quinta-feira, 11 de março de 2021

Resolvido o mistério do escurecimento de estrela monstruosa

No ano passado, os astrônomos ficaram intrigados quando Betelgeuse, a brilhante estrela supergigante vermelha na constelação de Órion, desvaneceu dramaticamente, mas depois recuperou.

© Hubble (material expelido pela hipergigante VY Canis Majoris)

A diminuição de brilho durou semanas. Agora, os astrônomos voltaram as suas atenções para uma estrela monstruosa na constelação adjacente de Cão Maior. A hipergigante vermelha VY Canis Majoris, que é muito maior, mais massiva e mais violenta do que Betelgeuse, passa por períodos muito mais longos e tênues que duram anos. 

Novas descobertas do telescópio espacial Hubble sugerem que os mesmos processos que ocorreram em Betelgeuse estão acontecendo nesta hipergigante, mas a uma escala muito maior. 

Para Betelgeuse, o escurecimento correspondeu a um fluxo de gás que pode ter formado poeira, o que obstruiu brevemente parte da luz de Betelgeuse a partir do nosso ponto de vista, criando o efeito de escurecimento. Em VY Canis Majoris vemos algo semelhante, mas a uma escala muito maior. Ejeções massivas de material que correspondem ao seu desvanecimento muito profundo, o que é provavelmente devido à poeira que bloqueia temporariamente a luz da estrela.

A enorme hipergigante vermelha é 300.000 vezes mais brilhante do que o nosso Sol. Se substituíssemos o Sol no nosso próprio Sistema Solar, este monstro inchado estender-se-ia por quase um bilhão de quilômetros, até entre as órbitas de Júpiter e Saturno.

Arcos colossais de plasma rodeiam a estrela a distâncias milhares de vezes superiores à distância Terra-Sol. Estes arcos parecem-se com as proeminências solares do nosso Sol, apenas numa escala muito maior. Além disso, não estão fisicamente ligadas à estrela, mas, ao invés, podem ter sido expelidas e estão se afastando.

Algumas das outras estruturas próximas da estrela ainda são relativamente compactas, parecendo pequenos nós e características nebulosas. Em trabalhos anteriores foi determinado quando estas grandes estruturas foram expulsas da estrela. Foram descobertas datas que variam ao longo das últimas centenas de anos, algumas apenas nos últimos 100 a 200 anos. 

Agora, num novo trabalho com o telescópio espacial Hubble, os pesquisadores resolveram características muito mais próximas da estrela, que podem ter menos de um século. Foram determinadas as velocidades e os movimentos de nós próximos de gás quente e outras características. Notavelmente, muitos destes nós estão ligados a episódios múltiplos nos séculos XIX e XX quando VY Canis Majoris desvaneceu para um-sexto do seu brilho normal.

Ao contrário de Betelgeuse, VY Canis Majoris é agora demasiado tênue para ser vista a olho nu. A estrela já foi visível à vista desarmada, mas escureceu tanto que agora só pode ser observada com telescópios. A hipergigante perde 100 vezes mais massa do que Betelgeuse. A massa em alguns dos nós é mais do que o dobro da massa de Júpiter. Este aspecto pode até ser o principal mecanismo responsável pela perda de massa, o que sempre foi um mistério para as supergigantes vermelhas.

Embora outras supergigantes vermelhas sejam comparativamente brilhantes e liberem muita poeira, nenhuma delas é tão complexa quanto VY Canis Majoris. Ela pode estar num estágio evolutivo único que a separa das outras estrelas. Está provavelmente assim tão ativa por um período muito curto, talvez apenas alguns milhares de anos. 

A estrela começou a sua vida como uma supergigante azul, brilhante e superquente, talvez com 35 a 40 vezes a massa do nosso Sol. Depois de alguns milhões de anos, à medida que o ritmo de fusão do hidrogênio no seu núcleo mudava, a estrela inchou até se tornar numa supergigante vermelha. Talvez o que torna VY Canis Majoris tão especial, tão extrema, com este material ejetado muito complexo, seja o fato de ser uma supergigante vermelha de segundo estágio. VY Canis Majoris pode já ter perdido metade da sua massa. Em vez de explodir como uma supernova, poderá simplesmente colapsar diretamente para um buraco negro. 

As descobertas foram publicadas no periódico The Astronomical Journal.

Fonte: ESA

terça-feira, 9 de março de 2021

Descoberta uma super-Terra que pode possuir atmosfera

Ao longo dos últimos 25 anos, fora descobertos uma grande variedade de exoplanetas, compostos por rocha, gelo e gás, graças à construção de instrumentos astronômicos projetados especificamente para a caça de planetas.

© RendrerArea (ilustração da superfície do exoplaneta Gliese 486b)

Além disso, usando uma combinação de diferentes técnicas de observação, foram capazes de determinar um grande número de massas, tamanhos e, portanto, densidades dos planetas, o que os ajuda a estimar a sua composição interna e a elevar o número de planetas que foram descobertos para além do Sistema Solar.

No entanto, o estudo das atmosferas dos planetas rochosos, que por sua vez permitiria caracterizar completamente aqueles exoplanetas semelhantes à Terra, é extremamente difícil com os instrumentos atualmente disponíveis. Por isso, os modelos atmosféricos para planetas rochosos ainda não foram testados. 

Os astrônomos descobriram uma super-Terra quente com auxílio  do telescópio Carlos Sánchez de 1,52 metros no Observatório de Teide. O exoplaneta está em órbita de uma anã vermelha próxima, Gliese 486, a apenas 26 anos-luz do Sol. Para tal, os cientistas usaram as técnicas combinadas de fotometria de trânsito e espectroscopia de velocidade radial.

O exoplaneta, chamado Gliese 486b, tem uma massa 2,8 vezes a da Terra e é apenas 30% maior. Calculando a sua densidade média a partir das medições da sua massa e raio, foi inferida que a sua composição é parecida à de Vênus ou da Terra, que possuem núcleos metálicos no seu interior. 

O Gliese 486b orbita a sua estrela hospedeira num percurso circular a cada 1,5 dias, a uma distância de 2,5 milhões de quilômetros. Apesar de estar tão perto da sua estrela, o planeta provavelmente conservou parte da sua atmosfera original (a estrela é muito menos quente do que o nosso Sol), de modo que é um bom candidato para ser observado em mais detalhe com a próxima geração de telescópios espaciais e terrestres, o iminente telescópio espacial James Webb e o ELT (Extremely Large Telescope), atualmente em construção.

O Gliese 486b leva o mesmo tempo para completar uma rotação sob si próprio do que para completar uma órbita à volta da sua estrela progenitora, de modo que tem sempre o mesmo lado voltado para a estrela. Embora Gliese 486 seja muito mais fraca e fria que o Sol, a radiação é tão intensa que a superfície do planeta aquece até pelo menos  430º C. Por isso, a superfície de Gliese 486b é provavelmente mais parecida com a superfície de Vênus do que a da Terra, com uma paisagem quente e seca, com rios ardentes de lava. 

No entanto, ao contrário de Vênus, Gliese 486b pode ter uma atmosfera fina. Os cálculos feitos com modelos existentes de atmosferas planetárias podem ser consistentes com cenários de superfície quente e atmosfera fina porque a irradiação estelar tende a evaporar a atmosfera, enquanto a gravidade do planeta tende a retê-la. 

Futuras observações tentarão determinar a sua inclinação orbital, o que torna possível que Gliese 486 atravessa a linha de visão entre nós e a superfície da estrela, ocultando parte da sua luz, e produzindo trânsitos. Será possível também fazer medições espectroscópicas, usando "espectroscopia de emissão", quando as áreas do hemisfério iluminado pela estrela forem visíveis como fases do planeta (análogas às fases da nossa Lua), durante as órbitas de Gliese 486b, antes de desaparecer por trás da estrela.

Os resultados deste estudo foram publicados na revista Science.

Fonte: Max Planck Institute for Astronomy

segunda-feira, 8 de março de 2021

Descoberto quasar mais distante com poderosas emissões rádio

Com a ajuda do Very Large Telescope (VLT) do ESO, os astrônomos descobriram e estudaram em detalhes a fonte de emissão rádio mais distante conhecida até hoje, um quasar com forte emissão rádio (um objeto brilhante com jatos poderosos que emitem nos comprimentos de onda do rádio) tão distante que a sua luz demorou 13 bilhões de anos para chegar até nós.

© ESO/M. Kornmesser (ilustração do quasar P172+18)

A descoberta pode fornecer pistas importantes para ajudar os astrônomos a entender o Universo primordial. Os quasares são objetos muito brilhantes que se encontram no centro de algumas galáxias e que são alimentados por buracos negros supermassivos. À medida que consomem o gás que os rodeia, os buracos negros liberam energia, permitindo assim aos astrônomos detectá-los, mesmo quando se encontram muito distantes.

O quasar recém-descoberto, P172+18, está tão distante que a luz dele viajou por cerca de 13 bilhões de anos para chegar até nós, ou seja, nós o vemos como era quando o Universo tinha cerca de 780 milhões de anos. 

Embora quasares mais distantes tenham sido descobertos, esta é a primeira vez que os astrônomos foram capazes de identificar as assinaturas reveladoras de jatos de rádio em um quasar no início da história do Universo.

Apenas cerca de 10% dos quasares, os que emitem fortemente no rádio, têm jatos que brilham intensamente nas frequências rádio. As ondas de rádio usadas na astronomia têm frequências entre cerca de 300 MHz e 300 GHz. 

O P172+18 é alimentado por um buraco negro com cerca de 300 milhões de vezes a massa do nosso Sol, que consome gás a uma taxa extraordinária. “O buraco negro está devorando matéria muito rapidamente, crescendo em massa a uma das taxas mais altas já observadas,” explica a astrônoma Chiara Mazzucchelli, bolsista do ESO no Chile, que liderou a descoberta junto com Eduardo Bañados do Instituto Max Planck de Astronomia, na Alemanha.

Os astrônomos pensam que existe uma ligação entre o rápido crescimento de buracos negros supermassivos e os poderosos jatos de rádio detectados em quasares como o P172+18. Acredita-se que os jatos sejam capazes de perturbar o gás ao redor do buraco negro, aumentando a taxa à qual o gás é capturado. Portanto, o estudo de quasares com forte emissão rádio pode nos fornecer pistas importantes sobre como é que os buracos negros no Universo primordial cresceram tão rapidamente para tamanhos supermassivos após o Big Bang.

O P172+18 foi inicialmente reconhecido como um quasar distante, após ter sido previamente identificado como uma fonte de rádio, no telescópio Magalhães no Observatório Las Campanas no Chile por Bañados e Mazzucchelli. “Assim que obtivemos os dados, fizemos uma inspeção visual e soubemos imediatamente que havíamos descoberto o quasar de alta potência mais distante que se conhecia até agora,” disse Bañados.

No entanto, devido ao curto tempo de observação, a equipe não conseguiu obter dados suficientes para estudar o objeto com detalhe. Seguiram-se assim uma quantidade de observações obtidas com outros telescópios, incluindo o instrumento X-shooter montado no VLT do ESO, que permitiram investigar melhor as características do quasar, incluindo a determinação de propriedades-chave, como a massa do buraco negro e quão rápido ele está consumindo a matéria que o circunda.

Outros telescópios que contribuíram para este estudo incluem o Very Large Array do Observatório Nacional de Radioastronomia e o telescópio Keck, nos EUA. Observações obtidas com infraestruturas como o ALMA e com o futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO poderão ajudar a descobrir e estudar mais destes objetos primitivos do Universo em detalhes. 

Esta pesquisa foi apresentada num artigo intitulado “The discovery of a highly accreting, radio-loud quasar at z=6.82” publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: ESO

sábado, 6 de março de 2021

Átomo extinto revela os segredos há muito guardados do Sistema Solar

Usando o átomo extinto de nióbio-92, pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurique) foram capazes de datar eventos no início do Sistema Solar com maior precisão do que antes.

© Makiko K. Haba (átomo instável nióbio-92 no início do Sistema Solar)

O estudo conclui que as explosões de supernovas devem ter ocorrido no ambiente natal do nosso Sol. Se um átomo de um elemento químico tiver um excedente de prótons ou nêutrons, torna-se instável. Este libera estas partículas adicionais como radiação gama até que se torne instável novamente. 

Um destes isótopos instáveis é o radionuclídeo nióbio-92 (92Nb). A sua meia-vida de 37 milhões de anos é relativamente curta, de modo que foi extinto logo após a formação do Sistema Solar. Hoje, apenas o seu isótopo filho, zircônio-92 (92Zr), atesta a existência de 92Nb. 

Mesmo assim, os cientistas continuaram a usar o radionuclídeo extinto na forma do "cronômetro" 92Nb-92Zr, com o qual podem datar eventos que ocorreram no início do Sistema Solar, há cerca de 4,57 bilhões de anos. A utilização do "cronômetro" 92Nb-92Zr tem sido limitada até agora, devido a uma falta de informações precisas sobre a quantidade de 92Nb presente durante o nascimento do Sistema Solar.

Isto compromete a sua utilização na datação e na determinação da produção destes radionuclídeos em ambientes estelares. Agora, pesquisadores do ETH Zurique e do Instituto de Tecnologia de Tóquio melhoraram em muito este "cronômetro". Os cientistas alcançaram este avanço por meio de um truque inteligente: recuperaram os raros zircão e minerais de rutilo de meteoritos que eram fragmentos do protoplaneta Vesta. 

Estes minerais são considerados os mais adequados para a determinação do 92Nb, porque fornecem evidências precisas de quão comum ele era durante a formação do meteorito. Então, com a técnica de datação de urânio-chumbo (átomos de urânio que decaem para chumbo), foi calculada a abundância de 92Nb durante a formação do Sistema Solar.

Ao combinar os dois métodos, os pesquisadores conseguiram melhorar consideravelmente a precisão do "cronômetro" 92Nb-92Zr, sendo uma ferramenta poderosa para fornecer idades precisas para a formação e desenvolvimento de asteroides e planetas, eventos que ocorreram nas primeiras dezenas de milhões de anos após a formação do Sistema Solar.

Agora que os pesquisadores sabem com mais precisão quão abundante o 92Nb era no início do nosso Sistema Solar, podem determinar mais eficazmente onde estes átomos foram formados e onde o material que compõe o nosso Sol e os planetas teve origem.

O novo modelo sugere que o Sistema Solar interior, com os planetas terrestres como a Terra e Marte, é amplamente influenciado pelo material ejetado por supernovas do Tipo Ia na nossa Galáxia, a Via Láctea. Em tais explosões estelares, duas estrelas em órbita interagem entre si antes de explodir e liberar material estelar. Em contraste, o Sistema Solar exterior foi alimentado principalmente por uma supernova de colapso de núcleo, provavelmente no berçário estelar onde o nosso Sol nasceu, na qual uma estrela massiva colapsou sobre si própria e explodiu violentamente.

Fonte: Eidgenössische Technische Hochschule Zürich

Estrelas velhas podem servir como nova "régua" cósmica

Apesar de um século de medições, os astrônomos não conseguem concordar no valor da expansão do Universo.

© Martin Pugh (R Leropis)

Uma técnica que se baseia na medição de distâncias a um tipo específico de estrela velha em outras galáxias, chamado método JAGB (J-region Asymptotic Giant Branch), pode ajudar.

A estrela brilhante e alaranjada, R Leropis, visível no centro, é um exemplo de um tipo de estrelas localizada na região-J do ramo assintótico das gigantes. A cor impressionante vem das grandes quantidades de carbono na atmosfera.

A astrofísica e estudante da Universidade de Chicago, Abigail Lee, analisou observações da luz de uma galáxia próxima para validar o método JAGB para medir distâncias cósmicas. Esta nova técnica permitirá futuras medições independentes de distância que podem ajudar a responder a uma das maiores questões pendentes da cosmologia: quão depressa está o Universo se expandindo? 

"Uma das questões mais interessantes da cosmologia hoje é se há uma nova física em falta no nosso entendimento atual de como o Universo está evoluindo. Uma discrepância atual na medição da constante de Hubble pode estar sinalizando uma nova propriedade física do Universo ou incertezas não reconhecidas de medição," disse Wendy L. Freedman, professora de astronomia e astrofísica na mesma universidade. Existem poucos métodos para medir distâncias que podem fornecer a precisão necessária.

Em 1920, Edwin Hubble notou pela primeira vez a relação entre a distância de uma galáxia e quão depressa estava se afastando de nós. Este valor, agora conhecido como constante de Hubble, é um parâmetro chave dos modelos cosmológicos. Hubble primeiro mediu esta constante comparando medições de distâncias galácticas e velocidades derivadas de um tipo específico de estrela que pulsa regularmente. 

As medições, usando métodos diretos como o de Hubble, melhoraram muito ao longo das décadas, mas não concordam com os métodos que extrapolam a partir da radiação cósmica de fundo em micro-ondas, a radiação remanescente do Universo muito primitivo. Esta discordância é chamada de tensão de Hubble e é uma das questões mais proeminentes da cosmologia moderna. 

Um método de medição independente pode ajudar a preencher a lacuna entre os métodos e levar a um valor mais decisivo da constante de Hubble medida diretamente das distâncias. É aqui que entra o método JAGB. As estrelas na região-J do ramo assintótico das gigantes são um tipo específico de gigantes velhas que contêm uma quantidade substancial de carbono nas suas atmosferas e que é trazido para a superfície por correntes de convecção, dando-lhes uma cor e brilho muito distintos que permite que sejam identificadas num determinado conjunto de estrelas numa galáxia.

Foi observado empiricamente que estas estrelas têm um brilho intrínseco conhecido de galáxia para galáxia. Isto torna-as grandes candidatas de velas padrão. Sabendo que o brilho aparente de uma estrela depende tanto da distância ao observador como do seu brilho intrínseco, se for conhecido este brilho intrínseco de uma estrela, é possível inferir a sua distância. 

A equipe selecionou uma galáxia na periferia do grupo galáctico mais próximo, chamada WLM (Wolf–Lundmark–Melotte), e usou dados obtidos de observações com os telescópios Magellan no Observatório Las Campanas no Chile. 

Usando um único objeto como alvo e aplicando quatro métodos diferentes e independentes de medição, a equipe pôde comparar a exatidão e a precisão do método JAGB com os métodos estabelecidos anteriormente. Depois de analisarem dados de quatro maneiras diferentes, as pesquisadoras determinaram que o método JAGB não é apenas uma verificação independente de outros métodos de medição de distâncias, mas que requer menos tempo de observação. 

Considerando que as estrelas JAGB são mais brilhantes do que as estrelas usadas em outras medições de distância, também podem ser observadas mais longe, o que permitirá calibrações mais distantes do que é possível com os outros métodos. Além disso, as estrelas JAGB podem ser encontradas em todos os tipos de galáxias, ao contrário das estrelas pulsantes usadas por Edwin Hubble, que se encontram apenas no subconjunto mais limitado de galáxias espirais e sofrem frequentemente de aglomeração e interferência significativa da poeira.

"Idealmente, vamos obter tempo de observação com o telescópio espacial James Webb e com o telescópio espacial Hubble para usar este método e medir distâncias a galáxias que hospedam supernovas do Tipo Ia," disse Lee. 

As supernovas do Tipo Ia são usadas para medir galáxias mais distantes, mas precisam de ser calibradas por medições de distâncias inferiores usando técnicas como o método JAGB. "Assim que fizermos isto, podemos não apenas medir a constante de Hubble, mas também comparar estes vários métodos de distância para ver se há problemas com algum deles." 

Se este novo valor independente para a constante de Hubble concordar com outros métodos de medição direta ou com medições do Universo inicial, irá lançar luz sobre esta questão que há muito intriga os astrônomos e cosmólogos.

"Não temos uma compreensão firme do valor da constante de Hubble, de modo que este trabalho é realmente importante para ajudar a resolver, de momento, aquilo que é um dos maiores problemas da cosmologia," conclui Lee.

Fonte: University of Chicago

quarta-feira, 3 de março de 2021

Os buracos negros supermassivos são formados de matéria escura?

Um novo estudo teórico propôs um curioso mecanismo para a criação de buracos negros supermassivos a partir de matéria escura.

© ESO/L. Calçada (galáxia espiral num halo de matéria escura)

A equipe internacional descobriu que, em vez dos cenários de formação convencionais envolvendo matéria "normal", os buracos negros supermassivos poderiam ao invés formar-se diretamente a partir de matéria escura em regiões de alta densidade no centro das galáxias.

O resultado tem implicações importantes para a cosmologia no início do Universo. Exatamente como os buracos negros supermassivos se formaram inicialmente é um dos maiores problemas de hoje no estudo da evolução galáctica. Os buracos negros supermassivos foram observados 800 milhões de anos após o Big Bang, e permanece inexplicável como podem ter crescido tão depressa.

Os modelos de formação padrão envolvem matéria bariônica normal, ou seja, os átomos e os elementos que compõem as estrelas, planetas e todos os objetos visíveis, colapsando sob a gravidade para formar buracos negros, que então crescem com o tempo.

No entanto, o novo trabalho investiga a existência potencial de núcleos galácticos estáveis feitos de matéria escura e rodeados por um halo de matéria escura diluída, descobrindo que os centros destas estruturas podem tornar-se tão concentrados que também podem colapsar em buracos negros supermassivos, assim que é atingido um limite crítico. 

De acordo com o modelo, isto poderia ter acontecido muito mais depressa do que outros mecanismos de formação propostos e teria permitido que os buracos negros supermassivos no início do Universo se formassem antes das galáxias que habitam, ao contrário da compreensão atual. 

Carlos R. Argüelles, o pesquiador da Universidade Nacional de La Plata e do ICRANet (International Center for Relativistic Astrophysics Network) que liderou a pesquisa, comenta: "Este novo cenário de formação pode fornecer uma explicação natural para como os buracos negros supermassivos se formaram no início do Universo, sem exigir a formação prévia de estrelas ou a necessidade de invocar 'sementes' de buracos negros com ritmos de acreção irrealistas." 

Outra consequência intrigante do novo modelo é que a massa crítica para o colapso num buraco negro pode não ser alcançada para halos menores de matéria escura, por exemplo aqueles que rodeiam algumas galáxias anãs. Os autores sugerem que isso pode deixar as galáxias anãs menores com um núcleo central de matéria escura em vez do esperado buraco negro. Este núcleo de matéria escura ainda poderia imitar as assinaturas gravitacionais de um buraco negro central convencional, enquanto o halo externo de matéria escura também poderia explicar as curvas de rotação observadas da galáxia.

"Este modelo mostra como os halos de matéria escura podem abrigar densas concentrações nos seus centros, o que pode desempenhar um papel crucial para ajudar a entender a formação de buracos negros supermassivos," acrescentou Carlos. 

Isto prova pela primeira vez que estas distribuições de matéria escura de núcleo-halo podem, realmente, se formar numa estrutura cosmológica e permanecer estáveis por toda a vida do Universo.

Os autores esperam que mais estudos esclareçam a formação de buracos negros supermassivos nos primeiros dias do nosso Universo, bem como investiguem se os centros de galáxias não ativas, incluindo a Via Láctea, podem hospedar estes densos núcleos de matéria escura.

O resultado foi publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Royal Astronomical Society

terça-feira, 2 de março de 2021

Descoberto o maior aglomerado de galáxias do Universo primitivo

Um estudo, liderado por pesquisadores do IAC (Instituto de Astrofísica de Canarias) e realizado com o OSIRIS, um instrumento acoplado ao GTC (Gran Telescopio Canarias), descobriu o aglomerado de galáxias em formação mais densamente povoado do Universo primitivo.

© NASA/ESA/IAC (aglomerado de galáxias em formação)

Os círculos indicam os novos membros descobertos com o GTC; 4 deles são mostrados em detalhe.

Os pesquisadores preveem que esta estrutura, que fica a 12,5 bilhões de anos-luz, terá evoluído para se tornar um aglomerado semelhante ao de Virgem, vizinho do Grupo Local de galáxias ao qual pertence a Via Láctea. 

Os aglomerados de galáxias são grupos de galáxias que permanecem juntas devido à ação da gravidade. Para entender a evolução destes agrupamentos de galáxias, os cientistas procuram estruturas em formação, os chamados protoaglomerados galácticos, no início do Universo. 

Em 2012, astrônomos fizeram uma determinação precisa da distância da galáxia HDF850.1, conhecida como uma das galáxias com o maior ritmo de formação estelar no Universo observável. Para sua surpresa, os cientistas também descobriram que esta galáxia, que fica numa das regiões mais estudadas do céu conhecida como HDF/GOODS-North, faz parte de um grupo de mais ou menos uma dúzia de protogaláxias que se formaram durante os primeiros bilhões de anos da história cósmica. 

Antes da sua descoberta, apenas era conhecido um outro grupo primordial semelhante. Agora, graças a uma nova pesquisa com o instrumento OSIRIS do GTC, a equipe mostrou que é uma das regiões mais densamente povoadas de galáxias no Universo primitivo e, pela primeira vez, realizaram um estudo detalhado das propriedades físicas deste sistema.

Surpreendentemente, descobrimos que todos os membros do aglomerado estudado até agora, cerca de duas dúzias, são galáxias com formação estelar normal, e que a galáxia central parece dominar a produção de estrelas nesta estrutura. 

Este estudo recente mostra que este aglomerado de galáxias em formação é formado por vários componentes, ou "zonas" com diferenças em termos de evolução. Os astrônomos preveem que esta estrutura mudará gradualmente até se tornar um aglomerado de galáxias semelhante ao de Virgem, a região central do superaglomerado com o mesmo nome onde está situado o Grupo Local de galáxias ao qual a Via Láctea pertence.

A distância medida a estas fontes estudadas concorda perfeitamente com as previsões baseadas em observações fotométricas feitas anteriormente no GTC por Pablo Arrabal Haro, ex-aluno de doutoramento no IAC, orientado por José Miguel Rodríguez Espinosa, pesquisador do IAC e secretário-geral adjunto da União Astronômica Internacional. Arrabal desenvolveu um método para selecionar galáxias com ritmos normais de formação estelar, baseado no levantamento fotométrico SHARDS (Survey for High-z Absorption Red and Dead Sources), um Grande Programa do ESO realizado no GTC.

O estudo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canarias

sábado, 27 de fevereiro de 2021

A Via Láctea pode estar repleta de planetas parecidos com a Terra

De acordo com um novo estudo da Universidade de Copenhague, a Terra, Vênus e Marte foram formados a partir de pequenas partículas de poeira contendo gelo e carbono.

© STScI/G. Bacon (ilustração de inúmeros planetas parecidos com a Terra na Via Láctea)

A descoberta abre a possibilidade de que a Via Láctea está repleta de planetas aquáticos. Os astrônomos há muito tempo que olham para o vasto Universo na esperança de descobrir civilizações alienígenas. Mas para um planeta ter vida como a conhecemos, a água líquida tem que estar presente. 

As chances de se descobrir um tal cenário pareciam impossíveis de calcular porque a suposição tem sido a de que os planetas como a Terra obtêm a sua água por acaso, quando asteroides grandes e gelados atingem o planeta. 

Agora, pesquisadores do Instituto GLOBE da Universidade de Copenhague divulgaram um estudo revelador, indicando que a água pode estar presente durante a própria formação de um planeta. Segundo os cálculos do estudo, isto é verdade para a Terra, Vênus e Marte.

"Todos os nossos dados sugerem que a água fez parte dos blocos de construção da Terra desde o início. E como a molécula de água ocorre com frequência, há uma probabilidade razoável de que se aplique a todos os planetas na Via Láctea. O ponto decisivo para saber se a água líquida está presente é a distância do planeta à sua estrela," diz o professor Anders Johansen, do Centro para Formação Estelar e Planetária. 

Será que todos os planetas são formados por gelo? Usando um modelo de computador, Anders Johansen e a sua equipe calcularam a rapidez com que os planetas são formados, e a partir de quais blocos de construção. O estudo indica que foram as partículas milimétricas de poeira de gelo e carbono, que orbitam em torno de todas as estrelas jovens da Via Láctea, que há 4,5 bilhões de anos atrás se acumularam na formação do que mais tarde se tornaria a Terra.

 Até ao ponto em que a proto-Terra tinha 1% da sua massa atual, o nosso planeta cresceu capturando massas de seixos repletos de gelo e carbono. A Terra então cresceu cada vez mais depressa até que, após cinco milhões de anos, se tornou tão grande quanto a conhecemos hoje. Ao longo do caminho, a temperatura à superfície subiu drasticamente, fazendo com que o gelo nos seixos evaporasse no caminho para a superfície, de modo que hoje apenas 0,1% do planeta é constituído por água, embora 70% da superfície da Terra esteja coberta por água. 

A teoria, chamada "acreção de seixos", diz que os planetas são formados por seixos que se aglomeram e que os planetas ficam cada vez maiores. A molécula de água pode ser encontrada em toda a nossa Galáxia e que a teoria, portanto, abre a possibilidade de que outros planetas possam ter sido formados da mesma forma que a Terra, Marte e Vênus.

Todos os planetas na Via Láctea podem ter sido formados pelos mesmos blocos de construção, o que significa que planetas com a mesma quantidade de água e carbono que a Terra ocorrem frequentemente em torno de outras estrelas da nossa Galáxia, desde que a temperatura seja a ideal. 

Caso planetas na Via Láctea tenham os mesmos blocos de construção e as mesmas condições de temperatura que a Terra, também podem haver boas probabilidades de que tenham a mesma quantidade de água e continentes que o nosso planeta. 

Com este modelo, todos os planetas recebem a mesma quantidade de água, e isso sugere que outros planetas podem ter não apenas a mesma quantidade de água e oceanos, mas também a mesma quantidade de continentes como aqui na Terra. Se, por outro lado, a quantidade de água nos planetas fosse aleatória, os planetas poderiam ser muito diferentes. Alguns planetas seriam demasiado secos para desenvolver vida, enquanto outros estariam completamente cobertos por água.

Os novos telescópios são poderosos para buscar exoplanetas, pois usam espectroscopia, o que significa que ao observar o tipo de luz que está sendo absorvida durante a passagem do planeta em frente da sua estrela, é possível ver quanto vapor de água existe. Pode informar mais sobre o número de oceanos neste planeta.

O estudo publicado na revista Science Advances.

Fonte: University of Copenhagen

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Estrela de nêutrons reclusa pode ter sido encontrada em supernova

Desde que os astrônomos captaram a explosão brilhante de uma estrela no dia 24 de fevereiro de 1987, que os pesquisadores têm procurado o núcleo estelar esmagado que deveria ter sido deixado para trás.

© Chandra/NuSTAR (estrutura no centro da SN 1987A)

Um grupo de astrônomos, usando dados de missões espaciais da NASA e telescópios terrestres, pode finalmente tê-lo encontrado. Como a primeira supernova visível a olho nu em aproximadamente 400 anos, a supernova 1987A (SN 1987A) gerou grande entusiasmo entre os cientistas e rapidamente se tornou um dos objetos mais estudados do céu.

A supernova está localizada na Grande Nuvem de Magalhães, uma pequena galáxia companheira da Via Láctea, a apenas 170.000 anos-luz da Terra. Enquanto os astrônomos assistiam à explosão de detritos para fora do local de detonação, também procuravam o que deveria ter permanecido do núcleo da estrela: uma estrela de nêutrons.

Dados do observatório de raios X Chandra da NASA e dados anteriormente não publicados do NuSTAR (Nuclear Spectroscopic Telescope Array) da NASA, em combinação com dados do ALMA (Atacama Large Millimeter Array) relatados no ano passado, agora apresentam uma coleção intrigante de evidências para a presença da estrela de nêutrons no centro da SN 1987A.

Quando uma estrela explode, colapsa sobre si própria antes que as camadas externas sejam lançadas para o espaço. A compressão do núcleo torna-o um objeto extraordinariamente denso, com a massa do Sol comprimida num objeto com aproximadamente 16 km de diâmetro. 

Estes objetos foram apelidados de estrelas de nêutrons, porque são compostos quase exclusivamente por nêutrons densamente compactados. São laboratórios de física extrema que não podem ser replicados aqui na Terra. As estrelas de nêutrons com rápida rotação e altamente magnetizadas, chamadas pulsares, produzem um feixe de radiação semelhante a um farol que são detectados como pulsos quando a sua rotação varre o feixe pelo céu. 

Existe um subconjunto de pulsares que produzem ventos das suas superfícies, às vezes quase à velocidade da luz, e que criam estruturas intricadas de partículas carregadas e campos magnéticos conhecidos como "nebulosas de vento pulsar".

Com o Chandra e o NuSTAR, a equipe encontrou raios X de energia relativamente baixa dos detritos de SN 1987A colidindo com o material circundante. Foi também encontrado evidências de partículas altamente energéticas usando a capacidade do NuSTAR em detectar raios X mais energéticos. Existem duas explicações prováveis para esta emissão energética de raios X: ou uma nebulosa de vento de pulsar ou partículas sendo aceleradas a altas energias pela onda de choque da explosão. O último efeito não requer a presença de um pulsar e ocorre a distâncias muito maiores do centro da explosão. 

O estudo mais recente de raios X apoia o caso da nebulosa de vento de pulsar, o que significa que a estrela de nêutrons deve estar lá. Primeiro, o brilho dos raios X mais energéticos permaneceu quase o mesmo entre 2012 e 2014, enquanto a emissão de rádio detectada com o ATCA (Australia Telescope Compact Array) aumentou. Isto vai contra as expetativas para o cenário de onda de choque.

Em seguida, estima-se que levaria quase 400 anos para acelerar os elétrons até às energias mais altas vistas nos dados do NuSTAR, período de tempo mais de 10 vezes superior à idade do remanescente.

Será que ainda não passou tempo suficiente para a formação de um pulsar, ou mesmo se a SN 1987A criou um buraco negro? 

Os dados do Chandra e do NuSTAR também apoiam um resultado de 2020 do ALMA que forneceu possíveis evidências para a estrutura de uma nebulosa de vento de pulsar na faixa de comprimentos de onda milimétricos. Embora esta "bolha" tenha outras potenciais explicações, a sua identificação como uma nebulosa de vento de pulsar poderia ser comprovada com os novos dados de raios X. Esta é mais uma evidência que apoia a ideia de que existe uma estrela de nêutrons deixada para trás. Se isto for realmente um pulsar no centro de SN 1987A, será o mais jovem já encontrado. 

O centro da SN 1987A está rodeado por gás e poeira. Os pesquisadores usaram simulações de última geração para entender como este material absorveria os raios X em diferentes energias, permitindo uma interpretação mais precisa do espectro de raios X, ou seja, a quantidade de raios X em diferentes energias. Isto permite-lhes estimar o aspeto do espectro das regiões centrais de SN 1987A sem o material obscurante. 

Como geralmente acontece, são necessários mais dados para fortalecer o caso da nebulosa de vento de pulsar. Um aumento nas ondas de rádio, acompanhado por um aumento nos raios X altamente energéticos em observações futuras seria um argumento contra esta ideia.

Por outro lado, se os astrônomos observarem uma diminuição nos raios X altamente energéticos, então a presença de uma nebulosa de vento de pulsar será corroborada. Os fragmentos estelares ao redor do pulsar desempenham uma função importante, absorvendo fortemente a sua emissão de raios X de baixa energia, tornando-os atualmente indetectáveis.

O modelo prevê que este material se disperse nos próximos anos, o que reduzirá o seu poder de absorção. Assim, a emissão do pulsar deverá surgir daqui a mais ou menos 10 anos, revelando a existência da estrela de nêutrons. 

Um artigo que descreve estes resultados foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Cygnus X-1 é mais massivo do que se pensava

Novas observações do primeiro buraco negro já detectado levaram os astrônomos a questionar o que sabem sobre os objetos mais misteriosos do Universo.

© ICRAR (ilustração do sistema Cygnus X-1)

A pesquisa mostra que o sistema conhecido como Cygnus X-1 contém o buraco negro de massa estelar mais massivo já detectado sem a utilização de ondas gravitacionais. 

Cygnus X-1 é um dos buracos negros mais próximos da Terra. Foi descoberto em 1964, quando um par de contadores Geiger foram transportados a bordo de um foguete suborbital lançado a partir do estado norte-americano do Novo México.

O objeto foi o foco de uma famosa aposta científica entre os físicos Stephen Hawking e Kip Thorne, com Hawking apostando em 1974 que não era um buraco negro. Hawking concedeu a aposta em 1990. 

Neste trabalho mais recente, uma equipe internacional de astrônomos usou o VLBA (Very Long Baseline Array), um radiotelescópio do tamanho de um continente composto por 10 antenas espalhadas pelos EUA, juntamente com uma técnica inteligente para medir distâncias no espaço.

"Se pudermos ver o mesmo objeto de locais diferentes, podemos calcular a sua distância medindo como o objeto parece mover-se em relação ao plano de fundo," disse o professor James Miller-Jones da Universidade Curtin e do ICRAR (International Centre for Radio Astronomy Research). Se colocarmos o dedo à frente dos nossos olhos e o observarmos com um olho de cada vez, vamos notar que o dedo parece saltar de posição em relação ao plano de fundo. É exatamente o mesmo princípio.

Ao longo de seis dias foi observada uma órbita completa do buraco negro e usando observações obtidas do mesmo sistema com a mesma rede de telescópios em 2011. Este método e as novas medições mostram que o sistema está mais longe do que se pensava, com um buraco negro que é significativamente mais massivo. 

As estrelas perdem massa para o ambiente circundante por meio de ventos estelares que sopram da sua superfície. Mas para formar um buraco negro assim tão massivo, é preciso diminuir a quantidade de massa que as estrelas brilhantes perdem durante as suas vidas. 

O buraco negro no sistema Cygnus X-1 começou a sua vida como uma estrela com aproximadamente 60 vezes a massa do Sol e colapsou há dezenas de milhares de anos. Incrivelmente, está orbitando a sua estrela companheira, uma supergigante, a cada cinco dias e meio a apenas um-quinto da distância entre a Terra e o Sol.

Estas novas observações dizem-nos que o buraco negro tem mais de 20 vezes a massa do nosso Sol, um aumento de 50% em relação às estimativas anteriores. Usando as medições atualizadas para a massa do buraco negro e a sua distância da Terra, foi possível confirmar que Cygnus X-1 gira incrivelmente depressa, muito perto da velocidade da luz e mais depressa do que qualquer outro buraco negro encontrado até à data.

A pesquisa foi publicada na revista Science.

Fonte: International Centre for Radio Astronomy Research

Um mapa sem precedentes do campo magnético do Sol

Durante décadas após a sua descoberta, os observadores só podiam ver a cromosfera solar por alguns momentos fugazes: durante um eclipse solar total, quando um brilho vermelho rodeava a silhueta da Lua.


© Luc Viatour (cromosfera durante um eclipse solar)

Mais de cem anos depois, a cromosfera continua a ser a mais misteriosa das camadas atmosféricas do Sol. Situada entre a brilhante superfície e a etérea coroa solar, a atmosfera externa do Sol, a cromosfera é um lugar de mudanças rápidas, onde a temperatura aumenta e os campos magnéticos começam a dominar o comportamento do Sol.

Agora, pela primeira vez, três missões da NASA perscrutaram a atmosfera para enviar medições a várias altitudes do seu campo magnético. As observações, captadas por dois satélites e pela missão CLASP2 (Chromospheric Layer Spectropolarimeter 2), a bordo de um pequeno foguete suborbital, ajudam a revelar como os campos magnéticos à superfície do Sol dão origem às erupções brilhantes na sua atmosfera externa.

Um objetivo principal da heliofísica, a ciência da influência do Sol no espaço, incluindo as atmosferas planetárias, é prever o clima espacial, que geralmente começa no Sol, mas pode espalhar-se rapidamente pelo espaço e causar distúrbios perto da Terra.

O que impulsiona estas erupções solares é o campo magnético do Sol, as linhas invisíveis de força que se estendem da superfície solar ao espaço bem para lá da Terra. Este campo magnético é difícil de ver, só pode ser observado indiretamente, pela luz do plasma, ou gás superaquecido, que traça as suas linhas como faróis de carros que viajam numa estrada distante. No entanto, a forma como estas linhas magnéticas se organizam, sejam frouxas e retas ou firmes e emaranhadas, faz toda a diferença entre um Sol silencioso e uma erupção solar. 

Idealmente, os pesquisadores poderiam ler as linhas do campo magnético na coroa, onde ocorrem as erupções solares, mas o plasma é muito esparso para leituras precisas (a coroa é mais de um bilhão de vezes menos densa do que o ar ao nível do mar). Ao invés, os cientistas medem a fotosfera mais densamente compactada, a superfície visível do Sol, duas camadas abaixo. Usam então modelos matemáticos para propagar este campo para cima até à coroa. 

Esta abordagem ignora a medição da cromosfera, que fica entre as duas, na esperança de simular o seu comportamento. Infelizmente, na cromosfera as linhas do campo magnético reorganizam-se de maneiras difíceis de prever. 

Instituições nos EUA, Japão, Espanha e França trabalharam juntas para desenvolver uma nova abordagem para medir o campo magnético da cromosfera, apesar da sua natureza desorganizada. Modificando um instrumento que voou em 2015, acoplaram o seu observatório solar num foguete de sondagem. Este tipo de foguetes é lançado para o espaço para breves pesquisas de alguns minutos antes de cair de volta à Terra. Mais acessíveis e rápidos de construir e voar do que missões com satélites maiores, são também um palco ideal para testar novas ideias e técnicas inovadoras.

Lançado a partir do Campo de Teste de Mísseis de White Sands, no estado norte-americano do Novo México, o foguete atingiu uma altitude de 274 km para uma visão do Sol acima da atmosfera da Terra, que de outra forma bloqueia certos comprimentos de onda da luz.

Enquanto o CLASP2 observava o Sol, o IRIS (Interface Region Imaging Spectrograph) da NASA e o satélite Hinode da JAXA/NASA, ambos observando o Sol a partir de órbita terrestre, ajustaram os seus telescópios para olhar para o mesmo local. Em coordenação, as três missões concentraram-se na mesma parte do Sol, mas perscrutaram profundidades diferentes. O Hinode focou-se na fotosfera, procurando linhas espectrais do ferro neutro aí formado. O CLASP2 visou três alturas diferentes dentro da cromosfera, examinando linhas espectrais do magnésio ionizado e do manganês. Entretanto, o IRIS media as linhas de magnésio em mais alta resolução, para calibrar os dados do CLASP2. Juntas, as missões monitoraram quatro camadas diferentes dentro e ao redor da atmosfera.

O aspeto mais impressionante dos dados foi o quão variada a cromosfera acabou por ser. Tanto ao longo da porção do Sol que foi estudada, quanto a diferentes alturas no seu interior, o campo magnético variou significativamente.

Na superfície do Sol, vemos campos magnéticos que mudam a distâncias curtas: mais acima, essas variações são muito mais difusas. Em alguns lugares, o campo magnético não alcançou todo o caminho até ao ponto mais alto medido, enquanto em outros lugares, ainda estava com força total.

A equipe espera usar esta técnica para medições magnéticas com várias alturas para mapear todo o campo magnético da cromosfera. Isto não apenas ajudaria na capacidade de prever o clima espacial, mas também forneceria informações importantes sobre a atmosfera em torno da nossa estrela. Em vez de apenas medir os campos magnéticos ao longo de uma faixa muito estreita, a equipe quer examiná-los ao longo do alvo e fazer um mapa bidimensional.

Um artigo científico foi publicado na revista Science Advances.

Fonte: National Astronomical Observatory of Japan

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Voando em asas de formação planetária

Tal como um pássaro em voo, com as asas esticadas no vazio no espaço, a estrela SU Aur, muito mais jovem e mais massiva que o Sol, encontra-se rodeada por um disco gigante de formação planetária.

© ESO/Ginski (estrela SU Aur)

Esta imagem, captada pelo instrumento SPHERE montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO, mostra o disco em torno da SU Aur com um detalhe sem precedentes, incluindo as longas correntes de poeira que se encontram ligadas ao disco.

A estrela propriamente dita aparece-nos tapada pelo coronógrafo do instrumento, um dispositivo que bloqueia a luz emitida pela estrela central com o objetivo de podermos observar as estruturas menos brilhantes que a rodeiam.

As correntes de poeira são compostas por material vindo de uma nebulosa que está fluindo para o disco. Esta nebulosa teve muito provavelmente origem numa colisão entre a estrela e uma enorme nuvem de gás e poeira, o que resultou na forma bastante única do disco de formação planetária e na estrutura da poeira circundante.

Um novo estudo da SU Aur, que fez uso do VLT e de dados de outros telescópios, incluindo o Atacama Large Millimeter/Submillimeter Array (ALMA), mostrou que a nebulosa ainda está fornecendo material ao disco de formação planetária. Estas novas observações mostram bem como os discos de formação planetária podem ser complexos.

Fonte: ESO

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Dois exoplanetas em órbita reversa em um sistema estelar triplo

Um grupo de pesquisadores liderados por Maria Hjorth e Simon Albrecht do Centro de Astrofísica Estelar da Universidade de Aarhus descobriu um sistema exoplanetário muito especial.

© Christoffer Grønne (ilustração do sistema exoplanetário K2-290)

Dois exoplanetas estão em órbita contrária em torno da sua estrela. Esta surpreendente arquitetura orbital foi provocada pelo disco protoplanetário, no qual os dois planetas se formaram, sendo inclinado pela segunda estrela neste sistema.

Este sistema planetário é muito intrigante. Existem dois planetas que orbitam em torno da estrela quase na direção oposta à rotação da estrela em torno de si própria. Isto é diferente do nosso próprio Sistema Solar, onde todos os planetas giram na mesma direção da rotação do Sol. 

Este não é o primeiro caso conhecido de um sistema planetário "retrógrado", os primeiros foram avistados há mais de 10 anos. Mas este é um caso raro em que é preciso saber o que provocou o desalinhamento drástico, e a explicação é diferente do que os pesquisadores assumiram que poderia ter acontecido nos outros sistemas.

Em qualquer sistema planetário, pensa-se que os planetas se formam num disco circular e giratório de material que orbita em torno da jovem estrela durante alguns milhões de anos após o nascimento da própria estrela, o chamado disco protoplanetário. Normalmente, o disco e a estrela giram da mesma maneira. No entanto, se houver uma estrela vizinha, a força gravitacional desta estrela companheira pode inclinar o disco.

A física subjacente está ligada ao comportamento que um pião exibe, quando a sua rotação diminui e o próprio eixo começa a girar em forma de cone. O cenário foi teorizado em 2012 e agora foi encontrado o primeiro sistema onde este processo ocorreu. 

Depois que foi descoberto o sistema K2-290, notou-se que este sistema é ideal para testar esta teoria, pois não é orbitado apenas por dois planetas, mas também contém duas estrelas. 

Uma implicação da descoberta é que não se pode mais assumir que as condições iniciais da formação planetária exigem alinhamentos entre a rotação estelar e as órbitas planetárias. É importante ressaltar que enquanto outras teorias que visam explicar os desalinhamentos em sistemas exoplanetários tendem a funcionar melhor em grandes planetas como Júpiter em órbitas de período curto, o mecanismo de inclinação do disco aplica-se a planetas de qualquer tamanho. Poderá haver outro mundo parecido com a Terra, por exemplo, que viaja pelos polos norte e sul da sua estrela progenitora. 

Um artigo foi publicado recentemente no conceituado periódico Proceedings of the National Academy of Sciences.

Fonte: National Astronomical Observatory of Japan