sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Surpresa: a Via Láctea não é homogênea

Astrônomos da Universidade de Genebra observaram a composição dos gases na nossa Galáxia e mostraram que, ao contrário dos modelos estabelecidos até agora, não se misturam homogeneamente.

© Mark A. Garlick (nuvens e fluxos de gás cósmico pristino)

A ilustração mostra nuvens e fluxos de gás cósmico pristino (magenta) que acretam na Via Láctea, mas este gás não se mistura de forma eficiente no disco galáctico, como destacado para a vizinhança solar (ampliação).

Para melhor entender a história e a evolução da Via Láctea, os astrônomos estão estudando a composição dos gases e dos metais que compõem uma parte importante da nossa Galáxia. Destacam-se três componentes principais: o gás inicial oriundo do exterior da Via Láctea, o gás entre as estrelas, no seu interior enriquecido com elementos químicos, e a poeira gerada pela condensação dos metais presentes neste gás.

Até agora, os modelos teóricos presumiam que estes três componentes se misturavam homogeneamente por toda a Via Láctea e que atingiam um nível de enriquecimento químico semelhante ao da atmosfera do Sol, denominado metalicidade solar. 

Os astrônomos demonstram que estes gases não se misturam tanto quanto se pensava, o que tem um forte impacto na compreensão atual da evolução galáctica. Como resultado, as simulações da evolução da Via Láctea terão que ser modificadas. 

As galáxias são coleções gigantes de estrelas e são formadas pela condensação do gás do meio intergaláctico composto principalmente de hidrogênio e um pouco de hélio. Enquanto que as estrelas queimam o hidrogênio que as constitui ao longo da sua vida e formam outros elementos por meio da nucleossíntese. Quando uma estrela que chegou ao fim da sua vida explode, expele os metais que produziu, como ferro, zinco, carbono e silício, adicionando estes elementos ao gás da galáxia. Estes átomos podem então condensar-se em poeira, especialmente nas partes mais frias e densas da galáxia.

Inicialmente, quando a Via Láctea foi formada, há mais de 10 bilhões de anos, não tinha metais. A partir daí, as estrelas enriqueceram gradualmente o ambiente com os metais que produziam. O ambiente que compõe a Via Láctea, portanto, reúne os metais produzidos pelas estrelas, as partículas de poeira que se formaram a partir destes metais, mas também os gases de fora da Galáxia que regularmente entram nela.

Até agora, os modelos teóricos consideravam que estes três componentes se misturavam homogeneamente e atingiam a composição solar na nossa Galáxia, com um ligeiro aumento da metalicidade no centro, onde as estrelas são mais numerosas. 

Os astrônomos observaram em detalhes este aspecto usando um espectrógrafo ultravioleta no telescópio espacial Hubble. A espetroscopia permite que a luz das estrelas seja separada nas suas cores ou frequências individuais, um pouco como um prisma ou um arco-íris. Nesta luz decomposta, notam-se as linhas de absorção que permitem verificar a existência de metais. 

Durante 25 horas, a equipe de cientistas observou a atmosfera de 25 estrelas usando o telescópio espacial Hubble e o Very Large Telescope (VLT) no Chile. O problema? A poeira não pode ser contada com estes espectrógrafos, embora contenha metais. Portanto, a equipe desenvolveu uma nova técnica de observação. Trata-se de levar em consideração a composição total do gás e da poeira observando simultaneamente vários elementos como o ferro, zinco, titânio, silício e oxigênio. Em seguida é possível rastrear a quantidade de metais presentes na poeira e adicioná-la àquela já quantificada pelas observações anteriores para obter o total. Graças a esta dupla técnica de observação, os astrônomos descobriram que não só o ambiente da Via Láctea não é homogêneo, mas que algumas das áreas estudadas atingem apenas 10% da metalicidade solar.

Esta descoberta desempenha um papel fundamental na concepção de modelos teóricos sobre a formação e evolução das galáxias. Agora, os astrônomos pretendem refinar as simulações aumentando a resolução, para incluir estas mudanças na metalicidade em diferentes locais da Via Láctea. Estes resultados têm um forte impacto na compreensão da evolução das galáxias. Contudo, os metais desempenham uma função primordial na formação das estrelas, da poeira cósmica, das moléculas e dos planetas. E sabemos agora que podem ser formadas hoje novas estrelas e planetas a partir de gases com composições muito diferentes.

Um artigo sobre o assunto foi publicado na revista Nature.

Fonte: Université de Genève

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

O asteroide Cleópatra

Uma equipe de astrônomos obteve as imagens mais nítidas e detalhadas do asteroide Cleópatra.

© ESO/VLT (asteroide Cleópatra e suas luas)

Uma equipe, liderada Franck Marchis, astrônomo do Instituto SETI em Mountain View, EUA, e do Laboratoire d'Astrophysique de Marseille, França, determinou a forma tridimensional e a massa deste asteroide peculiar, que se parece com um osso de cachorro, com uma precisão maior do que nunca. Este estudo fornece pistas sobre como é que este asteroide e as duas luas que o orbitam se formaram.

Cleópatra orbita o Sol no Cinturão de Asteroides, entre Marte e Júpiter. Observações por radar, obtidas há cerca de 20 anos, revelaram que este objeto possui dois lóbulos ligados por uma haste grossa. Em 2008, foi descoberto que Cleópatra tem em sua órbita duas luas, chamadas AlexHelios e CleoSelene, em homenagem aos filhos da rainha egípcia. 

Para saberem mais sobre Cleópatra, os astrônomos usaram fotografias do asteroide tiradas entre 2017 e 2019 em momentos diferentes, com o instrumento SPHERE (Spectro-Polarimetric High-contrast Exoplanet REsearch) montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO. À medida que o asteroide ia rodando sobre si mesmo, foi possível observá-lo a partir de diversos ângulos e criar os modelos 3D mais precisos de sua forma até o momento. Estes modelos limitaram a forma de “osso de cachorro” do asteroide e o seu volume, descobrindo que um dos lóbulos é maior que o outro e determinando que o comprimento do asteroide é cerca de 270 km, ou seja, ou cerca de metade do comprimento do Canal da Mancha.

Em um segundo estudo, liderado por Miroslav Brož da Universidade Charles em Praga, República Tcheca, detalha como utilizou observações do SPHERE para determinar com precisão as órbitas das duas luas de Cleópatra. Estudos anteriores já tinham estimado estas órbitas, mas as novas observações do VLT mostraram que as luas não estavam onde os dados antigos tinham previsto.

Graças às novas observações e a modelos sofisticados, a equipe conseguiu descrever de forma precisa como é que a gravidade de Cleópatra influencia os movimentos das suas luas e determinar as órbitas complexas de AlexHelios e CleoSelene, o que, por sua vez, lhe permitiu calcular a massa do asteroide, descobrindo assim que esta é 35% menor do que o estimado anteriormente.

Combinando estes novos valores de massa e volume, os astrônomos puderam calcular um novo valor para a densidade do asteroide, a qual, sendo menor que metade da densidade do ferro, revelou ser menor do que o que se pensava anteriormente. A nova densidade calculada é de 3,4 gramas por centímetro cúbico, enquanto anteriormente se pensava que a sua densidade média fosse de 4,5 gramas por centímetro cúbico.

A baixa densidade de Cleópatra, que se pensa ter uma composição metálica, sugere que este asteroide tem uma estrutura porosa e poderá ser pouco mais que um “monte de entulho”, o que significa, muito provavelmente, que se formou quando material continuou acumulando após um enorme impacto. 

A estrutura do asteroide Cleópatra e a maneira como ele gira também dão indicações de como suas duas luas poderiam ter se formado. O asteroide gira quase a uma velocidade crítica (que corresponde à velocidade acima da qual começaria a se desfazer) e por isso até pequenos impactos podem arrancar pedras da sua superfície. Pode ser que o asteroide Cleópatra é literalmente responsável pelo nascimento das suas luas. 

As novas imagens de Cleópatra e os resultados que daí se obtêm apenas foram possíveis graças a um dos sistemas de óptica adaptativa avançada em uso no VLT, situado no deserto chileno do Atacama. A óptica adaptativa ajuda a corrigir as distorções causadas pela atmosfera terrestre que faz com que os objetos pareçam desfocados, o mesmo efeito que faz com que as estrelas “cintilem” quando observadas a partir da Terra.

Devido a estas correções, o SPHERE foi capaz de obter imagens de Cleópatra, localizado a 200 milhões de quilômetros de distância da Terra quando está na sua posição mais próxima de nós, apesar do seu tamanho aparente do céu ser equivalente ao de uma bola de golfe situada a 40 km de distância.

O futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, com os seus sistemas de óptica adaptativa avançados, será ideal para obter imagens de asteroides distantes tais como Cleópatra.

Os estudos foram publicados no periódico Astronomy & Astrophysics

Fonte: ESO

Colisão estelar desencadeia explosão de supernova

Os astrônomos encontraram evidências dramáticas de que ou um buraco negro ou uma estrela de nêutrons espiralou até ao núcleo de uma estrela companheira e fez com que esta companheira explodisse como uma supernova.

© NRAO/Bill Saxton (detritos velozes de uma explosão de supernova)

As informações foram obtidas através de dados do VLASS (Very Large Array Sky Survey), um projeto de vários anos usando o VLA (Karl G. Jansky Very Large Array).

Os teóricos previram que isto poderia acontecer, mas esta é a primeira vez que realmente foi visto tal evento. A primeira pista surgiu quando os cientistas examinaram imagens do VLASS, que começou as observações em 2017, e encontraram um objeto brilhante emitindo ondas de rádio, mas que não havia aparecido num levantamento anterior do céu pelo VLA, de nome FIRST (Faint Images of the Radio Sky at Twenty centimeters). Fizeram observações subsequentes do objeto, designado VT 1210+4956, usando o VLA e o telescópio Keck no Havaí. Determinaram que a emissão brilhante no rádio vinha dos arredores de uma galáxia anã, formadora de estrelas, a cerca de 480 milhões de anos-luz da Terra. Mais tarde, descobriram que um instrumento a bordo da Estação Espacial Internacional tinha detectado, em 2014, uma explosão de raios X oriunda do objeto. 

Os dados de todas estas observações permitiram aos astrônomos reunir a história fascinante de uma dança da morte com séculos de duração entre duas estrelas massivas. Tal como a maioria das estrelas que são muito mais massivas do que o nosso Sol, estas duas nasceram como um par binário, orbitando-se uma à outra. Uma delas era mais massiva do que a outra e evoluiu ao longo do seu tempo de vida normal, alimentada pela fusão nuclear, mas mais rapidamente, e explodiu como uma supernova, deixando para trás ou um buraco negro ou uma estrela de nêutrons superdensa. A órbita do buraco negro ou da estrela de nêutrons ficou cada vez mais perto da sua companheira e há cerca de 300 anos entrou na atmosfera da companheira. Neste ponto, a interação começou a espalhar gás da companheira para o espaço. O gás ejetado, espiralando para fora, formou um anel em forma de rosca e em expansão, chamado toro, em torno do par. 

Eventualmente, o buraco negro ou a estrela de nêutrons fez o seu percurso em direção ao núcleo da estrela companheira, perturbando a fusão nuclear que produz a energia que impedia o colapso do núcleo sob a sua própria gravidade. À medida que o núcleo colapsava, formou brevemente um disco de material em órbita íntima da intrusa e impulsionou um jato de material para fora do disco a velocidades próximas da da luz, perfurando o seu caminho através da estrela. 

Este jato é o que produziu os raios X vistos pelo instrumento MAXI a bordo da ISS, e isto confirma a data deste evento em 2014. O colapso do núcleo da estrela fez com que ela explodisse como uma supernova, seguindo a explosão anterior da sua irmã. A estrela companheira iria explodir eventualmente, mas esta fusão acelerou o processo. 

O material expulso pela explosão de supernova de 2014 moveu-se muito mais depressa do que o material lançado anteriormente da estrela companheira e, quando o VLASS observou o objeto, a explosão de supernova estava colidindo com este material, provocando choques poderosos que produziram a brilhante emissão de rádio vista pelo VLA.

Um artigo que relata a descoberta foi publicado na revista Science.

Fonte: National Radio Astronomy Observatory

Um possível cometa binário extinto na região próxima à Terra

Pesquisadores do Observatório Nacional (ON) podem ter identificado o primeiro núcleo de cometa binário extinto da história na região dos Objetos Próximos da Terra (NEOs, na sigla em inglês).

© NASA/JPL-Caltech (ilustração do asteroide binário 2017 YE5)

Trata-se do objeto 2017 YE5, que fez um encontro próximo com a Terra em junho de 2018, atingindo uma distância de cerca de 0,04 UA (unidades astronômicas), ou 6 milhões de quilômetros (cerca de 16 vezes a distância da Terra à Lua). 

O objeto foi descoberto em dezembro de 2017, mas nenhum detalhe sobre suas propriedades físicas e binaridade foram conhecidas até junho de 2018. Na passagem de 2018, os observatórios de radar do Arecibo, Green Bank e Goldstone identificaram que se tratava de um sistema binário. Mais precisamente, eles relataram que o 2017 YE5 é composto por dois corpos de aproximadamente 900 metros de diâmetro que orbitam um ao outro em torno de um centro de massa comum entre eles. 

Sistemas binários formados por componentes de tamanhos semelhantes são relativamente raros na região dos NEOs. O 2017 YE5 é um dos apenas quatro sistemas deste tipo conhecidos. Os outros três são 69230 Hermes, (190166) 2005 UP156 e 1994 CJ1. 

Durante a aparição de 2018, uma equipe de pesquisadores liderados pelo astrônomo do ON Filipe Monteiro realizou observações fotométricas do binário 2017 YE5 no Observatório Astronômico do Sertão de Itaparica (OASI), no Observatório Astronómico Nacional de San Pedro Martír (OAN-SPM, México) e no Blue Mountain Observatory (BMO, Austrália). Com os dados obtidos nos diferentes observatórios, foi possível realizar uma caracterização completa deste sistema binário incluindo: período orbital do sistema e o período rotacional dos componentes; os índices de cor (relacionados à composição superficial dos asteroides); densidade média; albedo (quantidade de radiação solar refletida) e tipo taxonômico (sistema de classificação de asteroides baseado na forma do espectro de reflectância e no albedo).

Os pesquisadores determinaram que o período orbital do sistema binário em torno do centro de massa comum é de cerca de 24 horas. No entanto, ao analisar possíveis períodos adicionais no sistema, os astrônomos verificaram que um dos objetos pode estar girando com um período de rotação de cerca de 15 horas: “Geralmente, esses sistemas com corpos de tamanho semelhantes estão totalmente sincronizados, o que significa que o período orbital é igual ao período de rotação dos corpos. Mas nesse sistema, um dos corpos parece não ter atingido a sincronização ainda. Uma das possibilidades é a de que o sistema seja relativamente recente e ainda não conseguiu atingir a sincronização completa,” explicou Monteiro. 

Além disso, não se descarta que os componentes deste sistema possam ter composições diferentes, o que tornaria o processo de sincronização mais longo devido à diferença entre as massas dos corpos. O estudo indica que o objeto possui uma superfície muito avermelhada, consistente com os asteroides do tipo D, um tipo primitivo de asteroide, rico em material orgânico e volátil. A densidade média do objeto é de cerca de 1g/cm³, o que sugere a presença de voláteis (por exemplo, gelos) no interior dos componentes do sistema.

Os índices de cor obtidos para 2017 YE5 também são típicos de cometas da família de Júpiter, o que ocorre porque a maioria dos núcleos destes cometas exibem características superficiais semelhantes aos asteroides primitivos do tipo D. Por fim, dados no infravermelho disponibilizados pelo projeto MIT-Hawai near-Earth object survey permitiram derivar um albedo de cerca de 3% para o binário 2017 YE5, consistente com os resultados encontrados na literatura para núcleos cometários.

“Por se tratar de um objeto que possui uma órbita típica de cometas da família de Júpiter, estas características indicam que o sistema 2017 YE5 é um possível núcleo cometário binário, cujo material volátil foi perdido ao longo de sua história ou está guardado em seu interior”, explicou Monteiro. 

Embora o objeto pareça um cometa extinto, já que não foi observado sublimação de gelo, ele foi classificado como dormente, pois, como mencionado, os componentes voláteis podem estar abaixo de uma camada de rocha. A descoberta de um objeto como este na região próxima da Terra reforça a existência de cometas extintos e dormentes entre os NEOs, o que é bastante relevante, inclusive para entender como o material volátil (inclusive a água) chegou até a Terra.

“É importante mencionar que diversos estudos têm apontado os cometas (e asteroides primitivos) como os principais fornecedores de material orgânico e volátil para Terra primitiva, o que pode ter ajudado a criar um ambiente capaz de gerar as primeiras formas de vida,” ressaltou Monteiro. 

Por fim, os pesquisadores concluíram que o binário 2017 YE5 parece ser um alvo plausível para uma missão espacial, pois pode fornecer detalhes sobre o conteúdo volátil e orgânico na região próxima à Terra, bem como fornecer pistas sobre diferenças nos processos de formação de sistemas binários. Uma missão de retorno de amostra a um asteroide como este proporcionaria um grande progresso na compreensão da história inicial do Sistema Solar e na pesquisa da origem da vida na Terra. Ademais, por ser um possível cometa dormente, é um alvo interessante para entender os estados finais dos cometas, ou para estudar os processos dinâmicos que movem os asteroides de órbitas asteroidais típicas para órbitas cometárias.

As investigações resultaram em um artigo intitulado “Physical characterization of equal-mass binary near-Earth asteroid 2017 YE5: a possible dormant Jupiter-family comet”, publicado em agosto de 2021 no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society

Veja outras informações: Revelada a existência de raro asteroide duplo.

Fonte: Observatório Nacional

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Anãs brancas queimando hidrogênio e envelhecendo lentamente

Podem as estrelas moribundas deter o segredo da juventude? Novas evidências do telescópio espacial Hubble sugerem que as anãs brancas podem continuar queimando hidrogênio nos estágios finais das suas vidas, fazendo com que pareçam mais jovens do que realmente são.

© Hubble (aglomerados globulares M3 e M13)

Esta descoberta pode ter consequências sobre a medida da idade dos aglomerados estelares. A visão predominante das anãs brancas como estrelas inertes e em arrefecimento foi contestada por observações do telescópio espacial Hubble. Um grupo internacional de astrônomos descobriu a primeira evidência de que as anãs brancas podem diminuir o ritmo do seu envelhecimento queimando hidrogênio na sua superfície.

Isto foi uma grande surpresa, pois está em desacordo com o que geralmente se pensa. As anãs brancas são estrelas em lento arrefecimento que liberaram as suas camadas exteriores durante os últimos estágios das suas vidas. São objetos comuns no cosmos: aproximadamente 98% de todas as estrelas do Universo acabarão por tornar-se anãs brancas, incluindo o nosso próprio Sol. 

O estudo destes estágios de arrefecimento ajuda entender não apenas as anãs brancas, mas também os seus estágios iniciais. Para investigar a física subjacente à evolução das anãs brancas, os astrônomos compararam anãs brancas em duas coleções massivas de estrelas: os aglomerados globulares M3 e M13. Estes dois aglomerados partilham muitas propriedades físicas, como idade e metalicidade (a proporção de outros elementos que não o hidrogênio e hélio). Em particular, as estrelas num estágio evolutivo conhecido como Ramo Horizontal são mais azuis em M13, indicando uma população de estrelas mais quentes. Isto torna M3 e M13, juntas, um laboratório natural perfeito no qual testar como populações diferentes de anãs brancas arrefecem.

Usando o instrumento WFC3 (Wide Field Camera 3) do Hubble, os astrônomos observaram M3 e M13 no ultravioleta próximo, permitindo-lhes comparar mais de 700 anãs brancas nos dois aglomerados. Eles descobriram que o aglomerado M3 contém anãs brancas padrão que são simplesmente núcleos estelares em arrefecimento. O aglomerado M13, por outro lado, contém duas populações de anãs brancas: anãs brancas padrão e aquelas que conseguiram manter um invólucro exterior de hidrogênio, permitindo-lhes realizar fusão nuclear por mais tempo e, portanto, arrefecer mais lentamente. 

Comparando os seus resultados com simulações da evolução estelar em M13, os pesquisadores conseguiram mostrar que cerca de 70% das anãs brancas em M13 estão queimando hidrogênio nas suas superfícies, diminuindo o ritmo a que arrefecem.

Esta descoberta pode ter consequências sobre como os astrônomos medem as idades das estrelas na Via Láctea. A evolução das anãs brancas foi modelada anteriormente como um processo de arrefecimento previsível. Esta relação relativamente direta entre idade e temperatura possibilitou usar o ritmo de arrefecimento das anãs brancas como um relógio natural para determinar as idades dos aglomerados estelares, em particular dos globulares e dos abertos. 

No entanto, as anãs brancas que queimam hidrogênio podem fazer com que estas estimativas de idade sejam imprecisas até um bilhão de anos. Esta descoberta desafia a definição das anãs brancas à medida que seja considerada uma nova perspetiva sobre o modo como as anãs brancas envelhecem. Os pesquisadores estão agora analisando outros aglomerados semelhantes a M13 para restringir ainda mais as condições que levam as estrelas a manter o fino invólucro de hidrogênio que lhes permite envelhecer lentamente.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: ESA

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Um aglomerado globular brilhante

Esta imagem cravejada de estrelas obtida pelo telescópio espacial Hubble retrata o aglomerado globular NGC 6717, que fica a mais de 20.000 anos-luz da Terra, na constelação de Sagitário.

© Hubble (NGC 6717)

O NGC 6717 é uma coleção quase esférica de estrelas fortemente unidas pela gravidade. Os aglomerados globulares contêm mais estrelas em seus centros do que em suas regiões externas; as bordas escassamente povoadas do NGC 6717 contrastam fortemente com a coleção cintilante de estrelas em seu centro.

O centro da imagem também contém alguns intrusos. Estrelas brilhantes em primeiro plano são cercadas por efeitos de difração formadas pela luz das estrelas interagindo com as estruturas que sustentam o espelho secundário do telescópio espacial Hubble.

A área do céu noturno que contém a constelação de Sagitário também possui o centro da Via Láctea, que é preenchido com gás e poeira que absorvem luz. Esta absorção de luz, denominada extinção, torna o estudo de aglomerados globulares próximos ao centro da Galáxia um desafio. 

Para determinar as propriedades do aglomerado globular NGC 6717, os astrônomos usaram uma combinação da Wide Field Camera 3 do Hubble e da Advanced Camera for Surveys.

Fonte: NASA

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Uma população oculta de objetos cósmicos

Um novo estudo fornece uma explicação tentadora de como um objeto cósmico peculiar chamado WISEA J153429.75-104303.3 teve origem.

© JPL-Caltech (a anã marrom se movendo)

O objeto é uma anã marrom. Embora se formem como estrelas, estes objetos não têm massa suficiente para dar início a fusão nuclear, o processo que faz com que as estrelas brilhem.

A anã marrom escapou aos levantamentos normais porque não se parece com nenhuma das pouco mais de 2.000 anãs marrons que foram encontradas na nossa Galáxia até agora. À medida que as anãs marrons envelhecem, arrefecem e o seu brilho em diferentes comprimentos de onda muda. Não é diferente de como alguns metais, quando aquecidos, vão do branco brilhante ao vermelho profundo à medida que arrefecem. 

A anã marrom confundiu os cientistas porque era tênue em alguns comprimentos de onda importantes, sugerindo que era muito fria e antiga, mas brilhante em outros, indicando uma temperatura mais alta.

A anã marrom pode ter entre 10 e 13 bilhões de anos, pelo menos o dobro da média de idades de outras anãs marrons conhecidas. Isto significa que teria sido formada quando a Via Láctea era muito mais jovem e tinha uma composição química diferente. 

A anã marrom foi detectada pela primeira vez pelo NEOWISE (Near-Earth Object Wide-Field Infrared Survey Explorer) da NASA. Dado que as anãs marrons são objetos relativamente frios, irradiam principalmente luz infravermelha, ou comprimentos de onda maiores do que o olho humano pode ver.

Para descobrir como a anã marrom poderia ter propriedades tão contraditórias, os cientistas precisaram de mais informações. Então, observaram o objeto em comprimentos de onda infravermelhos adicionais com um telescópio terrestre no Observatório W. M. Keck no Havaí. Mas a anã marrom aparentava tão tênue nestes comprimentos de onda, que nem sequer foi possível detectá-la, aparentemente confirmando que era muito fria. 

Após medir a distância do objeto, cerca de 50 anos-luz da Terra, a equipe percebeu que estava se movendo rapidamente, cerca de 800.000 km/h. Este valor é muito superior ao de todas as outras anãs marrons conhecidas por estarem a esta distância da Terra, o que significa que provavelmente viaja pela Galáxia há muito tempo, encontrando objetos massivos que a aceleram com a sua gravidade.

Com várias evidências que sugerem que a anã marrom é extremamente antiga, os pesquisadores propõem que as suas estranhas propriedades não são de todo estranhas e que podem ser uma pista da sua idade. Quando a Via Láctea se formou há cerca de 13,6 bilhões de anos, era composta quase inteiramente de hidrogênio e hélio. Outros elementos, como o carbono, formaram-se dentro das estrelas; quando as estrelas mais massivas explodiram como supernovas, espalharam os elementos por toda a Galáxia. O metano, composto por hidrogênio e carbono, é comum na maioria das anãs marrons que têm uma temperatura semelhante à do objeto. 

Mas o perfil de luz de da anã marrom sugere que contém muito pouco metano. Tal como todas as moléculas, o metano absorve comprimentos de onda específicos, de modo que uma anã marrom rica em metano seria fraca nestes comprimentos de onda. A anã marrom, por contraste, é brilhante nestes comprimentos de onda, o que pode indicar baixos níveis de metano. Assim, o perfil de luz do objeto poderia corresponder ao de uma anã marrom muito velha que se formou quando a Galáxia ainda era pobre em carbono; muito pouco carbono durante a formação significa muito pouco metano na sua atmosfera hoje.

Para encontrar anãs marrons mais antigas, se é que existem, os pesquisadores podem ter que mudar a forma como procuram estes objetos. A anã marrom foi descoberta pelo cientista cidadão Dan Caselden, que estava usando um programa online que ele desenvolveu para encontrar anãs marrons em dados do NEOWISE. 

O céu está repleto de objetos que irradiam luz infravermelha; no geral, estes objetos parecem permanecer fixos no céu, devido à sua grande distância da Terra. Mas dado que as anãs marrons são tão fracas, são visíveis apenas quando estão relativamente perto da Terra, e isto significa que os cientistas podem observá-las movendo-se pelo céu durante meses ou anos.

O programa de Caselden tentou remover os objetos infravermelhos estacionários (como estrelas distantes) dos mapas do NEOWISE e destacar objetos em movimento que tinham características semelhantes às das anãs marrons conhecidas. Ele estava olhando para uma destas candidatas a anã marrom quando avistou outro objeto muito mais fraco movendo-se rapidamente. Este acabaria por ser WISEA J153429.75-104303.3, que não havia sido destacada porque não correspondia ao perfil de anã marrom do programa. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Jet Propulsion Laboratory

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Buracos negros crescendo e galáxias decaindo

Conforme a galáxia espiral barrada NGC 4921 desfalece no Aglomerado Coma, a cerca de 320 milhões de anos-luz de distância em Coma Berenices, ela está perdendo pedaços de si mesma ao longo do caminho. Mas novas observações mostram que não está perdendo tudo.

© ALMA/Hubble (NGC 4921)

A imagem composta mostra os dados do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) (vermelho/laranja) que revelam estruturas de filamentos deixadas para trás pela remoção de pressão de arraste, sobrepostas em uma visão de luz visível do telescópio espacial Hubble da galáxia espiral NGC 4921.

O espaço entre as galáxias neste aglomerado é preenchido com tênue gás quente e, conforme a galáxia cai neste gás, é influenciada pelo vento. Este vento, conhecido como pressão de arraste, remove o gás da galáxia e o seu reservatório de formação de estrelas. 

Os astrônomos há muito testemunham os efeitos da pressão de arraste em aglomerados de galáxias. Mas agora, usando o ALMA no Chile, William Cramer (Arizona State University) e colegas captaram a primeira evidência de que a pressão de arraste nem sempre tira tudo. Entre as nuvens de gás na galáxia NGC 4921, algumas delas estão retornando para a galáxia. Parece que os campos magnéticos os estão segurando contra o vento. 

As observações do ALMA cobrem apenas a borda da galáxia NGC 4921 conforme ela colapsa no aglomerado de galáxias. É provável que haja ainda mais gás caindo em outros quadrantes. Observações adicionais ajudarão a quantificar a quantidade de gás que retorna, prolongando a vida de formação estelar da galáxia.

O momento angular, ou spin, representa um problema para os astrofísicos. Nada está em repouso: estrelas, planetas e galáxias nascem girando. Então, como é que qualquer coisa cai no meio: como as estrelas acumulam gás, como os planetas crescem e como as galáxias alimentam seus buracos negros centrais? Para que qualquer objeto neste universo cresça ou evolua, primeiro precisa se livrar do spin. 

Uma nova simulação cosmológica mostra este processo em ação para um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia, que está embutido em um halo maior de gás quente. A simulação mostra o fluxo de gás desde o halo, 100.000 anos-luz ou mais, até seu buraco negro supermassivo central.

A grande variedade de escala permite que esta simulação visualize processos que os anteriores não conseguiam. As simulações mostram que estruturas de galáxias, como braços espirais, usam forças gravitacionais para bloquear o gás que orbitaria os centros das galáxias para sempre. Este mecanismo de frenagem permite que o gás caia em buracos negros.

A simulação é realista o suficiente para mostrar supernovas individuais explodindo na galáxia hospedeira e estrelas impulsionando ventos de partículas e radiação intensa. No entanto, a simulação não inclui nenhum retorno do buraco negro; fornece uma imagem de como um buraco negro supermassivo cresceria na ausência de seus próprios jatos ou ventos, o que poderia esculpir uma cavidade central e crescer lentamente. Incorporar o retorno do buraco negro continua sendo um projeto para o futuro.

O estudo será publicado no periódico Astrophysical Journal.

Fonte: Sky & Telescope

Um quarto das estrelas semelhantes ao Sol canibaliza seus planetas

Em sistemas planetários formados por estrelas semelhantes ao Sol, mas que apresentam processos dinâmicos severos que causam reconfigurações em sua arquitetura, alguns planetas podem ter sido “devorados” pela estrela hospedeira.


© Vanderbilt University (ilustração de estrela engolfando exoplaneta)

Uma equipe internacional de astrônomos, liderada por Lorenzo Spina, do Istituto Nazionale di Astrofisica (INAF), de Pádua, Itália, e incluindo Jorge Meléndez, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), estudou a composição química de estrelas de tipo solar em mais de cem sistemas binários, a fim de identificar assinaturas de planetas eventualmente “engolidos”.

“Em um sistema binário, as duas estrelas são formadas a partir do mesmo material e, portanto, deveriam ser quimicamente idênticas. No entanto, quando um planeta cai em uma estrela, ele é dissolvido na região mais externa do interior estelar, chamada de zona convectiva, e pode modificar a composição dessa região, aumentando o conteúdo de elementos químicos, ditos ‘refratários’, que são abundantes em planetas rochosos. Nas estrelas cujas assinaturas indicam o engolfamento de planetas são observadas quantidades maiores de lítio e de ferro em relação à sua estrela companheira gêmea do sistema binário,” disse Meléndez. 

O lítio é destruído no interior das estrelas, mas preservado no material que compõe os planetas. Portanto, uma abundância anormalmente alta desse elemento químico em uma estrela pode indicar que o material planetário foi engolido por ela. O estudo baseou-se em observações de 31 pares binários, portanto, de 62 estrelas, obtidas com o espectrógrafo HARPS no telescópio de 3,6 metros do Observatório de La Silla, operado pelo European Southern Observatory (ESO). 

Os dados levantados no local foram complementados com resultados anteriores, já consignados na literatura especializada. O Observatório de La Silla localiza-se no deserto do Atacama, nos Andes chilenos, em uma região extremamente seca, solitária e distante da poluição luminosa, que apresenta um dos céus noturnos mais escuros da Terra. 

“Esta foi a maior amostra já estudada de estrelas similares em sistemas binários e os resultados mostraram que pelo menos um quarto das estrelas de tipo solar ‘devora’ seus próprios planetas. A descoberta sugere que uma fração significativa dos sistemas planetários teve um passado muito dinâmico, ao contrário do nosso Sistema Solar, que preservou uma arquitetura ordenada,” afirma Meléndez. 

Esse resultado abre a possibilidade de usar abundâncias de certos elementos químicos para identificar estrelas com composição similar à do Sol. Estrelas deficientes em elementos ditos refratários apresentam maior probabilidade de hospedar estruturas análogas à de nosso Sistema Solar. 

Um sistema binário bastante estudado é 16 Cygni, situado a uma distância de aproximadamente 69 anos-luz da Terra. O sistema é formado por duas estrelas anãs amarelas parecidas com o Sol, 16 Cygni A e 16 Cygni B. E talvez englobe também uma estrela anã vermelha. Estima-se que 16 Cygni A e 16 Cygni B estejam separadas por uma distância de 860 UA, ou seja, 860 vezes a distância entre a Terra e o Sol. Para efeito de comparação, a distância entre o Sol e a chamada Heliopausa, que constitui a fronteira mais distante do Sistema Solar, é estimada entre 110 e 160 UA. 

Apesar da enorme distância que separa as duas estrelas gêmeas, a órbita fortemente excêntrica de um planeta maior do que Júpiter que orbita a estrela 16 Cygni B talvez se deva à perturbação gravitacional produzida pela estrela 16 Cygni A.

Nota-se também que a componente 16 Cygni A, que não tem nenhum planeta detectado, é sobreabundante em elementos refratários, o que sugere que talvez essa estrela já tenha engolido planetas. 

A pesquisa teve apoio da FAPESP, por meio de projeto Temático “Espectroscopia de alta precisão: das primeiras estrelas aos planetas”, coordenado por Meléndez. 

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: Agência FAPESP

Herbig-Haro em ação

Esta imagem impressionante apresenta um fenômeno celestial relativamente raro conhecido como objeto Herbig-Haro.

© Hubble (HH111)

Este objeto Herbig-Haro em particular é denominado HH111 e foi fotografado pela Wide Field Camera 3 (WFC3) do telescópio espacial Hubble. 

Estes objetos espetaculares são formados em circunstâncias muito específicas. Estrelas recém-formadas são frequentemente muito ativas e, em alguns casos, expelem jatos muito estreitos de gás ionizado que se move rapidamente; sendo o gás tão quente que suas moléculas e átomos perderam seus elétrons, tornando o gás altamente carregado.

As correntes de gás ionizado então colidem com as nuvens de gás e poeira que cercam as estrelas recém-formadas com velocidades de centenas de quilômetros por segundo. São estas colisões energéticas que criam os objetos Herbig-Haro, como o HH111.

A WFC3 obtém imagens em comprimentos de onda ópticos e infravermelhos, o que significa que ele observa objetos em uma faixa de comprimento de onda semelhante à faixa a que os olhos humanos são sensíveis (óptico) e uma faixa de comprimentos de onda que são um pouco longos demais para serem detectados pelos olhos humanos (infravermelho). A radiação infravermelha tem origem na vibração molecular, que gera oscilações nas cargas elétricas constituintes dos átomos e provoca a emissão de radiação, por isso, este tipo de radiação está associada ao calor.

Os objetos Herbig-Haro, na verdade, liberam muita luz em comprimentos de onda ópticos, mas são difíceis de se observar porque a poeira e o gás ao redor absorvem grande parte da luz visível. Portanto, a capacidade da WFC3 de observar em comprimentos de onda infravermelhos, onde as observações não são tão afetadas por gás e poeira, é crucial para observar objetos Herbig-Haro com sucesso.

Fonte: NASA

sábado, 28 de agosto de 2021

Descoberto o asteroide com a órbita mais rápida

Usando a poderosa câmara DECam (Dark Energy Camera) de 570 megapixels no Chile, os astrônomos descobriram um asteroide com o período orbital mais curto de qualquer objeto do gênero conhecido no Sistema Solar.

© NOIRLab (ilustração da órbita do asteroide 2021 PH27)

A órbita do asteroide com aproximadamente 1 km de diâmetro leva-o até 20 milhões de quilômetros (ou 0,13 UA) do Sol a cada 113 dias. O asteroide 2021 PH27, revelado em imagens obtidas durante o crepúsculo, também tem a menor distância média (semieixo maior) de qualquer asteroide conhecido no nosso Sistema Solar, apenas Mercúrio tem um período mais curto e semieixo maior menor. 

O asteroide está tão perto do enorme campo gravitacional do Sol que sofre os maiores efeitos relativísticos de qualquer objeto conhecido no Sistema Solar. O asteroide 2021 PH27 foi descoberto por Scott S. Sheppard do Instituto Carnegie para Ciência em dados recolhidos pela DECam acoplada no telescópio Víctor M. Blanco de 4 metros no Observatório Interamericano de Cerro Tololo no Chile. 

As imagens da descoberta do asteroide foram obtidas por Ian Dell'antonio e por Shenming Fu da Universidade Brown nos céus crepusculares da noite de 13 de agosto de 2021. Sheppard juntou-se a Dell'antonio e Fu enquanto conduzia observações com a DECam para o levantamento LoVoCCS (Local Volume Complete Cluster Survey), que está estudando a maioria dos aglomerados de galáxias massivos no Universo local. Eles pararam de observar alguns dos maiores objetos a milhões de anos-luz de distância para procurar objetos muito menores. 

Uma das CCDs de campo amplo de mais alto desempenho do mundo, a DECam foi projetada para o DES (Dark Energy Survey), construída no Fermilab. Atualmente, a DECam é usada para programas que abrangem uma vasta gama de campos científicos. O crepúsculo, logo após o pôr-do-Sol ou antes do nascer do Sol, é o melhor momento para caçar asteroides que estão no interior da órbita da Terra, na direção dos dois planetas mais interiores, Mercúrio e Vênus. Os planetas Mercúrio e Vênus nunca parecem ficar muito longe do Sol no céu e são sempre melhor visíveis perto do nascer ou do pôr-do-Sol. O mesmo vale para asteroides que também orbitam perto do Sol.

Após a descoberta de 2021 PH27, David Tholen da Universidade do Havaí mediu a posição do asteroide e previu onde poderia ser observado na noite seguinte. Posteriormente, em 14 de agosto de 2021, foi observado mais uma vez pela DECam e também pelos telescópios Magellan no Observatório Las Campanas, no Chile. Então, na noite de dia 15 de agosto, Marco Micheli da ESA usou a rede de telescópios de 1 a 2 metros do Observatório Las Campanas para o observar a partir do Chile e da África do Sul, além de observações adicionais pela DECam e pelos Magellan, enquanto os astrônomos adiavam as suas observações originalmente programadas para obter uma visão do asteroide recém-descoberto. 

Os planetas e asteroides orbitam o Sol em órbitas elípticas. O 2021 PH27 tem um semieixo maior de 70 milhões de quilômetros (ou 0,46 UA), dando-lhe um período orbital de 113 dias numa órbita alongada que cruza as órbitas de Mercúrio e Vênus. O 2021 PH27 é apenas um dos vinte asteroides conhecidos da família Atira que têm as suas órbitas completamente no interior da órbita da Terra. Pode ter começado a sua vida no cinturão principal de asteroides entre Marte e Júpiter e ter sido desalojado por perturbações gravitacionais dos planetas interiores que o trouxeram para mais perto do Sol. A sua alta inclinação orbital de 32 graus sugere, no entanto, que pode ser um cometa extinto do Sistema Solar exterior que foi capturado para uma órbita mais próxima de curto período ao passar perto de um dos planetas terrestres.

Observações futuras do asteroide possibilitarão desvendar sua origem. A sua órbita provavelmente também é instável por longos períodos de tempo, e provavelmente irá eventualmente colidir com Mercúrio, Vênus ou com o Sol daqui a alguns milhões de anos, ou ser ejetado do Sistema Solar interior pela influência gravitacional dos planetas interiores.

Os astrônomos têm dificuldade em encontrar estes asteroides internos porque, muitas vezes, estão ocultos pelo brilho do Sol. Quando os asteroides chegam tão perto da nossa estrela, sofrem uma variedade de pertubações, como tensões térmicas do calor do Sol e tensões físicas das forças gravitacionais de maré. Estas pertubações podem fazer com que alguns dos asteroides mais frágeis se fragmentem. 

Se a população de asteroides em órbitas semelhantes à de 2021 PH27 parecer esgotada, isto evidenciará a fração de asteroides próximos da Terra que são "pilhas de entulho", fracamente mantidos juntos, em oposição a pedaços sólidos de rocha, o que poderia ter consequências para asteroides que podem estar em rota de colisão com a Terra e de como podemos desviá-los. Compreender a população de asteroides no interior da órbita da Terra é importante para completar o censo de asteroides próximos da Terra.

Quando o asteroide 2021 PH27 se aproxima tanto do Sol, a sua temperatura de superfície chega a quase 500º C no periélio, quente o suficiente para derreter chumbo. Tendo em conta que 2021 PH27 está tão perto do enorme campo gravitacional do Sol, sofre um ligeiro desvio angular de sua órbita elíptica ao longo do tempo, um movimento chamado precessão, que equivale a cerca de um minuto de arco por século. 

O asteroide está agora entrando em conjunção solar quando, do nosso ponto de vista, se move para trás do Sol. Espera-se que fique novamente visível a partir da Terra no início de 2022, quando novas observações poderão determinar a sua órbita com mais detalhes, permitindo que o asteroide receba um nome oficial.

Fonte: National Optical-Infrared Astronomy Research Laboratory

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

LOFAR revela as suas imagens mais detalhadas de galáxias

Os astrônomos publicaram as imagens mais detalhadas já vistas de galáxias localizadas além da Via Láctea, revelando o seu funcionamento interno com detalhes sem precedentes.

© DESI Legacy Imaging Surveys (emissão de rádio de uma galáxia)

As imagens foram criadas a partir de dados recolhidos pelo LOFAR (Low Frequency Array), uma rede de mais de 70.000 pequenas antenas espalhadas por nove países europeus. Os resultados vêm de anos de trabalho da equipe, liderada pela Dra. Leah Morabito, da Universidade de Durham.

O Universo está inundado de radiação eletromagnética, da qual a luz visível compreende apenas uma fatia mais ínfima. De raios gama e raios X, a ondas de rádio e micro-ondas, cada parte do espectro da luz revela algo único sobre o Universo. 

A rede LOFAR capta imagens em frequências de rádio FM que, ao contrário de fontes de comprimento de onda mais curto, como a luz visível, não são bloqueadas pelas nuvens de poeira e gás que podem cobrir objetos astronômicos. Regiões no espaço que parecem escuras aos nossos olhos, na verdade brilham intensamente no rádio. Isto permite a observação de regiões de formação estelar ou o núcleo das próprias galáxias. As novas imagens empurram os limites do que sabemos sobre galáxias e buracos negros supermassivos. 

As imagens revelam o funcionamento interno de galáxias próximas e distantes com uma resolução 20 vezes mais nítida do que as imagens típicas do LOFAR. Isto foi possível graças à maneira única de como a rede de antenas foi usada. As mais de 70.000 antenas do LOFAR estão espalhadas pela Europa, sendo a maioria localizada nos Países Baixos.

Na operação normal, apenas os sinais de antenas localizadas nos Países Baixos são combinados, criando um telescópio "virtual" com uma "lente" que tem um diâmetro de 120 km. Ao usar os sinais de todas as antenas europeias, a equipe aumentou o diâmetro da "lente" para quase 2.000 km, o que fornece um aumento de vinte vezes na resolução. 

Ao contrário das redes de antenas convencionais que combinam sinais múltiplos em tempo real para produzir imagens, o LOFAR usa um novo conceito. Neste, os sinais recolhidos por cada antena são digitalizados, transportados para um processador central e, em seguida, combinados para criar uma imagem. Cada imagem LOFAR é o resultado da combinação dos sinais de mais de 70.000 antenas, o que torna possível a sua extraordinária resolução. 

Os buracos negros supermassivos podem ser encontrados à espreita no núcleo de muitas galáxias. Muitos são buracos negros "ativos" que devoram matéria em queda e a expelem de volta para o cosmos na forma de poderosos jatos e fluxos de radiação. Estes jatos são invisíveis a olho nu, mas brilham no rádio e é neles que as novas imagens de alta resolução se concentraram.

Estas imagens de alta resolução permitem ampliar e ver o que está realmente acontecendo quando buracos negros supermassivos lançam jatos de rádio, o que não era antes possível em frequências perto da banda de rádio FM. 

O trabalho da equipe forma a base de nove estudos científicos que revelam novas informações sobre a estrutura interna dos jatos de rádio numa variedade de galáxias diferentes. 

Mesmo antes do LOFAR iniciar as suas operações em 2012, a equipe europeia de astrônomos começou a trabalhar para enfrentar o desafio colossal de combinar os sinais de mais de 70.000 antenas localizadas até 2.000 km de distância. O resultado, um "pipeline" de processamento de dados disponível ao público, permitirá que os astrônomos de todo o mundo usem o LOFAR para fazer imagens de alta resolução com relativa facilidade. O objetivo é que isto permita com que a comunidade científica use toda a rede europeia de telescópios LOFAR para a sua própria ciência, sem ter que gastar anos para se tornar um especialista.

A relativa facilidade da experiência para o utilizador final desmente a complexidade do desafio computacional que torna cada imagem possível. Porque o LOFAR não tira apenas "fotos" do céu noturno, tem também que juntar os dados recolhidos por este conjunto de antenas, o que é uma enorme tarefa computacional. Para produzir uma única imagem, mais de 13 terabits de dados brutos por segundo têm que ser digitalizados, transportados para um processador central e então combinados. Isto é o equivalente a mais de 300 DVDs. Para processar volumes de dados tão imensos, é necessário usar supercomputadores, possibilitando transformar os terabytes de informação destas antenas em apenas alguns gigabytes de dados científicos.

Uma edição especial da revista Astronomy & Astrophysics é dedicada a onze artigos científicos que descrevem estas imagens e os resultados científicos.

Fonte: ASTRON

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

"Fantasmas cósmicos dançantes"

Pesquisadores da Western Sydney University e do CSIRO (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation) descobriram estranhas nuvens de elétrons em torno de galáxias no interior do cosmos.


© CSIRO/ASKAP (PKS 2130-538)

As nuvens, que estão a cerca de 1 bilhão de anos-luz de distância e nunca haviam sido vistas antes, lembram dois fantasmas dançando. Os “fantasmas cósmicos dançantes” foram descobertos como parte da primeira busca no céu profundo usando o radiotelescópio ASKAP (Australian Square Kilometer Array Pathfinder) do CSIRO, situado na Austrália Ocidental.

Nuvens de elétrons florescendo no espaço profundo foram reveladas em um novo nível de detalhe, mostrando fenômenos cósmicos diferentes. Assemelhando-se a fantasmas dançantes misteriosos no espaço, estes espectros colossais poderiam revelar novas informações sobre o comportamento de buracos negros supermassivos e o ambiente complexo entre as galáxias. 

Estes espectros estão sendo produzidos pelos ventos de dois buracos negros supermassivos ativos a uma distância de cerca de um bilhão de anos-luz. Eles foram nomeados PKS 2130-538, e muito sobre eles permanece misterioso. 

Enquanto os "fantasmas cósmicos dançantes" e as duas radiogaláxias consideradas responsáveis ​​por sua formação já foram vistos antes, nenhuma observação anterior os captou com tamanha glória. Em seus centros estão dois buracos negros supermassivos, lançando jatos de elétrons que são dobrados em formas grotescas por um intergaláctico vento.

Qual a origem deste vento? Por que está tão emaranhado? E o que está causando os fluxos de emissão de rádio? Provavelmente levará muito mais observações e modelagem para serem compreendidos.

Os objetos peculiares eram apenas um de um tesouro obtido pelo radiotelescópio ASKAP, como parte do projeto piloto EMU (Evolutionary Map of the Universe). Um dos radiotelescópios mais sensíveis já construídos e o mais rápido do mundo, o ASKAP foi projetado para ver as profundezas do Universo no rádio e revelar segredos desconhecidos.

No ano passado, a pesquisa revelou a presença do que tem sido chamado de Odd Radio Circles (ORCs), que parece serem círculos gigantes de emissão de rádio com um milhão de anos-luz de diâmetro, circundando galáxias distantes. Ainda não é conhecida sua natureza. Até o momento, a pesquisa piloto do EMU acumulou um catálogo de cerca de 220.000 fontes de vários tipos, muitas das quais nunca haviam sido consideradas.

Ao lado da bem estudada galáxia IC5063, foi encontrada uma radiogaláxia gigante, uma das maiores conhecidas, cuja existência era desconhecida. Seu buraco negro supermassivo está gerando jatos de elétrons de quase 5 milhões de anos-luz de comprimento. O ASKAP é o único telescópio do mundo que pode ver a extensão total desta fraca emissão.

A maioria das fontes de rádio conhecidas são de buracos negros supermassivos ativos no centro das galáxias. Isto ocorre porque, à medida que estes buracos negros devoram a matéria, o material é canalizado para fora do horizonte de eventos ao longo das linhas do campo magnético e expelido dos polos na forma de jatos de alta potência. Estas fontes são as mais brilhantes no céu radiofônico e, portanto, é isto que os radiotelescópios tendem a captar. 

O ASKAP está começando a nos mostrar a extensão do Universo em ondas de rádio, sendo fontes mais fracas que normalmente não são vistas, como emissão síncrotron de relíquias de rádio em aglomerados de galáxias e objetos mais misteriosos, como ORCs e o fenômeno em questão. 

E esta é apenas a pesquisa piloto. Espera-se que a pesquisa do EMU continue por anos, perscrutando noite adentro para descobrir os mistérios no escuro. 

Você pode visitar o site do projeto piloto EMU aqui e ampliar para explorar o céu no rádio através do ASKAP. 

Um artigo foi aceito para publicação na revista Publications of the Astronomical Society of Australia.

Fonte: Western Sydney University