sexta-feira, 30 de agosto de 2024

A maior resolução alguma vez alcançada a partir da superfície da Terra

Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e de outras instalações, a Colaboração Event Horizon Telescope (EHT) executou observações de teste com a mais alta resolução alguma vez obtida a partir da superfície da Terra.

© ESO/M. Kornmesser (ilustração das detecções de maior resolução)

Já houve observações astronômicas com maior resolução da galáxia OJ 287, mas obtidas através da combinação de sinais captados por telescópios no solo com um telescópio no espaço. As novas observações publicadas hoje são as de mais alta resolução obtidas utilizando apenas telescópios terrestres. 

Isto foi possível porque se detectou a radiação emitida por galáxias distantes a uma frequência de cerca de 345 GHz, o equivalente a um comprimento de onda de 0,87 mm. A Colaboração EHT estima que, no futuro, será capaz de obter imagens de buracos negros 50% mais pormenorizadas do que o que era possível até agora, tornando mais nítida a região imediatamente a seguir aos limites dos buracos negros supermassivos mais próximos. Será também possível obter imagens de mais buracos negros dos que os observados até agora.

A Colaboração EHT divulgou imagens de M87*, o buraco negro supermassivo situado no centro da galáxia M87, em 2019, e de Sgr A*, o buraco negro que se encontra no coração da nossa Galáxia, a Via Láctea, em 2022. Estas imagens foram obtidas através da ligação de vários observatórios rádio em todo o planeta, utilizando uma técnica chamada interferometria de linha de base muito longa (VLBI), para criar um único telescópio virtual do “tamanho da Terra”. 

Para obter imagens de maior resolução, os astrônomos recorrem, normalmente, a telescópios maiores ou a uma maior separação entre os observatórios que fazem parte do interferômetro. No entanto, como o EHT já é do tamanho da Terra, foi necessário utilizar uma abordagem diferente para aumentar a resolução das observações. Outra forma de aumentar a resolução de um telescópio consiste em observar a radiação emitida pelos objetos astronômicos num comprimento de onda mais curto. Foi isso mesmo que a Colaboração EHT fez.

Com o EHT, foram obtidas as primeiras imagens de buracos negros a partir de observações realizadas no comprimento de onda de 1,3 mm, no entanto o anel brilhante visto, formado pela curvatura da luz devido à gravidade do buraco negro, ainda estava desfocado porque estava no limite absoluto da nitidez das imagens. A 0,87 mm, as imagens apresentam-se mais nítidas e detalhadas, o que, por sua vez, irá provavelmente revelar novas propriedades destes objetos, tanto as que foram previamente previstas como outras que provavelmente não o foram. 

Em vez de ser utilizado o conjunto completo do EHT, os pesquisadores empregaram dois subconjuntos menores, ambos incluindo o ALMA e o Atacama Pathfinder EXperiment (APEX), situados no deserto do Atacama, no Chile. Outras infraestruturas utilizadas incluem o telescópio IRAM de 30 metros na Espanha, o NOrthern Extended Millimeter Array (NOEMA) na França, o Ttlescópio da Groenlândia e o Submillimeter Array no Havaí. 

Nesta experiência piloto, a Colaboração EHT conseguiu obter observações com uma resolução de 19 microssegundos de arco, o que corresponde à resolução mais elevada alguma vez obtida a partir da superfície da Terra. No entanto, não foram criadas imagens já que, apesar de terem sido realizadas detecções robustas da radiação emitida por várias galáxias distantes, não foram utilizadas antenas suficientes para se poder reconstruir com precisão uma imagem a partir dos dados coletados. 

Este teste técnico abriu uma nova janela para o estudo dos buracos negros. Com o conjunto completo, o EHT poderá observar detalhes tão pequenos como 13 microssegundos de arco, o equivalente a ver uma moeda na Lua a partir da Terra. Isto significa que a 0,87 mm será possível obter imagens com uma resolução de cerca de 50% superior à das imagens de 1,3 mm de M87* e SgrA* anteriormente publicadas. Para além disso, será provavelmente possível observar buracos negros mais distantes, menores e mais tênues do que os dois que já foram observados até agora.

Esta é a primeira vez que a técnica VLBI foi utilizada com sucesso em 0,87 mm. Embora a capacidade de observar o céu noturno a 0,87 mm já existisse antes destas novas detecções, a utilização da técnica VLBI neste comprimento de onda sempre apresentou desafios que exigiram tempo e avanços tecnológicos para serem ultrapassados. Por exemplo, o vapor de água na atmosfera absorve muito mais as ondas eletromagnéticas a 0,87 mm do que a 1,3 mm, dificultando a tarefa dos radiotelescópios de coletar sinais de buracos negros no comprimento de onda mais curto. Combinando este fato com a turbulência atmosférica cada vez mais pronunciada e a acumulação de ruído em comprimentos de onda mais curtos, assim como a incapacidade de controlar as condições meteorológicas globais durante observações atmosféricas sensíveis, o progresso do VLBI para os comprimentos de onda mais curtos, especialmente aqueles que passam para o submilimétrico, tem sido lento. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astronomical Journal.

Fonte: ESO

A evolução do sistema planetário Trappist-1

Os planetas são corpos que orbitam uma estrela e que têm massa gravitacional suficiente para adquirirem uma forma aproximadamente esférica que, por sua vez, exercem força gravitacional sobre objetos menores à sua volta, como asteroides e luas.

© JPL-Caltech (ilustração do sistema planetário Trappist-1)

Durante a maior parte da história da humanidade, os únicos planetas que os nossos antepassados conheciam eram aqueles que conseguiam ver no céu noturno. Mas nos últimos 30 anos, foram desenvolvidos telescópios suficientemente sensíveis para inferir a presença de exoplanetas. Eles são, evidentemente, muito mais difíceis de observar diretamente do que as estrelas e do que as galáxias. 

Quase todas as descobertas exoplanetárias, sobretudo a partir de 2010, têm-se baseado em medições fotométricas (a quantidade de luz recebida) das estrelas hospedeiras, e não dos próprios planetas. A isto chama-se o método do trânsito. 

Agora, com a ajuda do telescópio espacial Spitzer, que fez a sua primeira detecção de exoplanetas em 2005; do telescópio espacial Kepler, concebido especificamente para procurar exoplanetas; e do telescópio espacial James Webb, lançado em 2021, o método de trânsito e outras técnicas confirmaram a existência de mais de 5.000 exoplanetas que habitam milhares de sistemas estelares.

A maioria dos exoplanetas forma-se a partir do disco de gás e poeira em torno de estrelas recém-formadas e espera-se que migrem para o interior, aproximando-se do limite interno desse disco. Isto cria sistemas planetários que estão muito mais próximos da estrela hospedeira do que no nosso Sistema Solar. Na ausência de outros fatores, os planetas tenderão a afastar-se uns dos outros a distâncias características baseadas nas suas massas e nas forças gravitacionais entre os planetas e a sua estrela hospedeira. As posições dos planetas formam ressonâncias entre os seus períodos orbitais. Assim, por exemplo, se um planeta demora dois dias para orbitar em torno da sua estrela, o planeta seguinte, mais afastado, demorará três dias. Se esse segundo planeta e um terceiro mais afastado também estiverem numa ressonância de 3:2, então o período orbital do terceiro planeta será de 4,5 dias. 

O sistema Trappist-1, que abriga sete planetas e está situado a cerca de 40 anos-luz da Terra, é especial por várias razões. A razão entre as órbitas dos planetas b e c é de 8:5, e a razão entre os planetas c e d é de 5:3. 

O desafio foi então desenvolver um modelo que pudesse explicar as órbitas dos planetas Trappist-1 e de como chegaram à sua configuração atual. O modelo resultante sugere que os quatro planetas interiores evoluíram inicialmente sozinhos na esperada cadeia de ressonância 3:2. Foi apenas quando a fronteira interior do disco se expandiu para fora que as suas órbitas relaxaram da cadeia 3:2 mais apertada para a configuração que é observada atualmente. O quarto planeta, que originalmente se situava no limite interior do disco, movendo-se mais para fora juntamente com ele, foi mais tarde empurrado para dentro quando três planetas exteriores adicionais se juntaram ao sistema planetário numa fase posterior. Trappist-1 é muito interessante porque é muito complexo; é uma longa cadeia planetária. E é um ótimo exemplo para testar teorias alternativas da formação de sistemas planetários.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: California Institute of Technology

sábado, 24 de agosto de 2024

Rastreando uma estrela solitária que atravessa a Via Láctea

Pode parecer que o Sol está parado enquanto os planetas se movem à sua volta, mas na verdade o Sol está orbitando em torno do centro da nossa Galáxia, a Via Láctea, a uma impressionante velocidade de cerca de 220 quilômetros por segundo.

© Adam Makarenko (simulação da rápida velocidade de estrela)

Neste cenário, a subanã L pode ter sido parte de um sistema binário de anã branca que terminou com ela explodindo em uma supernova e ejetando a subanã L.

Por muito rápido que isso possa parecer, quando se descobriu uma tênue estrela vermelha que se movia ainda mais depressa no céu, a uma velocidade de cerca de 600 quilômetros por segundo, os cientistas ficaram atentos. Esta rara velocista estelar é a primeira estrela hiperveloz de massa muito baixa já encontrada, graças aos esforços de cientistas cidadãos e de uma equipe de astrônomos dos EUA utilizando vários telescópios, incluindo dois no arquipélago do Havaí, o Observatório W. M. Keck em Maunakea e o Pan-STARRS do Instituto de Astronomia da Universidade do Havaí, em Haleakalā, na ilha de Maui. 

Localizada a apenas 400 anos-luz da Terra, é a estrela hiperveloz mais próxima do Sol. Mais notavelmente, esta estrela pode estar numa trajetória incomum que poderá levá-la a deixar a Via Láctea. A estrela, designada por CWISE J124909+362116.0 (ou "J1249+36" para abreviar), foi detectada pela primeira vez por alguns dos mais de 80.000 cidadãos voluntários que participam no projeto Backyard Worlds: Planet 9, que passam a pente fino enormes quantidades de dados recolhidos nos últimos 14 anos pela missão WISE (Wide-field Infrared Survey Explorer) da NASA. Este projeto capitaliza a capacidade aguçada dos seres humanos, que estão evolutivamente programados para procurar padrões e detectar anomalias de uma forma que não é igualada pela tecnologia informática. 

Os voluntários marcam objetos em movimento em arquivos de dados e quando um número suficiente de voluntários marca o mesmo objeto, os astrônomos investigam. A J1249+36 destacou-se imediatamente porque se movia a cerca de 0,1% da velocidade da luz.

Para melhor compreender a natureza deste objeto, os astrônomos recorreram ao NIRES (Near-Infrared Echellette Spectrograph) do Observatório W. M. Keck e mediu o seu espectro infravermelho. Os dados revelaram que o objeto era uma subanã L, uma classe de estrelas com massas muito baixas e temperaturas mais baixas do que o nosso Sol. As subanãs representam as estrelas mais antigas da Via Láctea. 

Os dados espectrais, juntamente com os dados de imagem do Pan-STARRS e de vários outros telescópios terrestres, permitiram à equipe medir com precisão a posição e a velocidade de J1249+36 no espaço e assim prever a sua órbita através da Via Láctea. Os pesquisadores focaram-se em dois cenários possíveis para explicar a trajetória da J1249+36. No primeiro cenário, ela era originalmente a companheira de baixa massa de uma anã branca. As anãs brancas são os núcleos remanescentes de estrelas que esgotaram o seu combustível nuclear e se extinguiram. Quando uma companheira estelar está numa órbita muito próxima de uma anã branca, pode transferir massa, resultando em explosões periódicas chamadas novas. Se a anã branca acumular demasiada massa, pode entrar em colapso e explodir como uma supernova. Neste tipo de supernova, a anã branca é completamente destruída, pelo que a sua companheira é liberada e voa à velocidade orbital a que se movia originalmente, acrescida de um pequeno impulso da explosão da supernova.

No segundo cenário, J1249+36 era originalmente um membro de um aglomerado globular, um aglomerado de estrelas fortemente ligado, imediatamente reconhecível pela sua distinta forma esférica. Prevê-se que os centros destes aglomerados contenham buracos negros com uma grande variedade de massas. Estes buracos negros também podem formar binários, e tais sistemas acabam por ser grandes catapultas para quaisquer estrelas que se aproximem demasiado deles. Quando uma estrela encontra um buraco negro binário, a dinâmica complexa desta interação de três corpos pode atirar essa estrela para fora do aglomerado globular. 

Seguir J1249+36 para trás no tempo coloca-a numa parte muito povoada do céu, que pode esconder aglomerados ainda por descobrir. Para determinar se um destes cenários, ou algum outro mecanismo, pode explicar a trajetória de J1249+36, é necessário olhar mais de perto para a sua composição elementar. Por exemplo, quando uma anã branca explode, cria elementos pesados que podem ter "poluído" a atmosfera de J1249+36 quando esta estava escapando. As estrelas dos aglomerados globulares e das galáxias satélite da Via Láctea também têm padrões distintos de abundância de elementos que podem revelar a origem de J1249+36.

Os astrônomos estão essencialmente à procura de uma impressão digital química que permita identificar de que sistema vem esta estrela, cuja modelação permite medir as abundâncias de elementos de estrelas frias em vários aglomerados globulares. Quer a rápida viagem de J1249+36 se tenha devido a uma supernova, a um encontro casual com um buraco negro binário ou a qualquer outro cenário, a sua descoberta fornece uma nova oportunidade para os astrônomos aprenderem mais sobre a história e a dinâmica da Via Láctea.

Um artigo foi aceito para publicação no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: W. M. Keck Observatory

A Torre Negra em Escorpião

Em silhueta contra um campo estelar lotado ao longo da cauda da constelação aracnídea de Escorpião, esta nuvem cósmica empoeirada evoca para alguns a imagem de uma torre escura ameaçadora.

© Mike Selby (NGC 6231 e a Torre Negra)

Na verdade, aglomerados monstruosos de poeira e gás molecular colapsando para formar estrelas podem muito bem se esconder dentro da nebulosa escura, uma estrutura que se estende por quase 40 anos-luz neste retrato telescópico. 

A constelação do Escorpião é povoada com grupos espetaculares individuais de formação de estrelas. Se esses grupos possuem muitas estrelas quentes, e estrelas extremamente luminosas do Tipo-OB, eles são conhecidos como associações OB. As estrelas nesses grupos não estão na sua maioria unidas gravitacionalmente, mas estão se expandindo uma em relação às outras a partir de um centro comum, que presumivelmente marca o seu local de nascimento.

Perto do centro da associação OB do Scorpius, está o aglomerado NGC 6231. Esse grupo de estrelas é gravitacionalmente unido e é muito jovem com uma idade aproximada de 3,5 milhões de anos. O aglomerado também é muito luminoso e a sua radiação e a da estrela ultra luminosa zeta-1 Scorppi (que não aparece nessa imagem, mas está localizado um grau ao sul da imagem) afetando um vasto volume do espaço fazendo com que nuvens negras e empoeiradas ganham vida como nebulosas. Não é nenhuma surpresa encontrar os nomes das associações OB ligadas às regiões mais espetaculares do céu, em Órion, Carina, Cygnus e Pegasus.

A nuvem varrida para trás é moldada pela intensa radiação ultravioleta da associação OB de estrelas muito quentes em NGC 6231, no canto superior direito da imagem. Essa luz ultravioleta energética alimenta o brilho avermelhado do gás hidrogênio que circunda o glóbulo cometário. Estrelas quentes incrustadas na poeira podem ser vistas como nebulosas de reflexão azuladas. Esta torre escura e nebulosas associadas estão a cerca de 5.000 anos-luz de distância da Terra. 

Fonte: NASA

domingo, 18 de agosto de 2024

O modelo do Universo está correto?

Sabemos muitas coisas sobre o nosso Universo, mas os astrônomos continuam debatendo a velocidade exata a que se expande.

© Webb (NGC 3972)

Realmente, ao longo das últimas duas décadas, duas das principais formas de medir este valor, conhecido como a "constante de Hubble", forneceram respostas diferentes, levando alguns a pensar que faltava alguma coisa no nosso modelo de funcionamento do Universo. Mas novas medições efetuadas pelo potente telescópio espacial James Webb parecem sugerir que, afinal, pode não haver um conflito, também conhecido por "tensão de Hubble". 

Os astrônomos mediram a distância de dez galáxias próximas e determinaram um novo valor para o ritmo a que o Universo está se expandindo atualmente. A medição, 70 quilômetros por segundo por megaparsec, sobrepõe-se ao outro grande método para a constante de Hubble. "Com base nestes novos dados do JWST e usando três métodos independentes, não encontramos fortes indícios de uma tensão de Hubble. Pelo contrário, parece que o nosso modelo cosmológico padrão para explicar a evolução do Universo está se mantendo", disse a cosmóloga Wendy Freedman, da Universidade de Chicago

Sabemos que o Universo está se expandindo ao longo do tempo desde 1929, quando Edwin Hubble fez medições de estrelas que indicavam que as galáxias mais distantes estavam se afastando da Terra mais depressa do que as galáxias mais próximas. Mas tem sido surpreendentemente difícil determinar o valor exato desta velocidade a que o Universo está se expandindo atualmente. 

A constante de Hubble, é essencial para compreender a história do Universo. É uma parte fundamental do nosso modelo de como o Universo está evoluindo ao longo do tempo. Dada a importância e também a dificuldade em efetuar estas medições, os cientistas testam-nas com diferentes métodos para se certificarem de que são tão exatas quanto possível. Uma das principais abordagens consiste em estudar a luz remanescente do Big Bang, conhecida como radiação cósmica de fundo em micro-ondas. A melhor estimativa atual da constante de Hubble com este método, que é muito preciso, é de 67,4 quilômetros por segundo por megaparsec. 

O segundo método principal consiste em medir diretamente a expansão das galáxias na nossa vizinhança cósmica local, utilizando estrelas cujo brilho é conhecido. Tal como as luzes dos carros parecem mais fracas quando estão longe, a distâncias cada vez maiores, as estrelas parecem cada vez mais fracas. A medição das distâncias e da velocidade a que as galáxias se afastam de nós indica-nos então a velocidade a que o Universo está se expandindo. 

No passado, as medições com este método forneceram um valor mais elevado para a constante de Hubble, perto de 74 quilômetros por segundo por megaparsec. Esta diferença é suficientemente grande para que alguns cientistas especulem que algo significativo pode estar faltando no modelo padrão da evolução do Universo. Por exemplo, uma vez que um método olha para os primórdios do Universo e o outro olha para a época atual, talvez algo grande tenha mudado no Universo ao longo do tempo. Este aparente desfasamento ficou conhecido como a "tensão de Hubble". 

O telescópio espacial James Webb oferece à humanidade uma nova e poderosa ferramenta para observar as profundezas do espaço. Lançado em 2021, o sucessor do telescópio espacial Hubble tem captado imagens de uma nitidez impressionante, revelado novos aspectos de mundos longínquos e recolhido dados sem precedentes, abrindo novas janelas para o Universo.

Para verificar os resultados, os astrônomos utilizaram três métodos independentes. O primeiro utiliza um tipo de estrela conhecido como estrela variável Cefeida, que varia previsivelmente o seu brilho ao longo do tempo. O segundo método é conhecido como "Ponta do Ramo das Gigantes Vermelhas" e utiliza o fato das estrelas de baixa massa atingirem um limite superior fixo para o seu brilho. O terceiro, e mais recente, emprega um tipo de estrela chamado estrelas de carbono, que têm cores e brilhos consistentes no espectro de luz do infravermelho próximo. 

A nova análise é a primeira a usar os três métodos simultaneamente, dentro das mesmas galáxias. Em todos os casos, os valores estavam dentro da margem de erro do valor dado pelo método da radiação cósmica de fundo em micro-ondas, ou seja, 67,4 quilômetros por segundo por megaparsec. 

As futuras observações com o telescópio espacial James Webb serão fundamentais para confirmar ou refutar a tensão de Hubble e avaliar as implicações para a cosmologia.

Um artigo foi submetido no periódico Astrophysical Journal.

Fonte: University of Chicago

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Gaia detecta possíveis luas ao redor de centenas de asteroides

O observatório estelar Gaia, da ESA, provou mais uma vez também ser um formidável explorador de asteroides, detectando potenciais luas em torno de mais de 350 asteroides que não se sabe terem uma companheira.

© ESA (órbitas de milhares de asteroides)

Esta imagem mostra as órbitas dos mais de 150.000 asteroides da terceira versão de dados do Gaia, desde as partes interiores do Sistema Solar até aos asteroides troianos à distância de Júpiter, com diferentes cores. A bola amarela no centro representa o Sol. O azul representa a parte interior do Sistema Solar, onde se encontram os asteroides próximos da Terra, os que cruzam Marte e os planetas terrestres. O cinturão principal, entre Marte e Júpiter, está em verde. Os troianos de Júpiter estão em vermelho.

Anteriormente, o Gaia tinha explorado asteroides que se sabia terem luas, os chamados "asteroides binários", e confirmado que os sinais reveladores destas pequenas luas aparecem nos dados astrométricos ultraprecisos do telescópio. Mas esta nova descoberta prova que o Gaia também pode efetuar pesquisas "cegas" para descobrir candidatas completamente novas. Se confirmada, esta nova descoberta acrescenta mais 352 candidatos binários ao registro, quase duplicando o número conhecido de asteroides com luas. 

Os asteroides são objetos fascinantes e detêm uma visão única sobre a formação e evolução do Sistema Solar. Os binários são ainda mais excitantes, pois permitem-nos estudar a forma como diferentes corpos se formam, colidem e interagem no espaço. Graças às suas capacidades únicas de estudar todo o céu, o Gaia já fez, desde o seu lançamento em 2013, uma série de importantes descobertas acerca de asteroides. Na sua terceira divulgação de dados, o Gaia identificou com precisão as posições e os movimentos de mais de 150.000 asteroides. O Gaia também recolheu dados sobre a química dos asteroides, compilando a maior coleção de "espectros de refletância" de asteroides (curvas de luz que revelam a cor e a composição de um objeto). 

As mais de 150.000 órbitas determinadas na terceira divulgação dos dados do Gaia foram refinadas e tornadas 20 vezes mais precisas no âmbito da versão FPR ("focused product release") no ano passado. Preveem-se ainda mais órbitas de asteroides no quarto lançamento de dados do Gaia, previsto para meados de 2026.

A ESA vai continuar explorando asteroides binários através da futura missão Hera, cujo lançamento está previsto para o final deste ano. A Hera dará seguimento à missão DART da NASA, que colidiu com Dimorphos, uma lua que orbita o asteroide Didymos, em 2022, como teste de deflexão de asteroides, produzindo um estudo pós-impacto de Dimorphos. Será a primeira sonda a encontrar-se com um sistema binário de asteroides. O Gaia ajudou os astrônomos a ver a sombra lançada por Didymos quando este passou em frente de estrelas mais distantes em 2022, uma técnica de observação conhecida como ocultação estelar. A viabilidade desta técnica foi drasticamente melhorada pelas órbitas de asteroides do Gaia e pelos mapas estelares dos últimos anos, provando o imenso valor da missão para a exploração do Sistema Solar.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: ESA

Como estrelas binárias mudam a sua dança estelar com a idade

Uma pesquisa realizada pelo IAC (Instituto de Astrofísica de Canarias) descobriu que, em sistemas binários, as estrelas que evoluem para gigantes vermelhas alteram a forma como giram com as suas companheiras, tornando as suas órbitas mais circulares.

© Casey Reed (ilustração de um sistema estelar binário)

O resultado foi obtido após o estudo de cerca de 1.000 estrelas oscilantes de tipo solar em sistemas binários, o maior número de objetos deste tipo até à data. Para a sua identificação, foram explorados o terceiro catálogo de dados Gaia (Gaia-DR3) e os catálogos Kepler e TESS da NASA. 

As estrelas binárias, sistemas compostos por duas estrelas ligadas gravitacionalmente, são tesouros para a astrofísica estelar. As duas estrelas do sistema nasceram juntas da mesma nuvem interestelar e, por isso, têm a mesma idade, composição química e distância. Isto significa que podemos derivar as suas propriedades fundamentais, como a massa e a idade, com grande certeza e testar o nosso conhecimento da física estelar. O estudo das interações estrela-estrela em tais sistemas é outro aspecto da astrofísica que nos ajuda a compreender melhor a interação entre os planetas e a sua estrela hospedeira. 

Uma técnica poderosa para estudar as estrelas em tais sistemas é chamada asterossismologia. Tal como utilizamos a sismologia da Terra para compreender melhor a estrutura interna do nosso próprio planeta, a asterossismologia permite-nos inferir a estrutura interna e a dinâmica das estrelas através do estudo das variações periódicas de brilho causadas pelas oscilações estelares. Se um ou ambos os componentes do sistema mostrarem sinais de vibrações ou oscilações estelares, então é possível obter uma imagem abrangente da estrutura e evolução estelares a partir da inferência destas oscilações. Mas encontrar estrelas oscilantes como o nosso Sol, em sistemas binários, tem sido tradicionalmente como procurar uma agulha num palheiro. 

Quando estrelas como o Sol envelhecem, estão sujeitas a mudanças dramáticas. Quando o Sol tiver esgotado o hidrogênio do seu núcleo, transformar-se-á numa estrela gigante vermelha, expandindo as suas camadas exteriores dezenas a centenas de vezes o atual raio solar. Consequentemente, se as estrelas de um sistema binário estiverem suficientemente próximas, estas alterações de tamanho afetarão presumivelmente a dança das duas companheiras estelares, que começarão a interagir através das marés. Ao longo do tempo, as marés reduzem a excentricidade das órbitas de um sistema, tornando-as cada vez mais circulares. 

Usando técnicas asterossísmicas para distinguir entre gigantes vermelhas menos e mais evoluídas, os pesquisadores demonstram que, de fato, as gigantes mais evoluídas encontram-se em órbitas com excentricidades mais baixas. Estes são os efeitos acumulados da interação das marés. 

A equipe está otimista em relação ao lançamento do próximo catálogo de dados Gaia (Gaia DR4) e à futura missão PLATO da ESA. A missão PLATO fornecerá dados para estudar muitas mais estrelas oscilantes, sistemas binários e estrelas que abrigam exoplanetas.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canarias

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

A chave para a rápida formação planetária

Uma equipe de pesquisadores da LMU (Ludwig-Maximilians-Universität München) desenvolveu um novo modelo para explicar a formação de planetas gigantes, como Júpiter, que fornece uma visão mais profunda dos processos de formação e pode expandir a nossa compreensão dos sistemas planetários.

© Thomas Zankl (formação de gigantes gasosos num disco protoplanetário)

O nosso Sistema Solar é a nossa vizinhança cósmica imediata. Ele é constituído pelo Sol no centro; depois os planetas rochosos Mercúrio, Vênus, Terra e Marte; e depois o cinturão de asteroides; seguidos pelos gigantes gasosos Júpiter e Saturno; depois os gigantes gelados Urano e Netuno; e finalmente o cinturão de Kuiper com os seus cometas. 

Mas até que ponto conhecemos realmente o nosso lar? As teorias anteriores partiam do princípio de que os planetas gigantes se formavam por colisão e acumulação de corpos celestes semelhantes a asteroides, os chamados planetesimais, e pela subsequente acreção de gás ao longo de milhões de anos. No entanto, estes modelos não explicam nem a existência de gigantes gasosos localizados longe das suas estrelas, nem a formação de Urano e Netuno. 

No seu novo modelo, os astrofísicos do ORIGINS Excellence Cluster, da LMU e da Sociedade Max Planck consideram, pela primeira vez, todos os processos que são decisivos para a formação dos planetas. Os pesquisadores demonstram como as partículas de poeira de tamanho milimétrico se acumulam aerodinamicamente no disco de gás turbulento e como esta perturbação inicial no disco aprisiona a poeira e a impede de desaparecer na direção da estrela. Esta acumulação torna o crescimento dos planetas muito eficiente, uma vez que, de repente, há muito material disponível numa área compacta e estão reunidas as condições adequadas para a formação planetária. O processo começa de novo, de dentro para fora, e outro planeta gigante pode formar-se. 

No nosso Sistema Solar, os gigantes gasosos Júpiter e Netuno estão situados, respectivamente, a uma distância de cerca de 5 UA (unidades astronômicas) e 30 UA do Sol. Para comparação, a Terra está a cerca de 150 milhões de quilômetros do Sol, o que equivale a 1 UA. 

O estudo mostra que, em outros sistemas planetários, uma perturbação pode desencadear o processo a distâncias muito maiores e ainda assim acontecer muito rapidamente. Tais sistemas têm sido observados frequentemente nos últimos anos pelo ALMA, que encontrou gigantes gasosos em discos jovens a uma distância superior a 200 UA. No entanto, o modelo também explica porque é que o nosso Sistema Solar aparentemente deixou de formar planetas adicionais depois de Netuno: o material de construção simplesmente se esgotou. 

Os resultados do estudo coincidem com observações de sistemas planetários jovens que têm subestruturas pronunciadas nos seus discos. Estas subestruturas desempenham um papel decisivo na formação dos planetas. O estudo indica que a formação de planetas gigantes e gigantes gasosos se processa com maior eficiência e rapidez do que se supunha anteriormente. Estes novos conhecimentos poderão refinar a nossa compreensão da origem e desenvolvimento dos planetas gigantes do nosso Sistema Solar e explicar a diversidade dos sistemas planetários observados.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Max Planck Institute for Solar System Research

Pistas sobre a origem cósmica dos magnetares

Uma equipe internacional de astrônomos utilizou um poderoso conjunto de radiotelescópios para obter novas informações acerca de um magnetar com apenas algumas centenas de anos.

© NRAO (ilustração de um magnetar)

Ao captar medições precisas da posição e velocidade do objeto, obtiveram novas pistas do seu percurso de desenvolvimento. 

Quando uma estrela de massa relativamente elevada entra em colapso no fim da sua vida e explode como supernova, pode deixar para trás uma estrela superdensa chamada estrela de nêutrons. Forças extremas durante a sua formação fazem frequentemente com que as estrelas de nêutrons girem muito depressa, emitindo feixes de luz como um farol. Quando esse feixe está alinhado de forma a ser visível da Terra, a estrela é também chamada pulsar. E, quando uma estrela de nêutrons se forma com uma rotação rápida como um pulsar e um campo magnético milhares de vezes mais forte do que uma estrela de nêutrons típica, é-lhe dada a designação de magnetar. 

Estas estrelas têm aproximadamente o dobro da massa do nosso Sol num tamanho físico da ordem de dezenas de quilômetros. Apesar de existirem muitas semelhanças entre as estrelas de nêutrons, os pulsares e os magnetares, os astrônomos ainda estão intrigados quanto às condições que levam estas estrelas extremas a evoluir para percursos tão distintos. 

Agora, uma equipe de astrônomos liderada por Hao Ding do Observatório Mizusawa VLBI do NAOJ (National Astronomical Observatory of Japan), utilizou o VLBA (Very Long Baseline Array) do NRAO (National Radio Astronomy Observatory) para determinar as características fundamentais de um magnetar recém-descoberto com níveis de precisão sem precedentes.

Atualmente, conhecem-se 30 magnetares, mas apenas 8 deles são suficientemente semelhantes para serem relevantes para este estudo. O VLBA foi utilizado durante um período de 3 anos para recolher dados sobre a posição e sobre a velocidade do magnetar Swift J1818.0-1607, que foi descoberto no início de 2020. Pensa-se que Swift J1818.0-1607 seja o mais jovem descoberto até à data e é o magnetar de rotação mais rápida, completando uma em apenas 1,36 segundos.

O Swift J1818.0-1607 está localizado na direção da constelação de Sagitário. Situado do outro lado do bojo galáctico central, dentro da Via Láctea, e a apenas 22.000 anos-luz de distância, está relativamente próximo da Terra. Perto o suficiente para utilizar o método da paralaxe para determinar com precisão a sua localização tridimensional dentro da Galáxia. O método de paralaxe calcula a distância usando a mudança aparente na posição de um objeto em relação a objetos de fundo conhecidos e distantes. 

O tempo de vida de um magnetar é ainda desconhecido, mas os estima-se que o Swift J1818.0-1607 tenha apenas algumas centenas de anos. As brilhantes emissões de raios X de um magnetar necessitam de um mecanismo de fluxo energético extremamente elevado; apenas o rápido decaimento do seu intenso campo magnético pode explicar o poder por detrás destas assinaturas espectrais. Mas este é também um processo extremo. Para as estrelas comuns na sequência principal, as estrelas azuis brilhantes têm vidas muito curtas porque gastam o seu combustível muito mais depressa do que as suas irmãs amarelas. A física é diferente para os magnetares, mas é provável que eles também tenham vidas mais curtas do que os seus parentes pulsares.

Além disso, os magnetares também podem apresentar emissões na extremidade inferior do espectro eletromagnético, em comprimentos de onda de rádio. Para estas emissões, a radiação síncrotron proveniente da rotação rápida do magnetar é provavelmente a fonte de energia. Na radiação de síncrotron, o plasma que rodeia a estrela de nêutrons está tão ligado à superfície da estrela que gira a uma velocidade muito próxima da velocidade da luz, gerando emissões em comprimentos de onda de rádio. 

A velocidade em astronomia é mais facilmente descrita como tendo dois componentes, ou direções. A sua velocidade radial descreve a rapidez com que se move ao longo da linha de visão, o que neste caso significa ao longo do raio da Galáxia. Para um magnetar como Swift J1818.0-1607, localizado do outro lado do bojo central, há demasiado material no caminho para determinar com precisão a velocidade radial. A velocidade transversal, por vezes chamada velocidade peculiar, descreve o movimento perpendicular ao plano da Galáxia, e é mais facilmente discernível. 

À medida que os astrônomos tentam compreender os processos de formação que são comuns e os que são diferentes entre estrelas de nêutrons, pulsares e magnetares, esperam usar medições precisas da velocidade transversal para ajudar a analisar as condições que fazem com que uma estrela evolua por um destes três percursos.

Este estudo reforça a teoria de que é improvável que os magnetares se formem nas mesmas condições que os jovens pulsares, sugerindo assim que os magnetares surgem sob processos de formação mais exóticos.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: National Radio Astronomy Observatory