sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Buracos negros monstruosos que dilaceram uma nuvem de gás

Cientistas, recorrendo a observações do Observatório Neil Gehrels Swift da NASA descobriram, pela primeira vez, o sinal de um par de buracos negros monstruosos perturbando uma nuvem de gás no centro de uma galáxia.

© NASA (par de buracos rodopiam numa nuvem de gás)

Trata-se de um acontecimento muito estranho, chamado AT 2021hdr, que se repete de poucos em poucos meses. Pensa-se que uma nuvem de gás envolveu os buracos negros. À medida que se orbitam um ao outro, os buracos negros interagem com a nuvem, perturbando e consumindo o seu gás. Isto produz um padrão de oscilação na luz do sistema.

A dupla de buracos negros encontra-se no centro de uma galáxia chamada 2MASX J21240027+3409114, situada a um bilhão de anos-luz de distância, na direção da constelação setentrional de Cisne. O par está separado por cerca de 26 bilhões de quilômetros, suficientemente perto para que a luz demore apenas um dia para viajar entre eles. Em conjunto, contêm 40 milhões de vezes a massa do Sol. Os cientistas estimam que os buracos negros completam uma órbita a cada 130 dias e que irão colidir e fundir-se dentro de aproximadamente 70.000 anos. 

O AT 2021hdr foi detectado pela primeira vez em março de 2021 pelo ZTF (Zwicky Transient Facility), liderado pelo Caltech, no Observatório de Palomar, no estado norte-americano da Califórnia. Foi assinalado como uma fonte potencialmente interessante pelo ALeRCE (Automatic Learning for the Rapid Classification of Events). 

Esta equipe multidisciplinar combina ferramentas de inteligência artificial com conhecimentos humanos para comunicar eventos no céu noturno à comunidade astronômica, utilizando a vasta quantidade de dados recolhidos por programas de pesquisa como o ZTF. 

Desde a primeira erupção que o ZTF tem detectado surtos a cada 60 a 90 dias. O Swift ajudou a determinar que o binário produz oscilações no ultravioleta e em raios X nas mesmas escalas de tempo em que o ZTF as vê na gama do visível. 

Os pesquisadores realizaram uma eliminação de diferentes modelos para explicar o que viram nos dados. Inicialmente, pensaram que o sinal podia ser o subproduto da atividade normal no centro galáctico. Depois consideraram a hipótese de um evento de perturbação de marés, a destruição de uma estrela que se aproximou demasiado de um dos buracos negros, poder ser a causa. Por fim, decidiram-se por outra possibilidade, a perturbação de maré de uma nuvem de gás, maior do que o próprio binário. 

Quando a nuvem encontrou os buracos negros, a gravidade rasgou-a, formando filamentos em volta do par e o atrito começou a aquecê-la. O gás tornou-se particularmente denso e quente perto dos buracos negros. À medida que o binário orbita, a complexa interação de forças ejeta parte do gás do sistema em cada rotação. Estas interações produzem a luz flutuante que o Swift e o ZTF observam. 

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: NASA

Estudo examina os efeitos das marés nos interiores de planetas e luas

Cientistas apoiados pela NASA desenvolveram um novo método para calcular a forma como as marés afetam os interiores de planetas e luas.

© NASA (animação da lua Europa em torno de Júpiter)

Nesta animação, Europa é vista em corte ao longo de dois ciclos da sua órbita de 3,5 dias em torno do planeta gigante Júpiter. Tal como a Terra, pensa-se que Europa tem um núcleo de ferro, um manto rochoso e um oceano de água salgada. Ao contrário da Terra, no entanto, este oceano é suficientemente profundo para cobrir toda a lua e, estando longe do Sol, a superfície do oceano está globalmente congelada. 

A órbita de Europa é excêntrica, o que significa que, à medida que viaja em volta de Júpiter, grandes marés, criadas por Júpiter, sobem e descem. A posição de Júpiter em relação a Europa também é vista vibrando, ou oscilando, com o mesmo período. Este movimento das marés provoca um aquecimento por atrito dentro de Europa, da mesma forma que um clip de papel dobrado para trás e para a frente pode ficar quente ao toque, como ilustrado pelo brilho vermelho no interior do manto rochoso de Europa e na parte inferior e mais quente da sua concha de gelo. Este aquecimento provocado pelas marés é o que mantém o oceano de Europa líquido e pode revelar-se crítico para a sobrevivência de organismos simples no interior do oceano, caso existam. O planeta gigante Júpiter está agora girando de oeste para leste, embora mais lentamente do que o seu ritmo real.

É importante salientar que o novo estudo analisa os efeitos das marés em objetos que não têm uma estrutura interior perfeitamente esférica, o que é um pressuposto da maioria dos modelos anteriores. 

As marés referem-se às deformações sofridas pelos corpos celestes quando interagem gravitacionalmente com outros objetos. Nota-se na forma como a poderosa gravidade de Júpiter puxa a sua lua Europa. Como a órbita de Europa não é circular, a pressão da gravidade de Júpiter sobre a lua varia à medida que esta viaja ao longo da sua órbita. Quando Europa está mais próxima de Júpiter, a gravidade do planeta é mais evidente. 

A energia desta deformação é o que aquece o interior de Europa, permitindo a existência de um oceano de água líquida sob a superfície gelada da lua. O mesmo se passa com a lua de Saturno, Encélado, que possui uma concha de gelo que se espera ser muito mais não-esfericamente simétrica do que a de Europa. 

As marés sofridas pelos corpos celestes podem afetar a forma como os mundos evoluem ao longo do tempo e, em casos como Europa e Encélado, a sua potencial habitabilidade para a vida tal como a conhecemos. 

O novo estudo fornece um meio para estimar com maior precisão a forma como as forças de maré afetam os interiores dos planetas. A pesquisa também discute a forma como os resultados do estudo podem ajudar os cientistas a interpretar as observações efetuadas por missões a uma variedade de mundos diferentes, desde Mercúrio, à Lua e aos planetas exteriores do nosso Sistema Solar.

Um artigo foi publicado no periódico The Planetary Science Journal.

Fonte: NASA

Galáxias emaranhadas em Coma Berenices

O telescópio espacial Hubble apresenta uma joia no cabelo da rainha, uma galáxia espiral na constelação Coma Berenices, nomeada em homenagem ao cabelo da histórica rainha egípcia.

© Hubble (par de galáxias MCG+05-31-045)

No entanto, essa galáxia é apenas uma das muitas conhecidas nesta constelação. Essa nova imagem retrata o emaranhado cósmico que é MCG+05-31-045, um par de galáxias interagindo, localizadas a 390 milhões de anos-luz de distância numa parte do aglomerado de galáxias Coma. 

O aglomerado Coma é particularmente rico contendo mais de mil galáxias conhecidas. Várias podem ser facilmente vistas com telescópios amadores. A maioria delas são galáxias elípticas, e isso é típico de um aglomerado denso de galáxias. Muitas galáxias elípticas são formadas em encontros próximos entre galáxias que as agitam, ou mesmo colisões que as separam. 

Enquanto as estrelas nas galáxias em interação podem permanecer juntas, o gás nas galáxias apresenta um aspecto diferente, ele é torcido e comprimido por forças gravitacionais e rapidamente usado para formar novas estrelas. Quando as estrelas quentes, massivas e azuis morrem, resta pouco gás para substituí-las por novas gerações de estrelas jovens. 

Para galáxias espirais em interação, as órbitas regulares que produzem seus impressionantes braços espirais também são interrompidas. Seja por meio de fusões ou por acidentes, o resultado é uma galáxia quase desprovida de gás, com estrelas envelhecidas orbitando em círculos descoordenados: uma galáxia elíptica. 

É muito provável que um destino semelhante aconteça com MCG+05-31-045. À medida que a galáxia espiral menor é dilacerada e integrada à galáxia maior, muitas estrelas novas se formarão, e as quentes e azuis queimarão rapidamente, deixando estrelas mais frias e vermelhas para trás em uma galáxia elíptica muito parecida com as outras no aglomerado Coma. Mas esse processo não estará completo por muitos milhões de anos, até lá, a Rainha Berenice II terá que sofrer com os nós em seu cabelo!

Fonte: ESA

domingo, 10 de novembro de 2024

Um buraco negro que mais depressa se alimenta no Universo primitivo

Usando dados do James Webb Space Telescope (JWST) e do Observatório de raios X Chandra da NASA, astrônomos do National Optical-Infrared Astronomy Research Laboratory (NOIRLab) descobriram um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia, apenas 1,5 bilhões de anos após o Big Bang, que está consumindo matéria a um ritmo fenomenal, mais de 40 vezes o limite teórico.

© NOIRLab (buraco negro emitindo poderosos fluxos de gás)

Embora de curta duração, o "festim" deste buraco negro pode ajudar a explicar como é que os buracos negros supermassivos cresceram tão rapidamente no Universo primitivo. 

Os buracos negros supermassivos encontram-se no centro da maioria das galáxias e os telescópios modernos continuam a observá-los em momentos surpreendentemente precoces da evolução do Universo. É difícil compreender como é que estes buracos negros foram capazes de crescer tão depressa. Mas com a descoberta de um buraco negro supermassivo de baixa massa que se alimenta de matéria a uma velocidade extrema, os astrônomos têm agora novos e valiosos conhecimentos sobre os mecanismos dos buracos negros de crescimento rápido no Universo primitivo.

O buraco negro LID-568 foi descoberto numa população de galáxias muito brilhante na parte de raios X do espectro, mas é invisível no óptico e no infravermelho próximo. A sensibilidade única do JWST ao infravermelho permite-lhe detectar estas fracas emissões homólogas. LID-568 destacou-se na amostra devido à sua intensa emissão de raios X, mas a sua posição exata não podia ser determinada apenas a partir das observações de raios X, o que suscitava preocupações quanto à correta posição do alvo no campo de visão do Webb. Assim, em vez de usar a espectroscopia tradicional, foi empregado o espectrógrafo de campo integral do instrumento NIRSpec (Near InfraRed Spectrograph). Este instrumento pode obter um espectro para cada pixel no seu campo de visão, em vez de estar limitado a um campo estreito. 

O NIRSpec do JWST permitiu obter uma visão completa do seu alvo e da região circundante, levando à descoberta inesperada de poderosos fluxos de gás em torno do buraco negro central. A velocidade e a dimensão destes fluxos levaram a equipe a inferir que uma fração substancial do crescimento massivo de LID-568 pode ter ocorrido num único episódio de acreção rápida. Ele parece estar se alimentando de matéria a um ritmo 40 vezes superior ao seu limite de Eddington. Este limite está relacionado com a luminosidade máxima que um buraco negro pode atingir, bem como com a rapidez com que pode absorver matéria, de modo a que a sua força gravitacional interna e a pressão externa gerada pelo calor da matéria comprimida e em queda permaneçam em equilíbrio. 

Estes resultados fornecem novos conhecimentos sobre a formação de buracos negros supermassivos a partir de "sementes" de buracos negros menores, que as teorias atuais sugerem que resultam ou da morte das primeiras estrelas do Universo (sementes leves) ou do colapso direto de nuvens de gás (sementes pesadas). Até agora, estas teorias careciam de confirmação observacional. 

A descoberta de LID-568 mostra também que é possível que um buraco negro ultrapasse o seu limite de Eddington e fornece a primeira oportunidade para os astrônomos estudarem como isto acontece. É possível que os poderosos fluxos observados no buraco negro LID-568 possam estar atuando como uma válvula de escape para o excesso de energia gerado pela acreção extrema, evitando que o sistema se torne demasiado instável.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

Explorando complexidades da estrela R Aquarii

O telescópio espacial Hubble forneceu uma visão dramática e colorida de perto de uma das estrelas mais turbulentas da nossa galáxia, tecendo um enorme padrão espiral entre as estrelas.

© Hubble (R Aquarii)

Residindo a apenas cerca de 700 anos-luz da Terra na constelação de Aquário, R Aquarii é uma estrela binária simbiótica: um tipo de sistema estelar binário que consiste em uma anã branca e uma gigante vermelha que é cercada por uma grande nebulosa dinâmica. 

Como a estrela simbiótica mais próxima da Terra, R Aquarii foi estudada por ninguém menos que Edwin Hubble em um esforço para entender o mecanismo que alimenta o sistema. R Aquarii sofre erupções violentas que expelem enormes filamentos de gás brilhante. Isso demonstra dramaticamente como o Universo redistribui os produtos da energia nuclear que se formam profundamente dentro das estrelas e são lançados de volta ao espaço. 

A estrela primária é uma gigante vermelha envelhecida e sua companheira é uma estrela compacta queimada conhecida como anã branca. A estrela primária gigante vermelha é classificada como uma variável Mira que é mais de 400 vezes maior que o nosso Sol. A estrela monstruosa inchada pulsa, muda de temperatura e varia em brilho por um fator de 750 vezes ao longo de um período de aproximadamente 390 dias. Em seu pico, a estrela é ofuscante com quase 5.000 vezes o brilho do nosso Sol. 

Quando a anã branca oscila mais perto da gigante vermelha ao longo de seu período orbital de 44 anos, ela suga gravitacionalmente o gás hidrogênio. Este material se acumula no disco de acreção ao redor da anã branca, até que ele sofre uma poderosa explosão e ejeção de jato, especialmente durante a maior aproximação da anã branca à estrela doadora gigante vermelha. 

Esses eventos têm mais do que apenas um interesse passageiro para astrônomos e leigos, pois essa é uma maneira conhecida, assim como os eventos de supernova verdadeiramente titânicos, mas extremamente raros, de liberar elementos químicos mais pesados ​​que hidrogênio e hélio no meio interestelar. Elementos mais pesados ​​como carbono, nitrogênio e oxigênio são blocos de construção críticos de planetas como a Terra e formas de vida como a nossa. Eles são formados no interior profundo das estrelas, onde a temperatura é alta o suficiente para fundir hidrogênio e hélio. Essa explosão ejeta jatos poderosos vistos como filamentos disparando do sistema binário, formando arcos e trilhas conforme o plasma emerge. O plasma é torcido pela força da explosão e canalizado para cima e para fora por fortes campos magnéticos. O fluxo parece se dobrar para trás em um padrão espiral. Os filamentos estão brilhando em luz visível porque são energizados pela radiação intensa da dupla estelar. 

A nebulosa ao redor da estrela binária é conhecida como Cederblad 211, e pode ser o remanescente de uma nova passada. A escala do evento é extraordinária, mesmo em termos astronômicos, já que o material emissor pode ser rastreado até pelo menos 400 bilhões de quilômetros, ou 2.500 vezes a distância entre o Sol e a Terra, do núcleo central.

Fonte: ESA

domingo, 3 de novembro de 2024

Descoberta uma das estrelas com rotação mais rápida do Universo

A Via Láctea ainda guarda muitos segredos sobre o Universo.

© DALL-E (ilustração de uma anã branca e uma estrela de nêutrons)

Agora, pesquisadores da Danmarks Tekniske Universitet (DTU) conseguiram descobrir mais um deles utilizando um telescópio espacial de raios X montado na Estação Espacial Internacional. Trata-se de um objeto pequeno, mas extremamente massivo e de rotação rápida, uma estrela de nêutrons, que faz parte de um sistema estelar binário de raios X denominado 4U 1820-30. Encontra-se na constelação de Sagitário, perto do centro da Via Láctea. 

Os pesquisadores ao analisar as erupções termonucleares deste sistema encontraram oscilações notáveis, sugerindo que uma estrela de nêutrons girava em torno do seu eixo central a uma velocidade espantosa de 716 vezes por segundo. 

Se observações futuras confirmarem este fato, a estrela de nêutrons 4U 1820-30 será um dos objetos de rotação mais rápida alguma vez observados no Universo, apenas igualado por outra estrela de nêutrons chamada PSR J1748-2446. 

A estrela de nêutrons foi observada utilizando o telescópio de raios X NICER da NASA, equipado com tecnologia de rastreio de estrelas da DTU Space e montado no exterior da Estação Espacial Internacional. O sistema de câmara de rastreio estelar assegura que o instrumento de raios X aponta constantemente na direção certa e aponta corretamente para as pequenas estrelas de nêutrons distantes na Via Láctea. 

Uma estrela de nêutrons consiste do remanescente de uma estrela grande e massiva que explodiu como supernova. Conhecem-se milhares de estrelas de nêutrons e são extremas em muitos aspectos. São os objetos mais densos que podem ser observados no cosmos. A estrela de nêutrons em questão tem apenas 12 km de diâmetro, mas tem uma massa 1,4 vezes superior à do Sol. Está localizada a 26.000 anos-luz de distância da Terra. Em comparação, a distância à estrela mais próxima, a Proxima Centauri, é de cerca de 4,3 anos-luz. 

A estrela de nêutrons faz parte de um sistema estelar binário de raios X. Este sistema é constituído por duas estrelas que se orbitam uma à outra. O que também é peculiar no sistema 4U 1820-30 é o motivo da estrela companheira ser uma anã branca com aproximadamente o mesmo tamanho da Terra. Sabe-se que orbita a estrela de nêutrons a cada 11 minutos, o que faz deste o sistema com o mais curto período orbital conhecido. 

Devido à sua intensa gravidade, a estrela de nêutrons retira material da sua estrela companheira. Quando se acumula material suficiente na sua superfície, ocorre uma violenta explosão termonuclear na estrela de nêutrons, semelhante a uma bomba atômica. Durante estas erupções, a estrela de nêutrons torna-se até 100.000 vezes mais brilhante do que o Sol, liberando uma quantidade imensa de energia. 

Graças a observações efetuadas com o NICER entre 2017 e 2021, os pesquisadores descobriram 15 erupções termonucleares de raios X no sistema 4U 1820-30. Foi uma destas erupções que mostrou uma assinatura conhecida como "oscilações de erupções termonucleares", ocorrendo a uma frequência de 716 Hz.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Technical University of Denmark

Miranda, uma lua de Urano, pode ter um oceano sob a sua superfície

Um novo estudo sugere que a lua Miranda, de Urano, pode abrigar um oceano de água sob a sua superfície, uma descoberta que desafiaria muitas suposições sobre a história e sobre a composição da lua e poderia colocá-la na companhia dos poucos mundos do nosso Sistema Solar com ambientes potencialmente habitáveis.

© Voyager 2 (lua Miranda de Urano)

Entre as luas do Sistema Solar, Miranda destaca-se. As poucas imagens que a Voyager 2 captou em 1986 mostram que o hemisfério sul de Miranda (a única parte que vimos) é um terreno com sulcos, dividido por escarpas ásperas e áreas com crateras, como quadrados numa manta de retalhos. 

A maioria dos pesquisadores suspeita que estas estruturas bizarras são o resultado das forças de maré e do aquecimento no interior da lua. A equipe propôs-se explicar a enigmática geologia de Miranda através de engenharia reversa das características da superfície, trabalhando para trás para descobrir qual deve ter sido a estrutura interior da lua para moldar a sua geologia em resposta à força das marés. Depois de mapear as várias características da superfície, como fissuras, cristas e as coronas trapezoidais únicas de Miranda, foi desenvolvido um modelo de computador para testar várias estruturas possíveis do interior da lua, fazendo corresponder os padrões de tensão previstos à geologia real da superfície. 

A configuração que produziu a melhor correspondência entre os padrões de tensão previstos e as características superficiais observadas exigiu a existência de um vasto oceano sob a superfície gelada de Miranda há cerca de 100 a 500 milhões de anos. Este oceano subsuperficial tinha pelo menos 100 quilômetros de profundidade e estava escondido sob uma crosta gelada com uma espessura não superior a 30 quilômetros. Dado que Miranda tem um raio de apenas 235 quilômetros, o oceano teria preenchido quase metade do corpo da lua. 

O motivo para a criação deste oceano podem ser as forças de maré entre Miranda e as luas vizinhas. Estas atrações gravitacionais regulares podem ser amplificados por ressonâncias orbitais, uma configuração em que o período de cada lua em torno de um planeta é um número inteiro exato dos períodos das outras. As luas de Júpiter, Io e Europa, por exemplo, têm uma ressonância de 2:1: por cada duas órbitas que Io faz em torno de Júpiter, Europa faz exatamente uma, o que leva a forças de maré que são conhecidas por manter um oceano sob a superfície de Europa. Estas configurações orbitais e as forças de maré resultantes deformam as luas como bolas de borracha, levando ao atrito e ao calor que mantém os interiores quentes. Isto também cria tensões que racham a superfície, criando uma rica tapeçaria de características geológicas. 

Simulações numéricas sugeriram que Miranda e as suas luas vizinhas provavelmente tiveram uma ressonância deste tipo no passado, oferecendo um potencial mecanismo que poderia ter aquecido o interior de Miranda para produzir e manter um oceano subsuperficial. Num certo momento, o movimento orbital das luas dessincronizou-se, abrandando o processo de aquecimento, de modo que o interior da lua começou a arrefecer e a solidificar. 

Mas os pesquisadores acham que o interior de Miranda ainda não congelou completamente. Se o oceano tivesse congelado completamente teria se expandido e causado certas fissuras na superfície, que não existem. Isto sugere que Miranda ainda está arrefecendo, e pode ter ainda hoje um oceano sob a sua superfície. 

A lua Encélado de Saturno é agora um alvo principal na procura de vida para além da Terra. Miranda pode ser um caso semelhante. É comparável em tamanho e composição a Encélado e, de acordo com um estudo de 2023, pode estar liberando ativamente material para o espaço. Se tiver (ou tiver tido) um oceano, poderá ser um futuro alvo para estudar a habitabilidade e a vida.

Um artigo foi publicado no periódico The Planetary Science Journal

Fonte: Johns Hopkins University

Descobertos discos protoplanetários em torno de anãs marrons

As estrelas recém-nascidas estão rodeadas por discos de gás e poeira, a que se dá o nome de discos protoplanetários, no interior dos quais nascem os planetas.

© Webb / Hubble (imagem no visível e infravermelho na Nebulosa de Órion)

Imagem infravermelha do centro da Nebulosa de Órion (M42) obtida com o instrumento NIRCam (Near Infrared Camera) do telescópio espacial James Webb. As inserções mostram imagens ampliadas de dois discos protoplanetários ionizados tênues do telescópio espacial Hubble em comprimentos de onda ópticos e depois do Webb em comprimentos de onda infravermelhos. Para cada disco protoplanetário ionizado, é detectado em silhueta na imagem óptica um pequeno disco protoplanetário, que está rodeado por uma frente de ionização brilhante que é produzida pela intensa radiação ultravioleta (UV) das estrelas mais massivas. A anã castanha no centro de cada disco é detectada na imagem infravermelha do Webb. A espetroscopia do instrumento NIRSpec (Near-Infrared Spectrograph) do Webb confirmou que estes objetos são anãs marrons com base nas suas temperaturas frias. 

Na M42, as estrelas mais brilhantes e massivas emitem intensa radiação ultravioleta que ilumina os discos protoplanetários, permitindo que sejam fotografados com um raro detalhe. As imagens impressionantes destes discos protoplanetários iluminados pela radiação UV, ou seja, os discos protoplanetários ionizados, foram uma das primeiras grandes descobertas do telescópio espacial Hubble, há décadas atrás. 

Um novo estudo utilizou o telescópio espacial James Webb para revelar que alguns dos discos protoplanetários ionizados originalmente detectados pelo Hubble rodeiam anãs marrons, que são objetos semelhantes a estrelas, mas demasiado pequenos e frios para fundir hidrogênio. Os novos resultados do Webb vão ajudar os astrônomos a compreender melhor como as anãs marrons se formam, a sua relação com as estrelas e os planetas e se podem até abrigar planetas. 

As estrelas nascem no interior de enormes nuvens de gás e poeira no espaço, que podem ter anos-luz de diâmetro, as chamadas nebulosas. Durante décadas, suspeitava-se que, pouco depois de uma estrela coalescer dentro de uma nebulosa, os planetas nascem dentro de um disco de gás e poeira que rodeia a estrela recém-nascida, conhecido como disco protoplanetário. 

Pouco depois do seu lançamento em 1990, o Hubble revelou algumas das fotografias diretas mais nítidas de discos protoplanetários através de observações da Nebulosa de Órion. A M42 contém cerca de 2.000 estrelas recém-nascidas e é uma das nebulosas de formação estelar mais próximas do nosso Sistema Solar, localizada a 1.300 anos-luz de distância.

Pouco depois das anãs marrons terem sido descobertas, em meados da década de 1990, os astrônomos começaram a perguntar-se se elas também poderiam abrigar discos protoplanetários. Alguns dos discos protoplanetários ionizados detectados pelo Hubble na década de 1990 pareciam rodear objetos suficientemente tênues para serem anãs marrons, mas os cientistas não possuíam as medições necessárias para confirmar que tinham as temperaturas frias das anãs marrons. Era necessário um telescópio infravermelho mais sensível para efetuar essas medições. Lançado em dezembro de 2021, o Webb é o telescópio infravermelho mais potente até à data, o que o torna perfeitamente adequado para medir as temperaturas de objetos tênues na M42 que possam ser anãs marrons, incluindo os mais tênues discos protoplanetários ionizados que foram fotografados pelo Hubble há 30 anos. 

Os astrônomos efetuaram medições espectroscópicas infravermelhas numa pequena amostra de candidatas a anã marrom na M42 utilizando o NIRSpec (Near-Infrared Spectrograph) do Webb. Estes dados confirmaram que 20 objetos são suficientemente frios para serem anãs marrons, os menores dos quais podem ter massas equivalentes a apenas 0,5% da do Sol, ou cinco massas de Júpiter. Dois outros objetos estão perto da massa mínima para a fusão, 7,5% da massa do Sol, pelo que não é claro se são pequenas estrelas ou anãs marrons grandes. 

Esta pesquisa ajudará o nosso conhecimento sobre a formação das anãs marrons e da sua relação com as estrelas e planetas. 

O artigo científico que descreve as observações foi aceito para publicação no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: Pennsylvania State University