quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Explosão de uma estrela revelada apenas um dia após a detecção

Observações muito rápidas efetuadas com o Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO) revelaram a morte explosiva de uma estrela no momento em que a explosão irrompia da superfície da estrela.

© ESO (ilustração da forma inicial da explosão de uma supernova)

Pela primeira vez, os astrônomos revelaram a forma da explosão na sua fugaz fase inicial. Esta fase inicial já não teria sido possível observar no dia a seguir e ajuda-nos a responder a uma série de questões sobre como é que as estrelas massivas explodem, transformando-se em supernovas.

Quando a explosão da supernova SN 2024ggi foi detectada pela primeira vez na noite de 10 de Abril de 2024, Yi Yang, professor assistente da Universidade Tsinghua em Pequim, na China, agiu rapidamente enviando uma proposta de observação ao ESO. No seguimento de um processo de aprovação muito rápido, no dia 11 de Abril o ESO apontou o seu telescópio VLT, instalado no Chile, à supernova, 26 horas apenas após a detecção inicial.

A SN 2024ggi situa-se na galáxia NGC 3621, na direção da constelação da Hidra, a 22 milhões de anos-luz de distância da Terra. Com um grande telescópio e o instrumento certo, a equipe internacional sabia que tinha uma oportunidade rara de desvendar a forma da explosão logo após a sua ocorrência.

© VLT (NGC 3621)

A geometria de uma explosão de supernova fornece informações fundamentais sobre a evolução estelar e os processos físicos envolvidos. Os mecanismos exatos por detrás das explosões de estrelas massivas, com mais de oito vezes a massa do Sol, sob a forma de supernovas, continuam sendo debatidos e permanecem uma das questões fundamentais abordadas pelos cientistas.

A estrela progenitora desta supernova era uma supergigante vermelha, com uma massa 12 a 15 vezes superior à do Sol e um raio 500 vezes maior, o que faz da SN 2024ggi um exemplo clássico de explosão de uma estrela massiva.

Sabemos que, durante a sua vida, uma estrela típica mantém a sua forma esférica como resultado de um equilíbrio muito preciso entre a força gravitacional, que tende a comprimi-la, e a pressão do seu motor nuclear, que tende a expandi-la. Quando a sua última fonte de combustível se esgota, o motor nuclear começa a falhar. Para estrelas massivas, isto marca o início da fase de supernova: o núcleo da estrela moribunda entra em colapso, as conchas de massa que o rodeiam caem sobre ele e ricocheteiam. Este choque propaga-se para o exterior, destruindo a estrela. Quando o choque irrompe da superfície estelar, são liberadas enormes quantidades de energia, a supernova brilha de forma dramática e pode então ser observada. Durante um período de tempo muito curto, a forma inicial da explosão pode ser estudada, antes da supernova começar a interagir com o material que circunda a estrela moribunda.

Foi isso que os astrónomos conseguiram observar pela primeira vez com o auxílio do VLT do ESO, utilizando uma técnica chamada espectropolarimetria. A espectropolarimetria fornece informações relativas à geometria da explosão que outro tipo de observações não consegue, uma vez que as escalas angulares são demasiado pequenas. Apesar da estrela que está explodindo parecer um único ponto, a polarização da sua luz contém pistas ocultas sobre a sua geometria, as quais podem ser desvendadas. As partículas de luz (fótons) possuem uma propriedade a que chamamos polarização. Numa esfera, a forma da maioria das estrelas, a polarização dos fótons individuais cancela-se entre si, o que faz com que a polarização total do objeto seja zero. Quando medem uma polarização diferente de zero, os astrônomos podem usar essa medição para inferir a forma do objeto (estrela ou supernova) que emitiu a luz observada.

Estes resultados sugerem um mecanismo físico comum que impulsiona a explosão de muitas estrelas massivas e que manifesta uma simetria axial bem definida e atua em larga escala. No seguimento desta descoberta, os astrônomos podem já descartar alguns dos atuais modelos de supernova e adicionar novas informações para melhorar outros, evidenciando pistas preciosas sobre as mortes explosivas de estrelas massivas.

Este trabalho foi publicado na revista da especialidade Science Advances.

Fonte: ESO

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Capturando borboletas magnéticas

Ao longo do último ano, testemunhamos auroras deslumbrantes nos hemisférios norte e sul, conhecidas como Aurora Boreal e Aurora Austral, respectivamente.

© Solar Dynamics Observatory (campos magnéticos interagindo na superfície solar)

Devemos agradecer ao ciclo de atividade solar por esses espetáculos de luz, cuja atividade é impulsionada pelo campo magnético solar. Mas, embora os astrônomos observem a atividade magnética do Sol há séculos, ainda há muito que se desconhece sobre o próprio campo magnético, como onde e como ele se forma. Uma das maneiras pelas quais os pesquisadores estão tentando entender melhor o campo magnético do Sol é encontrando estrelas comparáveis ​​ao Sol com ciclos de atividade para verificar se seus campos magnéticos funcionam de maneira semelhante.

Em uma série de artigos, incluindo um aceito recentemente para publicação no periódico Astronomy & Astrophysics, pesquisadores descobriram o ciclo magnético de outra estrela, Iota Horologii.

O que é um ciclo magnético? Antes de nos aprofundarmos na pesquisa, é importante entendermos exatamente o que o campo magnético do Sol está fazendo e o que os astrônomos já sabem. Podemos imaginar o Sol e seu campo magnético global como um gigantesco ímã em forma de barra, com seus próprios polos norte (vermelho) e sul (azul), exceto que, neste caso, os polos magnéticos nem sempre permanecem no mesmo lugar. Ao longo de um período de cerca de 11 anos, o ímã em forma de barra inverte-se à medida que o campo magnético global do nosso Sol muda completamente de direção. Após outros 11 anos, ele retorna à sua posição original, completando um ciclo de 22 anos conhecido como ciclo magnético.

O campo magnético do Sol impulsiona a atividade solar, que se manifesta como erupções solares, manchas solares e ejeções de massa coronal, entre outros fenômenos. Todas essas são mudanças visíveis e mensuráveis na superfície e na atmosfera solar, causadas por partes do campo magnético que se torcem e se emaranham, ocasionalmente até mesmo se rompendo e se reconectando, conforme o Sol gira. À medida que o campo magnético global muda de polaridade, ele se torna mais complexo e dinâmico, gerando mais atividade magnética na superfície e criando mais manchas solares. Quando o campo magnético está mais calmo, observamos menos manchas solares e uma atividade solar mais fraca. Na Terra, vemos menos auroras durante o mínimo solar e mais durante o pico da atividade solar. Os astrônomos ainda estão tentando entender como o campo magnético do Sol é gerado e se esse mecanismo é o mesmo para todas as estrelas.

Essa teoria abrangente dos campos magnéticos celestes, chamada Teoria do Dínamo, precisa ser capaz de explicar tudo isso e muito mais: como e onde o campo magnético é gerado? Como isso resulta, no caso do Sol, em um ciclo de atividade de 11 anos e um ciclo magnético de 22 anos? O fato de o Sol ser a única estrela com um campo magnético estudado em detalhes tornou muito desafiador o desenvolvimento de uma teoria sobre campos magnéticos estelares.

Considerando que os astrônomos precisaram de séculos de observações das mudanças na superfície do Sol para conectá-las ao seu ciclo magnético, é uma tarefa bastante complexa fazer o mesmo com outra estrela. Primeiro, é preciso determinar o tipo de atividade estelar que a estrela apresenta em sua superfície. No caso do Sol, essa atividade é caracterizada por pequenas manchas escuras (pontos) acompanhadas por grandes estruturas brilhantes (chamadas fáculas ou plagas). Ao medir as assinaturas que essas estruturas introduzem no espectro estelar, é possível determinar se a estrela tem mais ou menos manchas do que o Sol ou quais estruturas cobrem uma área maior na superfície da estrela. Além disso, em alguns casos, é possível medir a resposta espectral ao campo magnético na superfície da estrela. Isso é conhecido como efeito Zeeman, que faz com que as linhas espectrais se dividam em múltiplos componentes em um campo magnético.

Usando um espectropolarímetro para analisar a polarização e a divisão dessas linhas espectrais, é possível calcular a intensidade e, em alguns casos, a direção do campo magnético, particularmente a componente na linha de visada (a direção que aponta para o observador). Em seguida, os astrônomos precisam procurar uma estrela jovem, pois estrelas mais jovens geralmente têm um ciclo mais rápido e ativo, o que se acredita ser devido às suas maiores velocidades de rotação. Isso as torna alvos ideais, já que exibem diferenças mais pronunciadas em seus espectros ao longo de seus ciclos e precisam ser observadas por um curto período de apenas alguns anos.

Uma estrela como Iota Horologii (Iota Hor), localizada a aproximadamente 56 anos-luz de distância, revelou-se o alvo ideal. Ela está próxima, com 600 milhões de anos de idade, é relativamente jovem para uma estrela e tem tamanho, massa e temperatura superficial semelhantes ao nosso Sol. Ela também abriga um planeta em uma órbita semelhante à da Terra. Estudos anteriores estimaram que Iota Hor poderia ter um ciclo de atividade de apenas 1,6 anos. Esse período foi curto o suficiente para ser confirmado esse ciclo e estudar mais a fundo o ciclo magnético da estrela sem a necessidade de décadas de observação telescópica. 

Foram confirmadas as características importantes da estrela, incluindo seu período de rotação, ciclos de atividade e aspectos dominantes em sua superfície. A pesquisa revelou que Iota Hor completa um ciclo magnético aproximadamente a cada 2,1 anos. Além disso, observando Iota Hor continuamente, a equipe conseguiu reconstruir seu ciclo magnético usando uma técnica chamada imagem Zeeman-Doppler. No Sol, as manchas solares geralmente aparecem em pares, uma com polaridade positiva e outra com polaridade negativa; essa técnica permite que os astrônomos identifiquem manchas em uma estrela, captando imagens das diferentes polaridades que cobrem sua superfície.

Os pesquisadores então plotaram suas imagens da luz polarizada de Iota Hor para ver como a superfície muda ao longo do tempo. Este gráfico final é conhecido como diagrama de borboleta, assim chamado por causa do formato que apresenta quando o mapa é feito para a superfície do Sol. Ao plotar este gráfico para Iota Hor, eles criaram o primeiro “diagrama de borboleta” para uma estrela que não seja o nosso Sol. Ao produzir este “diagrama de borboleta” para outra estrela, eles conseguiram confirmar com sucesso que a estrela exibe um comportamento semelhante ao do Sol, já que seu ciclo de atividade está ligado ao seu ciclo magnético.

O objetivo dessa campanha é criar um banco de estrelas semelhantes ao Sol para estudar, e este é apenas o começo. Para dar continuidade ao trabalho de desvendar os campos magnéticos estelares, os pesquisadores pretendem coletar dados de um grupo inteiro de estrelas em uma região semelhante, com a esperança de confirmar a presença de campos magnéticos.

Fonte: ESO

O clima numa anã marrom próxima

Pesquisadores da Universidade McGill e de instituições colaboradoras mapearam as características atmosféricas de uma anã marrom de massa planetária, um tipo de objeto celeste que não é nem uma estrela nem um planeta, existindo numa categoria intermediária.

© Anastasiia Nahurna (ilustração do exoplaneta SIMP 0136)

A massa desta anã marrom em particular, no entanto, está no limiar entre ser um planeta tipo Júpiter e uma anã marrom. Por isso, também foi chamada de planeta errante, ou flutuante, por não estar ligado a uma estrela.

Utilizando o telescópio espacial James Webb, a equipe captou mudanças sutis na luz de SIMP 0136, revelando complexos padrões climáticos, e em evolução, na sua superfície.

Apesar do fato de, neste momento, não podermos obter imagens diretas de planetas habitáveis à volta de outras estrelas, podemos desenvolver métodos para aprender sobre a meteorologia e a composição atmosférica de mundos muito semelhantes.

SIMP 0136 situa-se a cerca de 20 anos-luz de distância, na direção da constelação de Peixes. Com uma massa cerca de 13 vezes superior à de Júpiter, é demasiado pequeno para sustentar a fusão nuclear que alimenta as estrelas, mas possivelmente demasiado grande para ser considerado um planeta normal. Provavelmente formou-se como uma estrela antes de arrefecer e escurecer ao longo de centenas de milhões de anos. SIMP 0136 é um planeta que flutua livremente, vagueando sozinho pelo espaço, e o seu ambiente isolado torna-o um laboratório ideal para estudar as atmosferas dos gigantes gasosos sem a interferência da luz das estrelas.

O objeto foi observado durante uma rotação completa, que durou apenas 2,4 horas. Ao analisar as flutuações minúsculas de brilho em diferentes comprimentos de onda, foi descoberto que a luz de SIMP 0136 é moldada por pelo menos três camadas atmosféricas distintas. Cada camada contém nuvens feitas de diferentes materiais, tais como forsterite (uma rocha) e ferro, com temperaturas e composições químicas variáveis.

Embora não foi criado um mapa meteorológico de SIMP 0136, foi determinado que algumas camadas atmosféricas têm sinais claros de assimetria norte-sul. Esta assimetria é importante porque significa que os futuros esforços para mapear as atmosferas destes planetas terão de ser efetuados em duas dimensões: longitude e latitude. O estudo também mostrou que nenhum modelo isolado podia explicar os dados observados; apenas uma combinação de vários modelos atmosféricos podia reproduzir o espectro.

Esta descoberta apoia as teorias de que as anãs marrons e os exoplanetas gigantes têm um clima caótico e em rápida mudança, semelhante às bandas de Júpiter, mas muito mais turbulento. Compreender esta variabilidade pode ajudar na interpretação dos sinais de exoplanetas distantes. Os pesquisadores esperam aperfeiçoar as suas técnicas para mapear não só a temperatura e as nuvens, mas também os padrões de vento e os ciclos químicos em mundos alienígenas.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Institute for Research on Exoplanets

A expansão do Universo pode estar abrandando, não acelerarando

Um novo estudo sugere que a expansão do Universo pode, de fato, ter começado a abrandar, em vez de acelerar a um ritmo cada vez maior, como se pensava anteriormente.

© High-Z Supernova Search (supernova SN 1994d vista na galáxia NGC 4526)

Descobertas notáveis lançam dúvidas sobre a teoria de longa data de que uma força misteriosa conhecida como "energia escura" está afastando galáxias distantes cada vez mais depressa. Ao invés, não mostram evidências de um Universo em aceleração. Se os resultados forem confirmados, poderão abrir um capítulo inteiramente novo na busca para descobrir a verdadeira natureza da energia escura, resolver a "tensão de Hubble" e compreender o passado e o futuro do Universo.

Este estudo mostra que o Universo já entrou numa fase de expansão desacelerada na época atual e que a energia escura evolui com o tempo muito mais rapidamente do que se pensava. Se estes resultados se confirmarem, marcarão uma importante mudança de paradigma na cosmologia desde a descoberta da energia escura há 27 anos. 

Os astrónomos têm pensado, ao longo das últimas três décadas, que o Universo está se expandindo a um ritmo cada vez maior, impulsionado por um fenômeno invisível chamado energia escura, que atua como uma espécie de antigravidade. Esta conclusão, baseada em medições de distâncias de galáxias longínquas utilizando supernovas de Tipo Ia, ganhou o Prêmio Nobel da Física de 2011, recebido por Saul Perlmutter, Brian Schmit e Adam Riess.

No entanto, uma equipe de astrônomos da Universidade de Yonsei apresentou agora novas evidências de que as supernovas de Tipo Ia, há muito consideradas as "velas padrão" do Universo, são na realidade fortemente afetadas pela idade das suas estrelas progenitoras. Mesmo após a normalização da luminosidade, as supernovas de populações estelares mais jovens aparecem sistematicamente mais fracas, enquanto as de populações mais antigas aparecem mais brilhantes. Com base numa amostra muito maior de 300 galáxias hospedeiras, o novo estudo confirmou este efeito com uma significância extremamente elevada (99,999% de confiança), sugerindo que o escurecimento das supernovas distantes resulta não só de efeitos cosmológicos, mas também de efeitos astrofísicos estelares.

Quando este viés sistemático foi corrigido, os dados das supernovas já não correspondiam ao modelo cosmológico padrão Lambda-CDM com uma constante cosmológica, disseram os pesquisadores. Em vez disso, alinhavam-se muito melhor com um novo modelo favorecido pelo projeto DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument), derivado das oscilações acústicas bariónicas (OABs), efetivamente o som do Big Bang, e dos dados do fundo cósmico de micro-ondas. Os dados corrigidos das supernovas e os resultados das OABs e fundo cósmico de micro-ondas indicam que a energia escura enfraquece e evolui significativamente com o tempo.

Mais importante ainda, os pesquisadores disseram que quando os dados corrigidos das supernovas foram combinados com os resultados das OABs e do fundo cósmico de micro-ondas, o modelo padrão Lambda-CDM foi excluído com uma significância esmagadora. O mais surpreendente de tudo é que esta análise combinada indica que o Universo não está hoje acelerando como se pensava anteriormente, mas que já transitou para um estado de expansão desacelerada.

No projeto DESI, os principais resultados foram obtidos através da combinação de dados não corrigidos de supernovas com medições de oscilações acústicas bariônicas, o que levou à conclusão de que, embora o Universo venha desacelerar no futuro, ainda está acelerando atualmente. 

Após o Big Bang e a rápida expansão do Universo há cerca de 13,8 bilhões de anos, a gravidade abrandou-a. Mas em 1998, verificou-se que nove bilhões de anos após o início do Universo, a sua expansão tinha começado a acelerar de novo, impulsionada pela energia escura, mas apesar de constituir cerca de 70% do Universo, continua sendo considerada um dos maiores mistérios da ciência.

No ano passado, dados do DESI em Tucson, Arizona, EUA, sugeriram que a força exercida pela energia escura tinha mudado ao longo do tempo, e as evidências de tal têm aumentado desde então. A esperança é que, com estas novas ferramentas no seu arsenal, os astrônomos estejam agora mais bem equipados para encontrar pistas sobre o que é exatamente a energia escura e como influencia o Universo.

Um artigo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Royal Astronomical Society

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

A maior e mais distante erupção de um buraco negro

As estrelas mais massivas do Universo estão destinadas a explodir como supernovas brilhantes antes de colapsarem em buracos negros.

© Caltech (buraco negro dilacerando uma estrela massiva)

No entanto, uma estrela enorme parece nunca ter cumprido o seu destino; em jeito de ironia, a estrela aproximou-se demasiado de um buraco negro gigantesco, que a engoliu, desfazendo-a em pedaços.

Esta é a explicação mais provável que descreve a mais poderosa e mais distante erupção energética alguma vez registada por um buraco negro supermassivo. O objeto cósmico foi observado pela primeira vez em 2018 pelo ZTF (Zwicky Transient Facility), situado no Observatório Palomar, e pelo CRTS (Catalina Real-Time Transient Survey).

O surto aumentou rapidamente de intensidade por um fator de 40 durante um período de meses e, no seu pico, foi 30 vezes mais luminoso do que qualquer outra erupção observada até à data. No seu ponto mais intenso, a erupção brilhou com a luz de 10 trilhões de sóis. O buraco negro supermassivo por detrás do evento está em acreção, a cujo tipo se dá o nome núcleo galáctico ativo (NGA). Referido como J2245+3743, estima-se que este NGA seja 500 milhões de vezes mais massivo do que o nosso Sol. Encontra-se a 10 bilhões de anos-luz de distância, no Universo remoto.

Como a luz tem uma velocidade finita e leva tempo a chegar até nós, os astrônomos observam eventos distantes como este no passado, quando o Universo era jovem. A erupção do buraco negro continua sendo monitorada, embora esta esteja desaparecendo com o tempo. Realmente, para além do objeto ser observado no passado, o próprio tempo corre mais devagar no local remoto do buraco negro, em comparação com a nossa própria experiência do tempo. Trata-se de um fenômeno chamado dilatação cosmológica do tempo, devido ao alongamento do espaço e do tempo. À medida que a luz viaja através do espaço em expansão para chegar até nós, o seu comprimento de onda estica-se, tal como o próprio tempo. Estamos assistindo à reprodução do evento a um-quarto da velocidade.

Para determinar o que poderia causar uma explosão tão dramática de luz no cosmos, os pesquisadores examinaram minuciosamente uma lista de possibilidades, concluindo que o culpado mais provável é um evento de perturbação de marés. Este fenômeno ocorre quando a gravidade de um buraco negro supermassivo rasga uma estrela que se aproxime demasiado, consumindo-a lentamente ao longo do tempo, à medida que espirala para o buraco negro.

O motivo de a erupção do buraco negro J2245+3743 ainda estar em curso indica que estamos assistindo a uma estrela que ainda não foi totalmente devorada. Se o surto for de fato um evento de perturbação de marés, os cientistas estimam que o buraco negro supermassivo devorou uma estrela com uma massa pelo menos 30 vezes superior à do nosso Sol. O anterior detentor do recorde de maior candidato a um evento de perturbação de marés, apelidado de "Scary Barbie" após a sua classificação ZTF inicial como ZTF20abrbeie, não foi tão intenso. Esse evento de perturbação de marés, que também se pensa ter tido origem num NGA, foi 30 vezes mais fraco do que o de J2245+3743, e estima-se que a sua estrela condenada tivesse entre três e 10 massas solares.

A maioria dos cerca de 100 evento de perturbação de marés observados até agora não ocorre em torno de NGAs, estruturas massivas que consistem em buracos negros supermassivos rodeados por grandes discos de material que alimentam o buraco negro central. O NGA fervilha com a acreção, o que pode mascarar as explosões de evento de perturbação de marés e torná-las mais difíceis de encontrar.

A recente supererupção J2245+3743, por outro lado, foi tão grande que até foi mais fácil de observar. No entanto, ao início, J2245+3743 não parecia ser nada de especial. Em 2018, depois de o objeto ter sido avistado pela primeira vez, os pesquisadores utilizaram o telescópio Hale de 200 polegadas do Observatório Palomar para obter um espectro da luz do objeto, mas este não revelou nada de incomum. Em 2023, a equipe notou que o surto estava decaindo mais lentamente do que o esperado, pelo que obtiveram outro espectro pelo Observatório W. M. Keck, no Havaí, que indicou o brilho extremo deste NGA em particular.

No final, depois de terem sido excluídos outros cenários, os pesquisadores concluíram que J2245+3743 era a erupção mais brilhante alguma vez registada num buraco negro. Se convertermos o nosso Sol inteiro em energia, usando a famosa fórmula de Albert Einstein E=m.c², é essa a quantidade de energia que tem saído deste surto desde que a observação foi iniciada.

Uma vez estabelecido o brilho sem precedentes do evento, a equipa analisou o que o poderia ter causado. As supernovas não são suficientemente brilhantes para explicar isto; ao invés, a explicação preferida é um buraco negro supermassivo que rasga lentamente uma estrela enorme até à morte. Estrelas tão massivas são raras, mas pensa-se que as estrelas dentro do disco de um NGA podem crescer ainda mais. A matéria do disco é despejada sobre as estrelas, fazendo-as crescer em massa.

Encontrar "refeições" de buracos negros com proporções tão grandes indica que é provável que outros eventos como este estejam ocorrendo no cosmos. Os pesquisadores esperam poder explorar mais dados do ZTF para encontrar outros e o Observatório Vera C. Rubin pode também encontrar evento de perturbação de marés incomumente grandes.

Um artigo foi publicado no periódico Nature Astronomy.

Fonte: California Institute of Technology

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Ejeções de massa coronal no alvorecer do Sistema Solar

Astrônomos utilizaram observações simultâneas feitas da Terra e do espaço para medir a temperatura e a velocidade do gás ejetado por uma estrela jovem semelhante ao Sol.

© NAOJ (ilustração de ejeção de massa coronal na estrela EK Draconis)

Esta medição mostrou uma ejeção de dois componentes, consistindo em um componente quente e rápido seguido por um componente mais lento e frio. Este resultado é importante para a compreensão de como as estrelas jovens afetam o ambiente ao seu redor, onde planetas e vida podem estar se formando inicialmente, e, por extensão, fornece informações sobre os primórdios do Sistema Solar, da Terra e da vida na Terra.

O Sol ejeta frequentemente enormes massas de gás ionizado quente, chamadas plasma, associadas a erupções solares. Esses eventos são conhecidos como Ejeções de Massa Coronal (EMCs). Elas costumam ocorrer juntamente com súbitos brilhos chamados erupções solares e, às vezes, se estendem o suficiente para perturbar a magnetosfera da Terra, gerando fenômenos climáticos espaciais, incluindo auroras ou tempestades geomagnéticas, e até mesmo danificando redes elétricas em algumas ocasiões.

Observou-se que estrelas jovens semelhantes ao Sol emitem erupções estelares frequentes, e sabe-se que algumas delas estão associadas a grandes EMCs, que superam em muito qualquer uma observada no Sol atual. As EMCs no Sol contêm componentes em diferentes temperaturas, variando de 10.000 Kelvin a 1.000.000 Kelvin, mas até agora os dados sobre EMCs em outras estrelas se limitavam a um único componente de temperatura, especialmente o plasma de baixa temperatura.

Enormes EMCs do Sol primitivo podem ter impactado severamente os ambientes primordiais da Terra, Marte e Vênus. No entanto, ainda não está claro até que ponto as explosões nessas estrelas jovens exibem EMCs semelhantes às solares. Nos últimos anos, o plasma frio das EMCs foi detectado por meio de observações ópticas terrestres. No entanto, a alta velocidade e a esperada ocorrência frequente de EMCs fortes no passado permaneceram um mistério.

Para obter uma compreensão mais completa dos eventos de EMC em estrelas jovens, uma equipe internacional de pesquisadores liderada por Kosuke Namekata, da Universidade de Kyoto, organizou observações em ultravioleta com o telescópio espacial Hubble e observações ópticas com telescópios terrestres no Japão e na Coreia para medir simultaneamente diferentes componentes de temperatura de um evento de EMC estelar.

Seu alvo era a jovem estrela semelhante ao Sol, EK Draconis, localizada a 111 anos-luz de distância, na direção da constelação de Draco. A equipe obteve sucesso na observação de diferentes componentes de temperatura de um evento de EMC. Primeiramente, um plasma quente de 100.000 Kelvin foi ejetado a uma velocidade entre 300 e 550 km/s, seguido, cerca de dez minutos depois, por um gás mais frio, a aproximadamente 10.000 Kelvin, ejetado a 70 km/s. Isso indica que os componentes mais quentes das Ejeções de Massa Coronal (EMCs) estelares possuem energias cinéticas maiores do que os componentes mais frios e, portanto, podem afetar as atmosferas de exoplanetas de forma mais severa do que se inferia anteriormente a partir de medições limitadas apenas ao plasma frio. 

Como o jovem Sol era presumivelmente semelhante a EK Draconis, isso fornece informações sobre as condições no Sistema Solar primitivo, que provavelmente foi perturbado por EMCs enormes e rápidas. Estudos teóricos e experimentais sugerem que as EMCs rápidas desempenham um papel na iniciação de biomoléculas e gases de efeito estufa, essenciais para o surgimento e a manutenção da vida em um planeta primitivo.

Portanto, essa descoberta tem implicações importantes para a compreensão da habitabilidade planetária e das condições sob as quais a vida surgiu na Terra e, possivelmente, em outros lugares. A equipe planeja continuar sua pesquisa com novas observações usando raios X, ondas de rádio e telescópios espaciais ultravioleta de última geração para entender melhor as condições ao redor de estrelas jovens onde planetas, e possivelmente vida, se formam. Em particular, este estudo destaca a importância da astronomia ultravioleta, que será explorada mais a fundo pela futura missão LAPYUTA da JAXA (Japan Aerospace Exploration Agency).

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: National Astronomical Observatory of Japan