A Via Láctea é uma grande galáxia espiral barrada. Os braços espirais, locais onde a formação de novas estrelas é mais vigorosa, têm origem na região central da galáxia e prolongam-se até se esvanecerem no espaço intergaláctico, a uma distância de 50 mil anos-luz do núcleo.
© NASA/Max Planck Institute for Astronomy (trajetória do aglomerado globular Palomar 5)
A trajetória reconstruída do aglomerado globular Palomar 5 (em vermelho) e a sua posição atual (circunferência anotada Pal 5). São visíveis os filamentos de estrelas deixados pelo aglomerado na sua trajetória devido às forças de maré da Via Láctea (traços verdes que encontram atrás e à frente do aglomerado na sua posição atual). A análise da forma como as estrelas se distribuem nestes filamentos permitiu deduzir uma estimativa para a massa da nossa galáxia.
A região central, mais volumosa e brilhante, contém a maior concentração de estrelas da galáxia e a maior parte da sua massa. Todos os 100 bilhões de estrelas da Via Láctea orbitam em torno do centro. O Sol, deslocado cerca de 27 mil anos-luz para a periferia, demora uns espantosos 250 milhões anos para completar uma órbita; desde a sua formação, há 4,5 bilhões de anos, completou apenas 18 voltas à galáxia.
A determinação da massa da Via Láctea, um dos seus parâmetros mais fundamentais, é dificultada pelo fato do Sol, e portanto o Sistema Solar, se encontrar imerso no plano dos braços espirais. As estimativas existentes, baseadas em métodos indiretos, têm margens de erro enormes. Neste contexto, uma equipa de astrônomos da Universidade de Columbia elaborou uma nova técnica que permite a determinação com boa precisão da referida massa. O método baseia-se na observação das características de filamentos de estrelas arrancados pela Via Láctea em aglomerados globulares que a orbitam. Este cenário de canibalismo galáctico é muito vulgar, mas só passou a ser reconhecido como tal com o advento dos grandes censos da esfera celeste, como o SDSS (Sloan Digital Sky Survey) ou o 2MASS (Two Micron All-Sky Survey), na última década do século XX e início do século XXI.
Os aglomerados globulares são grupos extremamente compactos de centenas de milhares de estrelas, nascidas juntas durante a formação da Via Láctea, em circunstâncias ainda alvo de intenso debate. Orbitam o centro da galáxia há bilhões de anos e, em alguns casos, as intensas forças de maré exercidas pela enorme massa da Via Láctea provocam a sua desagregação gradual. Quando tal acontece, os aglomerados deixam ao longo da sua órbita filamentos formados por estrelas a eles arrancadas que são mais facilmente identificadas em censos como o SDSS ou o 2MASS.
Os autores, em particular, estudaram um aglomerado globular denominado Palomar 5, cujos filamentos de estrelas eram já conhecidos desde 2001. Descoberto pelo astrônomo americano Walter Baade em 1950 e situado a 61 mil anos-luz do centro da Via Láctea, o Palomar 5 é um aglomerado globular anormalmente pequeno e pouco luminoso. Grande parte das suas estrelas já lhe foram arrancadas pela Via Láctea, formando agora dois filamentos, um que precede e outro que sucede o aglomerado, na sua órbita. A extensão total destes filamentos é de uns notáveis 30 mil anos-luz.
Naturalmente, a existência dos filamentos não constituía novidade. O que os autores descobriram de novo foi que estes exibem oscilações na densidade de estrelas, regiões mais ricas em estrelas alternadas com regiões mais pobres em estrelas, demasiado regulares para poderem ser devidas ao acaso. Realmente, as propriedades destas oscilações permitiam deduzir muito acerca das forças de maré que atuam sobre o aglomerado e, portanto, sobre o campo gravitacional da Via Láctea.
No passo seguinte, os pesquisadores recorreram a um supercomputador na Universidade de Columbia para simular a desagregação de um aglomerado semelhante ao Palomar 5 com diferentes modelos para a Via Láctea e com diferentes massas totais. A ideia era comparar as oscilações nos filamentos gerados pelas simulações para diferentes modelos da Via Láctea com as observadas no filamento do Palomar 5 nos dados do SDSS.
Os astrônomos concluíram que o modelo que melhor se ajustava aos dados implicava uma massa total de 210 bilhões de massas solares para a Via Láctea dentro de um raio de 60 mil anos-luz do centro, incluindo a totalidade dos braços espirais. A estimativa tem um erro de 20%, uma margem significativa mas muito melhor do que as obtidas com outros métodos. Uma comparação com outras galáxias de tamanho idêntico, para as quais a massa é conhecida, revela que a Via Láctea possui uma massa equilibrada.
Note-se que desta estimativa não se pode inferir que a massa média das estrelas da Via Láctea é de 2,1 massas solares, ou seja, 210 bilhões de massas solares dividida por 100 bilhões de estrelas. Em primeiro lugar, os 100 bilhões de estrelas da nossa galáxia são apenas uma estimativa, provavelmente conservadora. Em segundo lugar, a vasta maioria das estrelas da nossa galáxia são anãs vermelhas cuja massa pode ser tão pequena quanto 8% da massa do Sol. Finalmente, uma parte muito significativa da massa da galáxia existe sob a forma de gás e poeiras interestelares, nomeadamente nas nuvens moleculares gigantes que contêm a matéria prima para formar novas estrelas, e sob a forma da matéria escura, que faz sentir a sua presença apenas pela influência gravitacional que exerce na matéria normal. A massa média de uma estrela será assim muito inferior às 2,1 massas solares acima referidas.
Fonte: The Astrophysical Journal