Há já mais de dez anos que o observatório H.E.S.S. (High Energy Stereoscopic System) tem vindo a mapear o centro da nossa Galáxia em raios gama altamente energéticos.
© Mark A. Garlick (ilustração de nuvens moleculares gigantes que rodeiam o Centro Galáctico)
Na imagem acima as nuvens moleculares gigantes que rodeiam o Centro Galáctico são bombardeadas por prótons altamente energéticos acelerados na vizinhança do buraco negro central, que subsequentemente brilham em raios gama.
Estes raios gama são produzidos por raios cósmicos oriundos da região mais interna da Via Láctea. Uma análise detalhada dos dados mais recentes do H.E.S.S. revela pela primeira vez uma fonte desta radiação cósmica em energias nunca antes observadas na Via Láctea: o buraco negro supermassivo no centro da Galáxia, que provavelmente acelera os raios cósmicos até energias 100 vezes superiores àquelas obtidas no maior acelerador de partículas da Terra, o LHC (Large Hadron Collider) no CERN (European Organization for Nuclear Research).
A Terra é constantemente bombardeada por partículas de alta-energia (prótons, elétrons e núcleos atômicos) de origem cósmica, partículas que compõem a chamada "radiação cósmica". Estes raios cósmicos são eletricamente carregados e são, portanto, fortemente desviados pelos campos magnéticos interestelares que permeiam a nossa Galáxia. O seu percurso através do cosmos é randomizado por estes desvios, o que torna impossível a identificação direta das fontes astrofísicas responsáveis pela sua produção. Assim, durante mais de um século, a origem dos raios cósmicos continua sendo um dos mistérios mais duradouros da ciência.
Felizmente, os raios cósmicos interagem com a luz e o gás na vizinhança das suas fontes, produzindo raios gama. Estes raios gama viajam em linhas retas e não são desviados pelos campos magnéticos, podendo, portanto, ser traçados até à sua origem. Quando um raio gama altamente energético atinge a Terra, interage com uma molécula na atmosfera superior, produzindo uma chuva de partículas secundárias que emitem um curto pulso de "luz de Cherenkov". Ao detectar estas emissões de luz usando telescópios equipados com grandes espelhos, foto-detectores sensíveis e eletrônica avançada, foram identificadas, ao longo das três últimas décadas, mais de 100 fontes de raios gama. O observatório H.E.S.S. na Namíbia representa a última geração destas redes de telescópios. É operado por cientistas de 42 instituições em 12 países, com contribuições principais de MPIK Heidelberg, Alemanha, CEA e CNRS, França.
Hoje sabemos que os raios cósmicos com energias até cerca de 100 TeV (tera elétron-volt) são produzidos na nossa Galáxia por objetos como remanescentes de supernovas e nebulosas alimentadas por ventos de pulsares. Os argumentos teóricos e as medições diretas dos raios cósmicos que alcançam a Terra indicam, no entanto, que as fábricas de raios cósmicos na nossa Galáxia devem ser capazes de fornecer partículas com, pelo menos, até 1 PeV (peta elétron-volt). Apesar de muitos aceleradores multi-TeV terem sido descobertos nos últimos anos, até agora a procura das fontes dos raios cósmicos galácticos mais energéticos foi infrutífera.
Observações detalhadas do Centro Galáctico, feitas pelo H.E.S.S. ao longo dos últimos 10 anos, finalmente fornecem indicações diretas da aceleração de raios cósmicos até níveis PeV. Durante os primeiros três anos de observações, o H.E.S.S. descobriu uma fonte muito poderosa de raios gama na região do Centro Galáctico, bem como emissão difusa de raios gama das nuvens moleculares gigantes que o rodeiam numa zona com aproximadamente 500 anos-luz de diâmetro. Estas nuvens moleculares são bombardeadas por raios cósmicos que se deslocam quase à velocidade da luz, que produzem raios gama através das suas interações com a matéria nas nuvens. Uma notavelmente boa coincidência espacial entre os raios gama observados e a densidade de material nas nuvens indica a presença de um ou mais aceleradores de raios cósmicos nessa região. No entanto, a natureza da fonte permanecia um mistério.
Observações mais profundas obtidas pelo H.E.S.S. entre 2004 e 2013 lançaram nova luz sobre os processos que alimentam os raios cósmicos na região. De acordo com Aion Viana (MPIK, Heidelberg), "a quantidade sem precedentes de dados e o progresso feito nas metodologias permite-nos medir simultaneamente a distribuição espacial e a energia dos raios cósmicos." Com estas medições únicas, os cientistas do H.E.S.S. conseguiram, pela primeira vez, identificar a origem destas partículas: "em algum lugar entre os 33 anos-luz centrais da Via Láctea, existe uma fonte astrofísica capaz de acelerar prótons para energias de aproximadamente 1 PeV, continuamente, durante pelo menos 1.000 anos," explica Emmanuel Moulin (CEA, Saclay). Numa analogia com o "Tevatron", o primeiro acelerador de partículas construído pelo Homem que alcançou energias de 1 TeV, esta nova classe de acelerador cósmico foi apelidada de "Pevatron". "Com o H.E.S.S., somos agora capazes de rastrear a propagação dos prótons PeV na região central da Galáxia," acrescenta Stefano Gabici (CNRS, Paris).
O centro da nossa Galáxia é o lar de muitos objetos capazes de produzir raios cósmicos altamente energéticos, incluindo, em particular, um remanescente de supernova, uma nebulosa alimentada por ventos de um pulsar e um aglomerado compacto de estrelas massivas. No entanto, "o buraco negro supermassivo localizado no centro da Galáxia, chamado Sgr A*, é a fonte mais plausível dos prótons PeV," afirma Felix Aharonian (MPIK, Heidelberg e DIAS, Dublin), acrescentando que "várias possíveis regiões de aceleração podem ser consideradas, quer na proximidade imediata do buraco negro, quer mais longe, onde uma fração do material que cai para o buraco negro é expelido de volta para o ambiente, iniciando-se assim a aceleração de partículas."
A medição H.E.S.S. dos raios gama pode ser usada para inferir o espetro dos prótons que foram acelerados pelo buraco negro central, revelando que Sgr A* está provavelmente acelerando prótons para energias a níveis PeV. Atualmente, estes prótons não conseguem explicar o fluxo total de raios cósmicos detectados na Terra. Se, no entanto, o nosso buraco negro central tivesse sido mais ativo no passado, então poderia ser realmente responsável pela maior parte dos raios cósmicos galácticos que são observados hoje na Terra. A ser verdade, isso poderia influenciar o debate de um século sobre a origem destas partículas enigmáticas.
Uma análise detalhada dos dados mais recentes do H.E.S.S. foram publicados na revista Nature.
Fonte: Centre National de la Recherche Scientifique
Nenhum comentário:
Postar um comentário