O novo instrumento MUSE montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO deu aos astrônomos a melhor imagem até hoje de uma colisão cósmica espetacular.
© MUSE (galáxia ESO 137-001)
As novas observações revelam, pela primeira vez, o movimento do gás à medida que é arrancado da galáxia ESO 137-001, quando esta entra a alta velocidade num enorme aglomerado de galáxias. Os resultados contêm a chave para a solução de um mistério de longa data - porque é que a formação estelar se interrompe em aglomerado de galáxias.
Uma equipe de pesquisadores liderada por Michele Fumagalli do Grupo de Astronomia Extragaláctica e do Instituto de Cosmologia Computacional, da Universidade de Durham, esteve entre as primeiras a utilizar o instrumento do ESO Multi Unit Spectroscopic Explorer (MUSE), montado no VLT. Ao observar a ESO 137-001, uma galáxia espiral situada a 200 milhões de anos-luz de distância, na constelação do Triângulo Austral, a equipe conseguiu obter a melhor imagem já feita do que acontece exatamente com a galáxia à medida que esta se precipita a alta velocidade no Aglomerado de Norma.
O MUSE dá aos astrônomos não apenas uma imagem, mas também um espectro para cada pixel do campo. Com este instrumento os pesquisadores coletam cerca de 90.000 espectros de cada vez que observam um objeto, e deste modo obtêm um mapa extremamente detalhado quer do movimento quer de outras propriedades dos objetos observados. O instrumento MUSE é o primeiro espectrógrafo de campo integral grande a ser instalado num telescópio de 8 metros. Em termos de comparação, estudos anteriores de ESO 137-001 não coletaram mais que 50 espectros.
A ESO 137-001 está ficando sem o seu material primário devido a um processo chamado pressão de arraste, processo este que ocorre quando um objeto se move a alta velocidade num meio líquido ou gasoso. Trata-se de um fenômeno semelhante ao efeito do ar soprando para trás o pelo de um cão quando o animal põe a cabeça fora da janela de um carro em movimento. Neste caso, o gás faz parte da vasta nuvem de gás tênue muito quente que envolve o aglomerado de galáxias, no qual a ESO 137-001 está “caindo” com uma velocidade de vários milhões de quilômetros por hora. O Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA obteve uma imagem muito boa deste objeto mas, ao contrário do MUSE, não conseguiu mostrar os movimentos do material.
© Hubble (galáxia ESO 137-001)
A galáxia está ficando sem a maior parte do seu gás, o combustível necessário para dar origem às próximas gerações de estrelas jovens azuis. A ESO 137-001 encontra-se no meio deste processo e está precisamente passando de uma galáxia azul rica em gás a uma galáxia vermelha pobre em gás. Os cientistas pensam que o processo agora observado irá ajudar a resolver um enigma científico de longa data.
“Uma das principais tarefas da astronomia moderna é descobrir como e por que é que as galáxias nos aglomerados evoluem de azuis para vermelhas num período de tempo muito curto”, diz Fumagalli. “Conseguir observar uma galáxia quando ela está nesta fase de transformação permite-nos investigar como é que isto acontece”.
Observar este espetáculo galáctico não é, no entanto, nada fácil. O Aglomerado de Norma situa-se próximo do plano da nossa galáxia, a Via Láctea, e por isso está escondido por trás de enormes quantidades de poeira e gás galáticos.
Com a ajuda do MUSE, montado num dos telescópios principais de 8 metros do VLT, no Observatório do Paranal, no Chile, os cientistas puderam não apenas detectar o gás na galáxia e em torno dela, mas também viram como é que este gás se desloca. O novo instrumento é tão eficiente que uma única hora de observação permitiu obter uma imagem de alta resolução da galáxia e também a distribuição e movimento do seu gás.
As observações mostram que a periferia da ESO 137-001 já não contém gás, o que se deve ao fato do gás existente no aglomerado, com um temperatura de milhões de graus, empurrar o gás mais frio para fora de ESO 137-001 à medida que esta avança em direção ao centro de aglomerado. O efeito acontece primeiro nos braços espirais, onde as estrelas e a matéria estão distribuídas de forma mais dispersa do que no centro e onde a gravidade tem um efeito relativamente fraco sobre o gás. No centro da galáxia, no entanto, a força gravitacional é suficientemente forte para aguentar mais tempo este puxão cósmico e por isso ainda se observa gás nesta região.
Eventualmente, todo o gás da galáxia será varrido ficando em longas faixas brilhantes por trás da ESO 137-001, restos que mostram o efeito dramático deste fenômeno. O gás que é arrancado da galáxia mistura-se com o gás quente do aglomerado formando magníficas caudas que se estendem por mais de 200.000 anos-luz. A equipe observou cuidadosamente estas correntes de gás, no intuito de compreender melhor a turbulência criada pela interação.
De forma surpreendente, as novas observações MUSE desta pluma de gás mostram que o gás continua girando do mesmo modo que a galáxia, mesmo depois de ter sido arrancado da galáxia e ter sido varrido para o espaço. Adicionalmente, os pesquisadores conseguiram determinar que a rotação das estrelas na ESO 137-001 permanece inalterada, o que nos dá evidências adicionais de que é o gás do aglomerado, e não a gravidade, o responsável por “despir” a galáxia. Se a gravidade fosse responsável por este processo de varrimento do gás, era esperado observar distorções ao longo da galáxia.
Matteo Fossati (Universitäts-Sternwarte München e Max-Planck-Institut für extraterrestrische Physik, Garching, Alemanha) e co-autor do artigo científico que descreve estes resultados conclui: “Com os detalhes revelados pelo MUSE conseguimos compreender melhor os processos físicos que estão em jogo nestas colisões. Pudemos observar os movimentos da galáxia e do gás com todo o detalhe, algo que não seria possível sem este novo instrumento único que é o MUSE. Estas observações, e outras no futuro, nos ajudarão a entender o processo de evolução das galáxias”.
Fonte: ESO