terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Colisões de asteroides numa estrela próxima

Tal como uns carrinhos de choque cósmicos, os cientistas pensam que os primeiros tempos do nosso Sistema Solar foram uma época de violenta desordem, com planetesimais, asteroides e cometas se chocando entre si e bombardeando a Terra, a Lua e os outros planetas interiores com detritos.

© T. Müller (ilustração da colisão de dois planetesimais)

Agora, num marco histórico, o telescópio espacial Hubble captou diretamente imagens de colisões catastróficas semelhantes num sistema planetário próximo em torno de outra estrela, Fomalhaut.

A apenas 25 anos-luz da Terra, Fomalhaut é uma das estrelas mais brilhantes do céu noturno. Localizada na constelação do Peixe Austral, é mais massiva e mais brilhante do que o Sol e está rodeada por vários cinturões de detritos poeirentos.

Em 2008, os cientistas usaram o Hubble para descobrir um candidato a planeta em torno de Fomalhaut, tornando-o o primeiro sistema estelar com um possível planeta encontrado usando luz visível. Esse objeto, chamado Fomalhaut b, parece agora ser uma nuvem de poeira disfarçada de planeta; o resultado da colisão de planetesimais. Enquanto procuravam Fomalhaut b em observações recentes do Hubble, os cientistas ficaram surpreendidos ao encontrar um segundo ponto de luz num local semelhante em torno da estrela. Chamam a este objeto "circumstellar source 2" ou "cs2", enquanto o primeiro objeto é agora conhecido como "cs1".

© P. Kallas (nuvens de poeira cs1 e cs2 ao redor da estrela Fomalhaut)

Esta imagem composta, obtida pelo telescópio espacial Hubble, mostra o anel de detritos e as nuvens de poeira cs1 e cs2 em torno da estrela Fomalhaut. A própria Fomalhaut está mascarada para permitir que as características mais tênues sejam vistas. A sua localização está marcada pela estrela branca.

A razão pela qual os astrônomos estão vendo estas duas nuvens de detritos tão próximas uma da outra é um mistério. Se as colisões entre asteroides e planetesimais fossem aleatórias, cs1 e cs2 deveriam aparecer por acaso em locais não relacionados. No entanto, estão posicionadas intrigantemente perto uma da outra ao longo da porção interior do disco de detritos exterior de Fomalhaut. Outro mistério é a razão pela qual os cientistas testemunharam estes dois eventos num período tão curto.

As colisões são fundamentais para a evolução dos sistemas planetários, mas são raras e difíceis de estudar. O aspecto interessante desta observação é que permite aos pesquisadores estimar o tamanho dos corpos em colisão e quantos deles existem no disco, informação que é quase impossível de obter por qualquer outro meio. As estimativas colocam os planetesimais que foram destruídos para criar cs1 e cs2 com apenas 60 quilômetros de diâmetro, e foi inferido que existem 300 milhões de objetos deste tipo orbitando no sistema Fomalhaut. 

A natureza transiente de Fomalhaut cs1 e cs2 coloca desafios a futuras missões espaciais que pretendam obter imagens diretas de exoplanetas. Esses telescópios podem confundir nuvens de poeira como cs1 e cs2 com planetas reais. Fomalhaut cs2 parece-se exatamente como um exoplaneta que reflete a luz estelar. 

Estando mais perto do cinturão de poeira do que cs1, a nuvem cs2 em expansão tem mais probabilidades de começar a encontrar outro material no cinturão. Isto poderia levar a uma súbita avalanche de mais poeira no sistema, o que poderia fazer com que toda a área circundante ficasse mais brilhante.

Os astrônomos irão acompanhar cs2 para detectar quaisquer alterações na sua forma, brilho e órbita ao longo do tempo. É possível que cs2 comece a ter uma forma mais oval ou cometária à medida que os grãos de poeira são empurrados para fora pela pressão da luz estelar. A equipe também vai usar o instrumento NIRCam (Near-Infrared Camera) do telescópio Eepacial James Webb para observar cs2. O NIRCam do Webb tem a capacidade de fornecer informação de cor que pode revelar o tamanho dos grãos de poeira da nuvem e a sua composição. Pode até determinar se a nuvem contém água gelada.

O Hubble e o Webb são os únicos observatórios capazes de obter este tipo de imagens. Enquanto o Hubble vê principalmente em comprimentos de onda visíveis, o Webb pode ver cs2 no infravermelho. Estes comprimentos de onda diferentes e complementares são necessários para fornecer uma ampla investigação multiespectral e uma imagem mais completa do misterioso sistema Fomalhaut e da sua rápida evolução.

Um artigo foi publicado na revista Science.

Fonte: University of California

Relacionamento à distância entre galáxias

Essas galáxias parecem ser companheiras próximas, uma pequena e brilhante galáxia espiral orbitando a borda de uma espiral muito maior, com uma aparência escura e irregular.

© Hubble (Arp 4)

Mas as aparências enganam, quão próximas elas realmente estão?

O par celeste apresentado nesta imagem obtida pelo telescópio espacial é conhecido como Arp 4 e está localizado na constelação de Cetus (a Baleia). A designação Arp 4 vem do Atlas de Galáxias Peculiares, compilado na década de 1960 pelo astrônomo Halton Arp.

Essas “galáxias incomuns” foram selecionadas e fotografadas para fornecer exemplos de formas estranhas e não convencionais, a fim de melhor estudar como as galáxias evoluem para essas formas.

Ao longo de sua missão, o telescópio espacial Hubble revolucionou o estudo das galáxias e nos mostrou alguns exemplos fantasticamente incomuns do atlas de Arp. Nesse catálogo, as primeiras galáxias como Arp 4 são galáxias de “baixo brilho superficial”, um tipo de galáxia inesperadamente tênue e difícil de detectar.

A grande galáxia aqui, também catalogada como MCG-02-05-050, se encaixa bem nessa descrição, com seus braços fragmentados e disco tênue. Sua companheira menor, MCG-02-05-050a, é uma espiral muito mais brilhante e ativa. O detalhe é que essas galáxias não estão realmente muito próximas. A grande galáxia azul MCG-02-05-050 está localizada a 65 milhões de anos-luz da Terra; sua companheira menor e mais brilhante, MCG-02-05-050a, a 675 milhões de anos-luz de distância, está a mais de dez vezes essa distância!

Devido a isso, MCG-02-05-050a provavelmente é a maior das duas galáxias, e MCG-02-05-050 comparativamente menor. O fato de estarem juntas nesta imagem é simplesmente uma improvável coincidência visual. Apesar dessa falta de relação física entre elas, nosso ponto de vista na Terra nos permite apreciar a visão de Arp 4 como um par peculiar no céu.

Fonte: NASA

sábado, 20 de dezembro de 2025

Buraco negro devora uma estrela num surto recorde

Os astrônomos têm analisado uma série de dados provenientes de satélites da NASA e de outras instalações, enquanto tentam descobrir o responsável por uma extraordinária explosão cósmica descoberta no dia 2 de julho.

© NOIRLab (jato lançado pelo GRB 250702B)

Astrônomos observaram a explosão de raios gama mais longa já registrada, uma poderosa explosão extragaláctica que durou mais de sete horas. Observações de acompanhamento rápidas, com a Dark Energy Camera e o Observatório Internacional Gemini, forneceram informações cruciais sobre a possível origem desse evento extraordinário e a galáxia que o abriga.

As explosões de raios gama (GRBs) estão entre as explosões mais poderosas do Universo, perdendo apenas para o Big Bang. A maioria dessas explosões é observada como um clarão que desaparece em poucos segundos ou minutos. Mas, em 2 de julho de 2025, astrônomos foram alertados sobre uma fonte de GRB que exibia explosões repetidas e que duraria mais de sete horas. Esse evento, denominado GRB 250702B, é a explosão de raios gama mais longa já testemunhada pela humanidade.

O GRB 250702B foi identificado pela primeira vez pelo telescópio espacial Fermi de Raios Gama (Fermi) da NASA. Pouco depois de telescópios espaciais detectarem as explosões iniciais em raios gama e localizarem sua posição no céu em raios X, astrônomos de todo o mundo lançaram campanhas para observar o evento em outros comprimentos de onda da luz. Uma das primeiras revelações sobre esse evento veio quando observações infravermelhas adquiridas pelo Very Large Telescope (VLT) do ESO estabeleceram que a fonte do GRB 250702B está localizada em uma galáxia fora da nossa, o que até então permanecia uma incógnita.

Em seguida, uma equipe de astrônomos partiu para captar o brilho residual em evolução do evento, ou seja, as emissões de luz que diminuem de intensidade após o clarão inicial extremamente brilhante de raios gama. As propriedades dessas emissões podem fornecer pistas sobre o tipo de evento que causou o GRB. Para melhor compreender a natureza deste evento recordista, a equipe utilizou três dos telescópios terrestres mais potentes do mundo: o telescópio Víctor M. Blanco de 4 metros e os telescópios gêmeos de 8,1 metros do Observatório Internacional Gemini. Este trio observou o GRB 250702B a partir de aproximadamente 15 horas após a primeira detecção até cerca de 18 dias depois. O telescópio Blanco está localizado no Chile, no Observatório Interamericano Cerro Tololo (CTIO). O Observatório Internacional Gemini consiste no telescópio Gemini Norte, no Havaí, e no telescópio Gemini Sul, no Chile. 

A análise das observações revelou que o GRB 250702B não pôde ser visto na luz visível, em parte devido à poeira interestelar em nossa própria Via Láctea, mas principalmente devido à poeira na galáxia hospedeira do GRB. De fato, o Gemini Norte, que forneceu a única detecção da galáxia hospedeira em comprimentos de onda próximos ao visível, precisou de quase duas horas de observações para captar o sinal fraco sob as extensas camadas de poeira.

Esses dados foram combinados com novas observações feitas com o telescópio Keck I no Observatório W. M. Keck, o telescópio Magellan Baade e o telescópio Fraunhofer no Observatório Wendelstein, bem como dados disponíveis publicamente do VLT, do telescópio espacial Hubble e de observatórios de raios X e rádio. Em seguida, compararam esse conjunto de dados robusto com modelos teóricos, que são estruturas que explicam o comportamento de fenômenos astronômicos. Os modelos podem ser usados ​​para fazer previsões que podem então ser testadas com dados observacionais para refinar a compreensão dos cientistas.

A análise da equipe estabeleceu que o sinal inicial de raios gama provavelmente veio de um jato estreito e de alta velocidade de material colidindo com o material circundante, conhecido como jato relativístico. A análise também ajudou a caracterizar o ambiente ao redor da explosão de raios gama e a galáxia hospedeira. Eles descobriram que há uma grande quantidade de poeira ao redor do local da explosão e que a galáxia hospedeira é extremamente massiva em comparação com a maioria das galáxias hospedeiras de explosões de raios gama.

Os dados corroboram um cenário no qual a fonte do GRB reside em um ambiente denso e empoeirado, possivelmente uma espessa faixa de poeira presente na galáxia hospedeira ao longo da linha de visão entre a Terra e a fonte do GRB. Esses detalhes sobre o ambiente do GRB 250702B fornecem restrições importantes sobre o sistema que produziu a explosão inicial de raios gama. Dos aproximadamente 15.000 GRBs observados desde que o fenômeno foi reconhecido pela primeira vez em 1973, apenas meia dúzia se aproxima da duração do GRB 250702B.

Suas origens propostas variam desde o colapso de uma estrela supergigante azul, um evento de ruptura de maré ou um magnetar recém-nascido. O GRB 250702B, no entanto, não se encaixa perfeitamente em nenhuma categoria conhecida. Com base nos dados obtidos até o momento, os cientistas têm algumas ideias sobre possíveis cenários de origem:

  • (1) um buraco negro caindo em uma estrela que perdeu seu hidrogênio e agora é composta quase que exclusivamente de hélio;
  • (2) uma estrela (ou objeto subestelar, como um planeta ou uma anã marrom) sendo despedaçada durante uma aproximação com um objeto compacto estelar, como um buraco negro estelar ou uma estrela de nêutrons, em um evento conhecido como ruptura microtidal;
  • (3) uma estrela sendo despedaçada ao cair em um buraco negro de massa intermediária, um tipo de buraco negro com massa entre cem e cem mil vezes a massa do nosso Sol, que se acredita existir em abundância, mas que até agora tem sido muito difícil de encontrar. Se for o último cenário, esta seria a primeira vez na história que a humanidade testemunharia um jato relativístico proveniente de um buraco negro de massa intermediária consumindo uma estrela.
Embora sejam necessárias mais observações para determinar conclusivamente a causa da GRB 250702B, os dados obtidos até o momento permanecem consistentes com essas novas explicações.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Gemini Observatory

O que está alimentando estes brilhantes clarões azuis?

Entre os fenômenos cósmicos mais intrigantes descobertos nas últimas décadas encontram-se breves e muito brilhantes clarões de luz azul e ultravioleta que desvanecem gradualmente, deixando para trás tênues emissões de raios X e rádio.

© UC Berkeley (AT 2024wpp)

Com pouco mais de uma dúzia de surtos descobertos até agora, os astrônomos têm debatido se estes são produzidos por um tipo incomum de supernova ou por gás interestelar que cai num buraco negro.

A análise do surto mais brilhante até à data, descoberto no ano passado, mostra que não se trata de nenhuma destas situações. Em vez disso, uma equipe de astrônomos liderada por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, concluiu que estes chamados LFBOTs (Luminous Fast Blue Optical Transients) são causados por um evento de perturbação de marés extremo, em que um buraco negro com uma massa até 100 vezes superior à do nosso Sol destrói completamente a sua estrela massiva companheira em poucos dias.

A descoberta resolve um enigma de uma década, mas também ilustra as muitas variedades de calamidades estelares que os astrônomos encontram, cada uma com o seu espectro característico de luz, ou seja, diferentes comprimentos de onda e diferentes intensidades, que evolui ao longo do tempo. A descoberta dos processos que produzem estas assinaturas de luz únicas testa os conhecimentos atuais sobre a física dos buracos negros e ajuda a compreender a evolução das estrelas no nosso Universo.

A massa inferida do buraco negro, numa gama por vezes designada por buracos negros de massa intermediária, é também intrigante. Embora se saiba que existem buracos negros com mais de 100 massas solares, porque as suas fusões foram detectadas por experiências de ondas gravitacionais como o LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory), nunca foram observados diretamente e a forma como atingem esta dimensão é ainda um mistério. O estudo deste fenômeno e de outros semelhantes poderá esclarecer o ambiente estelar em que os grandes buracos negros evoluem juntamente com uma companheira estelar massiva.

Os LFBOTs receberam este nome porque são brilhantes, são visíveis a distâncias de centenas de milhões a bilhões de anos-luz, e duram apenas alguns dias, produzindo luz altamente energética que vai desde o azul do espectro óptico até ao ultravioleta e aos raios X.

O primeiro foi visto em 2014, mas o primeiro com dados suficientes para análise foi registado em 2018 e, de acordo com a convenção de nomenclatura padrão, foi chamado AT2018cow. O nome levou os pesquisadores a referirem-se a ele como "A Vaca", e os LFBOTs subsequentes receberam as alcunhas de "O Coala" (ZTF18abvkwla), "Diabo da Tasmânia" (AT2022tsd) e "O Finch" (AT2023fhn). O mais recente LFBOT foi denominado AT 2024wpp ("O Pica-pau", talvez?). 

A constatação de que o surto transiente não poderia ter resultado de uma supernova veio depois de os pesquisadores terem calculado a energia emitida, que foi 100 vezes superior à que seria produzida numa supernova normal, que exigiria a conversão de cerca de 10% da massa restante da estrela em energia numa escala de tempo muito curta, meras semanas.

Os pesquisadores colocam a hipótese de que a luz intensa e altamente energética emitida durante este evento de perturbação de marés extremo foi uma consequência da longa história parasitária do sistema binário com buraco negro. De acordo com a reconstrução desta história, o buraco negro tem estado sugando material da sua companheira há muito tempo, envolvendo-se completamente num halo de material muito distante do buraco negro para este poder engolir. Então, quando a estrela companheira finalmente se aproximou demasiado e foi despedaçada, o novo material foi arrastado para um disco giratório de detritos, chamado disco de acreção, e bateu contra o material existente, gerando raios X, radiação UV e luz azul.

Grande parte do gás da companheira também acabou por rodopiar em direção aos polos do buraco negro, onde foi ejetado como um jato de material. Os pesquisadores calcularam que os jatos viajavam a cerca de 40% da velocidade da luz e geravam ondas de rádio quando encontravam o gás circundante. A massa estimada da estrela companheira que foi destruída era mais de 10 vezes superior à massa do Sol. Pode ter sido o que é conhecido como uma estrela Wolf-Rayet, que são muito quentes e evoluídas, tendo já usado muito do seu hidrogênio. Isto explicaria a fraca emissão de hidrogênio de AT 2024wpp.

Como a maioria dos LFBOTs, AT 2024wpp está localizado numa galáxia com formação estelar ativa, pelo que são esperadas estrelas grandes e jovens como estas. AT 2024wpp está a 1,1 bilhões de anos-luz de distância e é entre cinco e 10 vezes mais luminosa do que AT2018cow.

Foi utilizada uma grande coleção de telescópios para medir os vários comprimentos de onda da luz emitida pelo LFBOT. Estes incluem três telescópios de raios X, o Chandra, o Swift e o NuSTAR; radiotelescópios como o ALMA e o ATCA (Australia Telescope Compact Array); e telescópios ópticos terrestres, incluindo os Observatórios Keck, Lick e Gemini. Uma vez que os LFBOTs produzem grandes quantidades de radiação UV, aguarda-se com expectativa o lançamento de dois telescópios UV planejados, ULTRASAT e UVEX, nos próximos anos. Estes telescópios serão fundamentais para descobrir e caracterizar rapidamente mais LFBOTs antes de atingirem o pico de brilho, permitindo aos astrônomos sondar sistematicamente a diversidade dos seus ambientes e sistemas progenitores.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: University of California