domingo, 15 de junho de 2025

As luas de Urano revelam uma surpresa

Cientistas recorreram ao telescópio espacial Hubble para procurar evidências de um fenômeno e encontraram outro bem diferente.

© STScI (Urano e suas luas clássicas)

Os pesquisadores estudaram as quatro maiores luas do gigante gelado Urano, o sétimo planeta a contar do Sol, procurando sinais de interações entre a sua magnetosfera e as superfícies das luas. A magnetosfera é uma região em torno de um corpo celeste onde as partículas com carga elétrica são afetadas pelo campo magnético do objeto astronômico. Em particular, foi previsto que, com base nas interações com a magnetosfera de Urano, os lados "dianteiros" destas luas com acoplamento de maré, ou seja, que têm sempre o mesmo lado voltado para o planeta, seriam mais brilhantes do que os lados "traseiros", sempre virados para o lado oposto. Isto deve ser devido ao escurecimento da radiação dos seus lados ocultos [para o planeta] por partículas carregadas, tais como elétrons presos na magnetosfera de Urano.

Em vez disso, não foram encontradas evidências de escurecimento nos hemisférios traseiros das luas, e evidências claras de escurecimento dos lados dianteiros das luas exteriores. Isto surpreendeu a equipe e indica que a magnetosfera de Urano pode não interagir muito com as suas grandes luas, contrariando os dados existentes recolhidos nos comprimentos de onda do infravermelho próximo.

A nítida visão ultravioleta e as capacidades espectroscópicas do Hubble foram fundamentais para permitir a exploração das condições da superfície destas luas e revelar a surpreendente descoberta, apresentada no passado dia 10 de junho na 246.ª reunião da Sociedade Astronómica Americana, em Anchorage, Alasca. 

As quatro luas deste estudo: Ariel, Umbriel, Titânia e Oberon sofrem acoplamento de maré, de modo que mostram sempre o mesmo lado para o planeta Urano. A ideia era que as partículas carregadas presas ao longo das linhas do campo magnético atingissem principalmente o lado oculto de cada lua, o que escureceria este hemisfério. 

Urano tem uma inclinação de 98 graus em relação à eclíptica. Isto significa que ele está dramaticamente inclinado em relação ao plano orbital dos planetas. Urano viaja muito lentamente em torno do Sol, de lado, à medida que completa a sua órbita de 84 anos terrestres. Durante o sobrevoo da Voyager 2, a magnetosfera de Urano estava inclinada cerca de 59 graus em relação ao plano orbital dos satélites. Por isso, há uma inclinação adicional do campo magnético. Como Urano e as suas linhas de campo magnético giram mais depressa do que as suas luas orbitam o planeta, passam constantemente por elas. Se a magnetosfera de Urano interagir com as suas luas, as partículas carregadas deverão atingir preferencialmente a superfície dos hemisférios traseiros. Estas partículas carregadas, bem como os raios cósmicos da Via Láctea, devem escurecer os hemisférios traseiros de Ariel, Umbriel, Titânia e Oberon e possivelmente gerar o dióxido de carbono detectado nestas luas.

A equipe esperava que, especialmente no caso das luas interiores Ariel e Umbriel, estes hemisférios fossem mais escuros do que os lados dianteiros nos comprimentos de onda do ultravioleta e no visível. Mas não foi isso que descobriram. Ao que parece, os hemisférios dianteiro e traseiro de Ariel e Umbriel são de fato muito semelhantes em termos de brilho. No entanto, os pesquisadores observaram uma diferença entre os hemisférios das duas luas exteriores, Titânia e Oberon. Ainda mais estranho é o fato de a diferença de brilho ser o oposto do que esperavam. As duas luas exteriores têm hemisférios dianteiros mais escuros e mais vermelhos do que os hemisférios traseiros. Os astrônomos pensam que a poeira de alguns dos satélites irregulares de Urano está cobrindo os lados dianteiros de Titânia e Oberon. 

Os satélites irregulares são corpos naturais que têm órbitas grandes, excêntricas e inclinadas em relação ao plano equatorial do seu planeta. Micrometeoritos estão constantemente atingindo as superfícies dos satélites irregulares de Urano, liberando pequenos pedaços de material para órbita do planeta. Ao longo de milhões de anos, este material poeirento move-se para dentro em direção a Urano e eventualmente atravessa as órbitas de Titânia e de Oberon.

Estas luas exteriores varrem a poeira e apanham-na principalmente nos seus hemisférios dianteiros, que estão virados para o planeta. É como os insetos que batem no para-brisas do carro quando se conduz numa rodovia. Este material faz com que Titânia e Oberon tenham hemisférios dianteiros mais escuros e mais avermelhados. Estas luas exteriores protegem efetivamente as luas interiores Ariel e Umbriel da poeira, razão pela qual os hemisférios das luas interiores não mostram uma diferença de brilho.

Fonte: Space Telescope Science Institute

A origem de um exoplaneta muito quente

Observações efetuadas com o telescópio espacial James Webb forneceram novas pistas sobre a formação do exoplaneta WASP-121 b e sobre a sua origem no disco de gás e poeira que rodeia a estrela.

© T. Müller (ilustração do exoplaneta WASP-121 b)

Estes conhecimentos resultam da detecção de várias moléculas fundamentais: vapor de água, monóxido de carbono, monóxido de silício e metano. Com estas detecções, astrónomos conseguiram compilar um inventário do carbono, oxigênio e silício na atmosfera de WASP-121 b. A detecção de metano, em particular, também sugere fortes ventos verticais no mais frio lado noturno, um processo frequentemente ignorado nos modelos atuais.

O WASP-121 b é um planeta gigante ultraquente que orbita a sua estrela progenitora a uma distância de apenas duas vezes o diâmetro da estrela, completando uma órbita em aproximadamente 30,5 horas. O planeta exibe dois hemisférios distintos: um que está sempre virado para a estrela hospedeira, com temperaturas localmente superiores a 3.000º C, e um eterno lado noturno onde as temperaturas descem para 1.500º C.

Os astrônomos analisaram a abundância de compostos que se evaporam a temperaturas muito diferentes, fornecendo pistas sobre a formação e evolução do planeta. O WASP-121 b provavelmente acumulou a maior parte do seu gás numa região suficientemente fria para que a água permanecesse congelada, mas suficientemente quente para que o metano se evaporasse e existisse na sua forma gasosa. 

Uma vez que os planetas se formam num disco de gás e poeira que rodeia uma estrela jovem, estas condições ocorrem a distâncias em que a radiação estelar cria as temperaturas adequadas. No nosso próprio Sistema Solar, esta região situa-se num local entre as órbitas de Júpiter e Urano. Este fato é notável, dado que WASP-121 b orbita agora perigosamente perto da superfície da sua estrela hospedeira. Isto sugere que, após a sua formação, empreendeu uma longa viagem desde as geladas regiões exteriores até ao centro do sistema planetário. 

O silício foi detectado como monóxido de silício (SiO) gasoso, mas entrou originalmente no planeta através de material rochoso, como o quartzo, armazenado em planetesimais, essencialmente asteroides, depois de ter adquirido a maior parte do seu invólucro gasoso. A formação de planetesimais leva tempo, indicando que este processo ocorreu durante os últimos estágios do desenvolvimento planetário. 

A formação planetária começa com partículas de poeira gelada que se juntam e crescem gradualmente até se transformarem em seixos com centímetros a metros. Atraem o gás circundante e pequenas partículas, acelerando o seu crescimento. Estas são as sementes de futuros planetas como WASP-121 b. O arrasto do gás circundante faz com que os seixos em movimento espiralem em direção à estrela. Enquanto migram, os seus gelos incorporados começam a evaporar-se nas regiões interiores mais quentes do disco. À medida que os planetas jovens orbitam as suas estrelas hospedeiras, podem crescer o suficiente para abrir brechas substanciais no disco protoplanetário. Isto interrompe a deriva dos seixos para o interior e o fornecimento de gelo incorporado, mas deixa disponível gás suficiente para construir uma atmosfera alargada. 

No caso de WASP-121 b, isto parece ter ocorrido num local onde os seixos de metano se evaporaram, enriquecendo o gás que o planeta fornecia com carbono. Em contraste, os seixos de água permaneceram congelados, prendendo o oxigênio. 

À medida que a temperatura de uma atmosfera muda, é esperado que as quantidades de diferentes moléculas, como o metano e o monóxido de carbono, variem. Às temperaturas muito altas do lado diurno de WASP-121 b, o metano é altamente instável e não estará presente em quantidades detectáveis.

Os astrônomos determinaram que, para planetas como WASP-121 b, o gás do hemisfério diurno deve ser misturado com o do hemisfério noturno, relativamente frio, mais depressa do que a composição do gás se pode ajustar às temperaturas mais baixas. Neste cenário, seria de esperar que a abundância de metano fosse negligenciável no lado noturno, tal como acontece no lado diurno. Quando, ao invés, foi detectado metano abundante no lado noturno de WASP-121 b, foi uma surpresa total. Para explicar este resultado, a equipe propõe que o gás metano deve ser rapidamente reabastecido no lado noturno para manter a sua elevada abundância. 

Um mecanismo plausível envolve fortes correntes verticais que levantam o gás metano das camadas atmosféricas inferiores, que são ricas em metano graças às temperaturas noturnas relativamente baixas combinadas com a elevada relação carbono/oxigênio da atmosfera.

Isto desafia os modelos dinâmicos dos exoplanetas, que provavelmente terão de ser adaptados para reproduzir a forte mistura vertical descoberta no lado noturno de WASP-121 b. À medida que o planeta gira, a radiação térmica recebida da sua superfície varia, expondo diferentes porções da sua atmosfera irradiada. Isto permitiu a caracterização da composição química do lado diurno e do lado noturno do planeta. Os astrônomos também captaram observações enquanto o planeta transitava em frente da sua estrela. Durante esta fase, alguma luz estelar é filtrada através do limbo atmosférico do planeta, deixando impressões digitais espectrais que revelam a sua composição química. Este tipo de medição é especialmente sensível à região de transição onde os gases do lado diurno e noturno se misturam.

Foram publicados artigos na revista Nature Astronomy e no periódico The Astronomical Journal.

Fonte: Max Planck Institute for Astronomy

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Planeta gigante em órbita de estrela minúscula

Astrônomos da Universidade de Warwick e da UCL (University College London) descobriram a menor estrela conhecida abrigando um planeta gigante em trânsito que, de acordo com as principais teorias de formação planetária, não deveria existir.

© M. Garlick (ilustração do exoplaneta TOI-6894)

A estrela TOI-6894 é como muitas outras na Via Láctea, uma pequena anã vermelha com apenas aproximadamente 20% da massa do nosso Sol. Como muitas estrelas pequenas, não se espera que forneça condições adequadas para formar e hospedar um planeta grande. No entanto, uma colaboração global de astrônomos encontrou a assinatura inconfundível de um planeta gigante, chamado TOI-6894 b, em órbita desta pequena estrela. 

Este sistema foi descoberto como parte de uma pesquisa em grande escala de dados do TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite), à procura de planetas gigantes em torno de estrelas de baixa massa. 

O planeta TOI-6894 b é um gigante gasoso de baixa densidade com um raio um pouco maior que o de Saturno, mas com apenas mais ou menos 50% da sua massa. TOI-6894 é, até à data, a estrela de menor massa a ter um planeta gigante em trânsito e tem apenas 60% do tamanho da seguinte estrela menor que hospeda um planeta deste tipo. 

A teoria mais aceita da formação de planetas é a chamada teoria da acreção do núcleo. Um núcleo planetário forma-se primeiro por acreção (acumulação gradual de material) e, à medida que o núcleo se torna mais massivo, eventualmente atrai gases que formam uma atmosfera. Depois, torna-se suficientemente massivo para entrar num processo descontrolado de acreção de gás e num gigante gasoso.

Nesta teoria, a formação de gigantes gasosos é mais difícil em torno de estrelas de baixa massa porque a quantidade de gás e poeira num disco protoplanetário em torno da estrela (a matéria-prima para a formação de planetas) é demasiado limitada para permitir a formação de um núcleo suficientemente massivo e da ocorrência do processo de acreção descontrolada. No entanto, a existência de TOI-6894 b sugere que este modelo pode não ser completamente exato e que são necessárias teorias alternativas.

Dada a massa do planeta, TOI-6894 b pode ter sido formado através de um processo intermediário de acreção do núcleo, no qual um protoplaneta se forma e acreta gás de forma constante sem que o núcleo se torne suficientemente massivo para uma acreção descontrolada de gás. Em alternativa, pode ter sido formado devido a um disco gravitacionalmente instável. Em alguns casos, o disco que rodeia a estrela torna-se instável devido à força gravitacional que exerce sobre si próprio. Estes discos podem então fragmentar-se, com o gás e a poeira colapsando para formar um planeta. 

Mas a equipe descobriu que nenhuma das teorias podia explicar completamente a formação de TOI-6894 b a partir dos dados disponíveis, o que deixa a origem deste planeta gigante, por agora, como uma questão em aberto. Um dos métodos para esclarecer o mistério da formação de TOI-6894 b é uma análise atmosférica detalhada. Ao medir a distribuição de material no interior do planeta, é possível determinar o tamanho e a estrutura do núcleo do planeta, o que pode dizer se TOI-6894 b foi formado por acreção ou por um disco instável.

Esta não é a única característica interessante da atmosfera de TOI-6894 b; é incomumente fria para um gigante gasoso. A maioria dos gigantes gasosos encontrados por caçadores exoplanetários são Júpiteres quentes, gigantes gasosos massivos com temperaturas entre 1.000 e 2.000 K. TOI-6894 b, por comparação, tem apenas 420 K. A temperatura fria, juntamente com outras características deste planeta, como trânsitos muito profundos, fazem dele um dos planetas gigantes mais promissores para realizar a caracterização de sua atmosfera.

Com base na irradiação estelar de TOI-6894 b, espera-se que a atmosfera seja dominada pela química do metano, o que é muito raro de identificar. As temperaturas são suficientemente baixas para que as observações atmosféricas possam até mostrar a presença de amoníaco, o que seria a primeira vez que tal substância seria encontrada na atmosfera de um exoplaneta.

A atmosfera de TOI-6894 b já está agendada para ser observada pelo telescópio espacial James Webb nos próximos 12 meses. Isto deverá permitir aos astrônomos determinar qual das teorias possíveis pode explicar a formação deste planeta inesperado.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: University College London

terça-feira, 3 de junho de 2025

Estrela excêntrica desafia explicações simples

Cientistas descobriram uma estrela com um comportamento diferente de todas as outras já observadas, fornecendo novas pistas sobre a origem de uma nova classe de objetos misteriosos.

© NASA (ASKAP J1832)

Uma imagem de campo amplo de ASKAP J1832 (o ponto roxo no círculo) em raios X, no rádio e no infravermelho.

Uma equipe de astrônomos combinou dados do observatório de raios X Chandra da NASA e do radiotelescópio ASKAP (Australian Square Kilometre Array Pathfinder), na Austrália Ocidental, para estudar as peculiaridades do objeto descoberto conhecido como ASKAP J1832−0911 (ASKAP J1832 para abreviar), localizado a 15.000 anos-luz da Terra. 

ASKAP J1832 pertence a uma classe de objetos chamados "transientes de rádio de longo período", descobertos em 2022, que variam em intensidade de ondas de rádio de forma regular ao longo de dezenas de minutos. Corresponde a milhares de vezes mais do que a duração das variações repetidas observadas nos pulsares, que são estrelas de nêutrons em rápida rotação que apresentam variações repetidas várias vezes por segundo.

ASKAP J1832 tem ciclos de intensidade de ondas de rádio a cada 44 minutos, o que o coloca nesta categoria de transientes de rádio de longo período. Usando o Chandra, a equipe descobriu que ASKAP J1832 também varia regularmente em raios X a cada 44 minutos. Esta é a primeira vez que tal sinal de raios X é encontrado num transiente de rádio de longo período.

Usando o Chandra e o ASKAP, foi descoberto que o objeto também diminuiu drasticamente os raios X e as ondas de rádio ao longo de seis meses. Esta combinação do ciclo de 44 minutos em raios X e ondas rádio, além das mudanças que duram meses, é diferente de tudo o que já foi visto na Via Láctea. Os cientistas estão agora tentando descobrir se ASKAP J1832 é representativo dos transientes de rádio de longo período e se o seu comportamento bizarro ajuda a desvendar a origem destes objetos.

Os astrônomos argumentam que é improvável que ASKAP J1832 seja um pulsar ou uma estrela de nêutrons puxando material de uma estrela companheira, porque as suas propriedades não correspondem às intensidades típicas dos sinais de rádio e raios X desses objetos. Algumas das propriedades de ASKAP J1832 poderiam ser explicadas por uma estrela de nêutrons com um campo magnético extremamente forte, chamada magnetar, com uma idade superior a meio milhão de anos. No entanto, outras características de ASKAP J1832, como a sua emissão de rádio brilhante e variável, são difíceis de explicar para um magnetar relativamente antigo.

No céu, ASKAP J1832 parece estar dentro de um remanescente de supernova, os restos de uma estrela que explodiu, que muitas vezes contêm uma estrela de nêutrons formada pela supernova. No entanto, foi determinado que indica provavelmente uma coincidência e que os dois não estão associados, o que conduz a possibilidade de que ASKAP J1832 não contenha uma estrela de nêutrons. 

É possível que uma anã branca isolada não explica os dados, mas que uma estrela anã branca com uma estrela companheira talvez poderia. No entanto, isso exigiria o campo magnético mais forte já conhecido para uma anã branca na nossa Galáxia.

O Chandra detectou ASKAP J1832 em raios X em duas observações realizadas em fevereiro de 2024, num momento em que a fonte estava incomumente intensa no rádio. Uma terceira observação do Chandra ocorreu em agosto de 2024, quando a fonte estava cerca de 1.000 vezes mais fraca em ondas de rádio do que em fevereiro, mas não foram observados raios X. Isso mostra que a fonte tinha diminuído pelo menos dez vezes em raios X desde a observação inicial.

Um artigo foi publicado na revista Nature.

Fonte: Harvard–Smithsonian Center for Astrophysics

Nova medição da expansão do Universo sugere resolução de um conflito

Ao longo da última década, os cientistas têm tentado resolver o que parecia ser uma grande inconsistência no Universo.

© Webb (NGC 1365)

O Universo expande-se ao longo do tempo, cujo ritmo de expansão é refletida pela Constante de Hubble, mas a velocidade a que se expande parece ser diferente consoante se olha para o início da história do Universo ou para os dias de hoje. A ser verdade, isto teria sido um grande problema para o modelo padrão que representa a nossa melhor compreensão do Universo. Mas graças ao telescópio espacial James Webb, cientistas da Universidade de Chicago conseguiram obter novos e melhores dados, sugerindo que, afinal, pode não haver conflito. 

Existem atualmente duas abordagens principais para calcular a velocidade a que o nosso Universo está se expandindo. A primeira abordagem consiste em medir a luz remanescente do Big Bang, que ainda está viajando pelo Universo. Esta radiação, conhecida como radiação cósmica de fundo em micro-ondas, informa sobre as condições nos primeiros tempos do Universo. A segunda abordagem consiste em medir a velocidade a que o Universo está se expandindo neste momento, na nossa vizinhança astronômica local. Paradoxalmente, isto é muito mais complicado do que ver para trás no tempo, porque medir distâncias com precisão é um grande desafio. 

Ao longo do último meio século, os cientistas descobriram uma série de formas de medir distâncias relativamente próximas. Uma delas baseia-se na captação da luz de uma determinada classe de estrelas no seu pico de brilho, quando explodem como supernova no final da sua vida. Se conhecermos o brilho máximo destas supernovas, a medição das suas luminosidades aparentes permite-nos calcular a sua distância. Observações adicionais dizem-nos a que velocidade a galáxia em que a supernova ocorreu está se afastando de nós.

Existem também dois outros métodos que utilizam dois outros tipos de estrelas: as estrelas gigantes vermelhas e as estrelas de carbono. No entanto, há muitas correções que têm de ser aplicadas a estas medições antes de se poder declarar uma distância final. Em primeiro lugar, os cientistas têm de ter em conta a poeira cósmica que obscurece a luz entre nós e estas estrelas distantes nas suas galáxias hospedeiras. Têm também de verificar e corrigir as diferenças de luminosidade que podem surgir ao longo do tempo cósmico. E, finalmente, têm de ser identificadas e corrigidas as incertezas sutis da instrumentação utilizada para efetuar as medições. Mas com os avanços tecnológicos, como o lançamento do muito mais potente telescópio espacial James Webb, em 2021, os cientistas têm conseguido aperfeiçoar cada vez mais estas medições.

O último cálculo efetuado pelos pesquisadores, que incorpora dados do telescópio espacial Hubble e do telescópio espacial James Webb, determina um valor de 70,4 quilômetros por segundo por megaparsec, mais ou menos 3%. Isto coloca o seu valor em concordância estatística com as medições recentes da radiação cósmica de fundo, que é de 67,4, mais ou menos 0,7%. O Webb tem uma resolução quatro vezes superior à do Hubble, o que lhe permite identificar estrelas individuais anteriormente detectadas em grupos desfocados. É também cerca de 10 vezes mais sensível, o que permite uma maior precisão e a capacidade de encontrar objetos de interesse ainda mais tênues. 

Os cientistas ainda estão tentando encontrar falhas no Modelo Padrão que descreve o Universo, o que poderia fornecer pistas sobre a natureza de dois grandes mistérios pendentes, a matéria escura e a energia escura. Mas a Constante de Hubble parece cada vez mais não ser o local onde procurar.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: University of Chicago

Estudo explica formação de planetas com órbitas largas

Nos arredores frios e escuros dos sistemas planetários, muito além do alcance dos planetas conhecidos, misteriosos gigantes gasosos orbitam silenciosamente as suas estrelas, às vezes a milhares de unidades astronômicas (UA) de distância.

© ESO (ilustração do Planeta Nove e o Sistema Solar ao fundo)

Durante anos, os cientistas perguntaram-se como esses planetas de "órbita larga", incluindo o elusivo Planeta Nove teorizado no nosso próprio Sistema Solar, poderiam ter sido formados.

Agora, uma equipe de astrônomos pode finalmente ter encontrado a resposta. Num novo estudo, pesquisadores da Universidade Rice e do PSI (Planetary Science Institute), utilizaram simulações complexas para mostrar que os planetas de órbita larga não são anomalias, mas sim subprodutos naturais de uma fase caótica inicial no desenvolvimento dos sistemas planetários. Esta fase ocorre enquanto as estrelas ainda estão aglomeradas nos seus aglomerados natais e os planetas disputam espaço em sistemas turbulentos.

Para o estudo, foram realizadas milhares de simulações envolvendo diferentes sistemas planetários incorporados em ambientes realistas de aglomerados estelares. Foi modelado uma variedade de condições, desde sistemas como o nosso Sistema Solar, com uma mistura de gigantes gasosos e gelados, até sistemas mais exóticos, incluindo aqueles com dois sóis. Foi descoberto um padrão recorrente: os planetas eram frequentemente empurrados para órbitas largas e excêntricas por instabilidades internas, depois estabilizados pela influência gravitacional de estrelas próximas no aglomerado.

Os pesquisadores definem planetas de órbita larga como aqueles que têm semieixos maiores entre 100 e 10.000 UA, distâncias que os colocam muito além do alcance da maioria dos tradicionais discos de formação planetária. 

As descobertas podem ajudar a explicar o mistério de longa data do Planeta Nove, um planeta hipotético que se pensa orbitar o nosso Sol a uma distância de 250 a 1.000 UA. Embora nunca tenha sido observado diretamente, as órbitas estranhas de vários objetos trans-Netunianos sugerem a sua presença.

As simulações mostram que, se o Sistema Solar primitivo passou por duas fases específicas de instabilidade, o crescimento de Urano e Netuno e a posterior dispersão entre os gigantes gasosos, há uma probabilidade de até 40% de que um objeto semelhante ao Planeta Nove possa ter ficado preso durante esse período. Curiosamente, o estudo também relaciona planetas de órbita larga com a crescente população de planetas flutuantes, ou errantes, mundos expulsos completamente dos seus sistemas.

Os pesquisadores descobriram que os sistemas semelhantes ao Sistema Solar são particularmente eficientes, com probabilidades de retenção de 5 a 10%. Outros sistemas, como aqueles compostos apenas por gigantes gelados ou planetas circumbinários, apresentaram eficiências muito mais baixas. Além disso, o estudo identifica novos alvos promissores para os caçadores de exoplanetas. Sugere que os planetas de órbita larga são mais prováveis de serem encontrados em torno de estrelas com alta metalicidade que já abrigam gigantes gasosos, tornando esses sistemas candidatos ideais para campanhas de imagem profunda. 

Se o Planeta Nove existir, poderá ser descoberto logo após o Observatório Vera C. Rubin entrar em pleno funcionamento. Com a sua capacidade incomparável de observar o céu em profundidade e detalhe, espera-se que o observatório avance significativamente a busca por objetos distantes do Sistema Solar, aumentando a probabilidade de detectar o Planeta Nove ou de fornecer as evidências necessárias para descartar sua existência.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: Planetary Science Institute

terça-feira, 27 de maio de 2025

Encontrado um primo extremo de Plutão?

Uma pequena equipe liderada por Sihao Cheng, da Escola de Ciências Naturais do IAS (Institute for Advanced Study), descobriu um extraordinário objeto trans-Netuniano (OTN) denominado 2017 OF201, no limite do nosso Sistema Solar.

© NASA / Sihao Cheng (OTN e planetas anões)

Os cinco planetas anões reconhecidos pela União Astronômica Internacional, juntamente com o recém-descoberto OTN 2017 OF201.

O OTN é potencialmente grande o suficiente para ser classificado como um planeta anão, a mesma categoria que o muito mais conhecido Plutão. O novo objeto é um dos objetos visíveis mais distantes do nosso Sistema Solar e, significativamente, sugere que a seção vazia do espaço que se pensa existir para além de Netuno, no Cinturão de Kuiper, não está vazia.

Cheng fez a descoberta juntamente com os colegas Jiaxuan Li e Eritas Yang da Universidade de Princeton, utilizando métodos computacionais avançados para identificar a trajetória do objeto no céu. O novo objeto foi oficialmente anunciado pelo Centro de Planetas Menores da União Astronômica Internacional no passado dia 21 de maio de 2025. 

Os objetos trans-Netunianos são planetas menores que orbitam o Sol a uma distância média superior à da órbita de Netuno. O novo OTN é especial por duas razões: a sua órbita extrema e o seu grande tamanho. O afélio do objeto, ou seja, o ponto mais distante da órbita em torno do Sol, é mais de 1.600 vezes superior ao da órbita da Terra. Entretanto, o seu periélio, ou seja, o ponto da sua órbita mais próximo do Sol, é 44,5 vezes superior à órbita da Terra, semelhante à órbita de Plutão. 

Cheng descobriu o objeto como parte de um projeto de pesquisa em curso para identificar OTNs e possíveis novos planetas no Sistema Solar exterior. O objeto foi identificado através da observação de pontos brilhantes numa base de dados de imagens astronômicas do telescópio Victor M. Blanco e do CFHT (Canada–France–Hawaii Telescope), e tentando ligar todos os grupos possíveis desses pontos que pareciam mover-se no céu da mesma forma que um único OTN. 

Esta busca foi efetuada utilizando um algoritmo computacionalmente eficiente produzido por Cheng. Em última análise, identificaram 2017 OF201 em 19 exposições diferentes, captadas ao longo de 7 anos. A descoberta tem implicações significativas para a nossa compreensão do Sistema Solar exterior. A área localizada para além do Cinturão de Kuiper, onde se encontra o objeto, foi anteriormente considerada como estando essencialmente vazia, mas a descoberta da equipe sugere que não é bem assim.

© Jiaxuan Li / Sihao Cheng (localização atual de Plutão, Netuno e 2017 OF201)

A imagem acima mostra a órbita e localização atual do OTN 2017 OF201, o planeta anão plutão e o planeta Netuno.

O 2017 OF201 passa apenas 1% do seu tempo orbital suficientemente perto de nós para ser detectável. A presença deste único objeto sugere que poderá haver mais uma centena de outros objetos com órbita e tamanho semelhantes; estão apenas demasiado longe para serem detectáveis agora. Embora os avanços nos telescópios nos tenham permitido explorar partes distantes do Universo, ainda há muito a descobrir sobre o nosso próprio Sistema Solar.

A detecção também demonstra o poder da ciência aberta. Todos os dados que foram utilizados para identificar e caracterizar este objeto são dados de arquivo que estão disponíveis para qualquer pessoa, não apenas para os astrônomos profissionais. Isto significa que as descobertas inovadoras não estão limitadas àqueles que têm acesso aos maiores telescópios do mundo. Qualquer pesquisador, estudante ou mesmo cientista cidadão com as ferramentas e conhecimentos adequados poderia ter feito esta descoberta, realçando o valor da partilha de recursos científicos.

Fonte: Institute for Advanced Study