terça-feira, 29 de julho de 2014

Mapeando a matéria escura a 4,5 bilhões anos-luz de distância

Com o telescópio espacial Hubble da NASA/ESA, uma equipe internacional de astrônomos mapeou, com uma precisão sem precedentes, a massa dentro de um aglomerado de galáxias.

mapa da massa do aglomerado de galáxias MCS J0416.1-2403

© Hubble/Chandra (mapa da massa do aglomerado de galáxias MCS J0416.1-2403)

A imagem mostra o aglomerado galáctico MCS J0416.1–2403, sendo em azul o mapa de massa criado usando novas observações do Hubble combinadas com o poder de ampliação de um processo conhecido como lente gravitacional. Em vermelho, está o gás quente detectado pelo observatório de raios X Chandra da NASA e mostra a localização do gás no aglomerado. A matéria vista em azul está separada das áreas vermelhas detectadas pelo Chandra e consiste do que é conhecido como matéria escura, que pode apenas ser detectada através do efeito de lente gravitacional.

Criado usando observações do programa Frontier Fields do Hubble, o mapa mostra a quantidade e distribuição de massa dentro do MCS J0416.1-2403, um enorme aglomerado de galáxias com cerca de 160 biliões de vezes a massa do Sol.

O detalhe neste mapa da massa foi possível graças à profundidade sem precedentes dos dados recolhidos pelo Hubble e a ao fenômeno cósmico da lente gravitacional forte.

A medição da quantidade e distribuição da massa dentro de objetos distantes no Universo pode ser muito difícil. Um truque usado regularmente pelos astrônomos é explorar os conteúdos de grandes aglomerados de galáxias estudando os efeitos gravitacionais que têm sobre a luz de objetos ainda mais distantes. Este é um dos objetivos principais do Frontier Fields do Hubble, um ambicioso programa de observação que analisa seis aglomerados galácticos diferentes, incluindo o MCS J0416.1-2403.

Cerca de 75% de toda a matéria no Universo é a chamada "matéria escura", que não pode ser vista diretamente, uma vez que não emite nem reflete luz e pode passar por outra matéria sem colisões. Ela interage apenas pela força da gravidade e a sua presença tem que ser deduzida a partir dos seus efeitos gravitacionais.

lente gravitacional no aglomerado de galáxias MCS J0416.1-2403

© Hubble (lente gravitacional no aglomerado de galáxias MCS J0416.1-2403)

Esta imagem do telescópio espacial Hubble mostra o aglomerado galáctico MCS J0416.1-2403, onde estão em vermelho as galáxias atingidas pelo efeito de lente gravitacional usadas no estudo.

Um destes efeitos foi previsto pela teoria geral da relatividade de Einstein e observa grandes aglomerados de massa no Universo que curvam e distorcem o espaço-tempo em seu redor. Agindo como lentes, parecem ampliar e dobrar a luz que viaja através deles a partir de objetos mais distantes. Esta é uma das poucas técnicas que podem ser usadas para estudar a matéria escura.

Apesar das suas grandes massas, o efeito dos aglomerados galácticos nos seus arredores é geralmente mínimo. Na maioria, provocam o que se chama de lente fraca, fazendo com que fontes mais distantes pareçam apenas ligeiramente mais elípticas ou manchadas no céu. No entanto, quando o aglomerado é suficientemente grande e denso e o alinhamento entre o aglomerado e o objeto distante é ideal, os efeitos podem ser mais dramáticos. As imagens das galáxias normais podem ser transformadas em anéis e grandes arcos de luz, aparecendo até várias vezes na mesma imagem. Este efeito é conhecido como lente gravitacional forte e é este fenômeno, visto em torno dos seis aglomerados galácticos do programa Frontier Fields, que tem sido usado para mapear a distribuição de massa do MCS J0416.1-2403, utilizando os novos dados do Hubble.

A equipe desta pesquisa é liderada pela Dra. Mathilde Jauzac da Universidade de Durham no Reino Unido e pela Unidade de Pesquisa em Astrofísica e Cosmologia da África do Sul.

"A profundidade dos dados permite-nos ver objetos muito tênues e identificar, mais do que nunca, galáxias fortemente atingidas pelo fenômeno de lente gravitacional," explica a Dra. Jauzac, autora principal do novo artigo.

"Apesar das lentes fortes ampliarem as galáxias de fundo, elas estão ainda muito distantes e são muito fracas. A profundidade destes dados significa que podemos identificar galáxias de fundo incrivelmente distantes. Conhecemos agora mais de quatro vezes mais exemplos de galáxias fortemente atingidas pelo fenômeno de lente gravitacional no aglomerado."

Utilizando o instrumento ACS (Advanced Camera for Surveys) do Hubble, os astrônomos identificaram 51 novas galáxias multiplicadas em todo o aglomerado, quadruplicando o número determinado em estudos anteriores e elevando o número de galáxias atingidas pelo fenômeno de lente gravitacional até 68. Tendo em conta que estas galáxias são vistas várias vezes, isto equivale a quase 200 imagens individuais fortemente atingidas por lentes gravitacionais. Este efeito permitiu a Jauzac e à sua equipe calcularem a distribuição de matéria visível e escura no aglomerado e a produzirem um mapa da sua massa.

"Há mais de vinte anos que sabemos como construir um mapa de um aglomerado usando lentes gravitacionais, mas precisamos de tempo para possuirmos telescópios que possam fazer observações suficientemente profundas e nítidas, e para os nossos modelos se tornarem suficientemente sofisticados para mapearmos, com tantos detalhes, um sistema tão complicado como o MCS J0416.1-2403," comenta Jean-Paul Kneib, membro da equipe.

Ao estudar 57 das galáxias mais confiáveis e claramente distorcidas foi possível modelar a massa da matéria normal e escura dentro do MCS J0416.1-2403. "O nosso mapa tem o dobro da qualidade dos modelos anteriores deste aglomerado!" acrescenta Jauzac.

Determinou-se que a massa total do aglomerado MCS J0416.1-2403, com um diâmetro modelado de mais de 650.000 anos-luz, equivale a 160 biliões de vezes a massa do Sol. Com uma incerteza de 0,5%, esta medição é a mais precisa alguma vez produzida para um aglomerado galáctico. Ao identificar precisamente onde a massa reside dentro de grupos como este também possibilita medir a curvatura do espaço-tempo com grande precisão.

As observações e técnicas de lentes gravitacionais do Frontier Fields abriram uma maneira de caracterizar estes objetos com muita precisão; neste caso, um aglomerado tão distante que a sua luz levou 4,5 bilhões de anos até chegar aqui," acrescenta Jean-Paul Kneib.

Porém, para obter uma imagem completa da massa é necessário também incluir medições de lentes fracas. Embora apenas forneça uma estimativa aproximada da massa do núcleo interior do aglomerado, as lentes fracas fornece informações valiosas acerca da massa que rodeia o núcleo do aglomerado.

A equipe vai continuar estudando o aglomerado com imagens extremamente profundas do Hubble e informações detalhadas de lentes fortes e fracas, com o objetivo de mapear as regiões exteriores do aglomerado bem como do seu núcleo interior, e assim será capaz de detectar subestruturas nos seus arredores. Vão também usar medições em raios X de gás quente pelo Chandra e redshifts espectroscópicos feitos a partir de observatórios terrestres para mapear o conteúdo do aglomerado, avaliando a respectiva contribuição da matéria escura, do gás e das estrelas.

A combinação destas fontes de dados vai aumentar ainda mais os detalhes deste mapa de distribuição de massa, mostrando-o em 3D e incluindo as velocidades relativas das suas galáxias. Isto abre o caminho para a compreensão da história e evolução deste aglomerado galáctico.

Os resultados do estudo foram publicados no Monthly Notices da Royal Astronomical Society.

Fonte: ESA

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