sábado, 3 de agosto de 2024

O aglomerado de estrelas Rosa de Caroline

Encontrado entre o rico campo de estrelas da Via Láctea, o aglomerado de estrelas NGC 7789 localiza-se a cerca de 8.000 anos-luz de distância da Terra na constelação de Cassiopeia.

© Guillaume Seigneuret (NGC 7789)

O aglomerado foi descoberto no final do século XVIII pela astrônoma Caroline Lucretia Herschel, irmã de William Herschel, e por isso o aglomerado é conhecido como a Rosa de Caroline. 

O seu aspecto visual através de pequenos telescópios, criado pelo complexo de estrelas e espaços vazios do aglomerado, sugere pétalas de rosa aninhadas. O aglomerado aberto de estrelas tem uma idade estimada de 1,6 bilhão de anos. Todas as estrelas no aglomerado provavelmente nasceram no mesmo tempo, mas as mais brilhantes e mais massivas exauriram mais rapidamente o combustível de hidrogênio nos seus núcleos. 

Estas estrelas se desenvolveram a partir de estrelas da sequência principal como o Sol e se transformaram em muitas estrelas gigantes vermelhas que aparecem amareladas nesta imagem. 

Usando medidas de cor e brilho, os astrônomos podem modelar a massa e então a idade do aglomerado de estrelas, observando as estrelas que saíram da sequência principal e se tornaram gigantes vermelhas. 

Com mais de 50 anos-luz de diâmetro, a Rosa de Caroline se espalha por cerca de meio grau (o mesmo tamanho angular da Lua) perto do centro desta imagem telescópica. 

Fonte: NASA

quarta-feira, 31 de julho de 2024

A explosão de raios gama mais brilhante já observada

Em outubro de 2022, os astrônomos ficaram surpreendidos com a mais brilhante explosão de raios gama (GRB, sigla inglesa para "gamma-ray burst"), rapidamente apelidada de BOAT ("brightest of all time", a mais brilhante de todos os tempos).

© NASA (jato de partículas emerge de estrela massiva)

Agora, cientistas relatam que os dados do telescópio espacial de raios gama Fermi da NASA revelam uma característica nunca antes vista. Poucos minutos após a erupção da BOAT, o GBM (Gamma-ray Burst Monitor) do Fermi registrou um pico de energia incomum. 

Quando a matéria interage com a luz, a energia pode ser absorvida e reemitida de formas características. Estas interações podem aumentar ou diminuir o brilho de determinadas cores (ou energias), produzindo características chave visíveis quando a luz é espalhada, como um arco-íris, num espectro. Estas características podem revelar uma grande quantidade de informações, como por exemplo os elementos químicos envolvidos na interação. 

A energias mais elevadas, as características espectrais podem revelar processos específicos de partículas, como a aniquilação de matéria e antimatéria para produzir raios gama. Embora alguns estudos anteriores tenham relatado possíveis evidências de características de absorção e emissão em outras GRBs, o escrutínio subsequente revelou que tudo isto poderia ser apenas flutuações estatísticas.

As GRBs são as explosões mais poderosas do cosmos e emitem grandes quantidades de raios gama, a forma mais energética de luz. O tipo mais comum ocorre quando o núcleo de uma estrela massiva esgota o seu combustível, entra em colapso e forma um buraco negro que gira rapidamente. A matéria que cai no buraco negro gera jatos de partículas com direções opostas que atravessam as camadas exteriores da estrela quase à velocidade da luz. 

As GRBs foram detectadas quando um destes jatos aponta quase diretamente para a Terra. A BOAT, formalmente conhecida como GRB 221009A, entrou em erupção no dia 9 de outubro de 2022 e saturou imediatamente a maioria dos detectores de raios gama em órbita, incluindo os do Fermi. Isto impediu os cientistas de medir a parte mais intensa da explosão. As observações reconstruídas, juntamente com argumentos estatísticos, sugerem que a BOAT, se fizer parte da mesma população de GRBs anteriormente detectadas, foi provavelmente a explosão mais brilhante que apareceu nos céus da Terra em 10.000 anos. 

A suposta linha de emissão aparece quase 5 minutos depois da explosão ter sido detectada e muito depois de ter escurecido o suficiente para acabar com os efeitos de saturação no Fermi. A linha persistiu durante pelo menos 40 segundos e a emissão atingiu um pico de energia de cerca de 12 MeV (milhões de elétrons-volt). Para comparação, a energia da luz visível varia entre 2 e 3 elétrons-volt. 

Então, o que é que produziu esta característica espetral? A equipe considera que a fonte mais provável é a aniquilação de elétrons e dos seus homólogos antimatéria, os pósitrons. Quando um elétron e um pósitron colidem, aniquilam-se, produzindo um par de raios gama com uma energia de 0,511 MeV. A matéria no jato se move quase à velocidade da luz, esta emissão sofre um grande desvio para o azul e é empurrada para energias muito mais elevadas. Se esta interpretação estiver correta, para produzir uma linha de emissão com um pico de 12 MeV, as partículas aniquiladoras deveriam estar se movendo na nossa direção a cerca de 99,9% da velocidade da luz. 

Um artigo foi publicado na revista Science

Fonte: NASA

Óxidos de carbono na lua Ariel de Urano

A superfície da lua de Urano, Ariel, está coberta por uma quantidade significativa de dióxido de carbono gelado, especialmente no hemisfério que está sempre virado para o lado oposto à direção do movimento orbital da lua.

© Voyager 2 (Ariel, lua de Urano)

Este fato é surpreendente, porque mesmo nas regiões geladas do sistema uraniano, que está 20 vezes mais longe do Sol do que a Terra, o dióxido de carbono transforma-se rapidamente em gás e perde-se para o espaço. 

Os cientistas têm teorizado que algo está fornecendo dióxido de carbono à superfície de Ariel. Alguns defendem a ideia de que as interações entre a superfície da lua e as partículas carregadas na magnetosfera de Urano criam dióxido de carbono através de um processo chamado radiólise, no qual as moléculas são quebradas por radiação ionizante.

Mas um novo estudo faz pender a balança a favor de uma teoria alternativa, a de que o dióxido de carbono e outras moléculas estão emergindo do interior de Ariel, possivelmente até de um oceano líquido subsuperficial. 

Usando o telescópio espacial James Webb para recolher espectros químicos da lua e depois comparando-os com espectros de misturas químicas simuladas em laboratório, uma equipe de pesquisa liderada por Richard Cartwright do Laboratório de Física Aplicada Johns Hopkins em Laurel, no estado norte-americano de Maryland, descobriu que Ariel tem alguns dos depósitos mais ricos em dióxido de carbono do Sistema Solar, somando uma espessura estimada de 10 milímetros ou mais no hemisfério posterior da lua. 

Entre esses depósitos havia outra descoberta intrigante: os primeiros sinais claros de monóxido de carbono. Não deveria estar presente, pois é preciso descer até aos 30 K (-243º C) para que o monóxido de carbono fique estável. A temperatura da superfície de Ariel, entretanto, é em média cerca de 30º C mais quente. O monóxido de carbono teria de ser ativamente reabastecido. A radiólise pode ainda ser responsável por alguma dessa reposição.

Experiências laboratoriais mostraram que o bombardeamento por radiação da água gelada misturada com material rico em carbono pode produzir tanto dióxido de carbono como monóxido de carbono. Assim, a radiólise pode fornecer uma fonte de reabastecimento e explicar a abundância de ambas as moléculas no hemisfério posterior de Ariel. Mas permanecem muitas questões sobre a magnetosfera uraniana e sobre a extensão das suas interações com as outras luas do planeta. 

Mesmo durante o sobrevoo da Voyager 2 por Urano, há quase 40 anos, os cientistas suspeitavam que essas interações poderiam ser limitadas porque o eixo do campo magnético de Urano e o plano orbital das suas luas estão deslocados um do outro cerca de 58 graus. A Voyager 2 fotografou apenas cerca de 35% da superfície de Ariel durante o seu breve voo rasante.

Modelos recentes confirmam essa previsão. Ao invés, a maior parte dos óxidos de carbono pode ser proveniente de processos químicos que aconteceram (ou ainda estão acontecendo) num oceano de água por baixo da superfície gelada de Ariel, escapando através de fendas no exterior gelado da lua ou possivelmente através de plumas eruptivas. Além disso, as novas observações espectrais sugerem que a superfície de Ariel pode também abrigar minerais de carbonato, sais que só podem ser produzidos através da interação da água líquida com as rochas.

Com a superfície de Ariel coberta de desfiladeiros semelhantes a cortes, sulcos entrecruzados e manchas lisas que se pensa serem de erupções criovulcânicas, os pesquisadores já suspeitavam que a lua foi ou ainda pode ser ativa. Um estudo de 2023 sugeriu que Ariel e/ou a sua lua irmã, Miranda, podiam estar emitindo material para a magnetosfera de Urano, incluindo possivelmente através de plumas. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: Johns Hopkins University

domingo, 28 de julho de 2024

A matéria escura numa colisão entre aglomerado de galáxias

Os astrônomos desvendaram uma colisão confusa entre dois enormes aglomerados de galáxias, na qual as vastas nuvens de matéria escura dos aglomerados se separaram da chamada matéria normal.

© Adam Makarenko (ilustração da colisão entre dois aglomerados de galáxias)

As novas observações são as primeiras a sondar diretamente a dissociação das velocidades da matéria escura e da matéria normal.

Os dois aglomerados contêm cada um milhares de galáxias e estão situados a bilhões de anos-luz da Terra. Ao atravessarem-se um pelo outro, a matéria escura - uma substância invisível que sente a força da gravidade, mas não emite luz - passou à frente da matéria normal. 

Os aglomerados de galáxias estão entre as maiores estruturas do Universo, coladas umas às outras pela força da gravidade. Apenas 15 por cento da massa destes aglomerados é matéria normal, a mesma matéria que constitui os planetas, as estrelas e as pessoas. Desta matéria normal, a grande maioria é gás quente, enquanto o resto são estrelas e planetas. Os restantes 85% da massa do aglomerado corresponde à matéria escura. 

Durante a luta que ocorreu entre os aglomerados, conhecidos coletivamente como MACS J0018.5+1626 (MACS J0018.5), as galáxias individuais saíram praticamente ilesas porque existe muito espaço entre elas. Mas quando as enormes reservas de gás entre as galáxias (a matéria normal) colidiram, o gás tornou-se turbulento e sobreaquecido. Embora toda a matéria, incluindo a matéria normal e a matéria escura, interaja através da gravidade, a matéria normal também interage através do eletromagnetismo, que a torna mais lenta durante uma colisão. Assim, enquanto a matéria normal ficou atolada, as "poças" de matéria escura dentro de cada aglomerado navegaram em frente. 

A descoberta foi feita utilizando dados do CSO (Caltech Submillimeter Observatory, recentemente retirado do seu local em Maunakea, no Havaí, que será transferido para o Chile), do observatório W.M. Keck em Maunakea, do observatório de raios X Chandra, do telescópio espacial Hubble, do observatório espacial Herschel, do observatório Planck e do ASTE (Atacama Submillimeter Telescope Experiment) no Chile. 

Algumas das observações foram efetuadas há décadas, enquanto a análise completa utilizando todos os conjuntos de dados teve lugar nos últimos dois anos. Esta dissociação entre a matéria escura e a matéria normal já foi observada anteriormente, sendo a mais famosa a do Aglomerado Bullet. Nesta colisão, o gás quente pode ser visto claramente ficando atrás da matéria escura, depois dos dois aglomerados de galáxias se terem atravessado um ao outro. 

A situação que ocorreu em MACS J0018.5 é semelhante, mas a orientação da fusão girou cerca de 90 graus em relação à do Aglomerado Bullet, ou seja, um dos aglomerados massivos de MACS J0018.5 está voando quase direito em direção à Terra, enquanto o outro está se afastando.

Para medir a velocidade da matéria normal, ou gás, no aglomerado, os pesquisadores utilizaram um método de observação conhecido como efeito cinético Sunyaev-Zel'dovich (ou efeito SZ). Os astrônomos fizeram a primeira detecção observacional do efeito cinético SZ num objeto cósmico individual, um aglomerado de galáxias chamado MACS J0717, em 2013, utilizando dados do CSO (as primeiras observações do efeito SZ feitas de MACS J0018.5 datam de 2006). 

O efeito cinético SZ ocorre quando os fótons do início do Universo, a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, se dispersam nos elétrons do gás quente a caminho da Terra. Os fótons sofrem um desvio, o chamado efeito Doppler, devido aos movimentos dos elétrons nas nuvens de gás ao longo da nossa linha de visão. Medindo a mudança de brilho da radiação cósmica de fundo em micro-ondas devido a este efeito, foi possível determinar a velocidade das nuvens de gás dentro dos aglomerados de galáxias. 

Em 2019, os pesquisadores tinham efetuado estas medições do efeito cinético SZ em vários aglomerados de galáxias, o que lhes indicava a velocidade do gás, ou matéria normal. Também utilizaram o Keck para conhecer a velocidade das galáxias no aglomerado, o que indicou, por aproximação, a velocidade da matéria escura (porque a matéria escura e as galáxias se comportam de forma semelhante durante a colisão). 

A equipe também usou os dados do Hubble para mapear a matéria escura usando um método conhecido como lente gravitacional. Adicionalmente, John ZuHone, do Centro de Astrofísica do Harvard & Smithsonian, ajudou a simular a destruição do aglomerado. Estas simulações foram usadas em combinação com os dados dos vários telescópios para determinar a geometria e a fase evolutiva do encontro entre os aglomerados

Os cientistas descobriram que, antes de colidirem, os aglomerados estavam se movendo um para o outro a cerca de 3.000 quilômetros/segundo, o que equivale a cerca de um por cento da velocidade da luz. 

Com uma imagem mais completa do que estava se passando, os pesquisadores conseguiram perceber porque é que a matéria escura e a matéria normal pareciam estar viajando em direções opostas. Embora seja difícil de visualizar, a orientação da colisão, juntamente com o fato da matéria escura e da matéria normal se terem separado uma da outra, explica as estranhas medições de velocidade. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: California Institute of Technology

O que é que se passa com Quíron?

Em primeiro lugar, o que é Quíron?

© Flyazure (ilustração de atividade cometária no centauro Quíron)

Originalmente descoberto em 1977 e classificado como um asteroide, o corpo menor Quíron foi o primeiro membro identificado de uma nova classe de objetos no nosso Sistema Solar, agora conhecida como centauros. Os centauros são objetos em órbitas de curta duração que residem entre o cinturão de asteroides e o cinturão de Kuiper, uma região em forma de rosquinha de corpos gelados que se estende muito para além da órbita de Netuno. Tal como Quíron, os centauros escaparam do cinturão de Kuiper e estão sendo espalhados pelos planetas gigantes. 

A maior parte dos centauros vai "saltar" durante cerca de 10 milhões de anos, antes de ser expulsa do Sistema Solar, sendo que apenas alguns sobreviverão para se tornarem cometas de curto período. Nos últimos 50 anos, Quíron continuou se destacando dos restantes centauros. Sendo um dos maiores centauros em termos de tamanho, este corpo do Sistema Solar é conhecido por se comportar como um cometa, com períodos de atividade que criam uma atmosfera difusa e poeirenta. Estudos mais recentes encontraram até evidências de um possível anel duplo gelado em torno do planetoide. 

Personagem complexo, Quíron tem intrigado os astrônomos há quase meio século. No entanto, foram os acontecimentos mais recentes dos centauros que suscitaram maior intriga. Ao analisar dados do ATLAS (Asteroid Terrestrial-impact Last Alert System) em 2021, astrônomos da Queen's University de Belfast, Irlanda do Norte, notaram que Quíron estava inesperadamente muito mais brilhante no céu noturno quando comparado com os 5 anos anteriores de observações. 

O ATLAS é uma rede de quatro pequenos telescópios robóticos no Havaí, na África do Sul e no Chile, que trabalham em conjunto para analisar todo o céu noturno numa busca diária de asteroides potencialmente perigosos para a Terra. 

Algo tinha acontecido e agora Quíron estava refletindo muito mais luz solar. Qualquer que fosse a causa, a mudança tinha ocorrido quando Quíron esteve atrás do Sol e, assim sendo, quando não foi visível da Terra durante mais de cinco meses. 

Foi revelado que Quíron registrou um aumento ou sofreu um surto de atividade cometária. Os pesquisadores da Queen's University de Belfast exploraram Quíron com o telescópio do Observatório Gemini para procurar uma coma difusa, um sinal comum de um cometa. Sem coma (cabeleira) à vista, determinaram que pode ser que a coma esteja presa a Quíron pela sua fraca gravidade, ou que esteja tão longe que é demasiado tênue para ver à volta do objeto, mesmo com o enorme telescópio Gemini. 

No entanto, o aumento de luz da poeira extra em volta de Quíron permanece visível. O que é que isto significa? Examinar este estranho acontecimento num pequeno corpo do Sistema Solar, e explorar os processos ativos que ocorrem em tempo real, ajuda a melhor compreender os processos cometários ativos nos centauros, uma fase crucial na evolução de alguns dos cometas de curto período do nosso Sistema Solar. 

Um artigo foi publicado no periódico The Planetary Science Journal

Fonte: Queen's University Belfast

terça-feira, 23 de julho de 2024

Dez novas estrelas de nêutrons em Terzan 5

Uma equipe internacional liderada por pesquisadores do Instituto Max Planck de Física Gravitacional, do Instituto Max Planck de Radioastronomia e do National Radio Astronomy Observatory (NRAO) descobriu dez estrelas de nêutrons em rotação rápida no aglomerado globular Terzan 5.

© NRAO (ilustração de dez novos pulsares em Terzan 5)

Muitas delas encontram-se em binários incomuns e raros, incluindo uma potencial candidata a recorde de estrela dupla de nêutrons, um pulsar numa órbita extremamente elíptica e vários sistemas "aranha" em que as estrelas de nêutrons estão evaporando as suas companheiras.

Estas descobertas aumentam o número de pulsares de milissegundo conhecidos neste aglomerado estelar muito denso em mais de um-quarto, para um total de 49. Os pesquisadores esperam descobrir mais pulsares em binários possivelmente ainda mais extremos: tencionam analisar todos os dados de Terzan 5 registados com o MeerKAT, utilizando o enorme poder computacional do projeto de ciência cidadã Einstein@Home, gerido pelo Instituto Max Planck de Física Gravitacional.

As estrelas de nêutrons são remanescentes compactos de explosões de supernova e são constituídas por matéria exótica e extremamente densa. São mais massivas do que o nosso Sol, mas com um diâmetro de apenas cerca de 20 quilômetros. Devido aos seus fortes campos magnéticos e à sua rápida rotação, emitem um feixe de ondas de rádio semelhante a um farol cósmico. Quando a rotação aponta periodicamente estes feixes para a Terra, a estrela de nêutrons torna-se visível como uma fonte de rádio pulsante: um pulsar de rádio. Alguns destes pulsares de rádio atingem períodos de rotação de apenas alguns milissegundos ao acumularem material de uma estrela companheira binária. Estes são chamados pulsares de milissegundo. 

O aglomerado globular Terzan 5 é um dos locais mais povoados de estrelas da nossa Via Láctea. No seu núcleo, onde existem milhões de vezes mais estrelas por unidade de volume do que na vizinhança do nosso Sol, as estrelas encontram-se e interagem com muito mais frequência do que em outros locais. Este fato torna-o uma "fábrica" muito eficiente para produzir pulsares em sistemas binários extraordinários. Já se conheciam 39 pulsares em Terzan 5 antes deste estudo, que acrescentou mais dez.

Os astrônomos fizeram as suas descobertas utilizando dados do radiotelescópio MeerKAT. O MeerKAT é um conjunto de 64 antenas na região de Karoo, África do Sul, com uma sensibilidade sem precedentes para fontes no hemisfério sul. Como parte do grande projeto de pesquisa TRAPUM (TRansients and Pulsars using MeerKAT), a equipe observou Terzan 5 duas vezes durante várias horas com 56 antenas do MeerKAT. A caracterização dos novos pulsares, uma tarefa que pode levar muitos anos, foi feita muito rapidamente graças a décadas de dados de arquivo obtidos com o GBT (Green Bank Telescope). 

Além deste sistema exótico encontrado com o MeerKAT, outro exemplo recente como o sistema NGC 1851E, que poderá ser o primeiro sistema pulsar, buraco negro, está mostrando que os aglomerados globulares são uma mina de ouro de oportunidades. Uma descoberta do presente trabalho é um sistema binário que, por um lado, pode consistir de duas estrelas de nêutrons. Estas estrelas de nêutrons duplas são muito raras, cerca de 20 dos mais de 3.600 pulsares conhecidos pertencem a esta classe em particular. 

Se as observações futuras confirmarem estas suspeitas, o sistema duplo seria também um recordista, com o pulsar de rotação mais rápida e a órbita de período mais longo para esta classe de sistemas. Por outro lado, o mesmo sistema pode também ser um pulsar massivo com uma estrela companheira anã branca. Um pulsar de grande massa pode condicionar a composição interior das estrelas de nêutrons. 

A órbita extremamente elíptica de outra descoberta indica uma série de encontros estelares próximos no seu passado. Quando as estrelas do centro densamente povoado de Terzan 5 passam por um sistema binário, a sua gravidade pode perturbar as suas órbitas, podendo mesmo ejetar e substituir as estrelas que o compõem. 

Os astrônomos vão voltar a observar Terzan 5 com o MeerKAT em frequências de rádio mais elevadas, o que deverá aumentar ainda mais as hipóteses de novas descobertas. Quem sabe, talvez a próxima descoberta neste fantástico aglomerado globular seja algo tão exótico como um par de pulsares de milissegundo ou um pulsar de milissegundo orbitando um buraco negro?

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Max Planck Institute for Radio Astronomy

domingo, 21 de julho de 2024

Estrelas parecidas com o Sol orbitam companheiras "escuras"

A maior parte das estrelas no nosso Universo são formadas aos pares.

© Caltech (ilustração de um sistema estelar binário)

O nosso Sol é solitário, mas muitas estrelas como o nosso Sol orbitam estrelas parecidas, enquanto uma série de outros pares exóticos "apimentam" o Universo. Os buracos negros, por exemplo, são por vezes encontrados orbitando uns aos outros. 

Um emparelhamento que se tem revelado bastante raro é o de uma estrela semelhante ao Sol com um tipo de estrela morta chamada estrela de nêutrons. Agora, astrônomos liderados por Kareem El-Badry, do Caltech (California Institute of Technology), descobriram o que parecem ser 21 estrelas de nêutrons orbitando em sistemas binários com estrelas como o nosso Sol. 

As estrelas de nêutrons são núcleos densos e "queimados" de estrelas massivas que explodiram. Por si só, são extremamente tênues e normalmente não podem ser detectadas diretamente. São mais massivas do que as estrelas semelhantes ao Sol, mas os dois objetos orbitam-se mutuamente em torno de um centro de massa comum. À medida que as estrelas de nêutrons orbitam, puxam pelas estrelas semelhantes ao Sol, fazendo com que as suas companheiras se desloquem para trás e para a frente no céu. 

Utilizando a missão Gaia da ESA, os astrônomos conseguiram captar estas oscilações reveladoras de uma nova população de estrelas de nêutrons "escuras". Dados de vários telescópios terrestres, incluindo o Observatório W. M. Keck em Maunakea, Havaí; o Observatório La Silla no Chile; e o Observatório Whipple no estado norte-americano do Arizona, foram usados para acompanhar as observações do Gaia e aprender mais sobre as massas e órbitas das estrelas de nêutrons escondidas. 

Embora estrelas de nêutrons já tenham sido detectadas anteriormente em órbita de estrelas como o nosso Sol, estes sistemas eram todos mais compactos. Com pouca distância separando os dois corpos, uma estrela de nêutrons pode roubar massa à sua parceira. Este processo de transferência de massa faz com que a estrela de nêutrons brilhe intensamente em comprimentos de onda de raios X ou rádio. Em contraste, as estrelas de nêutrons no novo estudo estão muito mais longe das suas companheiras, na ordem de uma a três vezes a distância entre a Terra e o Sol. Isto significa que os recém-descobertos "cadáveres" estelares estão demasiado longe das suas parceiras para lhes estarem roubando material. Em vez disso, estão adormecidos e escuros. 

A enorme estrela teria colidido com a pequena estrela, provavelmente engolindo-a temporariamente. Mais tarde, a estrela de nêutrons progenitora teria explodido como supernova, o que, de acordo com os modelos, deveria ter desvinculado os sistemas binários, fazendo com que as estrelas de nêutrons e as estrelas do tipo solar se afastassem em direções opostas.

O Gaia conseguiu encontrar as improváveis companheiras devido às suas órbitas largas e longos períodos (as estrelas semelhantes ao Sol orbitam em torno das estrelas de nêutrons com períodos de seis meses a três anos). O Gaia é também mais sensível aos binários que estão relativamente próximos. A maior parte dos sistemas recentemente descobertos situam-se a menos de 3.000 anos-luz da Terra, uma distância relativamente pequena quando comparada, por exemplo, com os 100.000 anos-luz de diâmetro da Via Láctea.

As novas observações também sugerem quão raros são os pares. Estima-se que cerca de uma em cada milhão de estrelas do tipo solar orbita uma estrela de nêutrons numa órbita larga. Usando os dados do Gaia, também foram encontrados dois buracos negros silenciosos escondidos na nossa Galáxia. Um deles, chamado Gaia BH1, é o buraco negro mais próximo da Terra, a 1.600 anos-luz de distância.

Um artigo foi publicado no periódico California Institute of Technology.

Fonte: The Open Journal for Astrophysics

Um exoplaneta raro com uma órbita extremamente estranha

Usando o telescópio WIYN de 3,5 metros do Observatório Nacional de Kitt Peak, os astrônomos descobriram a órbita extrema de um exoplaneta que está a caminho de se tornar num Júpiter quente.

© NOIRLab (ilustração de exoplaneta perto de sua estrela)

Este exoplaneta não só segue uma das órbitas mais drasticamente esticadas de todos os exoplanetas em trânsito conhecidos, como também está orbitando a sua estrela de trás para a frente, o que permite compreender o mistério da evolução dos Júpiteres quentes.

Atualmente, existem mais de 7.000 exoplanetas confirmados em quase 5.000 sistemas estelares. Dentro desta população, algumas centenas pertencem à curiosa classe conhecida como Júpiteres quentes, que são exoplanetas grandes, semelhantes a Júpiter, que orbitam muito perto da sua estrela, alguns até tão perto quanto Mercúrio está do nosso Sol.

Como é que os Júpiteres quentes acabam em órbitas tão próximas é ainda um mistério, mas os astrônomos postulam que começam em órbitas distantes da sua estrela e depois migram para o interior ao longo do tempo. As fases iniciais deste processo raramente foram observadas, mas com esta nova análise de um exoplaneta com uma órbita incomum, o mistério dos Júpiteres quentes está mais perto de ser desvendado.

A descoberta deste exoplaneta, denominado TIC 241249530 b, teve origem na detecção pelo TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA, em janeiro de 2020, de uma queda no brilho de uma estrela consistente com a passagem de um único planeta do tamanho de Júpiter à sua frente, ou em trânsito. Para confirmar a natureza destas flutuações e eliminar outras causas possíveis, uma equipe de astrônomos utilizou dois instrumentos no telescópio WIYN de 3,5 metros do Observatório Nacional de Kitt Peak, um programa do NOIRLab (National Optical-Infrared Astronomy Research Laboratory). A equipe começou por utilizar o NESSI (NN-EXPLORE Exoplanet and Stellar Speckle Imager) numa técnica que ajuda a "congelar" a cintilação atmosférica e a eliminar quaisquer fontes estranhas que possam confundir a fonte do sinal. Depois, usando o espectrógrafo NEID (NN-EXPLORE Exoplanet Investigations with Doppler Spectroscopy) foi medida a velocidade radial de TIC 241249530 b observando cuidadosamente como o espectro da sua estrela hospedeira, ou os comprimentos de onda da sua luz emitida, se alteravam em resultado do exoplaneta que a orbitava.

A análise detalhada do espectro confirmou que o exoplaneta é aproximadamente cinco vezes mais massivo do que Júpiter. E também revelou que o exoplaneta está orbitando ao longo de uma trajetória extremamente excêntrica, ou esticada. A excentricidade da órbita de um planeta é medida numa escala de 0 a 1, sendo 0 uma órbita perfeitamente circular e 1 uma órbita altamente elíptica. Este exoplaneta tem uma excentricidade orbital de 0,94, o que o torna mais excêntrico do que a órbita de qualquer outro exoplaneta já encontrado através do método de trânsito (existe um outro exoplaneta com uma excentricidade superior, HD 20782 b com 0,956, mas não transita a sua estrela). Para comparação, a órbita altamente elíptica de Plutão em torno do Sol tem uma excentricidade de 0,25; a excentricidade da Terra é de 0,02.

Se este planeta fizesse parte do nosso Sistema Solar, a sua órbita se estenderia desde a maior aproximação, dez vezes mais perto do Sol do que Mercúrio, até à sua posição mais longínqua, à distância da Terra. Esta órbita extrema faria com que as temperaturas no planeta variassem entre as de um dia de verão e as suficientemente quentes para derreter titânio.

Para aumentar a natureza incomum da órbita do exoplaneta, foi descoberto que está orbitando numa direção oposta à rotação da sua estrela hospedeira. Isto não é algo que é observado na maior parte dos outros exoplanetas, nem no nosso Sistema Solar.

As características orbitais únicas do exoplaneta também sugerem a sua trajetória futura. Espera-se que a sua órbita inicial altamente excêntrica e a sua aproximação extremamente íntima à estrela hospedeira "circularizem" a órbita do planeta, uma vez que as forças de maré no planeta retiram energia da órbita e fazem com que esta diminua gradualmente e se torne mais circular. A descoberta deste exoplaneta antes desta migração ter tido lugar tem muito valor, uma vez que dá uma visão crucial sobre a forma como os Júpiteres quentes se formam, estabilizam e evoluem ao longo do tempo.

O telescópio espacial James Webb tem a sensibilidade necessária para sondar as alterações na atmosfera do exoplaneta recém-descoberto à medida que este sofre um rápido aquecimento. O TIC 241249530 b é apenas o segundo exoplaneta já descoberto demonstrando a fase de pré-migração de um Júpiter quente. Isto afirma observacionalmente a ideia de que os gigantes gasosos de maior massa evoluem para se tornarem Júpiteres quentes à medida que migram de órbitas altamente excêntricas para órbitas mais estreitas e circulares.

Um artigo foi publicado na revista Nature.

Fonte: Massachusetts Institute of Technology

terça-feira, 16 de julho de 2024

Uma nova proposta para definição científica de planeta

Cientistas planetários estão propondo uma nova definição de planeta para substituir a que muitos pesquisadores consideram centrada no Sol e desatualizada.

© NASA / JPL (ilustração do Sistema Solar)

A definição atual - estabelecida em 2006 pela International Astronomical Union (IAU), a organização que nomeia oficialmente os objetos astronômicos - especifica que, para se qualificar como planeta, um corpo celeste tem de orbitar o Sol dentro do nosso Sistema Solar.

Mas sabe-se que os corpos celestes que orbitam estrelas para além do nosso Sistema Solar são bastante comuns, e os cientistas argumentam uma nova definição de planeta que inclua o fato de não estar limitado ao nosso Sistema Solar. A proposta também fornece critérios quantitativos para clarificar ainda mais a definição de planeta.

Jean-Luc Margot, autor principal do artigo científico e professor de Ciências da Terra, Planetárias e do Espaço e também de Física e Astronomia na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), apresentará a nova proposta na Assembleia Geral da IAU em agosto.

De acordo com a definição atual, um planeta é um corpo celeste que orbita o Sol, é suficientemente massivo para que a gravidade o tenha forçado a assumir uma forma esférica e tenha "limpo" outros objetos próximos da sua órbita em torno do Sol. 

Os pesquisadores argumentam que, embora o requisito de orbitar o nosso Sol seja demasiado específico, outros critérios da definição da IAU são demasiado vagos. Por exemplo, diz-se que um planeta "limpou a sua órbita" sem se dizer o que isso significa. A nova definição proposta contém critérios quantificáveis que podem ser aplicados para definir planetas dentro e fora do nosso Sistema Solar. 

Na nova definição, um planeta é um corpo celeste que: 

  • orbita uma ou mais estrelas, anãs marrons ou remanescentes estelares; 
  • tem uma massa superior a 10²³ kg; 
  • tem menos que 13 massas de Júpiter (2,5 x 10³¹ g). 

Os pesquisadores aplicaram um algoritmo matemático às propriedades dos objetos do nosso Sistema Solar para ver que objetos se agrupavam. A análise revelou grupos de qualidades distintas partilhadas pelos planetas do nosso Sistema Solar que podem ser utilizadas como ponto de partida para criar uma taxonomia para os planetas em geral. Por exemplo, se um objeto tem gravidade suficiente para limpar a vizinhança, quer acumulando quer expulsando objetos menores, diz-se que é dinamicamente dominante. Todos os planetas do nosso Sistema Solar são dinamicamente dominantes, mas outros objetos, incluindo planetas anões como Plutão e asteroides, não o são. Por isso, esta propriedade pode ser incluída na definição de planeta. 

O requisito de dominância dinâmica fornece um limite inferior para a massa. Mas os potenciais planetas também podem ser demasiado grandes para se enquadrarem na nova definição. Alguns gigantes gasosos, por exemplo, são tão grandes que ocorre aí a fusão termonuclear do deutério, o objeto torna-se um objeto subestelar chamado anã marrom e, portanto, não é um planeta. Este limite de massa foi determinado em 13 ou mais Júpiteres. 

Por outro lado, o requisito atual de ser esférico é mais problemático. Os planetas distantes raramente podem ser observados com detalhe suficiente para determinar, com exatidão, a sua forma. Os cientistas argumentam que o requisito da forma é tão difícil de implementar que é efetivamente inútil para fins de definição, apesar dos planetas serem geralmente redondos. No Sistema Solar, os corpos celestes com mais de 10²¹ kg parecem ser redondos. Assim, espera-se que todos os corpos que satisfaçam o limite inferior de massa proposto de 10²³ kg sejam esféricos. Embora qualquer alteração oficial à definição de planeta da IAU esteja provavelmente a alguns anos de distância, Margot e os seus colegas esperam que o seu trabalho inicie uma conversa que resulte numa definição melhorada.

Um artigo será publicado em breve na revista The Planetary Science Journal.

Fonte: University of California