segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Anã branca completa um giro a cada meio minuto!

O que você poderia fazer em menos de 30 segundos?

© ON/R. Cassaro (anã branca capturando matéria de sua companheira)

Uma equipe de cinco pesquisadores, sendo quatro deles de instituições brasileiras, revelou uma estrela de tamanho similar ao da Terra, de tipo anã branca, que precisa de apenas 29,6 segundos para completar um giro em torno de si. Enquanto a Terra completa o seu giro diário, essa estrela dá quase 3.000 giros e assim detém o recorde de rotação entre todas as anãs brancas conhecidas.

Anã branca é um dos possíveis estágios finais na evolução de uma estrela; é o destino da maioria das estrelas do Universo, como será o do nosso Sol. Uma anã branca tem massa similar à do Sol mas seu volume é equivalente ao da Terra. Portanto, um anã branca é extremamente densa: um volume equivalente ao de uma caixa de fósforo pequena teria aproximadamente 25 toneladas de matéria. Diferente do Sol, essa estrela tem uma companheira da qual captura parte de sua matéria e, juntas, formam um sistema binário chamado CTCV J2056-3014. Essas estrelas movem-se uma em torno da outra como o sistema Terra-Lua, e a distância entre elas, inclusive, é equivalente à distância entre a Terra e a Lua.

CTCV J2056-3014 está a uma distância de 850 anos-luz do Sol, o que é considerado pouco em escalas astronômicas. Assim, pode ser considerado um sistema na vizinhança do Sol. A esta distância nenhum telescópio atual consegue ver as duas estrelas desse sistema separadas, apenas o brilho combinado de ambas. 

O trabalho sobre CTCV J2056-3014 foi baseado em observações em raios X realizadas pelo telescópio espacial XMM-Newton da ESA, e na luz que é visível aos nossos olhos pelo telescópio Zeiss do Observatório do Pico dos Dias (OPD), no estado de Minas Gerais, gerenciado pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). 

A descoberta da equipe veio de observações que revelaram que a variação do brilho do sistema binário, tanto em raios X quanto na luz visível, se repete a cada 29,6 segundos. Tal variação está associada ao tempo de giro da anã branca. Antes desta descoberta, o período de rotação mais curto conhecido em uma anã branca era de 33 segundos. Existem poucas deste tipo conhecidas com período de rotação inferior a 100 segundos, sendo que o mais comum é a rotação durar de vários minutos a várias horas quando em sistemas binários, e alguns dias em estrelas "isoladas". 

“Investigar fenômenos astrofísicos extremos nos permite fazer avançar a Física sob condições que são difíceis ou mesmo impossíveis de serem produzidas em nossos laboratórios. O estudo de CTCV J2056-3014 tem implicações científicas importantes sobre interação entre matéria e campos magnéticos, que é de grande interesse em Física, e que nesse sistema se dá com matéria caindo sobre uma estrela magnetizada e em rotação elevada. O que foi observado em CTCV J2056-3014 abre horizontes para um melhor entendimento sobre estrutura e evolução estelar, e também sobre a origem de campos magnéticos em estrelas evoluídas,” ressalta o pesquisador Raimundo Lopes de Oliveira Filho, professor da Universidade Federal de Sergipe e do Observatório Nacional, que liderou o estudo. 

O sistema é do tipo polar intermediária, uma subclasse das variáveis cataclísmicas. O estudo mostrou também que CTCV J2056-3014 é um sistema modesto em sua emissão de luz em raios X quando comparado a sistemas de sua classe, e como tal passava sem ser percebido mesmo sendo nosso vizinho: vários desses sistemas devem estar igualmente ocultos. 

Este sistema é membro de um grupo ainda muito pequeno, exatamente por ser formado por sistemas pouco luminosos em raios X. Porém, descobertas recentes apontam que o grupo deve ser muito numeroso e estar entre os principais contribuintes de luz em raios X em nossa galáxia. “Decidimos estudar a CTCV2056 em raios X devido a indícios que obtivemos ao observá-la em luz visível em 2012. Descobrir que sua anã branca tem uma rotação tão rápida foi uma grande surpresa. Com este trabalho, temos uma estratégia para explorar o grupo ao qual pertence CTCV J2056-3014,” afirma Alexandre Soares de Oliveira, da Universidade do Vale do Paraíba, co-autor do trabalho. 

Os autores do estudo apontam uma forte evidência de que a anã branca de CTCV J2056-3014 tem um campo magnético mais fraco do que usualmente é visto em anãs brancas de sistemas do tipo polar intermediária, o que abre janelas para estudos de condições incomuns.

O campo magnético na superfície da anã branca de CTCV J2056-3014 é aproximadamente 1 milhão de vezes mais intenso que o da Terra e isso faz com que a matéria da estrela companheira que cai sobre a anã branca siga estruturas que podemos imaginar como tubos magnéticos. "A região onde essa estrutura magnética encontra a anã branca é onde ocorre a emissão que vemos em raios X e parte da que vemos na luz visível. Essa emissão varia periodicamente devido à rotação da anã branca e pode, assim, ser usada para medir o tempo de rotação," diz Claudia Vilega Rodrigues, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A captura de matéria pela anã branca de CTCV J2056-3014 a fez girar mais e mais, até que ela atingiu uma situação de quase equilíbrio. 

“O estudo também é um belo exemplo de sinergia entre instrumentos de grande porte, como o satélite XMM-Newton, e telescópios pequenos, como o Zeiss do Observatório do Pico dos Dias, mostrando que equipamentos modestos tem o seu lugar na pesquisa mesmo na época de telescópios gigantes,” diz Albert Bruch, do Laboratório Nacional de Astrofísica.

O estudo foi publicado na revista The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Observatório Nacional

Mecanismo universal para a ejeção de matéria pelos buracos negros

Os buracos negros podem expulsar mil vezes mais matéria do que capturam.

© Adam Block/Judy Schmidt (NGC 4151)

O mecanismo que rege tanto a expulsão quanto a captura é o “disco de acreção”, constituído por uma grande quantidade de gás e poeira que espirala em torno do buraco negro, alcança velocidades extremamente elevadas, se aquece e emite luz e outras formas de radiação eletromagnética. Uma parte do material em movimento orbital é puxada em direção ao centro, desaparecendo atrás do chamado “horizonte de eventos”, a fronteira a partir da qual nem a matéria e nem a luz conseguem escapar. Outra parte, muito maior, é empurrada para fora e para longe pela própria pressão da radiação emitida pelo disco. 

Acredita-se que no centro de todas as galáxias existe um buraco negro supermassivo. Mas nem todas ainda têm, ou tiveram no passado, discos de acreção. As que têm são chamadas de galáxias de núcleos ativos. O modelo tradicional distingue duas fases no material acumulado na região central das galáxias de núcleos ativos: uma parte formada por gás ionizado em alta velocidade, composta pelo material ejetado pelo núcleo (outflow); e outra formada por moléculas, com velocidade menor, que pode vir a alimentar o núcleo. 

Um novo modelo, que integra as duas fases em um cenário único, foi proposto agora pelo pesquisador Daniel May, pós-doutorando do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). “Verificamos que a fase molecular, que parece ter uma dinâmica completamente diferente da fase ionizada, também faz parte do outflow. Isso significa que há muito mais matéria sendo soprada para longe do centro. E que o núcleo ativo tem um papel muito mais importante na estruturação da galáxia como um todo,” diz May à Agência FAPESP. 

Recebeu apoio da FAPESP por meio das bolsas de doutorado e pós-doutorado concedidas ao pesquisador. João Steiner, professor titular do IAG-USP, que também assina o artigo, foi o orientador do doutoramento e é o supervisor do pós-doutoramento de May. 

O padrão foi identificado pelo pesquisador a partir do estudo de duas galáxias de núcleos ativos: a NGC 1068, investigada por ele em 2017, e a NGC 4151, investigada em 2020. A sigla NGC refere-se ao New General Catalogue of Nebulae and Clusters of Stars (Novo Catálogo Geral de Nebulosas e Aglomerados de Estrelas), estabelecido no final do século 19. “Usando uma metodologia de tratamento de imagem muito meticulosa, identificamos o mesmo padrão em duas galáxias bastante diferentes. Hoje em dia, a maioria dos astrônomos está interessada em estudar amostras muito grandes de dados. Nosso trabalho seguiu o caminho oposto. Pesquisamos de forma quase artesanal as características individuais desses dois objetos,” relata May. 

“Nosso estudo sugere que, inicialmente, uma nuvem de gás molecular na região central da galáxia colapse e ative o seu núcleo, formando o disco de acreção. Os fótons emitidos pelo disco, que alcança um patamar de temperatura da ordem de milhão de graus, empurram a maior parte do gás para fora e para longe, enquanto uma parte menor é incorporada pelo próprio disco e, eventualmente, imerge no buraco negro. À medida que essa nuvem vai sendo soprada pelo disco, formam-se as duas fases distintas: a ionizada, devido à exposição ao disco; e a molecular, que fica à sombra da sua radiação. O que descobrimos foi que a parte molecular está totalmente vinculada à parte ionizada que compõe o outflow. Conseguimos relacionar as duas fases do gás, que antes eram concebidas como desconexas, e encaixar suas morfologias em um único cenário,” resume o pesquisador. 

O gás ionizado surge da fragmentação desse gás molecular. Enquanto se fragmenta, este vai sendo empurrado para fora, formando uma bolha quente em expansão, que atinge raios da ordem de 300 anos-luz. Para efeito de comparação, vale lembrar que esse raio é quase 70 vezes maior do que a distância da Terra a Proxima Centauri, a estrela que está mais perto do Sistema Solar. 

“Quando observamos a região central dessas duas galáxias, enxergamos essa enorme bolha de perfil, delineada por suas paredes de moléculas. Vemos essas paredes se fragmentando e o gás ionizado sendo empurrado para fora. O disco de acreção aparece como um ponto extremamente brilhante. Mas toda a informação que nos chega dele cai dentro de um pixel, de modo que não temos resolução suficiente para diferenciar suas possíveis partes. O buraco negro é conhecido apenas por meio de seus efeitos,” explica o pesquisador. 

No Universo antigo, havia muito mais gás disponível, de modo que o efeito de um processo como o descrito por ele era bem mais intenso. O que o pesquisador observou em galáxias relativamente próximas, como a NGC 1068 e a NGC 4151, é uma forma branda do que ocorreu em galáxias muito distantes, cujos núcleos ativos no passado remoto são detectados hoje na forma de quasares.

O estudo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Agência FAPESP

domingo, 6 de setembro de 2020

Ventos infravermelhos em erupção de um buraco negro de massa estelar

Pesquisadores do Instituto de Astrofísica das Canárias (IAC) detectou pela primeira vez a emissão infravermelha constante de ventos produzidos durante a erupção de um buraco negro num binário de raios X.

© IAC/G. P. Díaz (erupção de um buraco negro)

Até agora, estes fluxos de material haviam sido detectados apenas em outros comprimentos de onda, como raios X ou no visível, dependendo da fase em que o buraco negro está consumindo o seu material circundante. Este estudo fornece a primeira evidência de que os ventos estão presentes ao longo da evolução do surto, independentemente da fase, e este é um passo em frente na nossa compreensão dos misteriosos processos de acreção dos buracos negros de massa estelar. 

Os binários de raios X, como o nome indica, são sistemas duplos que emitem forte radiação em raios X. São formados por um objeto compacto, normalmente um buraco negro, com uma companheira estelar. Os binários de raios X de baixa massa têm companheiras com massas iguais ou inferiores à do Sol. Nestes sistemas, os objetos orbitam tão perto um do outro que parte da massa estelar cai no poço gravitacional do buraco negro, formando um disco plano de material ao seu redor. Este processo é chamado de acreção, e o disco, de disco de acreção. 

Alguns binários de raios X, denominados transitórios ou transientes, mudam de estados quiescentes, nos quais a quantidade de massa acumulada no buraco negro é pequena e o seu brilho é muito baixo para ser detectado da Terra, para estados eruptivos nos quais o buraco negro tem um aumento no ritmo de acreção, de modo que o material no disco aquece, atingindo valores entre um e dez milhões Kelvin. Durante estas erupções, que podem durar de semanas a vários meses, o sistema emite um grande fluxo de raios X e o seu brilho aumenta várias magnitudes. 

Ainda não sabemos exatamente quais os processos físicos que ocorrem durante estes episódios de acreção. "Estes sistemas são locais onde a matéria está sujeita a campos gravitacionais que estão entre os mais fortes do Universo, de modo que os binários de raios X são laboratórios de física que a natureza nos fornece para o estudo de objetos compactos e do comportamento da matéria ao seu redor," explica Javier Sánchez Sierras, pesquisador do IAC e autor principal do artigo. 

Um dos processos físicos mais importantes que os cientistas precisam de entender é a liberação de material, ou ventos, durante os episódios de acreção.

A descoberta mostra ventos do buraco negro MAXI J1820+070 no infravermelho, durante a erupção que teve lugar durante 2018-2019. Nas últimas duas décadas, foram observados ventos em raios X durante a erupção, denominada suave, na qual a radiação emitida pelo disco de acreção é dominante, apresentando alta luminosidade. Mais recentemente, o mesmo grupo do IAC descobriu, em comprimentos de onda visíveis, ventos no estado de acreção forte, que é caracterizado pelo aparecimento de um jato, que sai essencialmente perpendicular ao disco de acreção e que emite fortemente em comprimentos de onda do rádio. 

O presente estudo mostra ventos infravermelhos que estão presentes durante os estados de acreção forte e suave, durante a evolução completa da erupção, de modo que a sua presença não depende do estado de acreção, e esta é a primeira vez que este tipo de ventos é observado. Os cientistas também conseguiram mostrar que as propriedades cinemáticas do vento são muito semelhantes às observadas em 2019 no visível, atingindo velocidades de até 1.800 km/s. 

Estes dados sugerem que o vento é o mesmo para os dois casos, mas a sua visibilidade muda o comprimento de onda durante a evolução da erupção, o que indicaria que o sistema está perdendo massa e também momento angular durante o processo de erupção. Estes resultados são muito importantes, pois acrescentam um novo elemento à imagem global dos ventos nestes sistemas e representam um passo adiante em direção ao objetivo de completar a compreensão dos processos de acreção nos buracos negros de massa estelar.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canarias

Hubble mapeia halo gigante em torno da galáxia de Andrômeda

Num estudo importante, cientistas usando o telescópio espacial Hubble mapearam o imenso invólucro de gás, chamado halo, em torno da galáxia de Andrômeda, a nossa grande vizinha galáctica mais próxima. 

© STScI/E. Wheatley (halo de Andrômeda)

Esta ilustração mostra a posição dos 43 quasares que usados para estudar o halo gasoso de Andrômeda.

Os cientistas ficaram surpresos ao descobrir que este halo tênue e quase invisível de plasma difuso se estende por 1,3 milhões de anos-luz a partir da galáxia, cerca de metade do caminho até à Via Láctea, e até 2 milhões de anos-luz em algumas direções. Isto significa que o halo de Andrômeda já está tocando no halo da nossa própria Galáxia. 

Também descobriram que o halo tem uma estrutura em camadas, com duas camadas principais de gás aninhadas e distintas. Este é o estudo mais compreensivo de um halo em torno de uma galáxia. 

Este reservatório de gás contém combustível para a futura formação estelar dentro da galáxia, bem como fluxos de eventos como supernovas. Está cheio de pistas sobre a evolução passada e futura da galáxia, e finalmente é possível estudá-lo em grande detalhe.

Um resultado provável do impacto da atividade de supernovas no disco da galáxia afetando mais diretamente o halo interno é a descoberta de uma grande quantidade de elementos pesados no halo gasoso de Andrômeda. Os elementos mais pesados são gerados nos interiores das estrelas e, em seguida, ejetados para o espaço, às vezes violentamente quando uma estrela morre. O halo é então contaminado com este material de explosões estelares. 

A galáxia de Andrômeda, também conhecida como M31, é uma espiral majestosa com talvez até 1 bilião de estrelas e comparável em tamanho à Via Láctea. A uma distância de 2,5 milhões de anos-luz, está tão perto de nós que a galáxia aparece como uma mancha de luz em forma de charuto no céu de outono. Se o seu halo gasoso pudesse ser visto a olho nu, teria cerca de três vezes a largura da Ursa Maior. 

Por meio de um programa chamado Projeto AMIGA (Absorption Map of Ionized Gas in Andromeda), o estudo examinou a luz de 43 quasares - os núcleos brilhantes e muito distantes de galáxias ativas alimentadas por buracos negros - localizados muito além de Andrômeda. Os quasares estão espalhados por trás do halo, permitindo que os cientistas investiguem várias regiões. Olhando através do halo para a luz dos quasares, foi observado como esta luz é absorvida pelo halo de M31 e como esta absorção muda em diferentes regiões. O imenso halo de Andrômeda é composto por gás ionizado e muito rarefeito que não emite radiação facilmente detectável. Portanto, rastrear a absorção de luz proveniente de uma fonte de fundo é a melhor maneira de estudar este material. 

Os pesquisadores usaram a capacidade única do COS (Cosmic Origins Spectrograph) do Hubble para estudar a luz ultravioleta dos quasares. A radiação ultravioleta é absorvida pela atmosfera da Terra, o que torna impossível a observação com telescópios terrestres. A equipe usou o COS para detectar carbono, silício e oxigênio ionizados. 

Em 2015, foi descoberto que o halo de Andrômeda é grande e massivo. Mas havia poucos indícios da sua complexidade; agora, foi mapeado em maior detalhe, levando a que o seu tamanho e massa sejam determinados com muito mais precisão. 

Como vivemos dentro da Via Láctea, não conseguimos interpretar facilmente a assinatura do halo da nossa própria Galáxia. No entanto, os halos de Andrômeda e da Via Láctea devem ser muito semelhantes. As duas galáxias estão em rota de colisão para formar uma galáxia elíptica gigante e o seu processo de fusão terá início daqui a mais ou menos 4 bilhões de anos. 

Os cientistas estudaram halos gasosos de galáxias mais distantes, mas estas galáxias são muito menores no céu, o que significa que o número de quasares de fundo brilhantes o suficiente, necessários para o estudo do halo, é geralmente apenas um por galáxia. A informação espacial é, portanto, essencialmente perdida. Graças à proximidade com a Terra, o halo gasoso de Andrômeda mostra-se gigante no céu, permitindo uma amostragem muito mais extensa. 

Andrômeda é a única galáxia no Universo para a qual esta experiência pode ser feita agora, e apenas com o Hubble. Somente com um futuro telescópio espacial ultravioleta será possível realizar rotineiramente este tipo de experiência para outras galáxias que não as aproximadamente 30 galáxias que compõem o Grupo Local. 

As descobertas foram publicadas no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Space Telescope Science Institute

sábado, 5 de setembro de 2020

A mais massiva fonte de ondas gravitacionais até agora

Uma fusão de um buraco negro binário provavelmente produziu ondas gravitacionais iguais à energia de oito sóis.

© Mark Myers/OzGrav (ilustração de dois buracos prestes a se colidirem)

Apesar de todo este vasto vazio, o Universo está repleto de atividade na forma de ondas gravitacionais. Produzidas por fenômenos astrofísicos extremos, estas reverberações ondulam e sacodem o tecido do espaço-tempo, como o toque de um sino cósmico.

Agora, os pesquisadores detectaram um sinal do que pode ser a fusão de buracos negros mais massiva já observada em ondas gravitacionais. O resultado desta fusão é a primeira detecção clara de um buraco negro de "massa intermediária", com uma massa entre 100 e 1.000 vezes a do Sol. 

O sinal, rotulado de GW190521 e ocorrido no dia 21 de maio de 2019, foi detectado com o LIGO (Laser Interferometer Gravitational-wave Observatory), um par de interferômetros idênticos com 4 km de comprimento situados nos EUA; e com o Virgo, um detector de 3 quilômetros de comprimento na Itália. 

O sinal é extremamente breve, durando menos de um-décimo de segundo. GW190521 foi gerado por uma fonte que está a cerca de 5 gigaparsecs de distância, quando o Universo tinha cerca de metade da sua idade, tornando-o uma das fontes de ondas gravitacionais mais distantes detectadas até agora.

Quanto ao que produziu este sinal, com base num poderoso conjunto de ferramentas computacionais e de modelagem de última geração, os cientistas pensam que GW190521 foi provavelmente gerado por uma fusão entre dois buracos negros com propriedades incomuns.

Quase todos os sinais de ondas gravitacionais confirmados até agora foram provenientes de uma fusão binária, ou entre dois buracos negros ou duas estrelas de nêutrons. Esta fusão mais recente parece ser a mais massiva até agora, envolvendo dois buracos negros com massas de aproximadamente 85 e 66 vezes a massa do Sol.

A equipe do LIGO-Virgo também mediu a rotação de cada buraco negro e descobriu que, à medida que os buracos negros orbitavam cada vez mais próximos um do outro, podiam também estar girando sob os seus próprios eixos, em ângulos que estavam fora de alinhamento com o eixo da sua órbita. As rotações desalinhadas dos buracos negros provavelmente provocaram a oscilação das suas órbitas, ou "precessão", à medida que os dois objetos espiralavam um em direção ao outro.

O novo sinal provavelmente representa o instante em que os dois buracos negros se fundiram. A fusão criou um buraco negro ainda mais massivo, com cerca de 142 massas solares, e liberou uma enorme quantidade de energia, equivalente a cerca de 8 massas solares, espalhada por todo o Universo na forma de ondas gravitacionais.

As massas excepcionalmente grandes dos dois buracos negros, bem como o buraco negro final, levantam uma série de questões sobre a sua formação. 

Todos os buracos negros observados até ao momento enquadram-se numa de duas categorias: buracos negros de massa estelar, que têm desde algumas massas solares até dezenas de massas solares e pensa-se serem formados quando estrelas massivas morrem; ou buracos negros supermassivos, como aquele no centro da Via Láctea, que variam de centenas de milhares a bilhões de vezes a massa do nosso Sol.

No entanto, o buraco negro final de 142 massas solares produzido pela fusão GW190521 está dentro de uma faixa de massa intermediária entre os buracos negros de massa estelar e os supermassivos, o primeiro do seu tipo já detectado.

Os dois buracos negros progenitores que produziram o buraco negro final também parecem ser únicos no seu tamanho. São tão massivos que os cientistas suspeitam que um ou ambos podem não ter sido formados a partir do colapso de uma estrela, como acontece com a maioria dos buracos negros de massa estelar.

De acordo com a física da evolução estelar, a pressão externa dos fótons e do gás no núcleo de uma estrela suporta-o contra a força da gravidade que o empurra para dentro, de modo que a estrela é estável, como o Sol. Depois do núcleo de uma estrela massiva fundir elementos pesados como o ferro, já não consegue mais produzir pressão suficiente para sustentar as camadas externas. Quando esta pressão externa é menor do que a da gravidade, a estrela colapsa sob o seu próprio peso, numa explosão chamada supernova de colapso do núcleo, que pode deixar para trás um buraco negro.

Este processo pode explicar como estrelas com 130 vezes a massa do Sol podem produzir buracos negros com até 65 massas solares. Mas para estrelas mais massivas, pensa-se que tenha início um fenômeno conhecido como "instabilidade de par". 

Quando os fótons do núcleo se tornam extremamente energéticos, podem transformar-se em pares de elétrons e antielétrons. Estes pares geram menos pressão do que os fótons, fazendo com que a estrela se torne instável contra o colapso gravitacional, e a explosão resultante é forte o suficiente para não deixar nada para trás. Estrelas ainda mais massivas, acima das 200 massas solares, acabariam por colapsar diretamente num buraco negro com pelo menos 120 massas solares. Uma estrela em colapso, portanto, não deve ser capaz de produzir um buraco negro entre 65 e 120 massas solares, uma faixa que é conhecida como "intervalo de massa de instabilidade de par." 

Mas agora, o mais pesado dos dois buracos negros que produziu o sinal GW190521, com 85 vezes a massa do Sol, é o primeiro até agora detectado dentro do intervalo de massa de instabilidade de par. 

Uma possibilidade, que os pesquisadores consideram no seu segundo artigo, é a de uma fusão hierárquica, em que os próprios dois buracos negros progenitores podem ter-se formado a partir da fusão de dois buracos negros menores, antes de migrarem juntos e eventualmente se fundirem. 

Permanecem muitas perguntas no que toca a GW190521. 

Ao mesmo tempo que os detectores LIGO e Virgo escutam as ondas gravitacionais passando pela Terra, buscas automatizadas vasculham os novos dados à procura de sinais interessantes. Estas pesquisas podem usar dois métodos diferentes: algoritmos que identificam padrões de onda específicos nos dados que podem ter sido produzidos por sistemas binários compactos; e pesquisas de "surtos" mais gerais, que procuram essencialmente algo fora do comum.

No caso de GW190521, foi uma pesquisa em rajada que captou o sinal um pouco mais claramente, abrindo a chance muito pequena de que as ondas gravitacionais surgissem de algo que não uma fusão binária. 

Mas e se algo inteiramente novo tivesse produzido estas ondas gravitacionais? 

É uma perspetiva tentadora, e no seu artigo os cientistas consideram brevemente outras fontes no Universo que podem ter produzido o sinal que detectaram. Por exemplo, talvez as ondas gravitacionais tenham sido emitidas por uma estrela em colapso na nossa Galáxia. O sinal também pode ser de uma cadeia cósmica produzida logo após o Universo "inchar" nos primeiros momentos, embora nenhuma destas possibilidades exóticas corresponda aos dados tão bem quanto uma fusão binária. 

O fenômeno foi relatado em dois artigos publicados esta semana. Um, publicado na revista Physical Review Letters, detalha a descoberta, e o outro, na The Astrophysical Journal Letters, discute as propriedades físicas do sinal e as implicações astrofísicas.

Fonte: Max Planck Institute for Gravitational Physics

Disco de formação planetária dilacerado por suas três estrelas centrais

Uma equipe de astrônomos encontrou a primeira evidência direta de que grupos de estrelas podem desfazer os seus discos de formação planetária, deixando-os distorcidos e com anéis inclinados.

© ALMA/SPHERE (GW Orionis)

A imagem ALMA (à esquerda) mostra a estrutura anelar do disco, com o anel mais interno separado do resto do disco. As observações SPHERE (à direita) permitiram observar pela primeira vez a sombra que este anel lança sobre o resto do disco, o que tornou possível reconstruir a sua forma distorcida.

Esta nova pesquisa sugere que planetas exóticos podem se formar em anéis inclinados em discos distorcidos ao redor de estrelas múltiplas. Estes resultados foram obtidos graças às observações com o Very Large Telescope (VLT) do ESO e com o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA). 

O nosso Sistema Solar é notavelmente plano, com os planetas orbitando todos no mesmo plano. No entanto, este não é sempre o caso, especialmente em discos de formação planetária situados em torno de estrelas múltiplas, tal como acontece com o objeto deste novo estudo: GW Orionis. Este sistema, localizado a cerca de 1.300 anos-luz de distância da Terra na constelação de Órion, tem três estrelas e um disco deformado e quebrado ao seu redor. O anel desalinhado situa-se na parte interna do disco, próximo às três estrelas. 

Esta pesquisa revela também que o anel interno contém 30 massas terrestres de poeira, o que pode ser suficiente para formar planetas. 

"Qualquer planeta que se forme dentro do anel desalinhado irá orbitar as estrelas em órbitas muito oblíquas. Prevemos descobrir muitos planetas em órbitas oblíquas bastante separadas em futuras campanhas de obtenção de imagens de planetas, por exemplo com o ELT," diz Alexander Kreplin, membro da equipe da Universidade de Exeter, referindo-se ao Extremely Large Telescope do ESO, previsto para começar a trabalhar em meados desta década. O fato de mais de metade das estrelas no céu nascer com uma ou mais companheiras, gera expectativas interessantes: a possível existência de uma população desconhecida de exoplanetas que orbitam as suas estrelas em órbitas muito inclinadas e distantes.

Para chegar a estas conclusões, a equipe observou GW Orionis durante 11 anos. A campanha começou em 2008 com o instrumento AMBER e posteriormente o GRAVITY, ambos montados no Interferômetro do VLT do ESO, o qual combina a radiação coletada por diferentes telescópios do VLT. Estes instrumentos foram utilizados para estudar a dança gravitacional das três estrelas do sistema e mapear as suas órbitas. “Descobrimos que as três estrelas não orbitam no mesmo plano, mas têm as suas órbitas desalinhadas relativamente umas às outras e relativamente ao disco,” explica Alison Young, também membro da equipe das Universidades de Exeter e Leicester. 

Os cientistas observaram também este sistema com o instrumento SPHERE, montado no VLT, e com o ALMA, do qual o ESO é um parceiro, tendo conseguido obter imagens do anel interno, o que confirmou o seu desalinhamento. O SPHERE do ESO também lhes permitiu ver pela primeira vez a sombra que este anel lança no resto do disco, o que ajudou a determinar a forma tridimensional do anel e do disco em geral. 

A equipe internacional, que inclui pesquisadores do Reino Unido, Bélgica, Chile, França e Estados Unidos, combinou suas observações exaustivas com simulações computacionais para compreender o que tinha acontecido ao sistema. Pela primeira vez, eles foram capazes de vincular claramente os desalinhamentos observados ao teórico “efeito de ruptura do disco”, o que sugere que a atração gravitacional conflituosa das estrelas nos diferentes planos pode efetivamente deformar e quebrar seus discos. 

As simulações mostraram que o desalinhamento das órbitas das três estrelas pode fazer com que o disco que as rodeia se parta em anéis distintos, o que é exatamente o que vemos nestas observações. A forma observada do anel interior corresponde também às previsões de simulações numéricas de como o disco se parte nestas condições. 

Curiosamente, outra equipe, que estudou o mesmo sistema com o auxílio do ALMA, pensa que é necessário outro ingrediente para explicar este sistema. ”Pensamos que é necessária a presença de um planeta entre estes anéis para explicar porque é que o disco se partiu,” diz Jiaqing Bi da Universidade Victoria no Canadá, que liderou um estudo sobre GW Orionis publicado em maio deste ano na revista The Astrophysical Journal. Esta equipe identificou três anéis de poeira nas observações ALMA, sendo o anel mais externo o maior já observado em discos de formação planetária. 

Observações futuras com o ELT do ESO e outros telescópios poderão ajudar os astrônomos a desvendar completamente a natureza de GW Orionis e a revelar planetas jovens em formação em torno das suas três estrelas. 

Esta pesquisa foi apresentada no artigo “A triple star system with a misaligned and warped circumstellar disk shaped by disk tearing”, que será publicado na revista Science.

Fonte: ESO

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Uma bela galáxia inclinada

As estrelas azuis e laranjas da tênue galáxia NGC 2188 brilham nesta imagem captada com o telescópio espacial Hubble.

© Hubble (NGC 2188)

Embora a NGC 2188 pareça à primeira vista consistir apenas em uma estreita faixa de estrelas, ela é classificada como uma galáxia espiral barrada. Parece assim, do nosso ponto de vista na Terra, quando o centro e os braços espirais da galáxia estão afastados de nós, com apenas a borda externa muito estreita do disco da galáxia visível para nós. 

Essa ocorrência pode ser comparada ao girar um prato em suas mãos, onde você olha apenas sua borda externa. A verdadeira forma da galáxia foi identificada estudando a distribuição das estrelas na protuberância central interna e no disco externo, observando as cores das estrelas. 

Estima-se que a NGC 2188 tenha apenas metade do tamanho da Via Láctea, com 50.000 anos-luz de diâmetro, e está situada na constelação de Columba (A pomba) do hemisfério norte. Nomeada no final dos anos 1500 após a pomba de Noé nas histórias bíblicas, a pequena constelação consiste em muitas estrelas esmaecidas, mas são belos astros astronômicos.

Fonte: ESA

Plano para atenuar os efeitos das constelações de satélites na astronomia

Acaba de ser apresentado, por uma equipe internacional de especialistas, incluindo pesquisadores do ESO, um novo relatório que explora medidas práticas para combater o impacto das grandes constelações de satélites na astronomia.

© ESO/B. Tafreshi (Via Láctea vista do deserto do Atacama)

O relatório conclui que as grandes constelações de satélites brilhantes colocadas em órbitas terrestres baixas irão alterar de forma fundamental a astronomia óptica e infravermelha realizada a partir do solo, podendo igualmente ter um impacto importante na aparência do céu noturno para os observadores de todo mundo. Este relatório fornece também um plano de ação a ser trabalhado em conjunto entre observatórios e operadores de satélites de forma a atenuar estes impactos.

O relatório apresenta dois resultados principais. Primeiro, os satélites em órbitas terrestres baixas afetam de forma desproporcional os programas científicos que dependem de observações feitas durante o crepúspulo, tais como a procura de asteroides que possam ameaçar a Terra ou de contrapartes visíveis transitórias de fontes de ondas gravitacionais. Os satélites que orbitam abaixo dos 600 km de altitude interferem de forma limitada nas observações astronômicas executadas durante as horas mais escuras da noite. No entanto, os satélites colocados a altitudes mais altas, tais como a constelação planejada pela OneWeb para 1.200 km de altitude, podem estar iluminados toda a noite durante o verão e grande parte da noite nas outras estações. Estas constelações poderão ter sérias consequências negativas em muitos programas de pesquisa nos principais observatórios ópticos do mundo. Dependendo da sua altitude e brilho, as constelações de satélites poderão ainda afetar a visão do céu estrelado dos astrofotógrafos, astrônomos amadores e outros entusiastas da natureza.

Segundo, o relatório oferece várias maneiras de mitigar os danos causados à astronomia por grandes constelações de satélites: os operadores poderiam lançar menos satélites, colocá-los a altitudes abaixo dos 600 km, escurecer as sondas espaciais, ou usar guarda-sóis que façam sombra nas superfícies refletoras, e controlar a altitude de cada satélite para que este reflita menos luz solar para a Terra. A comunidade astronômica, por outro lado, poderia contribuir para estes esforços de mitigação ajudando os operadores a identificar limites mais baixos para o brilho dos satélites e calculando quão efetivos poderão ser os diferentes modos de diminuir o brilho destes objetos. O relatório recomenda ainda que os observatórios apoiem o desenvolvimento de ferramentas que removam ou mascarem os rastros dos satélites e os seus efeitos nas imagens astronômicas e que calculem as trajetórias dos satélites, evitando-se assim os seus rastros. O ESO, juntamente com outros observatórios, está avaliando os custos desses esforços de mitigação.

O relatório é o resultado do workshop virtual SATCON1, organizado pelo NOIRLab, um centro de astronomia da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos da América e da Sociedade Astronômica Americana. De 29 de junho a 2 de julho, o workshop reuniu mais de 250 cientistas, engenheiros e operadores de satélites, que debateram os impactos das mega-constelações e exploraram várias maneiras de os mitigar. Os especialistas do ESO Olivier Hainaut, Andrew Williams e Angel Otarola estavam entre os participantes do workshop e são os autores do novo relatório.

No início deste ano, e após as preocupações levantadas pela comunidade astronômica de como é que as constelações de satélites iriam afetar a pesquisa científica, o ESO divulgou um estudo, de Hainaut e Williams, sobre este impacto, concentrando-se principalmente em observações com telescópios do ESO no visível e infravermelho. Foram consideradas um total de 18 constelações de satélites representativas, em desenvolvimento pela SpaceX, Amazon e OneWeb, entre outros, e chegou-se à conclusão que os grandes telescópios, tais como o Very Large Telescope (VLT) do ESO e o futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO seriam "moderadamente afetados" por estas constelações. O estudo, que também explorou os impactos em instalações não pertencentes ao ESO, descobriu que o maior impacto poderia ser em levantamentos de campo amplo, em particular aqueles feitos com grandes telescópios, como o Observatório Vera C. Rubin do NOIRLab.

O telescópio VISTA do ESO foi utilizado para observar os satélites Starlink, ajudando assim às simulações. Dispor de simulações detalhadas de constelações de satélites é importante pois permite, no futuro, efetuar rapidamente cálculos de impacto, ajudando a criar ferramentas para que os operadores de telescópio possam marcar as observações de modo a evitar os rastros dos satélites. O reagendamento de observações para além de não evitar todos os impactos, apoia-se em informações precisas dadas pelas companhias de satélites, no entanto poderá minimizar os efeitos.

O ESO continuará trabalhando ativamente com a comunidade astronômica internacional no sentido de compreender melhor os impactos das grandes constelações de satélites e desenvolver soluções em parceria com a indústria e as agências governamentais. O SATCON2, que abordará as questões significativas de política e regulamentação, está provisoriamente planejado para o início de meados de 2021.

Fonte: ESO

domingo, 30 de agosto de 2020

Buraco negro devorando estrela revela rápida formação de disco

Quando uma estrela passa demasiado perto de um buraco negro supermassivo, as forças de maré destroem-na, produzindo um surto de radiação à medida que o material da estrela cai no buraco negro.

© J. Law-Smith e E. Ramirez-Ruiz (simulação de um disco de acreção)

Os astrônomos estudam a luz destes eventos de perturbação de marés em busca de pistas sobre o comportamento dos buracos negros supermassivos que espreitam nos centros das galáxias. 

Novas observações de eventos de perturbação de marés, lideradas por astrônomos da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, fornecem agora evidências claras de que os detritos da estrela formam um disco giratório, o disco de acreção, em torno do buraco negro. Os teóricos têm debatido se um disco de acreção se pode formar com eficiência durante um evento de perturbação de marés, e a descoberta deve ajudar a resolver esta questão.

"Na teoria clássica, o surto de evento de perturbação de marés é alimentado por um disco de acreção, produzindo raios X da região interna onde o gás quente espirala para o buraco negro. Mas para a maioria dos eventos de perturbação de marés, não vemos os raios X, brilham principalmente nos comprimentos de onda ultravioleta e óptico, de modo que foi sugerido que, em vez de um disco, estamos vendo as emissões da colisão de fluxos de detritos estelares," disse Tiara Hung, da Universidade da Califórnia.

Os pesquisadores Enrico Ramirez-Ruiz, professor de astronomia e astrofísica da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, e Jane Dai da Universidade de Hong Kong, desenvolveram um modelo teórico, publicado em 2018, que pode explicar porque os raios X geralmente não são observados em eventos de perturbação de marés, apesar da formação de um disco de acreção. As novas observações fornecem forte suporte para este modelo.

"Esta é a primeira confirmação sólida de que os discos de acreção se formam nestes eventos, mesmo quando não vemos raios X," disse Ramirez-Ruiz. "A região perto do buraco negro é obscurecida por um vento opticamente espesso, de modo que não vemos as emissões de raios X, mas vemos a luz óptica de um disco elíptico estendido." 

As evidências reveladoras de um disco de acreção vêm de observações espectroscópicas. O pesquisador Ryan Foley, professor assistente de astronomia e astrofísica da mesma universidade norte-americana, e a sua equipe começaram a monitorar o evento de perturbação de marés (chamado AT 2018hyz) depois de ter sido detectado pela primeira vez em novembro de 2018 pelo levantamento ASAS-SN (All Sky Automated Survey for SuperNovae). Foley notou um espectro incomum ao observar o evento de perturbação de marés com o telescópio Shane de 3 metros do Observatório Lick da Universidade da Califórnia na noite de 1 janeiro de 2019.

Foi observado uma linha do hidrogênio que tinha um perfil de pico duplo que era diferente de qualquer outro evento de perturbação de marés que já tinha sido visto.

O pico duplo no espectro resulta do efeito Doppler, que muda a frequência da luz emitida por um objeto em movimento. Num disco de acreção que espirala em torno de um buraco negro e visto num ângulo, parte do material se moverá em direção ao observador, de modo que a luz que emite será desviada para uma frequência mais alta e parte do material se moverá para longe do observador, a luz emitida desviada para uma frequência mais baixa. 

É o mesmo efeito que faz com que o som de um carro numa pista de corrida mude de um tom alto conforme o carro vem na nossa direção para um tom mais baixo quando passa por nós e começa a afastar-se. Num disco de acreção, o gás move-se em torno do buraco negro de forma semelhante, e é isso que dá os dois picos no espectro. 

A equipe continuou recolhendo dados nos meses seguintes, observando o evento de perturbação de marés com vários telescópios conforme evoluía ao longo do tempo. Hung liderou uma análise detalhada dos dados, o que indica que a formação do disco ocorreu de forma relativamente rápida, em questão de semanas após a fragmentação da estrela. Os achados sugerem que a formação do disco pode ser comum entre os eventos de perturbação de marés detectados opticamente, apesar da raridade da emissão de pico duplo, que depende de fatores como a inclinação do disco em relação aos observadores. 

Notou-se que a análise das observações de acompanhamento em vários comprimentos de onda, incluindo dados fotométricos e espectroscópicos, fornece informações sem precedentes sobre estes eventos incomuns.

Um artigo foi aceito para publicação no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: University of California

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Exoplanetas não estão tão protegidos de proeminências estelares

Uma estrela próxima, hospedeira de dois (e possivelmente três) planetas, foi inicialmente considerada silenciosa.

© STScI/D. Player (anã vermelha desbasta a atmosfera de exoplaneta)

Este atributo é almejado porque cria um ambiente seguro para os seus planetas, especialmente aqueles que podem estar na "zona habitável", onde a água líquida pode existir às suas superfícies e a vida pode ser possível. Mas os astrônomos da Universidade Estatal do Arizona anunciaram que esta estrela próxima não é assim tão calma. 

A estrela, chamada GJ 887 (ou Gliese 887), é uma das estrelas M mais brilhantes do céu. As estrelas M são estrelas vermelhas de baixa massa que superam, em número, as estrelas como o nosso Sol por um fator superior a 10, orbitadas pela grande maioria dos planetas na nossa Galáxia. 

A GJ 887 foi inicialmente destacada pelo ambiente espacial aparentemente calmo que fornece aos planetas recentemente descobertos. No monitoramento pelo TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA, uma missão para procurar planetas localizados além do nosso Sistema Solar, a estrela estranhamente não exibiu proeminências detectáveis ao longo de 27 dias de observações contínuas. E a ausência de proeminências é uma qualidade que favorece a sobrevivência de atmosferas em planetas que orbitam a estrela e, portanto, a potencial vida nesses planetas. 

Mas os astrônomos Parke Loyd e Evgenya Shkolnik da Escola de Exploração da Terra e do Espaço da Universidade Estatal do Arizona tinham as suas dúvidas sobre o comportamento de GJ 887. Analisando os dados arquivados do telescópio espacial Hubble, descobriram que GJ 887 na verdade tem proeminências horárias. 

Mas como é que identificaram esta diferença? Usando luz ultravioleta distante, Loyd, Shkolnik e colaboradores foram capazes de ver enormes picos de brilho provocados por proeminências estelares. 

Dado que existem em tão grandes números, as estrelas M como GJ 887 desempenham um papel importante na busca da humanidade para entender onde a Terra se encaixa no grande "jardim zoológico" de planetas no Universo e na busca por vida em outros planetas. 

Mas há um senão. As estrelas M são propensas a perturbar as atmosferas dos seus planetas com muita atividade estelar. Também podem ter duas faces, parecendo calmas no visível, como foi observado com a missão TESS. Na realidade, podem estar repletas de proeminências que são claramente aparentes no ultravioleta, que possui fótons muito mais energéticos do que no visível. E cada proeminência tem o potencial de bombardear os planetas da estrela com uma tempestade magnética e uma chuva de partículas velozes, aumentando as chances de que as atmosferas dos planetas de GJ 887 tenham sido desbastadas há muito tempo atrás. 

Embora o monitoramento ultravioleta das estrelas M tenha muito valor, os recursos que os astrônomos têm que dedicar a tais observações são atualmente limitados. Felizmente, existem planos em andamento para missões que podem ajudar a preencher esta lacuna, incluindo uma missão CubeSat liderada pela Universidade Estatal do Arizona de nome SPARCS (Star-Planet Activity Research CubeSat). Esta missão fornecerá aos astrônomos o tempo de observação que necessitam para captar as erupções ultravioleta das estrelas M e medir a frequência com que ocorrem, levando a uma maior compreensão das estrelas e planetas na nossa Galáxia.

Um artigo foi publicado recentemente na revista Research Notes of the American Astronomical Society.

Fonte: Arizona State University

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Uma vista fenomenal de uma galáxia espiral

Com o auxílio do instrumento MUSE montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO no Chile, os astrônomos observaram a NGC 1365, uma galáxia espiral com barra dupla situada a cerca de 56 milhões de anos-luz de distância no aglomerado de galáxias Fornax.

© ESO/VLT (NGC 1365)

A partir dos dados recolhidos foi possível construir esta espetacular imagem colorida deste objeto, também conhecido como Grande Galáxia em Espiral Barrada, devido às suas duas estruturas centrais em forma de barra compostas por estrelas. As duas barras da NGC 1365 são um fenômeno raro e acredita-se que tenham tido origem nos efeitos combinados da rotação da galáxia e da dinâmica complexa das estrelas.

A sua barra de estrelas maior, grande demais para que a sua estrutura possa ser vista nesta imagem, liga os braços em espiral externos ao centro. O que vemos aqui é a segunda barra de estrelas muito menor, aninhada dentro da barra principal. É provável que esta barra secundária atue independentemente da barra principal, girando mais rapidamente que o resto da galáxia. 

O instrumento MUSE (Multi-Unit Spectroscopic Explorer) captou esta imagem em luz visível e infravermelha, mostrando assim o gás e a poeira na região central da galáxia. Instalado no Yepun, um dos quatro telescópios de 8,2 metros que fazem parte do VLT, os recursos deste instrumento têm permitido efetuar até hoje alguns dos mais completos e detalhados estudos do nosso Universo, incluindo rastreios de galáxias distantes, buracos negros supermassivos e até a fonte de ondas gravitacionais.

Fonte: ESO

sábado, 22 de agosto de 2020

Descobertos 100 mundos frios perto do Sol

Quão completo é o nosso censo dos vizinhos mais próximos do Sol?

© NOIRLab/P. Marenfeld (ilustração de anã branca e anã marrom fria)

Os astrônomos e uma equipe de voluntários, pesquisadores de dados que participam no Backyard Worlds: Planet 9, um projeto de ciência cidadã, descobriram cerca de 100 mundos frios perto do Sol, objetos mais massivos do que planetas mas mais leves que estrelas, conhecidos como anãs marrons.

Com a ajuda do Observatório W. M. Keck em Maunakea, no Havaí, os pesquisadores descobriram que vários destes mundos recém-descobertos estão entre os mais frios conhecidos, com alguns perto da temperatura da Terra, frios o suficiente para abrigar nuvens de água. 

A descoberta e a caracterização de objetos astronômicos próximos do Sol são fundamentais para a nossa compreensão do nosso lugar no Universo e da sua história. Mesmo assim, ainda estão sendo descobertos novos residentes da vizinhança solar. A nova descoberta do Backyard Worlds preenche uma lacuna na variabilidade de anãs marrons de baixa temperatura, identificando um elo perdido e há muito procurado dentro da população de destes objetos.

"Estes mundos frios fornecem a oportunidade de novas informações sobre a formação e atmosferas dos planetas localizados além do Sistema Solar," disse Aaron Meisner do NOIRLab. "Esta coleção de anãs marrons frias também nos permite estimar com precisão o número de mundos flutuantes vagueando pelo espaço interestelar perto do Sol".

Para identificar várias das mais tênues e frias anãs marrons recém-descobertas, o professor de física Adam Burgasser, da Universidade da Califórnia em San Diego, e pesquisadores do Cool Star Lab usaram o sensível instrumento NIRES (Near-Infrared Echellette Spectrometer) do Observatório W. M. Keck. 

Os espectros do NIRES foram usados para medir a temperatura e os gases presentes nas suas atmosferas. Cada espectro é essencialmente uma impressão digital que permite distinguir uma anã marrom fria de outros tipos de estrelas.

Observações de acompanhamento usando o telescópio espacial Spitzer da NASA, o Observatório Mont Mégantic e o Observatório Las Campanas também contribuíram para as estimativas de temperatura das anãs marrons. 

As anãs marrons ficam situadas entre os planetas mais massivos e as estrelas menores. Sem a massa necessária para sustentar as reações nucleares no seu núcleo, as anãs marrons são às vezes chamadas de "estrelas falhadas". A sua baixa massa, baixa temperatura e ausência de reações nucleares internas tornam-nas extremamente fracas e extremamente difíceis de detectar. Por causa disso, ao procurar as anãs marrons mais frias, os astrônomos só podem esperar detectar estes objetos relativamente perto do Sol.

Para ajudar a encontrar as vizinhas mais próximas e frias do nosso Sol, os astrônomos do projeto Backyward Worlds recorreram a uma rede mundial de mais de 100.000 cientistas cidadãos. Estes voluntários inspecionam diligentemente trilhões de pixels de imagens telescópicas para identificar os movimentos sutis de anãs marrons e planetas próximos. Apesar dos avanços da aprendizagem de máquina e dos supercomputadores, ainda não há substituto para o olho humano no que toca a encontrar objetos fracos em movimento. 

Os voluntários do Backyard Worlds já descobriram mais de 1.500 estrelas e anãs marrons perto do Sol; esta nova descoberta representa cerca de 100 das mais frias nessa amostra. 

A disponibilidade de décadas de catálogos astronômicos por meio do Astro Data Lab do NOIRLab ajudou a tornar as descobertas possíveis. 

Conjuntos de dados do satélite WISE da NASA, bem como observações de arquivo de telescópios do Observatório Inter-Americano de Cerro Tololo e do Observatório Nacional de Kitt Peak também foram fundamentais para a descoberta destas anãs marrons.

O estudo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: W. M. Keck Observatory

O Sol pode ter começado a sua vida com uma companheira binária

Uma nova teoria sugere que o Sol pode ter tido uma companheira binária de massa semelhante.

© M. Weiss (ilustração de uma potencial companheira solar)

Se confirmada, a presença de uma companheira estelar precoce aumenta a probabilidade de que a nuvem de Oort se tenha formado conforme observado e que o Planeta Nove tenha sido capturado em vez de formado dentro do Sistema Solar. 

O Dr. Avi Loeb, professor de Ciências da Universidade de Harvard, e Amir Siraj, estudante da mesma instituição, postularam que a existência de uma companheira estelar binária no aglomerado natal do Sol, a coleção de estrelas formadas juntamente com o Sol a partir da mesma nuvem densa de gás molecular, poderia explicar a formação da nuvem de Oort como a observamos hoje. 

A teoria popular associa a formação da nuvem de Oort com detritos deixados para trás da formação do Sistema Solar e dos seus vizinhos, onde objetos foram espalhados pelos planetas a grandes distâncias e alguns foram trocados entre estrelas. Mas um modelo binário pode ser a peça que faltava neste desafio e, segundo Siraj, não deve ser uma surpresa para os cientistas. "Os modelos anteriores tiveram dificuldade em produzir a proporção esperada de objetos dispersos do disco e objetos da nuvem de Oort. O modelo de captura binária fornece melhorias e refinamentos significativos, o que é aparentemente óbvio em retrospetiva: a maioria das estrelas parecidas com o Sol nascem com companheiras binárias." 

Se a nuvem de Oort foi realmente capturada com a ajuda de uma companheira estelar precoce, as implicações para a nossa compreensão da formação do Sistema Solar seriam significativas. "Os sistemas binários são muito mais eficientes na captura de objetos do que estrelas simples," disse Loeb. "Se a nuvem de Oort se formou conforme observado, isso implicaria que o Sol de fato teve uma companheira de massa semelhante que se perdeu antes de deixar o aglomerado onde nasceu." 

Mais do que apenas redefinir a formação do nosso Sistema Solar, a evidência de uma nuvem de Oort capturada poderia responder a perguntas sobre a origem da vida na Terra. "Objetos na nuvem de Oort podem ter desempenhado papéis importantes na história da Terra, como possivelmente transportar água para a Terra e provocar a extinção dos dinossauros," comentou Siraj. "Compreender as suas origens é importante." 

O modelo também tem implicações para o hipotético Planeta Nove, que Loeb e Siraj pensam não estar sozinho. "O quebra-cabeça não é apenas em relação às nuvens de Oort, mas também a objetos trans-Netunianos extremos, como o potencial Planeta Nove," disse Loeb. "Não está claro de onde vieram, e o nosso novo modelo prevê que devem existir mais objetos com uma orientação orbital semelhante à do Planeta Nove."

Tanto a nuvem de Oort quanto a localização proposta do Planeta Nove estão tão distantes do Sol que a observação direta e a avaliação são um desafio para os pesquisadores de hoje. Mas o Observatório Vera C. Rubin, que verá a sua primeira luz no início de 2021, irá confirmar ou negar a existência do Planeta Nove e suas origens. Siraj está otimista: "Se o Observatório Vera C. Rubin verificar a existência do Planeta Nove, e uma origem capturada, e também encontrar uma população de planetas anões capturados de forma semelhante, o modelo binário será favorecido em detrimento da história estelar solitária que tem sido assumida há tanto tempo." 

Se o Sol teve uma companheira precoce que contribuiu para a formação do Sistema Solar exterior, a sua ausência atual levanta a questão: para onde foi? "As estrelas do aglomerado natal teriam removido a companheira do Sol por meio da sua influência gravitacional," disse Loeb. "Antes da perda do binário, no entanto, o Sistema Solar já teria capturado o seu invólucro externo de objetos, ou seja, a nuvem de Oort e a população do Planeta Nove." Siraj acrescentou: "A companheira há muito perdida do Sol pode estar agora em qualquer lugar da Via Láctea."

A nova teoria foi publicada no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Como as estrelas se formam nas galáxias menores

A questão de como as pequenas galáxias anãs sustentaram a formação de novas estrelas ao longo do Universo há muito tempo que confunde os astrônomos de todo o planeta.

© ESO (galáxia anã da Fênix)

Agora, astrônomos descobriram que pequenas galáxias dormentes podem acumular gás lentamente ao longo de muitos bilhões de anos. Quando este gás repentinamente entra em colapso sob o seu próprio peso, podem surgir novas estrelas.

Existem cerca de 2 trilhões (2x10¹²) de galáxias no nosso Universo e, enquanto a nossa própria Galáxia, a Via Láctea, contém entre 200 e 400 bilhões de estrelas, as galáxias pequenas contêm apenas dezenas de milhares a alguns bilhões. O modo como as estrelas se formam nestas galáxias minúsculas está envolto em mistério. 

Agora, uma equipe da Universidade de Lund, Suécia, estabeleceu que as galáxias anãs são capazes de permanecer dormentes durante vários bilhões de anos antes de começar a formar estrelas novamente. 

"Estima-se que estas galáxias anãs pararam de formar estrelas há cerca de 12 bilhões de anos. O nosso estudo mostra que isto pode ser uma paragem temporária," diz Martin Rey, astrofísico da Universidade de Lund e líder do estudo. 

Por meio de simulações de computador de alta resolução, os pesquisadores demonstram que a formação de estrelas em galáxias anãs termina como resultado do aquecimento e ionização da luz forte de estrelas recém-nascidas por todo o Universo. As explosões das chamadas anãs brancas, estrelas pequenas e tênues produzidas do núcleo que permanece quando estrelas de tamanho normal morrem, contribuem ainda mais na prevenção do processo de formação estelar em galáxias anãs. 

"As nossas simulações mostram que as galáxias anãs são capazes de acumular combustível na forma de gás, que eventualmente se condensa e dá origem a estrelas. Isto explica a formação estelar observada em galáxias anãs tênues, que há muito intriga os astrônomos," explica Rey. 

As simulações de computador usadas no estudo são extremamente demoradas: cada simulação leva até dois meses e requer o equivalente a 40 máquinas operando 24 horas por dia. O trabalho continua com o desenvolvimento de métodos para explicar melhor os processos por trás da formação de estrelas nas galáxias menores do nosso Universo. 

"Ao aprofundar a nossa compreensão sobre este assunto, ganhamos novos conhecimentos sobre a modelagem de processos astrofísicos, como explosões de estrelas, bem como o aquecimento e arrefecimento de gás cósmico. Além disso, estão em andamento trabalhos adicionais para prever quantas destas anãs formadoras de estrelas existem no nosso Universo, e quantas podem ser descobertas por telescópios astronômicos," conclui Rey.

O novo trabalho foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Royal Astronomical Society

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Hubble ajuda a resolver o mistério do escurecimento de Betelgeuse

Novas observações do telescópio espacial Hubble sugerem que o escurecimento inesperado da estrela Betelgeuse foi provavelmente provocado por uma imensa quantidade de material quente ejetado para o espaço, formando uma nuvem de poeira que bloqueou a luz estelar proveniente da superfície de Betelgeuse.

© ESO/ESA/M. Kornmesser (ilustração de Betelgeuse e a nuvem de poeira)

Betelgeuse é uma estrela supergigante vermelha envelhecida que aumentou de tamanho como resultado de mudanças evolutivas complexas nos processos de fusão nuclear no seu núcleo. A estrela é tão grande que se substituíssemos o Sol no centro do nosso Sistema Solar, a sua superfície externa se estenderia para além da órbita de Júpiter. O fenômeno sem precedentes do grande escurecimento de Betelgeuse, eventualmente perceptível até mesmo a olho nu, começou em outubro de 2019. Em meados de fevereiro de 2020, o brilho desta estrela monstruosa tinha caído por mais de um fator de três. 

Este escurecimento repentino confundiu os astrônomos, que procuraram desenvolver teorias para explicar a mudança abrupta. Graças às novas observações do Hubble, pesquisadores sugerem agora que se formou uma nuvem de poeira quando o plasma superquente foi liberado de uma ressurgência de uma grande célula de convecção na superfície da estrela e passou pela atmosfera quente para as camadas externas mais frias, onde arrefeceu e formou poeira. A nuvem resultante bloqueou a luz de aproximadamente um-quarto da superfície da estrela, começando no final de 2019. Em abril de 2020, a estrela havia regressado ao seu brilho normal. 

Vários meses de observações espectroscópicas no ultravioleta de Betelgeuse pelo Hubble, começando em janeiro de 2019, produziram uma linha temporal perspicaz que levou ao escurecimento da estrela. Estas observações forneceram novas e importantes pistas para o mecanismo por trás da queda de brilho. O Hubble viu um material denso e aquecido movendo-se pela atmosfera da estrela em setembro, outubro e novembro de 2019. Então, em dezembro, vários telescópios terrestres observaram a estrela diminuindo de brilho no seu hemisfério sul. 

Este material era duas a quatro vezes mais luminoso do que o brilho normal da estrela. Em torno de um mês depois, o hemisfério sul de Betelgeuse escureceu visivelmente à medida que estrela ficava mais fraca.

As observações fazem parte de um estudo do Hubble de três anos para monitorar variações na atmosfera externa da estrela. A sensibilidade do telescópio à radiação ultravioleta permitiu analisar as camadas acima da superfície da estrela, que são tão quentes que emitem principalmente na região ultravioleta do espectro e não são vistas no visível. Estas camadas são aquecidas parcialmente pelas turbulentas células de convecção da estrela que borbulham para a superfície. 

Os espectros do Hubble, obtidos no início e no final de 2019 e em 2020, sondaram a atmosfera externa da estrela medindo linhas espectrais do magnésio ionizado. De setembro a novembro de 2019, os pesquisadores mediram material que passava da superfície da estrela para a sua atmosfera externa. Este material quente e denso continuou viajando além da superfície visível de Betelgeuse, alcançando milhões de quilômetros da estrela. A esta distância, o material arrefeceu o suficiente para formar poeira. 

Esta interpretação é consistente com as observações no ultravioleta do Hubble em fevereiro de 2020, que mostraram que o comportamento da atmosfera externa da estrela voltou ao normal, embora no visível ainda estava mais tênue. 

A causa do surto ainda é desconhecida, mas pode ter sido auxiliado pelo ciclo de pulsação da estrela, que continuou normalmente durante o evento, conforme registado por observações no visível. Foi utilizado também um telescópio automatizado do Instituto Leibniz para Astrofísica chamado STELLA (STELLar Activity) para medir as mudanças na velocidade do gás na superfície da estrela à medida que subia e descia durante o ciclo de pulsação. A estrela estava se expandindo no seu ciclo ao mesmo tempo que a célula convectiva ressurgia. A pulsação ondulando para fora de Betelgeuse pode ter ajudado a impulsionar o plasma que fluía pela atmosfera. 

A supergigante vermelha está destinada a terminar a sua vida numa explosão de supernova e é possível que o escurecimento repentino pode ser um evento pré-supernova. A estrela está relativamente perto, a cerca de 725 anos-luz de distância, de modo que o evento de escurecimento teria acontecido por volta do ano 1300, já que a sua luz está agora alcançando a Terra. 

Haverá outra chance de observar a estrela com o Hubble no final de agosto ou início de setembro. De momento, Betelgeuse encontra-se no céu diurno, demasiado perto do Sol para observações com o Hubble.

Fonte: ESA