Usando o telescópio espacial Hubble, cientistas confirmaram a presença de moléculas eletricamente carregadas no espaço em forma de "bolas de futebol", elucidando os misteriosos conteúdos do meio interestelar.
© NASA/JPL-Caltech (ilustração de bucky-bolas no espaço)
Dado que as estrelas e os planetas se formam a partir de nuvens de gás e poeira no espaço, "o meio interestelar difuso pode ser considerado como o ponto de partida para os processos que finalmente dão origem a planetas e à vida. Assim, a identificação completa do seu conteúdo fornece informações sobre os ingredientes disponíveis para criar estrelas e planetas," disse Martin Cordiner da Universidade Católica da América, em Washington.
As moléculas identificadas por Cordiner e pela sua equipe são uma forma de carbono chamada "Buckminsterfulereno", que consistem em 60 átomos de carbono (C60) dispostos numa esfera oca. O C60 já foi encontrado em alguns casos raros na Terra, em rochas e em minerais, e também pode aparecer em fuligem de combustão a altas temperaturas.
O C60 também já foi visto no espaço. No entanto, esta é a primeira vez que a sua versão eletricamente carregada (ionizada) foi confirmada como presente no meio interestelar difuso. O C60 torna-se ionizado quando a luz ultravioleta das estrelas arranca um elétron da molécula, dando ao C60 uma carga positiva (C60+). "O meio interestelar difuso era historicamente considerado um ambiente demasiado rigoroso e tênue para a ocorrência de uma abundância apreciável de moléculas grandes," explicou Cordiner. "Antes da detecção do C60, as maiores moléculas conhecidas no espaço tinham apenas 12 átomos de tamanho. A nossa confirmação do C60+ mostra quão complexa a astroquímica pode ser, mesmo nos ambientes de densidade mais baixa, os mais fortemente irradiados por radiação ultravioleta na Galáxia."
A vida como a conhecemos é baseada em moléculas contendo carbono e esta descoberta mostra que as moléculas complexas de carbono podem formar-se e sobreviver no ambiente hostil do espaço interestelar. "De certa forma, a vida pode ser considerada como o expoente máximo da complexidade química," salientou Cordiner. "A presença do C60 demonstra inequivocamente um alto nível de complexidade química intrínseca aos ambientes espaciais e aponta para uma forte probabilidade de outras moléculas extremamente complexas, portadoras de carbono, surgirem espontaneamente no espaço."
A maior parte do meio interestelar é hidrogênio e hélio, mas tem muitos compostos que ainda não foram identificados. Dado que o espaço interestelar é tão remoto, os cientistas estudam como afeta a luz de algumas estrelas distantes para identificar o seu conteúdo. À medida que a luz estelar passa pelo espaço, os elementos e os compostos do meio interestelar absorvem e bloqueiam certas cores (comprimentos de onda) da luz. Quando os cientistas analisam a luz estelar, separando-a nas suas cores componentes (espectro), as cores que foram absorvidas parecem escuras ou ausentes. Cada elemento ou composto tem um padrão de absorção único que age como uma impressão digital, permitindo com que seja identificado. No entanto, alguns padrões de absorção do meio interestelar cobrem uma gama mais ampla de cores, que parecem diferentes de qualquer átomo ou molécula conhecida na Terra. Estes padrões de absorção são chamados de Bandas Interestelares Difusas (BIDs). A sua identidade permanece um mistério desde que foram descobertas por Mary Lea Heger, que publicou observações das duas primeiras BIDs em 1922.
Uma BID pode ser atribuída encontrando uma correspondência precisa com a impressão digital de absorção de uma substância em laboratório. No entanto, existem milhões de diferentes estruturas moleculares para testar, e levaria gerações para testá-las todas.
"Hoje, conhecemos mais de 440 BIDs, mas (além das poucas recém-atribuídas ao C60+) nenhuma foi identificada conclusivamente," realçou Cordiner. "Em conjunto, o aspeto das BIDs indica a presença de uma grande quantidade de moléculas ricas em carbono no espaço, algumas das quais podem eventualmente participar da química que dá origem à vida. No entanto, a composição e as características deste material permanecerão desconhecidas até que as BIDs restantes sejam atribuídas."
Décadas de estudos de laboratório não conseguiram encontrar uma correspondência precisa com quaisquer BIDs até este trabalho sobre o C60+. No novo trabalho, os pesquisadores conseguiram igualar o padrão de absorção do C60+ em laboratório com as observações do meio interestelar do Hubble, confirmando a designação feita recentemente por uma equipe da Universidade de Basel, Suíça, cujos estudos de laboratório forneceram os dados do C60+ necessários para comparação. O grande problema da detecção do C60+, usando telescópios terrestres convencionais, é que o vapor de água atmosférico bloqueia a nossa visão do padrão de absorção do C60+. No entanto, orbitando acima da maior parte da atmosfera, o telescópio espacial Hubble tem uma vista clara e desobstruída. No entanto, os cientistas ainda tiveram que puxar o Hubble muito além dos seus limites normais de sensibilidade para ter uma hipótese de detectar as impressões digitais fracas do C60+.
As estrelas observadas eram todas supergigantes azuis, localizadas no plano da Via Láctea. O material interestelar da Via Láctea está localizado principalmente num disco relativamente plano, de modo que as linhas de visão das estrelas no plano Galáctico atravessam as maiores quantidades de matéria interestelar e, portanto, mostram as características de absorção mais fortes devido às moléculas interestelares.
A detecção do C60+ no meio interestelar difuso suporta as expetativas da equipe de que as moléculas muito grandes e carregadas de carbono são candidatas prováveis a explicar muitas das BIDs não identificadas. Isto sugere que os futuros esforços de laboratório devem medir os padrões de absorção de compostos relacionados com o C60+, a fim de ajudar a identificar algumas das restantes BIDs.
A equipe está tentando detectar C60+ em mais ambientes para ver como tais moléculas estão disseminadas no Universo. De acordo com Cordiner, com base nas suas observações até agora, parece que o C60+ está muito difundido na Galáxia.
Um artigo foi publicado na revista The Astrophysical Journal Letters.
Fonte: NASA