A despeito dos indícios de que Ceres, o maior corpo do cinturão principal de asteroides do Sistema Solar, situado entre as órbitas de Marte e Júpiter, deveria possuir uma família de fragmentos originados de colisões ao longo dos últimos bilhões de anos, até então não tinham sido encontradas pistas que confirmassem essa hipótese.
© NASA/Dawn (Ceres)
Agora, contudo, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Guaratinguetá, em colaboração com colegas do Southwest Research Institute, dos Estados Unidos, encontrou vestígios de uma possível família antiga dispersa (paleofamília) do planeta anão.
Os pesquisadores identificaram um conjunto de 156 asteroides em uma região primitiva do cinturão principal de asteroides, caracterizada pela baixa densidade de objetos, cuja taxonomia, cores (classificação) e albedo (quantidade de luz refletida) indicam que podem ser fragmentos de Ceres.
“O fato de ainda não se ter encontrado até agora uma família de asteroides de Ceres representa um dos maiores problemas da dinâmica dos asteroides”, disse Valério Carruba, professor da UNESP de Guaratinguetá e principal autor do estudo. “A descoberta de uma possível família deste corpo pode contribuir para entendermos melhor a história do Sistema Solar”, avaliou.
De acordo com o pesquisador, enquanto outros asteroides do mesmo tipo espectral (frequências de radiação eletromagnética) de Ceres, como Hygiea e Euphrosyne, já têm famílias reconhecidas, até agora ainda não tinha sido identificado nenhum grupo de asteroides que poderiam ser fragmentos do planeta anão, que possui 900 quilômetros de diâmetro.
Estima-se, porém, que cerca de 10 crateras com mais de 300 km de diâmetro podem ter sido formadas em Ceres em razão de colisões com outros objetos ao longo dos últimos 4,5 bilhões de anos.
E dados de observação da sonda espacial Dawn, lançada pela NASA em 2007 para examinar Ceres e Vesta, que é o segundo maior corpo do cinturão principal de asteroides, com aproximadamente 400 quilômetros de diâmetro, corroboraram essa estimativa ao mostrar que pelo menos duas crateras com 280 km de diâmetro foram formadas nos últimos 2 bilhões de anos na superfície de Ceres.
Dessa forma, Ceres pode ter expelido um número significativo de fragmentos e formado ao menos duas famílias.
Os métodos tradicionais usados para a identificação de famílias de asteroides, entretanto, não detectaram até agora nenhuma família de Ceres.
“As técnicas usuais para identificação de famílias de asteroides se concentram em observar objetos vizinhos a Ceres na região central do cinturão principal de asteroides”, explicou Carruba.
“Acontece que colisões e ressonâncias seculares lineares com Ceres [quando um corpo menor e outro de massa maior sincronizam o período de rotação (precessão) do ponto mais próximo do Sol da órbita (pericentro) ou do nó ascendente da órbita, podendo alterar a excentricidade ou a inclinação do corpo menor e tornar sua órbita mais instável] podem ter empobrecido a população de objetos próximos ao asteroide nessa região do cinturão principal. Dessa forma, não é possível encontrar muitos objetos vizinhos a Ceres”, afirmou.
Outro problema, segundo o pesquisador, é que na região central do cinturão principal há uma concentração maior de asteroides, principalmente do tipo C, o tipo de asteroide mais comum, como Ceres, que tem pouca capacidade de refletir luz, baixa densidade e é associado a regiões mais externas do Sistema Solar.
E há duas grandes famílias de asteroides do mesmo tipo espectral de Ceres nessa região, a Dora e a Chloris.
“Ao realizar um estudo por espectrofotometria astronômica [em que se analisa o espectro da radiação eletromagnética dos objetos observados por telescópios] é difícil saber se esses objetos do tipo C no cinturão principal integram uma possível família de Ceres ou pertencem às famílias dos asteroides Dora e Chloris”, ponderou Carruba.
Além disso, estima-se que as velocidades iniciais de ejeção de Ceres por colisões devem ter sido significativamente maiores que as observadas em qualquer outro corpo no cinturão principal, incluindo Vesta.
Dessa forma, os fragmentos de Ceres podem ter se espalhado por uma área muito maior do cinturão principal de asteroides e seriam significativamente mais distantes entre si do que a distância de objetos formados em colisões de corpos menores que o planeta anão.
Com base nessas constatações, os pesquisadores propuseram, em vez de tentar identificar possíveis membros da família de Ceres perto do planeta anão na região central do cinturão de asteroides, olhar para uma região pristina do cinturão de asteroides, entre as ressonâncias 5J: 2a e 7J: -3a de movimento médio com Júpiter.
A hipótese deles é que fragmentos de Ceres, da ordem de quilômetros, podem ter alcançado essa região do cinturão principal de asteroides que foi esvaziada durante a fase do bombardeio pesado tardio, ocorrida entre 4,3 e 3,8 bilhões de anos atrás, quando se estima que um imenso número de asteroides tenha atingido o Sistema Solar, causando um grande número de crateras na Lua e em outros corpos. Desde então, a entrada de material fora de outras áreas do cinturão principal de asteroides para essa região primitiva ficou limitada.
“Algumas das vantagens de estudar essa região é justamente a baixa densidade de asteroides e a falta de outras grandes famílias do tipo C com excentricidades [medida do achatamento de uma órbita elíptica] e inclinações comparáveis às de Ceres”, disse Carruba. “Isso torna a identificação de possíveis membros da família de Ceres nessa região mais fácil”, afirmou.
A fim de confirmar suas hipóteses, os pesquisadores realizaram um estudo dos albedos e das cores dos objetos encontrados nessa região do cinturão principal de asteroides.
Os resultados das análises indicaram que 156 objetos na região apresentam fotometria e albedo compatíveis com asteroides do tipo C, como Ceres, que reflete apenas 9% da luz que incide sobre ele.
Os estudos estatísticos realizados pelos pesquisadores também indicaram que a distribuição em inclinações desses objetos é compatível como sendo originados de Ceres.
“Ainda não há uma prova definitiva de que exista uma família de Ceres, porque esses objetos que identificamos são candidatos do tipo C, e ainda não foram obtidos espectros completos no visível e no infravermelho para confirmar a classificação. Mas há provas circunstanciais bastante fortes”, afirmou Carruba.
Segundo o pesquisador, não há nenhuma fonte de objetos do tipo C na região primitiva do cinturão principal que poderia explicar a concentração desse tipo de asteroides naquela área.
O artigo “Footprints of a possible Ceres asteroid paleo-family”, de Carruba e outros, foi publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Fonte FAPESP (Agência)