O interferômetro do Very Large Telescope (VLT) do ESO obteve as observações mais detalhadas até hoje da poeira situada em torno do enorme buraco negro que se encontra no centro de uma galáxia ativa.
© ESO (ilustração dos arredores do buraco negro de elevada massa)
Em vez de encontrar toda a poeira brilhante num toro em forma de rosquinha circundando o buraco negro, os astrônomos descobriram que muita desta poeira se encontra acima e abaixo do toro. Estas observações mostram que a poeira está sendo empurrada para longe do buraco negro sob a forma de vento frio; uma descoberta surpreendente que desafia as atuais teorias e nos diz como é que um buraco negro de elevada massa evolui e interage com o meio que o circunda.
Nos últimos vinte anos, os astrônomos descobriram que quase todas as galáxias têm um enorme buraco negro no seu centro. Alguns destes buracos negros estão em fase de crescimento sugando matéria do meio circundante e dando origem neste processo aos objetos mais energéticos do Universo: os núcleos ativos de galáxias (NAGs). As regiões centrais destas brilhantes centrais de energia encontram-se rodeadas por "rosquinhas" de poeira cósmica arrancada do espaço circundante, um pouco como a água dá origem a um redemoinho em torno do ralo de uma pia. A poeira cósmica é composta por grãos de silicatos e grafite, minerais que são igualmente abundantes na Terra. A fuligem é muito semelhante à grafite da poeira cósmica, embora o tamanho dos grãos na fuligem seja dez ou mais vezes maior que o tamanho típico dos grãos de grafite cósmico. Pensa-se que a maior parte da intensa radiação infravermelha emitida pelos NAGs tem origem nestes toros.
No entanto, novas observações de uma galáxia ativa próxima chamada NGC 3783, obtidas por uma equipe internacional de astrônomos, com o auxílio do Interferômetro do Very Large Telescope (VLTI) no Observatório do Paranal do ESO, no Chile, surpreenderam a equipe. O VLTI é formado pela combinação dos quatro telescópios principais do VLT, de 8,2 metros, ou pela combinação dos quatro Telescópios Auxiliares móveis, de 1,8 metros. Utiliza-se uma técnica chamada interferometria, onde instrumentação sofisticada combina numa única observação a luz coletada pelos vários telescópios. Nesta técnica não são produzidas imagens propriamente ditas, que aumenta drasticamente o nível de detalhes que se podem medir nos dados, comparável ao que um telescópio espacial com um diâmetro de 100 metros permitiria. Embora a poeira quente, com uma temperatura de cerca de 700 a 1.000 graus Celsius, apresente, de fato, a forma de um toro como o esperado, encontraram-se igualmente enormes quantidades de poeira mais fria acima e abaixo do toro principal. A poeira mais quente foi mapeada com o auxílio do instrumento AMBER do VLTI, nos comprimentos de onda do infravermelho e as novas observações aqui descritas utilizaram o instrumento MIDI nos comprimentos de onda do infravermelho entre os 8 e os 13 mícrons.
Como explica Sebastian Hönig (University of California Santa Barbara, USA e Christian-Albrechts-Universität zu Kiel, Alemanha), autor principal do artigo que descreve estes resultados, “Esta é a primeira vez que conseguimos combinar observações detalhadas no infravermelho médio da poeira fria,isto é, à temperatura ambiente, em torno de um NAG com observações igualmente detalhadas da poeira muito quente. Estas observações representam igualmente a maior coleção de dados de um NAG obtidos no infravermelho pelo método de interferometria, publicados até hoje”.
A poeira recém descoberta forma um vento frio que sopra para longe do buraco negro. Este vento deve desempenhar um papel importante na relação complexa entre o buraco negro e o meio circundante. O buraco negro sacia o seu apetite devorador com material circundante, mas a intensa radiação que produz nesse processo parece estar ao mesmo tempo afastando o material. Não é ainda claro como é que estes dois processos interagem, permitindo ao buraco negro crescer e evoluir no coração das galáxias, mas a presença de um vento de poeira acrescenta uma nova peça a este cenário.
De modo a investigar as regiões centrais de NGC 3783, os astrônomos necessitaram de combinar o poder dos telescópios principais do Very Large Telescope. Utilizando estes telescópios em uníssono formamos um interferômetro que consegue obter uma resolução equivalente à de um telescópio de 130 metros de diâmetro.
Outro membro da equipe, Gerd Weigelt (Max-Planck-Institut für Radioastronomie, Bonn, Alemanha), explica, ”Ao combinarmos a excelente sensibilidade dos grandes espelhos do VLT pelo método da interferometria, conseguimos coletar radiação suficiente para observar objetos tênues, o que nos permite estudar uma região tão pequena quanto a distância do Sol à estrela mais próxima, e isto numa galáxia a dezenas de milhões de anos-luz de distância. Nenhum outro sistema óptico ou infravermelho atualmente em existência seria capaz deste feito”.
Estas novas observações podem levar a alterações na compreensão dos NAGs. Temos agora uma evidência direta de que a poeira está sendo empurrada pela radiação intensa. Os modelos que prevêem como é que a poeira se distribui e como é que os buracos negros crescem e evoluem têm que, a partir de agora, levar em conta este efeito recém descoberto.
Hönig conclui, “Tenho uma grande expectativa ao MATISSE, que permitirá combinar os quatro telescópios principais do VLT ao mesmo tempo e observar simultaneamente no infravermelho próximo e médio, o que nos dará dados muito mais detalhados”. O MATISSE (Multi AperTure mid-Infrared SpectroScopic Experiment), um instrumento de segunda geração para o VLTI, está atualmente sendo construído.
Este trabalho foi publicado hoje na revista especializada Astrophysical Journal.
Fonte: ESO
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