segunda-feira, 6 de março de 2023

Os mistérios da histórica supernova Tycho

Uma equipe internacional de cientistas descobriu novas informações sobre os remanescentes de uma estrela cuja explosão foi avistada há 450 anos.

© IXPE / Chandra / DSS (supernova Tycho)

Os dados IXPE (Imaging X-ray Polarimetry Explorer) da NASA, em roxo escuro e branco, foram combinados com dados do observatório de raios X Chandra da NASA, em vermelho e azul, e sobrepostos com as estrelas no campo de visão, captadas pelo DSS (Digitized Sky Survey).

Os resultados fornecem novas pistas sobre como as condições das ondas de choque criadas por explosões estelares titânicas, chamadas supernovas, aceleram as partículas para perto da velocidade da luz. O remanescente de supernova chama-se Tycho, em honra ao astrônomo dinamarquês Tycho Brahe, que notou o grande brilho do objeto na constelação de Cassiopeia em 1572.

No novo estudo, os astrônomos utilizaram o IXPE para estudar os raios X polarizados do remanescente de supernova Tycho. O IXPE revelou, pela primeira vez, a geometria dos campos magnéticos perto da onda de choque, que ainda está se propagando a partir da explosão inicial e que forma um limite em torno do material ejetado. A compreensão da geometria do campo magnético permite aos cientistas investigar mais eficazmente a forma como as partículas são ali aceleradas.

A medição da polarização dos raios X fornece a direção e a ordenação média do campo magnético das ondas de luz que compõem os raios X de uma fonte altamente energética como Tycho. Os raios X polarizados são produzidos por elétrons que se movem no campo magnético num processo chamado emissão síncrotron. A direção da polarização, a partir dos raios X, pode ser mapeada de volta à direção dos campos magnéticos no local onde os raios X foram gerados. 

Esta informação ajuda os cientistas a abordar algumas das maiores questões da astrofísica, tais como a forma como Tycho e outros objetos aceleram partículas mais perto da velocidade da luz do que os aceleradores de partículas mais poderosos da Terra.

Durante as suas décadas de funcionamento, o observatório de raios X Chandra tem observado repetidamente o remanescente de supernova Tycho, ajudando os pesquisadores a fazer descobertas marcantes sobre esta estrutura fascinante. Com a sua capacidade de identificar e seguir a luz polarizada de raios X, o IXPE apoia-se nas bases estabelecidas pelo Chandra. A informação do IXPE permite aos cientistas compreender melhor o processo pelo qual os raios cósmicos, partículas altamente energéticas que permeiam a nossa Galáxia, são acelerados por remanescentes de supernova. O IXPE ajudou a mapear a forma do campo magnético de Tycho com clareza e numa escala sem precedentes.

Embora observatórios anteriores tenham analisado o campo magnético de Tycho no rádio, o IXPE mediu a forma do campo em escalas inferiores a um parsec, ou cerca de 3,26 anos-luz. Esta informação é valiosa à medida que os cientistas exploram a forma como as partículas são aceleradas na sequência da onda de choque da explosão inicial.

Os pesquisadores também documentaram semelhanças e diferenças surpreendentes entre as descobertas do IXPE em Tycho e no remanescente de supernova Cassiopeia A, um alvo de estudo anterior. As direções gerais dos campos magnéticos em ambos os remanescentes de supernova parecem ser radiais, esticados para longe. Mas Tycho forneceu um grau de polarização de raios X muito mais elevado do que Cassiopeia A, sugerindo que pode possuir um campo magnético mais ordenado e menos turbulento.

A supernova Tycho está classificada como do Tipo Ia, que ocorre quando uma estrela anã branca num sistema binário desfaz a sua estrela companheira, capturando alguma da sua massa e provocando uma violenta explosão. A destruição da anã branca envia destroços para o espaço a uma velocidade tremenda. Pensa-se que tais eventos são a fonte da maioria dos raios cósmicos galácticos encontrados no espaço, incluindo os que bombardeiam continuamente a atmosfera terrestre. 

A explosão de supernova Tycho, propriamente dita, liberou tanta energia quanto o Sol ao longo de 10 bilhões de anos. Este brilho tornou a supernova de Tycho visível a olho nu aqui na Terra em 1572, quando foi avistada por Brahe e por outros observadores, incluindo potencialmente um jovem William Shakespeare, com 8 anos, que viria a descrevê-la no início do século XVII, na primeira cena da sua obra "Hamlet". 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

quarta-feira, 1 de março de 2023

A dança de buracos negros supermassivos

Um estudo a longo prazo com dados de quatro telescópios, desde o rádio a altas frequências, penetrou no núcleo da muito discutida galáxia ativa OJ 287, revelando mais detalhes sobre o seu interior.

© NASA / JPL-Caltech (galáxia OJ 287)

O painel da esquerda mostra uma imagem ultravioleta profunda de OJ 287 e do seu ambiente obtida com o telescópio Swift. Esta é uma das imagens ultravioleta (UV) mais profundas daquela parte do céu alguma vez tirada, combinando 560 exposições individuais. A fonte mais brilhante no campo é OJ 287. A região do buraco negro binário, propriamente dita, não pode ser resolvida na imagem UV. O painel da direita representa uma ilustração do núcleo de OJ 287, incluindo o disco de acreção, o jato e um segundo buraco negro em órbita do buraco negro primário que tem uma massa de 100 milhões de massas solares.

Os resultados da equipe internacional, liderada por Stefanie Komossa do Instituto Max Planck para Radioastronomia, reforçam as evidências de um buraco negro binário e colocam novamente o buraco negro primário na "balança". 

Os blazares são uma classe especial de galáxias ativas caracterizadas por uma atividade elevada e luminosidade extrema. Os "motores" destas galáxias são buracos negros escondidos dentro dos seus núcleos, milhões a bilhões de vezes mais massivos do que o nosso Sol. 

Estes "motores" foram alimentados ao longo da história do Universo, especialmente quando as galáxias colidiam. A fusão subsequente das galáxias criou buracos negros binários supermassivos. O estudo de tais pares de buracos negros revela muito sobre a evolução das galáxias e sobre o crescimento dos buracos negros. 

OJ 287 é uma das melhores candidatas a acolher um buraco negro binário supermassivo e compacto. Uma indicação disto são as explosões excepcionais de radiação produzidas por processos no centro da galáxia, que se repetem a cada 11 a 12 anos. Cada explosão consiste em dois picos separados por cerca de um ano. Estas explosões repetidas são tão notáveis que vários modelos binários diferentes foram propostos e discutidos na literatura com o intuito de os explicar. 

A equipe reviu agora o modelo anteriormente preferido, finalizando uma campanha de observação sistemática e sem precedentes. No processo, os pesquisadores também determinaram diretamente, e pela primeira vez, a massa do buraco negro primário. Com 100 milhões de massas solares, é provavelmente cerca de cem vezes menor do que se pensava. A nova estimativa da massa do buraco negro parece também explicar toda a história dos surtos de radiação de OJ 287, que foram agora mapeadas com grande detalhe. 

A galáxia OJ 287 está demasiado longe para os telescópios resolverem o núcleo compacto em torno dos buracos negros suspeitos. Contudo, uma vez que esta região domina o brilho de toda a galáxia, a radiação que emerge do núcleo é facilmente detectável na Terra e permite aos astrônomos reconstruir, com algumas limitações, os processos escondidos no interior do núcleo brilhante. 

A matéria de um disco que rodeia o buraco negro e que se desloca para dentro perde energia gravitacional sob a forma de radiação óptica e UV. Um jato lançado dos arredores do "motor" central acelera as partículas para longe. Este fluxo de matéria muitas vezes altamente relativista emite radiação intensa que vai desde o rádio até aos raios X e raios gama. 

OJ 287 é um excelente laboratório para estudar os processos físicos que reinam num dos ambientes astrofísicos mais extremos: discos e jatos de matéria nas imediações de um ou dois buracos negros supermassivos, estudado através do projeto MOMO (Multiwavelength Observations and Modelling of OJ 287). Consiste em observações de alta cadência de OJ 287 em mais de 14 frequências, desde o rádio até às altas energias com a duração de anos, e acompanhamentos dedicados em múltiplas instalações terrestres e espaciais quando o blazar se encontra em estados excepcionais. 

Os surtos de OJ 287 podem ser explicados pelo modelo de um buraco negro binário, em particular pelo movimento do segundo buraco negro, de massa mais baixa, em órbita do buraco negro primário. Na sua órbita inclinada, perturba ou o jato ou o disco de matéria, provocando assim as explosões periódicas de OJ 287. 

As medições com o radiotelescópio de Effelsberg de 100 metros atribuem o surto mais recente diretamente ao jato. É como olhar para um foco luminoso que brilha mais do que tudo o que está por detrás dele. O modelo mais avançado que descreve os processos no centro de OJ 287 assumiu um buraco negro primário cem bilhões de vezes mais massivo do que o Sol.  De acordo com este modelo, o próximo surto teria tido lugar em outubro de 2022. Os dados reais não confirmaram esta previsão. Ao invés, graças à densa cobertura da campanha MOMO, os astrônomos descobriram este surto muito mais cedo, entre 2016 e 2017. 

Os pesquisadores reavaliaram então a massa do buraco negro primário. Ao que parece, o buraco negro é 100 vezes mais leve do que se pensava anteriormente. Como resultado, a órbita do buraco negro secundário em torno do buraco negro primário deveria oscilar muito menos. Este comportamento tem implicações diretas nas explosões previstas, que são agora consistentes tanto com medições histórias como recentes.

Os futuros observatórios espaciais poderão ser capazes de detectar ondas gravitacionais deste ou de sistemas binários semelhantes. Pode até ser possível resolver espacialmente os dois buracos negros em OJ 287 com uma grande rede de radiotelescópios, tal como o EHT (Event Horizon Telescope) ou o SKA (Square Kilometre Array), este ainda em construção. Esta seria a primeira detecção direta de um sistema íntimo constituído por dois buracos negros supermassivos no centro de uma galáxia. 

Foram publicados dois artigos científicos nos periódicos: Monthly Notices of the Royal Astronomical Society e The Astrophysical Journal

Fonte: Max Planck Institute for Radio Astronomy

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Descoberto buracos negros gigantes em rota de colisão

Os astrônomos descobriram as primeiras evidências de buracos negros gigantes em galáxias anãs em rotas de colisão.

© Chandra / CFTH (dois pares de buracos negros)

Os dois pares são vistos em raios-X pelo Chandra e no visível pelo telescópio CFHT. A fusão à esquerda encontra-se numa fase tardia e foi-lhe atribuído o nome único de Mirabilis. A outra fusão está na fase inicial e as duas galáxias anãs chamam-se Elstir (em baixo) e Vinteuil (em cima).

Este resultado do Observatório de raios X Chandra da NASA tem ramificações importantes para compreender como a primeira vaga de buracos negros e galáxias cresceram no Universo primitivo. As colisões entre pares de galáxias anãs identificadas num novo estudo puxaram gás para os buracos negros gigantes que cada uma contém, provocando o seu crescimento. Eventualmente, a provável colisão dos buracos negros irá levá-los a fundir-se em buracos negros muito maiores. Os pares de galáxias se fundirão também numa só. 

Os cientistas pensam que o Universo teve imensas galáxias pequenas, conhecidas como "galáxias anãs", várias centenas de milhões de anos após o Big Bang. A maior parte fundiu-se com outras no Universo primitivo, de volume menor e apinhado, pondo em movimento a construção de galáxias cada vez maiores, agora vistas no Universo próximo. 

Por definição, as galáxias anãs contêm estrelas com uma massa total inferior a cerca de 3 bilhões de vezes a do Sol, em comparação com a massa total de cerca de 60 bilhões de sóis estimada para a Via Láctea. As primeiras galáxias anãs são impossíveis de observar com a tecnologia atual porque são extremamente fracas a distâncias tão grandes. 

Os astrônomos foram capazes de observar duas no processo de fusão a distâncias muito menores da Terra, mas sem sinais de buracos negros em ambas as galáxias.

O novo estudo superou desafios implementando um levantamento sistemático de observações de raios X pelo Chandra e comparando-as com dados infravermelhos do WISE (Wide Infrared Survey Explorer) da NASA e dados ópticos do CFHT (Canada-France-Hawaii Telescope). O Chandra foi especialmente valioso para este estudo porque o material que envolve os buracos negros pode ser aquecido a milhões de graus, produzindo grandes quantidades de raios X. 

A equipe procurou pares de fontes de raios X brilhantes em galáxias anãs em colisão como evidências de dois buracos negros, e descobriu dois exemplos. Um par encontra-se no aglomerado de galáxias Abell 133, localizado a 760 milhões de anos-luz da Terra. O outro está no aglomerado de galáxias Abell 1758S, a mais ou menos 3,2 bilhões de anos-luz. Ambos os pares mostram estruturas que são sinais característicos de colisões galácticas.

O par em Abell 133 parece estar nas fases finais de uma fusão entre as duas galáxias anãs e mostra uma longa cauda provocada pelos efeitos de maré da colisão. Os autores do novo estudo apelidaram-no de "Mirabilis" em honra a uma espécie ameaçada de beija-flor conhecida por ter caudas excecionalmente longas. Foi escolhido apenas um nome porque a fusão das duas galáxias, numa só, está quase completa. Em Abell 1758S, os pesquisadores apelidaram as galáxias anãs de "Elstir" e "Vinteuil", em honra aos artistas fictícios do romance "Em Busca do Tempo Perdido" de Marcel Proust. 

Eles pensam que estas duas foram apanhadas nas fases iniciais de uma fusão, fazendo com que uma ponte de estrelas e gás ligasse as duas galáxias em colisão. Os detalhes da fusão de buracos negros e galáxias anãs podem fornecer uma visão do próprio passado da Via Láctea. Os cientistas pensam que quase todas as galáxias começaram como anãs ou outros tipos de galáxias pequenas e cresceram ao longo de bilhões de anos através de fusões.

A maioria das galáxias anãs e dos buracos negros no início do Universo já devem ter crescido muito mais, graças a repetidas fusões. Em alguns aspetos, as galáxias anãs são os nossos antepassados galácticos, que evoluíram ao longo de bilhões de anos para produzir grandes galáxias como a nossa própria Via Láctea. As observações de acompanhamento destes dois sistemas permitirá estudar processos que são cruciais para a compreensão das galáxias e dos seus buracos negros primordiais.

O artigo científico que descreve estes resultados está sendo publicado na edição mais recente do periódico The Astrophysical Journal

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Planeta gigante gasoso em órbita de estrela anã vermelha

Uma equipe de astrônomos liderada por Shubham Kanodia do Instituto Carnegie descobriu um sistema planetário incomum no qual um planeta gigante de gás orbita uma pequena estrela anã vermelha chamada TOI-5205.

© Instituto Carnegie (ilustração de planeta gigante gasoso em órbita de anã vermelha)

As suas descobertas desafiam ideias há muito defendidas sobre a formação planetária. Mais frias e menores do que o nosso Sol, as anãs M são as estrelas mais comuns na Via Láctea.  Devido ao seu pequeno tamanho, estas estrelas tendem a ter cerca de metade da temperatura do Sol e a ser muito mais avermelhadas. Têm luminosidades muito baixas, mas vidas extremamente longas.

Embora as anãs vermelhas hospedem mais planetas, em média, do que outros tipos de estrelas mais massivas, as suas histórias de formação fazem delas candidatas improváveis na hospedagem de gigantes gasosos. O recém-descoberto planeta, TOI-5205b, foi identificado pela primeira vez como potencial candidato pelo TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA. 

A equipe de Kanodia confirmou então a sua natureza planetária e caracterizou-o utilizando uma variedade de instrumentos e instalações terrestres. A estrela anfitriã, TOI-5205, tem apenas cerca de quatro vezes o tamanho de Júpiter, no entanto conseguiu de alguma forma formar um planeta do tamanho de Júpiter, o que é bastante surpreendente!

Já foram descobertos alguns planetas gigantes em órbita de estrelas anãs M mais velhas. Mas até agora não tinha sido encontrado nenhum num sistema planetário de uma anã M de baixa massa como TOI-5205. Para compreender a comparação de tamanho, um planeta semelhante a Júpiter orbitando uma estrela semelhante ao Sol pode ser comparado a uma ervilha em torno de uma laranja; para TOI-5205b, dado que a estrela hospedeira é muito menor, é mais semelhante a uma ervilha em torno de um limão. De fato, quando TOI-5205b atravessa em frente da sua hospedeira, bloqueia cerca de sete por cento da sua luz, um dos maiores trânsitos exoplanetários conhecidos. 

Os planetas nascem no disco giratório de gás e poeira que envolve as estrelas jovens. A teoria de formação de planetas gasosos mais frequentemente usada requer cerca de 10 massas terrestres deste material rochoso para acumular e formar um enorme núcleo, após o qual varre rapidamente grandes quantidades de gás das regiões vizinhas do disco para formar o planeta gigante que vemos hoje. O período de tempo em que isto acontece é crucial.

No início, se não houver material rochoso suficiente no disco para formar o núcleo inicia. E, no final, se o disco se evaporar antes da formação do núcleo massivo, então não se pode formar um planeta gigante gasoso. E ainda assim TOI-5205b formou-se apesar destas limitações. Com base na nossa compreensão atual da formação planetária, TOI-5205b não deveria existir. 

A equipe demonstrou que a grande profundidade do trânsito planetário o torna extremamente propício a futuras observações com o recentemente lançado telescópio espacial James Webb, que poderá fornecer informações sobre sua atmosfera e algumas pistas adicionais sobre o mistério da sua formação.

Um artigo foi publicado no periódico The Astronomical Journal

Fonte: Carnegie Science

Jones-Emberson 1

A nebulosa planetária Jones-Emberson 1 é a mortalha da morte de uma estrela moribunda parecida com o Sol.

© Observatoire de la Côte d’Azur (Jones-Emberson 1)

Encontra-se a cerca de 1.600 anos-luz da Terra em direção à constelação de olhos aguçados Lynx. Com cerca de 4 anos-luz de diâmetro, o remanescente em expansão da atmosfera da estrela moribunda foi levado para o espaço interestelar, já que o suprimento central da estrela de hidrogênio e hélio para fusão foi finalmente esgotado depois de bilhões de anos. 

Visível perto do centro da nebulosa planetária está o que resta do núcleo estelar, uma anã branca azulada. Também conhecida como PK 164 +31.1, a nebulosa é fraca e muito difícil de vislumbrar na ocular de um telescópio. Mas esta imagem de banda larga profunda que combina 22 horas de tempo de exposição mostra isso com detalhes excepcionais.

Estrelas dentro de nossa própria galáxia, a Via Láctea, bem como galáxias de fundo em todo o Universo, estão espalhadas pelo nítido campo de visão. Efêmero no palco cósmico, Jones-Emberson 1 desaparecerá nos próximos milhares de anos. Sua quente estrela anã branca central levará bilhões de anos para esfriar. 

Fonte: NASA

Uma explosão esférica no espaço

Quando as estrelas de nêutrons colidem, produzem uma explosão que, ao contrário do que se pensava até há pouco tempo, tem a forma de uma esfera perfeita.

© Instituto Carnegie (ilustração de uma quilonova)

Embora o modo como isto é possível ainda seja um mistério, a descoberta pode fornecer uma nova chave para a física fundamental e para medir a idade do Universo. A descoberta foi feita por astrofísicos da Universidade de Copenhague. 

As quilonovas - as explosões gigantescas que ocorrem quando duas estrelas de nêutrons se orbitam uma à outra e finalmente colidem - são responsáveis pela criação de coisas grandes e pequenas no Universo, desde os buracos negros até aos átomos no anel de ouro que se usa e o iodo no nosso corpo. Elas dão origem às condições físicas mais extremas do Universo e é nestas condições extremas que o Universo fabrica os elementos mais pesados da tabela periódica, tais como ouro, platina e urânio.

Mas ainda há muito que desconhecemos sobre este fenômeno violento. Quando uma quilonova foi detectada a 140 milhões de anos-luz de distância em 2017, foi a primeira vez que os cientistas puderam obter dados detalhados. Cientistas de todo o mundo continuam a interpretar os dados desta explosão colossal.

São duas estrelas supercompactas que se orbitam uma à outra 100 vezes por segundo antes de colapsarem. Todos os modelos anteriores dizem que a nuvem de explosão criada pela colisão deve ter uma forma achatada e bastante assimétrica. É por isso que é surpreendente que esta quilonova é completamente simétrica e tem uma forma muito próxima a uma esfera perfeita.

Isto significa provavelmente que as teorias e simulações de quilonovas que estão sendo consideradas nos últimos 25 anos carecem de física importante. Mas o modo como a quilonova pode ser esférica é um verdadeiro mistério. O modo mais provável de tornar a explosão esférica é se uma enorme quantidade de energia explodir do centro da explosão. Assim, a forma esférica diz-nos que há provavelmente muita energia no centro da colisão, o que era imprevisto. Quando as estrelas de nêutrons colidem, estão unidas, brevemente como uma única estrela de nêutrons hipermassiva, que depois colapsa para um buraco negro.

Talvez uma espécie de 'bomba magnética' seja criada no momento em que a energia do enorme campo magnético da estrela de nêutrons hipermassiva é liberada quando a estrela colapsa para um buraco negro. A liberação de energia magnética poderia provocar uma distribuição mais esférica da matéria na explosão. Neste caso, o nascimento do buraco negro pode ser muito energético. 

No entanto, esta teoria não explica outro aspecto desta descoberta. De acordo com os modelos anteriores, enquanto todos os elementos produzidos são mais pesados do que o ferro, os elementos extremamente pesados, como o ouro ou o urânio, devem ser formados em locais diferentes na quilonova do que os elementos mais leves como o estrôncio ou o criptônio, e devem ser expelidos em direções diferentes. 

Por outro lado, foram detectados apenas os elementos mais leves e estes são distribuídos uniformemente no espaço. Portanto, é possível que as partículas elementares enigmáticas, neutrinos, sobre as quais muito ainda é desconhecido, desempenham também um papel fundamental no fenômeno. 

Uma ideia alternativa é que nos milissegundos em que a estrela de nêutrons hipermassiva vive, ela emite de forma muito poderosa, incluindo possivelmente um número enorme de neutrinos. Os neutrinos podem fazer com que os nêutrons se convertam em prótons e elétrons, e assim criar elementos mais leves em geral.

A chamada "escada de distâncias cósmicas" é o método utilizado hoje em dia para medir a rapidez com que o Universo está crescendo. Isto é feito simplesmente calculando a distância entre diferentes objetos no Universo, que atuam como degraus na escada. Se forem brilhantes e na sua maioria esféricas, e se a distância é conhecida, podemos usar as quilonovas como uma nova forma de medir independentemente a distância, ou seja, um novo tipo de régua cósmica.

Um artigo foi publicado na revista Nature

Fonte: University of Copenhagen

Evidência observacional que liga os buracos negros à energia escura

Pesquisando dados existentes que abrangem 9 bilhões de anos, uma equipe de pesquisadores liderada por cientistas da Universidade do Havaí descobriu a primeira evidência de "acoplamento cosmológico", ou seja, um fenômeno recentemente previsto na teoria da gravidade de Einstein, possível apenas quando são colocados buracos negros dentro de um Universo em evolução.

© U. Havaí (ilustração de um buraco negro supermassivo)

Os astrofísicos Duncan Farrah, do Instituto para Astronomia e do Departamento de Física e Astronomia, e Kevin Croker, professor de física e astronomia, lideraram este ambicioso estudo, combinando a perícia em evolução galáctica e a teoria da gravidade com a experiência de observação e análise de pesquisadores de nove países para fornecer as primeiras informações sobre o que poderá existir dentro de buracos negros reais.

A equipe estudou os buracos negros supermassivos nos núcleos de galáxias antigas e inativas. Foi descoberto que estes buracos negros ganham massa ao longo de bilhões de anos de uma forma que não pode ser facilmente explicada pelos processos normais da galáxia e dos buracos negros, tais como fusões ou acreção de gás. O crescimento em massa destes buracos negros corresponde às previsões para os buracos negros que não só se acoplam cosmologicamente, mas também incluem energia de vácuo, material que resulta do aperto de matéria tanto quanto possível sem quebrar as equações de Einstein, evitando assim uma singularidade. Com a ausência de singularidades, a energia de vácuo combinada dos buracos negros produzidos nas mortes das primeiras estrelas do Universo está em acordo com a quantidade medida de energia escura no nosso Universo.

"Estamos realmente dizendo duas coisas ao mesmo tempo: que há evidências de que as soluções típicas dos buracos negros não funcionam a longo prazo, e que temos a primeira fonte astrofísica proposta para a energia escura," disse Farrah. 

Estas novas medições, se apoiada por mais evidências, vão redefinir a nossa compreensão do que é um buraco negro. A equipe determinou como utilizar as medições existentes de buracos negros para procurar um acoplamento cosmológico. 

Os buracos negros são também difíceis de observar durante longos períodos de tempo. As observações podem ser feitas durante alguns segundos, ou dezenas de anos no máximo, tempo insuficiente para detectar como um buraco negro pode mudar ao longo da duração do Universo. Ver como os buracos negros mudam durante uma escala de bilhões de anos é uma tarefa complicada. Seria necessário identificar uma população de buracos negros e obter a sua distribuição de massa há bilhões de anos. Então a mesma população, ou uma população ancestralmente ligada, teria que ser observada nos dias de hoje e novamente ser capaz de medir a sua massa.

Os esforços foram concentrados apenas nos buracos negros em galáxias elípticas em evolução passiva, para resolver esta questão. As galáxias elípticas são enormes e formaram-se cedo. Elas possivelmente são o resultado final de colisões de galáxias, enormes em tamanho e com trilhões de estrelas antigas. Ao olhar apenas para galáxias elípticas sem atividade recente, a equipe pôde argumentar que quaisquer alterações nas massas dos seus buracos negros não poderiam ser facilmente causadas por outros processos conhecidos.

Utilizando estas populações, a equipe examinou como a massa dos seus buracos negros centrais mudou ao longo dos últimos 9 bilhões de anos. Se o crescimento em massa dos buracos negros ocorresse através da acreção ou fusão, então não se esperaria que as massas destes buracos negros mudassem muito. No entanto, se os buracos negros ganharem massa através do acoplamento ao Universo em expansão, então estas galáxias elípticas em evolução passiva poderiam revelar este fenômeno.

Os cientistas descobriram que quanto mais para trás no tempo olhavam, menores eram os buracos negros em massa, em relação às suas massas atuais. Estas mudanças foram grandes: os buracos negros eram hoje 7 a 20 vezes mais massivos do que eram há 9 bilhões de anos, suficientemente grandes para que o acoplamento cosmológico pudesse ser responsável. 

A equipe também analisou se o crescimento dos buracos negros medidos no primeiro estudo podia ser explicado apenas pelo acoplamento cosmológico. Podemos pensar num buraco negro acoplado como um elástico, sendo esticado juntamente com o Universo à medida este se expande. À medida que é esticado, a sua energia aumenta. A equação E = m.c^2 de Einstein diz-nos que a massa e a energia são proporcionais, pelo que a massa do buraco negro também aumenta. Quanto essa massa aumenta depende da força de acoplamento, uma variável chamada de k. Quanto mais forte for o elástico, mais difícil é de esticar, portanto, mais energia tem quando esticado. 

Uma vez que o crescimento em massa dos buracos negros, devido ao acoplamento cosmológico, depende do tamanho do Universo, e o Universo era menor no passado, os buracos negros no primeiro estudo têm que ser menos massivos, no valor correto, para que a explicação do acoplamento cosmológico funcione. 

A equipe examinou cinco populações diferentes de buracos negros em três coleções diferentes de galáxias elípticas, retiradas de quando o Universo tinha aproximadamente metade e um-terço do seu tamanho atual. Em cada comparação, esse k era quase 3. Então todos os buracos negros no Universo contribuem coletivamente com uma densidade de energia escura quase constante, tal como as medições de energia escura sugerem. Os buracos negros provêm de grandes estrelas mortas, por isso se soubermos quantas estrelas grandes são produzidas, podemos estimar quantos buracos negros são também produzidos e quanto crescem como resultado do acoplamento cosmológico.

A equipe utilizou as medições mais recentes do ritmo de formação estelar primitiva fornecidas pelo telescópio espacial James Webb e descobriu que os números alinham. De acordo com os pesquisadores, os seus estudos fornecem um quadro para os físicos teóricos e para os astrônomos continuarem testando e para a atual geração de experiências de energia escura como o DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument) e o DES (Dark Energy Survey). 

Este modelo atualmente deve ser considerado como uma hipótese excitante, que pode ser testada experimentalmente com mais estudos dos dados existentes. Se confirmada, representa uma grande mudança na cosmologia e aponta para uma revolução na nossa compreensão do Universo. 

Foram publicados recentemente dois artigos científicos, um no periódico The Astrophysical Journal e o outro no The Astrophysical Journal Letters

Fonte: Imperial College London

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Quatro classes de sistemas planetários

Há muito que os astrônomos sabem que os sistemas planetários não estão necessariamente estruturados como o nosso Sistema Solar. Pesquisadores das Universidades de Berna e de Genebra, bem como do NCCR PlanetS, mostraram pela primeira vez que existem quatro tipos de sistemas planetários.

© NCCR PlanetS (ilustração de quatro classes de sistemas planetários)

No nosso Sistema Solar, tudo parece estar em ordem: os planetas rochosos menores, tais como Vênus, a Terra ou Marte, orbitam relativamente perto da nossa estrela, o Sol. Os grandes gigantes de gás e gelo, tais como Júpiter, Saturno, ou Netuno, por outro lado, movem-se em órbitas largas ao redor do Sol. 

Há mais de uma década, os astrônomos repararam, com base em observações com o então inovador telescópio Kepler, que os planetas em outros sistemas se assemelham normalmente aos seus respetivos vizinhos em tamanho e massa. Mas durante muito tempo não era claro se esta descoberta se devia a limitações dos métodos de observação.

Os astrônomos desenvolveram uma estrutura para determinar as diferenças e semelhanças entre os planetas dos mesmos sistemas. E foi descoberto que não existem duas, mas sim quatro arquiteturas de sistemas. Estas quatro classes são denominadas "semelhante", "ordenada", "antiordenada" e "mista. 

Os sistemas planetários em que as massas de planetas vizinhos são idênticas entre si têm uma arquitetura semelhante. Os sistemas planetários ordenados são aqueles em que a massa dos planetas tende a aumentar com a distância à estrela, tal como no nosso Sistema Solar. Se, por outro lado, a massa dos planetas diminui aproximadamente com a distância à estrela, a arquitetura é antiordenada do sistema. E ocorrem arquiteturas mistas, quando as massas planetárias de um sistema variam muito de planeta para planeta. Este quadro geral também pode ser aplicado a quaisquer outras medições, como o raio, densidade ou conteúdos de água. 

Os resultados também levantam questões: Que arquitetura é a mais comum? Que fatores controlam o aparecimento de um tipo de arquitetura? Quais os fatores que não desempenham um papel? 

Os resultados mostram que os sistemas planetários "semelhantes" são o tipo mais comum de arquitetura. Cerca de oito em cada dez sistemas planetários em torno de estrelas visíveis no céu noturno têm uma arquitetura "semelhante". Isto também explica porque é que foram encontradas evidências desta arquitetura nos primeiros meses da missão do Kepler. 

O que surpreendeu a equipe foi que a arquitetura "ordenada", a que também inclui o Sistema Solar, parece ser a classe mais rara. Há indícios de que tanto a massa do disco de gás e poeira do qual emergem os planetas, bem como a abundância de elementos pesados na respectiva estrela, desempenham um papel. Os sistemas planetários "semelhantes" emergem a partir de discos e estrelas razoavelmente pequenos e com poucos elementos pesados. Os discos grandes e massivos, com muitos mais elementos pesados na estrela, dão origem a sistemas mais ordenados e antiordenados. Os sistemas mistos surgem a partir de discos de tamanho médio. 

As interações dinâmicas entre planetas, tais como colisões ou ejeções, influenciam a arquitetura final. Um aspecto notável destes resultados é que liga as condições iniciais da formação planetária e estelar a uma propriedade mensurável: a arquitetura do sistema.

Dois estudos foram publicados no periódico Astronomy & Astrophysics

Fonte: National Centre of Competence in Research PlanetS

sábado, 11 de fevereiro de 2023

A nebulosa estelar RCW 58

Imagine viajar para uma estrela com cerca de 100 vezes a massa do nosso Sol, um milhão de vezes mais luminosa e com 30 vezes a temperatura da superfície.

© M. Selby / M. Hanson (nebulosa RCW 58)

Essas estrelas existem, e algumas são conhecidas como estrelas Wolf Rayet (WR), em homenagem aos astrônomos franceses Charles Wolf e Georges Rayet, que identificaram três estrelas com essa aparência espectral em Cygnus. 

As estrelas Wolf-Rayet, frequentemente abreviadas como estrelas WR, são um tipo heterogêneo de estrelas com espectros anormais apresentando linhas de emissão intensas e largas de hélio e nitrogênio (subtipo WN) ou hélio, carbono e oxigênio (subtipos WC e WO), no lugar das linhas de absorção típicas de estrelas normais. 

A estrela central nesta imagem é WR 40 que está localizada na direção da constelação de Carina. As estrelas como WR 40 vivem rápido e morrem jovens em comparação com o Sol. Elas esgotam rapidamente seu suprimento de hidrogênio central, passam a fundir elementos centrais mais pesados e se expandem enquanto ejetam suas camadas externas por meio de fortes ventos estelares.

Neste caso, a estrela central WR 40 ejeta a atmosfera a uma velocidade de quase 100 quilômetros por segundo, e essas camadas externas se tornaram a nebulosa RCW 58 em forma oval em expansão. 

Fonte: NASA

Encontrado um anel em torno do planeta anão Quaoar

Durante uma pausa na observação de planetas em torno de outras estrelas, a missão CHEOPS (CHaracterising ExOPlanet Satellite) da ESA observou um planeta anão no nosso próprio Sistema Solar e deu uma contribuição decisiva para a descoberta de um denso anel de material à sua volta.

© ESA (ilustração do sistema Quaoar)

O planeta anão é conhecido como Quaoar. A presença de um anel a uma distância de quase sete vezes e meia o raio de Quaoar abre um mistério para os astrônomos resolverem: porque é que este material não coalesceu numa pequena lua? 

O anel foi descoberto através de uma série de observações realizadas entre 2018 e 2021. Utilizando uma coleção de telescópios terrestres e o telescópio espacial CHEOPS, os astrônomos assistiram à passagem de Quaoar em frente a uma sucessão de estrelas distantes, bloqueando brevemente a sua luz. Tal evento é conhecido como uma ocultação. 

Observar como a luz da estrela ocultada diminui de brilho fornece informações sobre o tamanho e forma do objeto no plano da frente e pode revelar se tem ou não uma atmosfera. Neste caso, quedas menores antes e depois da ocultação principal traíram a presença de material em órbita de Quaoar. 

Quaoar faz parte de uma coleção de mundos pequenos e distantes conhecidos como objetos transnetunianos (OTNs). Conhecem-se cerca de 3.000. Como o nome sugere, os OTNs encontram-se nos confins do Sistema Solar, além da órbita do planeta Netuno. Os maiores dos OTNs são Plutão e Éris. Com um raio estimado em 555 km, Quaoar ocupa o número sete da lista de tamanhos e é orbitado por uma pequena lua chamada Weywot, com um raio de aproximadamente 80 km. 

O estudo destes planetas anões é difícil devido às suas pequenas dimensões e distâncias extremas. O próprio Quaoar orbita o Sol a quase 44 vezes a distância Sol-Terra. Portanto, as ocultações são ferramentas particularmente valiosas. Até há pouco tempo, porém, era difícil prever exatamente quando e onde teriam lugar. Para que uma ocultação ocorra, o alinhamento entre o objeto interveniente (neste caso, o OTN), a estrela e o telescópio tem que ser extremamente preciso. 

No passado, tem sido quase impossível cumprir os rigorosos requisitos de precisão para se ter a certeza de ver um evento. No entanto, para alcançar este objetivo foi criado o projeto Lucky Star do ERC (European Research Council), coordenado por Bruno Sicardy, da Universidade de Sorbonne e do Observatório de Paris - PSL (LESIA), para prever as próximas ocultações por OTNs e para coordenar a observação destes eventos com observatórios profissionais e amadores de todo o mundo. 

Recentemente, o número de ocultações estelares observadas tem vindo a aumentar. Isto deve-se, em grande parte, à contribuição dos dados da missão de mapeamento Gaia da ESA. A nave espacial proporcionou uma precisão tão impressionante nas suas posições estelares que as previsões feitas pela equipe do Lucky Star se tornaram muito mais precisas.

A primeira vez que a equipe tentou observar uma ocultação com o CHEOPS, que envolveu Plutão, a previsão não era suficientemente precisa, pelo que não pôde ser observada nenhuma ocultação. Contudo, o alinhamento foi mais favorável na segunda tentativa, quando observaram Quaoar. Durante esta observação, fizeram a primeira detecção, de uma ocultação estelar por um objeto transnetuniano a partir do espaço.

O CHEOPS fornece uma excelente relação sinal-ruído porque o telescópio não está olhando através dos efeitos de distorção da atmosfera inferior da Terra. Esta claridade provou ser decisiva no reconhecimento do sistema de anéis de Quaoar porque permitiu eliminar a possibilidade de que as quedas de luz fossem provocadas por um efeito da atmosfera da Terra. 

Ao combinar várias detecções secundárias, efetuadas com telescópios na Terra, foi possível ter a certeza de que eram provocadas por um sistema de anéis em redor de Quaoar. Bruno Morgado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, liderou a análise. Ele combinou os dados do CHEOPS com os de grandes observatórios profissionais de todo o mundo e de cientistas cidadãos amadores, todos eles tendo observado Quaoar ocultando várias estrelas ao longo dos últimos anos. 

Quando foi unidas todas as observações, foram notadas quedas de brilho que não eram provocadas por Quaoar, mas que apontavam para a presença de material numa órbita circular. 

Quando se trata de sistemas de anéis, o planeta gigante Saturno é rei. Saturno ostenta uma coleção de poeira e pequenas luas que circundam o equador do planeta. Apesar de ser uma visão impressionante, a massa do sistema de anéis é bastante pequena. No total, corresponde entre 1/3 e metade da massa da lua de Saturno, Mimas, ou cerca de metade da massa da camada de gelo na Antártida. 

O anel de Quaoar é muito menor que o de Saturno, mas não menos intrigante. Não é o único sistema de anéis conhecido em torno de um planeta anão ou planeta menor. Os outros dois - em torno de Chariklo e Haumea, foram detectados através de observações terrestres. Porém, o que torna o anel de Quaoar único é onde se encontra relativamente ao próprio Quaoar.

Qualquer objeto celeste com um campo gravitacional apreciável terá um limite dentro do qual um objeto em aproximação será dilacerado. Isto é conhecido como o limite de Roche. Espera-se que existam sistemas de anéis dentro do limite de Roche, que é o caso de Saturno, Chariklo e Haumea.

Assim sendo, o que torna esta descoberta tão intrigante em torno de Quaoar é que o anel de material está muito mais longe do que o limite de Roche. Isto é um mistério porque, de acordo com o pensamento convencional, os anéis para lá do limite de Roche acabam por coalescer numa pequena lua em apenas algumas décadas. Como resultado das nossas observações, a noção clássica de que os anéis densos sobrevivem apenas dentro do limite de Roche de um corpo planetário tem que ser profundamente revista. 

Os resultados iniciais sugerem que as temperaturas geladas em Quaoar podem desempenhar um papel ao prevenir que as partículas se mantenham juntas, mas são necessárias mais investigações.

Um artigo foi publicado na revista Nature

Fonte: ESA