Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) foram detectadas as nuvens de gás de formação estelar mais distantes observadas até hoje em galáxias normais no Universo primordial.
© ESO/R. Maiolino (formação de galáxias no Universo primordial)
O quadro acima é uma combinação de imagens de ALMA e o Very Large Telescope (VLT). O objeto central é a galáxia muito distante, denominada BDF 3299, que é vista quando o Universo tinha menos de 800 milhões de anos. A nuvem vermelha brilhante na parte inferior esquerda é a detecção de ALMA de uma vasta nuvem de material que está no processo de formação de galaxias muito jovens.
As novas observações permitem aos astrônomos começar a ver como é que as primeiras galáxias se foram construindo e como é que limparam o nevoeiro cósmico durante a era da reionização. Esta é a primeira vez que tais galáxias são observadas com melhor detalhe do que simples manchas tênues.
Quando as primeiras galáxias se começaram a formar algumas centenas de milhões de anos depois do Big Bang, o Universo estava cheio de um nevoeiro de hidrogênio gasoso. Mas à medida que mais e mais fontes brilhantes, tanto estrelas como quasares alimentados por enormes buracos negros, começaram a brilhar, este nevoeiro foi desaparecendo tornando o Universo transparente à radiação ultravioleta. O hidrogênio neutro gasoso absorve de forma eficiente toda a radiação ultravioleta de alta energia emitida por estrelas jovens quentes. Consequentemente, estas estrelas são quase impossíveis de observar no Universo primordial. Ao mesmo tempo, a radiação ultravioleta absorvida ioniza o hidrogênio, fazendo com que se torne completamente transparente. As estrelas quentes estão por isso “moldando” bolhas transparentes no gás. Assim que todas estas bolhas se juntam enchendo todo o espaço, e o Universo torna-se completamente transparente. Este período é denominado de época da reionização, no entanto pouco se sabe acerca destas primeiras galáxias e, até agora, apenas se tinham observado como manchas tênues. Estas novas observações obtidas com o poder do ALMA estão mudando esta realidade.
Uma equipe de astrônomos liderada por Roberto Maiolino (Cavendish Laboratory e Kavli Institute for Cosmology, University of Cambridge, Reino Unido) apontou o ALMA a galáxias que se sabia estarem sendo observadas a cerca de apenas 800 milhões de anos depois do Big Bang, com desvios para o vermelho entre 6,8 e 7,1. Os astrônomos não estavam à procura da radiação emitida pelas estrelas, mas sim do fraco brilho do carbono ionizado emitido pelas nuvens de gás a partir das quais se formam as estrelas. Os astrônomos estão especialmente interessados no carbono ionizado, já que esta linha espectral particular contém a maioria da energia injetada pelas estrelas, permitindo assim traçar o gás frio a partir do qual as estrelas se formam. De modo concreto, a equipe estava à procura da emissão do carbono uma vez ionizado (conhecido por [C II]). Esta radiação é emitida com o comprimento de onda de 158 mícrons que, ao ser esticada pela expansão do Universo, chega ao ALMA exatamente com o bom comprimento de onda para ser detectada, cerca de 1,3 milímetros. A equipe pretendia estudar a interação entre uma geração de estrelas jovem e os frios nós de gás que estavam se formando nestas primeiras galáxias.
A equipe também não estava à procura de objetos raros extremamente brilhantes, tais como quasares e galáxias com elevada taxa de formação estelar, que tinham sido observados anteriormente. Em vez disso, o trabalho concentrou-se em galáxias muito mais comuns, galáxias que reionizaram o Universo e se transformaram na maior parte das galáxias que vemos hoje à nossa volta.
Vindo de uma das galáxias, a BDF 3299, o ALMA captou um sinal fraco mas claro de carbono brilhante. No entanto, este brilho não vinha do centro da galáxia, mas sim de um dos lados.
A co-autora Andrea Ferrara (Scuola Normale Superiore, Pisa, Itália) explica a importância desta nova descoberta: “Trata-se da detecção mais distante deste tipo de emissão de uma galáxia ‘normal’ observada a menos de um bilhão de anos depois do Big Bang, o que nos dá a oportunidade de observar a formação das primeiras galáxias. Estamos vendo pela primeira vez galáxias primordiais não como pequenos pontos, mas como objetos com estrutura interna!”
Os astrônomos pensam que a localização deslocada do centro desta emissão deve-se ao fato das nuvens centrais estarem sendo desfeitas pelo meio inóspito criado pelas estrelas recém formadas, tanto pela sua radiação intensa como pelos efeitos de explosões de supernova, enquanto o carbono está traçando o gás frio recente que está sendo acretado do meio intergalático.
Ao combinar as novas observações ALMA com simulações de computador foi possível compreender em detalhe processos relevantes que estão ocorrerendo no seio das primeiras galáxias. Os efeitos da radiação emitida pelas estrelas, a sobrevivência de nuvens moleculares, o fato da radiação ionizante se escapar e a estrutura complexa do meio interestelar podem agora ser calculados e comparados às observações. A BDF2399 é muito possivelmente um exemplo típico das galáxias responsáveis pela reionização.
“Durante muitos anos tentamos compreender o meio interestelar e a formação das fontes de reionização. Conseguir finalmente testar previsões e hipóteses em dados reais do ALMA é algo extremamente excitante e que nos abre um novo conjunto de questões. Este tipo de observação clarificará muitos dos difíceis problemas que temos tido com a formação das primeiras estrelas e galáxias no Universo,” acrescenta Andrea Ferrara.
Roberto Maiolino conclui: “Este estudo teria sido simplesmente impossível sem o ALMA, uma vez que nenhum outro instrumento consegue atingir a sensibilidade e resolução espacial necessárias. Embora esta seja uma das observações mais profundas do ALMA realizada até agora, estamos ainda longe de atingir todas as capacidades deste telescópio. No futuro o ALMA fará imagens da estrutura fina das galáxias primordiais, mostrando em detalhe a formação das primeiras galáxias.”
Este trabalho foi descrito num artigo científico intitulado “The assembly of “normal” galaxies at z∼7 probed by ALMA”, de R. Maiolino et al., que foi publicado hoje na revista especializada Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Fonte: ESO