadas. “O núcleo é a fonte principal da energia da estrela. No Sol, essa região é uma esfera cujo raio corresponde à quinta parte do raio solar, mas com densidade extremamente alta. Nele, a conversão de hidrogênio em hélio, por meio de reações termonucleares, produz temperatura da ordem de 13,6 milhões de kelvin (K)”, informa Valio. 

Em torno do núcleo, fica a zona radiativa, onde a energia é transportada pelos fótons em todas as direções. Os fótons, como se sabe, são as partículas associadas à radiação eletromagnética. E sua velocidade de propagação no vácuo é a maior do universo material. Porém, como a zona radiativa é composta por partículas (prótons, elétrons etc.), a absorção e posterior emissão por estes componentes obstruem enormemente o trânsito dos fótons. De modo que eles levam cerca de 1 milhão de anos para atravessar essa camada e chegar à seguinte, a zona convectiva. “Na zona convectiva, a energia é transportada por meio de correntes de convecção. O material mais quente sobe para a superfície da estrela, enquanto o material mais frio e denso afunda de volta para a camada convectiva. Esse movimento cria células gigantes, que transportam energia e material através da estrela. Na superfície do Sol, elas são conhecidas como os grânulos solares”, explica Valio.

A superfície do Sol é chamada de fotosfera. É nela que aparecem as manchas solares, os grânulos e as erupções, que se estendem por toda a atmosfera solar, composta pela cromosfera e pela coroa. A temperatura média da fotosfera é pouco maior do que 5.700 K, o que faz com que seja relativamente fria em comparação com as camadas internas do Sol ou com as camadas superiores da atmosfera solar. É da fotosfera que sai a maior parte da luz e do calor emitidos por essa estrela. 

“As manchas que aparecem na fotosfera são causadas por campos magnéticos intensos e podem durar de alguns dias a várias semanas antes de desaparecerem. Sua formação começa com um campo magnético gerado pelo movimento de partículas eletricamente carregadas na tacoclina, fina camada compreendida entre as regiões radiativa e convectiva do interior solar. Ao emergirem na superfície do Sol, os tubos de fluxo magnético criam regiões de campo intenso, que bloqueiam a transferência de calor do interior para a superfície. As manchas são escuras porque sua temperatura é 1.000 a 1.500 graus menor do que a temperatura do resto da superfície”, descreve Valio. 

As manchas geralmente têm formatos e tamanhos diferentes, sendo sua complexidade magnética um fator crucial para a produção das maiores explosões solares. Estas são observadas em todo o espectro eletromagnético: rádio, infravermelho, luz visível, ultravioleta, raios X e raios gama. Tais fenômenos transientes acontecem na atmosfera solar, nas regiões de altas concentrações de campo magnético, onde grandes quantidades de energia são liberadas por reconexão magnética. A potência gerada nas maiores explosões solares é de aproximadamente 1.017 a 1.022 quilowatts. 

O método de trânsitos planetários 

O grande desafio para os pesquisadores de superflares é desvendar os mecanismos que originam tais fenômenos. É consensual que essas grandes explosões estejam relacionadas com as manchas estelares. Mas de que forma? “O método de trânsitos planetários é excelente para investigar manchas na superfície de estrelas do tipo solar. Tal método é atualmente o mais robusto para esse tipo de pesquisa. Mas sua aplicação é bastante complicada, principalmente devido à dificuldade de obter estrelas que se encaixem nos critérios de investigação”, comenta Araújo. 

Ele e Valio trabalharam com dados do telescópio Kepler, procurando estrelas que se encaixassem no perfil do estudo. O telescópio espacial Kepler foi projetado pela NASA, a agência espacial norte-americana, com o objetivo de descobrir planetas de tipo terrestre fora do Sistema Solar. Nos quatro anos de sua primeira fase de operação, que se estendeu de 2009 a 2013, ele observou mais de 150 mil estrelas. E, para extrair informações sobre esses objetos, foi utilizado o método de trânsitos planetários, que se baseia na diminuta alteração produzida no brilho da estrela quando um planeta passa na sua frente. Mas encontrar, nessa gigantesca base de dados, os objetos que se adequassem aos seus propósitos foi igual a procurar uma agulha no palheiro. 

“Em primeiro lugar, a estrela devia ter um ou mais planetas. Para que esses exoplanetas pudessem ser detectados, seu ângulo de inclinação em relação à estrela tinha que estar no ângulo de visada do telescópio. Além disso, a estrela precisava apresentar manchas na sua superfície. E o exoplaneta devia transitar nas regiões das manchas. O período orbital do exoplaneta tinha que ser de poucos dias. E seu raio devia ser bem maior do que o da Terra, para que a queda de brilho causada nas curvas de luz da estrela fosse bastante significativa. Finalmente, a estrela precisava apresentar superflares”, disse Araújo. 

O pesquisador afirma que, felizmente, foi possível identificar uma estrela, a Kepler-411, com excelente qualidade de observação. E o melhor: ela possuía um sistema planetário com quatro exoplanetas. Mas, para entender o papel das manchas estelares, era preciso encontrar uma segunda estrela em tudo semelhante, exceto por um aspecto: ela não podia apresentar superflares. “Foi, de certa forma, uma ousadia nossa acreditar que essa segunda estrela existia. E nos sentimos recompensados quando encontramos a Kepler-210, com os parâmetros estelares muito próximos da Kepler-411”, diz Araújo. 

Acredita-se que a detecção de supererupções esteja diretamente ligada à cobertura temporal das manchas na superfície das estrelas. E que, quanto maior a área das manchas estelares, maior o armazenamento de energia magnética para produzir a explosão. “Nossos resultados trouxeram uma perspectiva um pouco diferente. Como já foi dito, na Kepler-411, detectamos 65 superflares, com energias de até 1.035 ergs [1.035 ×107 quilojoules]. Enquanto a Kepler-210 não apresentou nenhuma supererupção, mesmo com o dobro de cobertura temporal, o que nos deu maior probabilidade de observação. E o que mais nos surpreendeu foi o fato de os raios das manchas estelares da Kepler-411 serem muito menores do que os da Kepler-210”, enfatiza Araújo. 

A explicação pode estar no fato de que, embora sejam maiores em área, as manchas da Kepler-210 apresentam uma configuração magnética mais simples. “No Sol, as manchas são classificadas de acordo com o comportamento do campo magnético na área. E classificadas como alfa (α), beta (β), gama (γ) e delta (δ), ou por meio de uma combinação dessas configurações. As manchas deltas são as que apresentam intensa atividade de flares solares. Acreditamos que as manchas da Kepler-210 apresentem uma configuração magnética mais simples, do tipo alfa ou beta. Infelizmente, a confirmação exata dessa hipótese só seria possível por meio de magnetogramas, que são imagens capazes de detectar a localização e a intensidade dos campos magnéticos. Atualmente, só conseguimos observar isso no Sol. Ainda não temos tecnologia para obter magnetogramas de estrelas distantes. De qualquer forma, nosso estudo já nos permite dizer que, em vez de fechar o foco na área das manchas estelares, talvez seja mais produtivo considerar a complexidade magnética das regiões ativas”, conclui Valio. 

Um artigo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society Letters

Fonte: Agência FAPESP

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Estrela densa e compacta pode ser feita de matéria estranha

Estrelas com massa superior a aproximadamente oito vezes a do Sol terminam sua existência de algumas dezenas de milhões de anos com uma potente e luminosa explosão denominada supernova.

© XMM-Newton (objeto compacto no centro pode ser uma estrela estranha)

Nesse evento, que marca o fim do processo de geração de energia por fusão nuclear, a estrela moribunda expele suas camadas mais externas e a matéria restante pode seguir dois caminhos. Se a massa total inicial da estrela for maior que a de 25 sóis, o núcleo inerte continua colapsando e vira um buraco negro. Se tiver entre 10 e 25 massas solares, o núcleo central sobrevive à explosão e forma um objeto composto apenas por um tipo de partícula: uma estrela de nêutrons. 

Novos estudos sugerem que uma estrela de nêutrons de pequena massa pode ser um objeto ainda mais exótico, previsto na teoria, mas nunca observado de forma inequívoca: uma estrela composta de quarks soltos, um tipo de partícula elementar, indivisível, que é um constituinte fundamental da matéria. 

Um artigo publicado por astrofísicos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do ABC (UFABC), na edição de abril da revista científica Astronomy & Astrophysics, aponta que a massa, o raio e a temperatura superficial do objeto compacto XMMU J173203.3−344518, o nome oficial da estrela, batem com os modelos teóricos que preveem a existência dessa classe de corpo celeste. Esses modelos usam a relatividade geral para inferir a gravitação e trabalham com diferentes cenários de resfriamento do núcleo das supernovas. 

“Não afirmamos que se trata de uma estrela estranha, mas que seus parâmetros são compatíveis com essa categoria de objeto”, comenta o astrônomo Jorge Horvath, da USP, coordenador do grupo que fez o estudo. 

Estrela estranha é o nome técnico dado a um objeto remanescente de uma supernova formado por matéria estranha, que contém quarks, sobretudo os do tipo strange, não confinados no interior de partículas ordinárias. Todas as partículas classificadas como hádrons, das quais as mais estáveis são os prótons e os nêutrons, são compostas por pelo menos dois ou mais quarks mantidos unidos pela força nuclear forte. Há seis tipos ou sabores de quarks, cada um com carga elétrica e massa específica: up, down, strange, charm, bottom e top. 

Como as estrelas de nêutrons, as estranhas não emitem luz visível. A principal pista de sua existência são fortes emissões nas frequências de raios X, resquícios da atividade das supernovas que as originaram. Na natureza, os quarks não devem existir soltos, estão aprisionados nas entranhas de prótons e nêutrons. Nos hipotéticos objetos celestes ainda menores e mais densos do que as estrelas de nêutrons, os quarks, sobretudo os do tipo strange, poderiam, no entanto, existir de forma isolada. “Em uma estrela estranha, os nêutrons teriam se dissolvido e gerado uma sopa de quarks”, explica Horvath.

O principal argumento a favor da ideia de que o objeto compacto XMMU J173203.3−344518 pode ser constituído de matéria estranha é o valor revisado de sua massa, que, em um estudo publicado no final de 2022 no periódico Nature Astronomy, foi reduzido de 1,4 para 0,77 massa solar. Apesar de esse cálculo incluir uma margem de erro estimada de cerca de 20%, uma massa de valor tão baixo é considerada incompatível com a formação de uma estrela de nêutrons. Segundo a teoria em vigor, corroborada por dados observacionais, esse tipo de astro não pode ter menos de 1,1 massa solar.

“Um objeto com quase 0,8 massa solar pode ser uma estrela estranha ou até uma estrela de nêutrons. Mas, nesse segundo caso, seria uma estrela de nêutrons excepcionalmente leve, o que também seria algo muito interessante”, diz, o astrônomo russo Victor Doroshenko, da Universidade de Tübingen, na Alemanha, principal autor do estudo que recalculou a massa da estrela no ano passado. No trabalho, também o raio do objeto celeste foi revisado para apenas 10,4 quilômetros (km). O valor corrigido é bastante próximo do limite inferior desse parâmetro em estrelas de nêutrons, cujo raio varia de 10 a 20 km. 

A atualização da massa e do raio da intrigante estrela deriva da retificação de sua distância da Terra. Com dados do Global Astrometric Interferometer for Astrophysics (Gaia), observatório espacial europeu que tem como objetivo criar o mais preciso mapa tridimensional da Via Láctea por meio da medição do brilho e da posição de 1 bilhão de estrelas, Doroshenko e seus colegas de Tübingen concluíram que a estrela está a 8.150 anos-luz da Terra, cerca de 20% mais perto do que cálculos anteriores indicavam. A correção da distância de um astro leva à revisão de outros parâmetros, como sua massa e raio. 

Depois do Sol, a estrela mais vizinha ao nosso planeta é Proxima Centauri, distante 4,2 anos-luz, cerca de 1.900 vezes mais perto do que a candidata a estrela estranha. Segundo o físico nuclear Manuel Malheiro, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), uma das dificuldades para defender a eventual existência de estrelas de quarks é explicar o mecanismo de esfriamento de sua matéria. Quando explode, uma supernova atinge temperaturas da ordem de bilhões de kelvin (K). Nas estrelas de nêutrons, a temperatura superficial é de cerca de 1 milhão de K. Os modelos preveem que uma estrela estranha deveria ser muito mais fria do que isso. Mas, de acordo com as estimativas atuais, a XMMU J173203.3−344518 tem temperaturas de mais de 1 milhão de K. “Não sabemos explicar por que essa estrela, que teria entre 2 mil e 6 mil anos de vida, não se resfriou tão rapidamente como prevê a teoria”, comenta Malheiro. 

Os pesquisadores são unânimes em dizer que as dúvidas a respeito da existência de estrelas estranhas ou de quarks, que seriam ainda mais densas e estáveis que as de nêutrons, só serão dirimidas quando houver dados ainda mais precisos sobre o valor de sua massa e raio. 

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics

Fonte: Pesquisa FAPESP