sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Encontrado vapor de água na atmosfera de um exoplaneta pequeno

Recorrendo ao telescópio espacial Hubble, os astrônomos observaram o menor exoplaneta onde foi detectado vapor de água na atmosfera.

© STScI (ilustração do exoplaneta GJ 9827d)

Com apenas cerca de duas vezes o diâmetro da Terra, o GJ 9827d pode ser um exemplo de potenciais planetas com atmosferas ricas em água em outros locais da nossa Galáxia.  O exoplaneta GJ 9827d foi descoberto pelo telescópio espacial Kepler da NASA em 2017. Completa uma órbita em torno de uma estrela anã vermelha a cada 6,2 dias. A estrela, GJ 9827, situa-se a 97 anos-luz da Terra, na direção da constelação de Peixes.

No entanto, ainda é muito cedo para dizer se o Hubble mediu espectroscopicamente uma pequena quantidade de vapor de água numa atmosfera "inchada" rica em hidrogênio, ou se a atmosfera do planeta é majoritariamente feita de água, deixada para trás depois de uma atmosfera primitiva de hidrogênio e hélio se ter evaporado sob a radiação estelar.

A certa altura, à medida que planetas menores são estudados, deve haver uma transição em que deixa de haver hidrogênio nestes pequenos mundos e passam a ter atmosferas mais parecidas com a de Vênus, que é dominada pelo dióxido de carbono. Dado que o planeta é tão quente como Vênus, com cerca de 400º C, seria definitivamente um mundo inóspito e vaporoso se a atmosfera fosse predominantemente de vapor de água. 

Atualmente, a equipe tem dois cenários. Um deles é que o planeta ainda está agarrado a uma atmosfera rica em hidrogênio e com água, o que faz dele um mini-Netuno. Em alternativa, poderá ser uma versão mais quente da lua de Júpiter, Europa, que tem duas vezes mais água do que a Terra sob a sua crosta. 

O planeta GJ 9827d pode ser metade água, metade rocha. E haveria muito vapor de água em cima de um corpo rochoso mais pequeno. Se o planeta tiver uma atmosfera residual rica em água, então deve ter sido formado mais longe da sua estrela hospedeira, onde a temperatura é fria e há água disponível sob a forma de gelo, do que na sua localização atual. Neste cenário, o planeta teria então migrado para mais perto da estrela e recebido mais radiação. O hidrogênio foi aquecido e escapou, ou está ainda escapando, da fraca gravidade do planeta.

A teoria alternativa é que o planeta se formou perto da estrela quente, com traços de água na sua atmosfera. Com o telescópio espacial Hubble foi observado o planeta durante 11 trânsitos - eventos no qual o planeta passa em frente da sua estrela - que foram espaçados ao longo de três anos. Durante os trânsitos, a luz da estrela é filtrada através da atmosfera do planeta e tem a impressão digital espectral das moléculas de água. 

Esta descoberta do Hubble abre a porta ao futuro estudo deste tipo de planetas pelo telescópio espacial James Webb da NASA. Ele pode ver muito mais com observações adicionais no infravermelho, incluindo moléculas de carbono como o monóxido de carbono, o dióxido de carbono e o metano. Quando tivermos um inventário total dos elementos de um planeta, podemos compará-los com a estrela que orbita e compreender como se formou.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: Space Telescope Science Institute

Desvendando os mistérios da formação e evolução planetária

Um sistema solar recentemente descoberto, com seis exoplanetas confirmados e um possível sétimo, está melhorando o conhecimento sobre a formação e evolução planetária.

© UCI (ilustração da estrela anã TOI-1136)

Utilizando um arsenal de observatórios e instrumentos espalhados pelo mundo, uma equipe liderada por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Irvine (UCI), compilou as medições mais precisas até à data das massas, propriedades orbitais e características atmosféricas dos exoplanetas.

Os resultados foram obtidos pelo TKS (TESS-Keck Survey), fornecendo uma descrição completa dos exoplanetas que orbitam TOI-1136, uma estrela anã a mais de 270 anos-luz da Terra. O estudo é um seguimento da observação inicial da estrela e dos exoplanetas feita pela equipe em 2019, utilizando dados do TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA. Este projeto forneceu a primeira estimativa das massas dos exoplanetas através do registo das variações do tempo de trânsito (VTT), uma medida da atração gravitacional que os planetas em órbita exercem uns sobre os outros. 

Para o estudo mais recente, os astrônomos juntaram os dados do VTT a uma análise da velocidade radial da estrela. Utilizando o telescópio APF (Automated Planet Finder) do Observatório Lick, no Monte Hamilton, no estado norte-americano da Califórnia, e o instrumento HIRES (High-Resolution Echelle Spectrometer) do Observatório W.M. Keck, no Mauna Kea, Havaí, conseguiram detectar ligeiras variações no movimento estelar através do desvio para o vermelho e para o azul do efeito Doppler, possibilitando determinar leituras da massa planetária com uma precisão sem precedentes.

Para obter informação tão exata sobre os planetas deste sistema, a equipe construiu modelos computacionais usando centenas de medições de velocidade radial sobrepostas a dados do  VTT. 

Quando se compara planetas em sistemas solares diferentes, há muitas variáveis que podem diferir com base nas propriedades distintas das estrelas e nas suas localizações em partes diferentes da Galáxia. A observação de exoplanetas no mesmo sistema permite o estudo de planetas que passaram por uma história semelhante. 

Pelos padrões estelares, a estrela TOI-1136 é jovem, com apenas 700 milhões de anos, outra característica que tem atraído caçadores de exoplanetas. O magnetismo, as manchas estelares e as erupções são mais prevalentes e intensas durante esta fase do desenvolvimento de uma estrela, e a radiação resultante impacta e molda os planetas, afetando as suas atmosferas. 

Os exoplanetas confirmados de TOI-1136, TOI-1136 b a TOI-1136 g, estão classificados como "sub-Netunos". O exoplaneta menor tem mais do dobro do raio da Terra, e os outros têm até quatro vezes o raio da Terra, comparáveis aos tamanhos de Urano e Netuno. Segundo o estudo, todos estes planetas orbitam TOI-1136 em menos do que os 88 dias que Mercúrio leva a dar a volta ao nosso Sol.

Outra componente estranha deste sistema solar é a possível presença, ainda não confirmada, de um sétimo planeta. Os pesquisadores detectaram alguns indícios de outra força ressonante no sistema. Quando os planetas estão orbitando perto uns dos outros, podem atrair-se gravitacionalmente uns aos outros.

Os períodos orbitais destes planetas são espaçados de forma semelhante. Quando os exoplanetas estão em ressonância, os puxões são sempre na mesma direção. Isto pode ter um efeito desestabilizador ou, em casos especiais, pode servir para tornar as órbitas mais estáveis. 

Será que vamos encontrar um mundo de rocha fundida, um mundo de água ou um mundo de gelo, todos no mesmo sistema solar? 

Um artigo foi publicado no periódico The Astronomical Journal

Fonte: University of California

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Plutão em cores reais

Qual é a cor de Plutão, realmente?

© New Horizons / Alex Parker (Plutão)

Demorou algum esforço para descobrir. Mesmo tendo em conta todas as imagens enviadas de volta à Terra quando a sonda robótica New Horizons passou por Plutão em 2015, processar estes quadros multiespectrais para aproximar o que o olho humano veria foi um desafio. 

O resultado apresentado aqui, divulgado três anos após os dados brutos terem sido adquiridos pela New Horizons, é a imagem em cores reais de Plutão de maior resolução já obtida. Visível na imagem está o Tombaugh Regio, de cor clara e em forma de coração, com o inesperadamente liso Sputnik Planitia, feito de nitrogênio congelado, preenchendo seu lobo ocidental. 

A New Horizons descobriu que o planeta anão tem uma superfície surpreendentemente complexa composta por muitas regiões com tonalidades perceptivelmente diferentes. No total, porém, Plutão é majoritariamente castanho, com grande parte da sua cor suave originada de pequenas quantidades de metano superficial energizado pela luz ultravioleta do Sol.

Veja mais em: New Horizons passou hoje mais perto de Plutão e O possível oceano subterrâneo de Plutão.

Fonte: NASA

Uma galáxia pouco resplandecente

Esta é a suavemente luminosa galáxia espiral denominada UGC 11105.

© Hubble (UGC 11105)

A galáxia UGC 11105 está situada na constelação de Hércules, a cerca de 110 milhões de anos-luz da Terra, e parece ofuscada pelas estrelas brilhantes que a rodeiam. A supernova tipo II que ocorreu nesta galáxia em 2019, embora não seja mais visível nesta imagem, definitivamente ofuscou a galáxia na época! 

Para ser mais preciso, a galáxia UGC 11105 tem uma magnitude aparente de cerca de 13,6 no regime de luz óptica (esta imagem foi criada usando dados que cobrem a região do regime óptico, além de dados ultravioleta). Os astrônomos têm diferentes maneiras de quantificar o brilho dos objetos celestes, e a magnitude aparente é uma delas. 

Em primeiro lugar, a parte “aparente” desta quantidade refere-se ao fato de que a magnitude aparente apenas descreve como os objetos brilhantes parecem ser vistos da Terra, o que não é a mesma coisa que medir o quão brilhantes eles realmente são. A magnitude aparente de um objeto depende de sua luminosidade intrínseca, sua distância da Terra e qualquer extinção da luz do objeto causada pela poeira interestelar ao longo da linha de visão do observador. Por exemplo, na realidade, a estrela variável Betelgeuse é cerca de 21.000 vezes mais brilhante que o nosso Sol, mas como o Sol está muito mais próximo da Terra, Betelgeuse parece ser muito menos brilhante do que ele.

A medição da magnitude aparente é chamada de fotometria. A escala de magnitude não tem uma unidade associada, ao contrário, por exemplo, da massa, que medimos em quilogramas, ou do comprimento, que medimos em metros. Os valores de magnitude só têm significado em relação a outros valores de magnitude. 

Além disso, a escala não é linear, mas é um tipo de escala matemática conhecida como logarítmica reversa, o que também significa que os objetos de menor magnitude são mais brilhantes do que os objetos de maior magnitude. Por exemplo, UGC 11105 tem uma magnitude aparente de cerca de 13,6 no óptico, enquanto o Sol tem uma magnitude aparente de cerca de -26,8. Considerando a escala logarítmica inversa, isto significa que o Sol parece ser cerca de 14 quatrilhões de vezes mais brilhante que UGC 11105 da nossa perspectiva aqui na Terra, embora UGC 11105 seja uma galáxia inteira! 

As estrelas mais fracas que os humanos podem ver a olho nu têm cerca de sexta magnitude, com a maioria das galáxias sendo muito mais escuras do que isso. O telescópio espacial Hubble, no entanto, é conhecido por detectar objetos com magnitudes aparentes de até o extraordinário valor de 31, então UGC 11105 não representa realmente um grande desafio. 

Fonte: ESA

A rotação e a massa dos buracos negros binários estão correlacionados?

Quando os pesquisadores analisam as detecções de buracos negros em fusão feitas por observatórios de ondas gravitacionais, utilizam modelos e estatísticas para fazer inferências cuidadosas acerca da população de buracos negros no nosso Universo.

© R. Hurt (ilustração da fusão de dois buracos negros)

Os astrônomos exploraram se uma tendência emergente nos dados de ondas gravitacionais é real ou um artefato de anteriores métodos de análise. A detecção, em 2015, de ondas gravitacionais provenientes da fusão de buracos negros pelo LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory), deu aos cientistas uma nova forma de explorar os buracos negros. Ao analisar as ondulações no espaço-tempo resultantes da colisão de buracos negros, os pesquisadores esperam compreender como é que estes objetos se formaram (através do colapso de estrelas massivas ou de fusões sucessivas de buracos negros já existentes?) e como é que vieram a existir em sistemas binários (por pertencerem primeiro a um sistema binário estelar ou por se formarem sozinhos e se ligarem a outro buraco negro mais tarde?). 

Um resultado potencial que surgiu das várias análises de sinais de ondas gravitacionais é que as rotações efetivas e proporção das massas de buracos negros binários em fusão parecem estar correlacionados. Mas, tal como acontece com todos os resultados que são extraídos estatisticamente de conjuntos complexos de dados, é importante perguntar se esta é uma característica real dos dados, com implicações reais para a forma como os buracos negros binários são "montados", ou se é um resultado dos modelos ou das análises estatísticas.

Um novo tratamento estatístico foi aplicado às detecções de fusões de buracos negros. Este tratamento apresenta um novo modelo para a rotação efetiva e permite a existência de uma subpopulação de buracos negros binários com rotação efetiva nula, que ainda não foi descartada e que pode ter um impacto ainda não considerado. A equipe aplicou o seu modelo populacional ao terceiro catálogo de sinais de ondas gravitacionais dos detectores LIGO e Virgo e utilizou métodos estatísticos Bayesianos para extrair as propriedades da população global de buracos negros. 

Descobriram que a correlação anteriormente relatada entre a rotação efetiva e a proporção de massa é provavelmente real, descartando a possibilidade de não haver correlação com uma probabilidade de 99,7%. Uma possibilidade que persiste é que este resultado se deve ao paradoxo de amalgamação, que surge quando as tendências presentes em diferentes fatores desaparecem ou se invertem quando eles são tidos em conjunto. Se a correlação observada resistir a um exame estatístico mais aprofundado, vários fenômenos astrofísicos poderão ser responsáveis por este efeito: a grande transferência de massa entre estrelas progenitoras de buracos negros, estrelas que evoluem dentro de um invólucro comum e que acretam matéria a um ritmo elevado, ou mesmo sistemas de buracos negros binários situados dentro dos discos de acreção de NGAs (núcleos galácticos ativos), fenômenos estes que devem ser todos investigados com os futuros modelos da população de buracos negros. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: American Astronomical Society

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Descoberta a estrela de nêutrons mais massiva?

Quando os astrônomos não conseguem explicar algo diretamente, muitas vezes torna-se verdadeiramente excitante.

© D. Futselaar (ilustração de um pulsar e um buraco negro)

Uma equipe internacional liderada por pesquisadores do Instituto Max Planck de Radioastronomia e com a participação do Instituto Max Planck de Física Gravitacional descobriu agora um misterioso par que nunca tinha sido observado antes: um sistema constituído por uma estrela de nêutrons e um objeto que, à primeira vista, nem sequer deveria existir. Mas existem pistas importantes. 

Os pesquisadores da colaboração internacional TRAPUM (Transients and Pulsars with MeerKAT) descobriram um novo sistema constituído por dois objetos, localizado no aglomerado globular NGC 1851, na direção da constelação austral de Columba (Pomba). Os dois objetos têm muito provavelmente uma coisa em comum: ambos devem ter surgido, embora indiretamente, dos remanescentes de estrelas massivas, ou seja, de estrelas de nêutrons ou de buracos negros. 

As estrelas massivas formam-se frequentemente em sistemas estelares múltiplos. E são precisamente estas estrelas que, no final das suas vidas, morrem numa espetacular explosão de supernova. Os remanescentes: buracos negros ou estrelas de nêutrons que se orbitam uns aos outros, caso o sistema tenha sobrevivido à explosão. 

Até agora, só foram detectados pares de buracos negros e estrelas de nêutrons graças às ondas gravitacionais que emitem durante a sua dança íntima. É conhecida a natureza de pelo menos um dos dois objetos. A equipe utilizou o sensível radiotelescópio MeerKAT, na África do Sul, em combinação com poderosos detectores do Instituto Max Planck de Radioastronomia, e registrou pulsos fracos. 

Trata-se de uma estrela de nêutrons com um forte campo magnético que gira muito rapidamente, emitindo ondas de rádio ao longo de cones de luz opostos que varrem o Universo como um farol cósmico. O pulsar recentemente descoberto, de nome PSR J0514-4002E, gira em torno do seu próprio eixo mais de 170 vezes por segundo e a sua luz rádio atinge a Terra com a mesma frequência. A cada rotação, o radiotelescópio regista um pulso, semelhante ao tique-taque de um relógio. O pulsar tem um ritmo extremamente regular. 

Foram utilizados pequenos desvios ou diferenças no ritmo deste "relógio" para obter detalhes sobre uma companheira que orbita num centro de gravidade comum, juntamente com o pulsar. O efeito Doppler faz com que a frequência de rádio do pulsar se altere como resultado do seu movimento orbital, tal como o som da sirene de um carro de bombeiros ao passar pelo observador. Isto também permitiu determinar a órbita do pulsar em torno do objeto misterioso.

A situação é menos clara quando se trata do objeto companheiro que orbita o pulsar. Quando observa-se as imagens de NGC 1851 obtidas pelo telescópio espacial Hubble, não é visto nada nessa posição. Por isso, o objeto em órbita com o pulsar não é uma estrela normal, mas um remanescente extremamente denso de uma estrela colapsada. Se este objeto fosse também uma estrela, emitiria, tal como o Sol, um vento estelar, que o cone de luz rádio do pulsar teria de atravessar antes do radiotelescópio receber um sinal. Neste caso, o vento estelar influenciaria nas frequências do sinal de rádio. No entanto, não há sinais de tal efeito nos dados de rádio. Tudo indica que o misterioso objeto é um remanescente extremamente denso de uma estrela colapsada: um buraco negro ou outra estrela de nêutrons que não emite ondas de rádio. 

A procura por pistas continua: os astrônomos não só deduziram a órbita a partir das medições das diferenças de velocidade do "relógio" do pulsar, como também reduziram a massa do segundo objeto até 2,09 a 2,71 massas solares. Isto significa que a companheira pode ser mais massiva do que as estrelas de nêutrons mais pesadas conhecidas (cerca de duas massas solares) e, ao mesmo tempo, mais leve do que os buracos negros mais leves conhecidos (cerca de cinco massas solares). A razão pela qual ainda não foi encontrado nenhum outro objeto compacto entre duas e cinco massas solares não é totalmente compreendida.

As estrelas de nêutrons, os remanescentes ultradensos das explosões de supernovas, só podem ter até uma determinada massa. Quando ganham demasiada massa, talvez por consumirem outra estrela ou por colidirem com um objeto do mesmo tipo, entram em colapso. Qual exatamente o objeto resultante, após o colapso, é motivo de muita especulação, tendo sido propostos vários cenários de estrelas exóticas. A opinião predominante, no entanto, é que as estrelas de nêutrons colapsam para se tornarem buracos negros, objetos gravitacionalmente tão atrativos que nem a luz lhes consegue escapar. 

A teoria, apoiada pela observação, diz-nos que os buracos negros mais leves que podem ser criados por estrelas colapsadas são cerca de 5 vezes mais massivos do que o Sol. Isto é consideravelmente mais do que as 2,2 massas solares necessárias para o colapso de uma estrela de nêutrons, dando origem ao que é conhecido como a lacuna de massa dos buracos negros. A natureza dos objetos compactos, nesta gama de massas, é desconhecida e o estudo detalhado tem-se revelado até agora um desafio, uma vez que apenas vislumbres fugazes de tais objetos foram captados em observações das ondas gravitacionais produzidas por eventos de fusão no Universo distante. 

Embora a equipe não possa dizer de forma conclusiva se descobriu a estrela de nêutrons mais massiva que se conhece, o buraco negro mais leve que se conhece ou até mesmo uma nova e exótica variante estelar, o que é certo é que descobriu um laboratório único para investigar as propriedades da matéria sob as condições mais extremas do Universo.

Um artigo foi publicado na revista Science.

Fonte: Max Planck Institute for Radio Astronomy

Observações mostram que as estrelas massivas nascem em grupos

Há muito que se pensa que as estrelas massivas nascem como gêmeas, trigêmeas ou em grupos ainda maiores. Mas, até agora, havia poucas evidências observacionais que confirmassem a multiplicidade do nascimento das estrelas massivas.

© ALMA (região de formação estelar massiva)

Imagem, em cores falsas, da região de formação estelar massiva G333.23-0.06 a partir de dados obtidos com o observatório Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA). As inserções mostram regiões detectadas com sistemas múltiplos de protoestrelas. Os símbolos pretos indicam a posição de cada uma das estrelas recém-formadas. A imagem abrange uma região com 0,62 por 0,78 anos-luz (que no céu corresponde a uns meros 7,5 x 9,5 segundos de arco).

Isto mudou com as observações aqui apresentadas: um estudo detalhado, utilizando o observatório ALMA, encontrou quatro protoestrelas binárias, um sistema triplo, um quádruplo e um quíntuplo num grande aglomerado estelar.

Os novos resultados confirmam a nossa compreensão atual da formação de estrelas massivas: estas nascem, realmente, em grupos. As estrelas massivas, há muito que se pensa que o nascimento múltiplo seja a norma. Este fato foi demonstrado por simulações que traçaram o colapso de nuvens gigantes de gás e poeira desde o início até à formação de estrelas separadas no seu interior: um processo hierárquico em que porções maiores da nuvem se contraem para formar núcleos mais densos, e em que regiões menores dentro destes "núcleos natais" colapsam para formar as estrelas separadas: estrelas massivas, mas também várias estrelas menos massivas. 

O nosso Sol formou-se como uma protoestrela de baixa massa num aglomerado de estrelas do gênero. As estrelas massivas, que têm mais de oito vezes a massa do nosso Sol, são de particular interesse, pois são estas as que dão oportunidade às estrelas de nêutrons e aos buracos negros, sendo estes com possibilidade de fundir uns com os outros e emitir grandes quantidades de ondas gravitacionais. Além disso, as estrelas massivas são muito brilhantes, até um milhão de vezes mais brilhantes do que o nosso Sol, sendo estas vistas em outras galáxias. 

Até agora, embora houvesse uma boa compreensão teórica da formação de estrelas nestas circunstâncias, faltavam evidências fundamentais: é muito difícil observar regiões de formação estelar em detalhe suficiente. Até à data, as observações tinham sido capazes de mostrar apenas alguns isolados candidatos a sistemas múltiplos em aglomerados estelares massivos, mas nada que se parecesse com a população prevista pelas simulações. Para confirmar ou descartar os modelos atuais da formação de estrelas massivas, era clara a necessidade de observações mais detalhadas. 

Um grupo de astrônomos do NAOJ (National Astronomical Observatory of Japan), da Universidade para Estudos Avançados em Tóquio, e do Instituto Max Planck de Astronomia em Heidelberg, propôs-se observar 30 promissoras regiões de formação estelar massiva com o ALMA entre 2016 e 2019. A análise dos dados revelou-se um desafio considerável e demorou vários anos. Cada observação separada produz cerca de 800 GB de dados e a reconstrução de imagens a partir das contribuições das 66 antenas é um processo complexo.

As imagens reconstruídas resultantes são notáveis: mostram detalhes até cerca de 200 UA (1 UA, ou unidade astronômica, corresponde à distância Terra-Sol) para uma grande região com cerca de 200.000 UA de diâmetro. 

Os resultados são excelentes notícias para o quadro atual da formação de estrelas massivas. Especificamente, os astrônomos estão atualmente trabalhando numa análise semelhante para as 29 regiões adicionais de formação estelar massiva que observaram, às quais se juntarão em breve mais 20, com novas observações ALMA. Isso deverá permitir obter estatísticas de maior alcance sobre as propriedades dessas regiões e compreender a evolução dos sistemas múltiplos. Mas mesmo com os resultados atuais, o papel dos sistemas múltiplos na formação de estrelas massivas está agora firmemente ancorado na observação. 

Um artigo foi publidado na revista Nature Astronomy

Fonte: Max-Planck-Institut für Astronomie

Nebulosas Profundas: Da Gaivota à Califórnia

Você conhece bem o céu noturno?

© Alistair Symon (nebulosas profundas)

Certo, mas quão bem você consegue identificar objetos famosos do céu em uma imagem muito profunda? De qualquer forma, aqui está um teste: veja se você consegue encontrar alguns ícones bem conhecidos do céu noturno em uma imagem profunda cheia de nebulosidade tênue.

Esta imagem contém o aglomerado de estrelas das Plêiades, Laço de Barnard, Nebulosa Cabeça de Cavalo, Nebulosa de Órion, Nebulosa Roseta, Nebulosa do Cone, Rigel, Nebulosa da Água-Viva, Nebulosa Cabeça de Macaco, Nebulosa Estrela Flamejante, Nebulosa do Girino, Aldebaran, Simeis 147, Nebulosa Gaivota e Nebulosa Califórnia.

Para encontrar suas localizações reais, aqui está uma versão anotada da imagem. A razão pela qual esta tarefa pode ser difícil é semelhante à razão pela qual é inicialmente difícil identificar constelações familiares num céu muito escuro: a tapeçaria do nosso céu noturno tem uma complexidade oculta extremamente profunda. A composição apresentada revela um pouco dessa complexidade em um mosaico de 28 imagens tiradas ao longo de 800 horas do céu escuro do Arizona, EUA.

Fonte: NASA

Detectado o buraco negro mais antigo

Astrônomos descobriram o buraco negro mais antigo alguma vez já observado, que remonta aos primórdios do Universo, e verificaram que está englobando até à morte a galáxia que o hospeda.

© P. Oesch (galáxia GN-z11)

A equipe internacional, liderada pela Universidade de Cambridge, utilizou o telescópio espacial James Webb para detectar o buraco negro, que remonta a 400 milhões de anos após o Big Bang, ou seja, há mais de 13 bilhões de anos. 

O fato deste buraco negro surpreendentemente massivo - com alguns milhões de vezes a massa do nosso Sol - existir tão cedo no Universo desafia os nossos pressupostos sobre a forma como os buracos negros se formam e crescem. Os astrônomos pensam que os buracos negros supermassivos, que se encontram no centro de galáxias como a Via Láctea, cresceram até ao seu tamanho atual ao longo de bilhões de anos. Mas o tamanho deste buraco negro recém-descoberto sugere que podem formar-se de outras maneiras: podem "nascer grandes" ou podem "comer" matéria a um ritmo cinco vezes superior ao que se pensava ser possível. 

De acordo com os modelos padrão, os buracos negros supermassivos formam-se a partir dos remanescentes de estrelas mortas, que colapsam e podem formar um buraco negro com cerca de cem vezes a massa do Sol. Se crescesse da forma esperada, este objeto recém-detectado demoraria cerca de um bilhão de anos para atingir a dimensão observada. No entanto, o Universo ainda não tinha esta idade quando foi detectado. 

Como todos os buracos negros, este está devorando material da sua galáxia hospedeira a fim de favorecer o seu crescimento. No entanto, com muito mais vigor do que os seus irmãos em épocas posteriores. A jovem galáxia hospedeira, chamada GN-z11, brilha devido ao buraco negro incrivelmente energético no seu centro.

Os buracos negros não podem ser observados diretamente, mas são detectados pelo brilho revelador de um disco de acreção rodopiante, que se forma perto da orla de um buraco negro. O gás no disco de acreção torna-se extremamente quente e começa a brilhar e a irradiar energia na região do ultravioleta. Este forte brilho é a forma como os astrônomos conseguem detectar os buracos negros. 

GN-z11 é uma galáxia compacta, cerca de cem vezes mrnor do que a Via Láctea, mas o buraco negro está provavelmente prejudicando o seu desenvolvimento. Quando os buracos negros consomem demasiado gás, também o empurram para longe como um "vento" ultrarrápido. Este "vento" pode parar o processo de formação estelar, cessando lentamente a existência da galáxia, mas também matará o próprio buraco negro, uma vez que lhe cortará a fonte de suprimento.

Um artigo foi publicado na revista Nature

Fonte: University of Cambridge

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

A cauda do exoplaneta WASP-69b é surpreendentemente longa

Novos dados do Observatório W. M. Keck, em Maunakea, no Havaí, confirmam que o exoplaneta WASP-69b, conhecido pela sua atmosfera em fuga, está formando uma cauda semelhante à de um cometa que é ainda mais longa do que a observada anteriormente.

© Adam Makarenko (animação do exoplaneta WASP-69b e sua estrela)

Os cientistas estudaram no passado este planeta do tamanho de Júpiter, concentrando-se na sua atmosfera em fuga e observando apenas um pequeno rasto de hélio gasoso. Os novos dados do Observatório W. M. Keck revelam que a cauda tem pelo menos 560.000 quilômetros de comprimento, estendendo-se pelo menos sete vezes o raio do próprio planeta gigante.

Localizado a 160 anos-luz da Terra, WASP-69b está tão próximo de sua estrela que um ano neste mundo alienígena dura apenas 3,9 dias terrestres. A sua proximidade sujeita o planeta à radiação extrema da sua estrela hospedeira, provocando a combustão da atmosfera do gigante gasoso.

A equipe observou este fenômeno utilizando o instrumento NIRSPEC (Near-Infrared Spectrograph) do Observatório W. M. Keck para captar imagens nítidas de WASP-69b, que revelaram a sequência de eventos que mostram a sua cauda se esticando à medida que o planeta libera a sua atmosfera. As capacidades de alta resolução do instrumento NIRSPEC, forneceu uma sensibilidade extremamente elevada da estrutura de velocidade e da absorção total da atmosfera em fuga, que os fortes ventos estelares esculpiram numa longa e fina cauda. 

Embora o WASP-69b tenha apenas cerca de 30% da massa de Júpiter, é 10% maior devido ao calor extremo da sua estrela hospedeira, que faz com que a sua atmosfera se expanda antes de se libertar. A atmosfera que escapa produz então vento que interage violentamente com o vento da estrela hospedeira do planeta, formando a cauda de hélio de WASP-69b.

Estas caudas, semelhantes às dos cometas, são muito valiosas porque formam-se quando a atmosfera planetária em fuga choca com o vento estelar, o que faz com que o gás seja arrastado para trás. 

O estudo direto da perda de massa atmosférica é fundamental para compreender exatamente como os planetas da nossa Galáxia evoluem ao longo do tempo juntamente com as suas estrelas. O WASP-69b está perdendo cerca de 1 massa terrestre por cada bilhão de anos, mas com uma massa total quase 90 vezes superior à da Terra, o planeta não corre o risco de perder toda a sua atmosfera durante a sua vida. 

A resiliência deste planeta num ambiente tão extremo e hostil permite estudar o processo de perda de massa atmosférica, o que ajuda a compreender como as estrelas podem provocar a evolução dos seus planetas.

O estudo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: W. M. Keck Observatory

As estrelas antigas podem ser os melhores locais para procurar vida

Os cientistas supuseram, em tempos, que as estrelas aplicavam um eterno freio magnético, provocando um abrandamento interminável na sua rotação.

© J. Fohlmeister (ilustração do sistema 51 Pegasi e do seu campo magnético)

Com novas observações e métodos sofisticados, espreitaram agora os segredos magnéticos de uma estrela e descobriram que não é o que esperavam. Em 1995, os astrônomos suíços Michael Mayor e Didier Queloz anunciaram a primeira descoberta de um planeta localizado além do nosso Sistema Solar, em órbita de uma distante estrela semelhante ao Sol conhecida como 51 Pegasi. Desde então, foram encontrados mais de 5.500 exoplanetas em órbita de outras estrelas da nossa Galáxia e, em 2019, os dois cientistas partilharam o Prêmio Nobel da Física pelo seu trabalho pioneiro. 

Na semana passada, astrônomos revelaram novas observações de 51 Pegasi, sugerindo que o atual ambiente magnético em torno da estrela pode ser particularmente favorável ao desenvolvimento de vida complexa. 

Estrelas como o Sol nascem girando depressa, o que cria um forte campo magnético que pode entrar em erupção de forma violenta, bombardeando os seus sistemas planetários com partículas carregadas e radiação nociva. Ao longo de bilhões de anos, a rotação da estrela abranda gradualmente à medida que o seu campo magnético é arrastado por um vento que flui a partir da sua superfície, um processo conhecido como frenagem magnética. A rotação mais lenta produz um campo magnético mais fraco e ambas as propriedades continuam  diminuindo em conjunto, alimentando-se uma à outra. 

Até há pouco tempo, os astrônomos assumiam que a frenagem magnética continuava indefinidamente, mas novas observações começaram a desafiar esta suposição. A equipe de astrônomos dos EUA e da Europa combinou observações de 51 Pegasi feitas pelo TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA com medições de ponta do seu campo magnético feitas pelo LBT (Large Binocular Telescope) no estado norte-americano do Arizona, utilizando o instrumento PEPSI (Potsdam Echelle Polarimetric and Spectroscopic Instrument).

Embora o exoplaneta que orbita 51 Pegasi não passe em frente da sua estrela progenitora, da perspectiva da Terra, a própria estrela mostra variações sutis de brilho nas observações do TESS, que podem ser usadas para medir o raio, a massa e a idade, uma técnica conhecida como asterossismologia. Entretanto, o campo magnético da estrela imprime uma pequena quantidade de polarização na luz estelar, permitindo ao PEPSI do LBT criar um mapa magnético da superfície da estrela à medida que esta gira, uma técnica conhecida como Imagiologia Zeeman-Doppler. 

Em conjunto, estas medições permitiram à equipe avaliar o atual ambiente magnético em torno da estrela. Observações anteriores do telescópio espacial Kepler da NASA já sugeriam que a frenagem magnética poderia diminuir substancialmente para lá da idade do Sol, cortando a estreita relação entre rotação e magnetismo nas estrelas mais velhas. No entanto, as evidências desta mudança eram indiretas, baseando-se em medições da rotação de estrelas com uma vasta gama de idades. 

Era evidente que a rotação deixava de abrandar algo perto da idade do Sol (4,5 bilhões de anos), e que o enfraquecimento da frenagem magnética nas estrelas mais velhas podia reproduzir este comportamento. No entanto, apenas medições diretas do campo magnético de uma estrela podem estabelecer as causas subjacentes, e os alvos observados pelo Kepler eram demasiado tênues para observações do LBT. 

As observações revelaram que a frenagem magnética muda subitamente em estrelas ligeiramente mais jovens do que o Sol, tornando-se mais de 10 vezes mais fraca neste ponto e diminuindo ainda mais à medida que continuam envelhecendo. A equipe atribuiu estas alterações a uma mudança inesperada na força e na complexidade do campo magnético, e à influência desta mudança no vento estelar. As propriedades recentemente medidas de 51 Pegasi mostram que, tal como o nosso Sol, já passou por esta transição para uma frenagem magnética enfraquecida. 

No nosso Sistema Solar, a transição da vida dos oceanos para a terra ocorreu há várias centenas de milhões de anos, coincidindo com o momento em que a frenagem magnética começou a ficar mais fraca no Sol. As estrelas jovens bombardeiam os seus planetas com radiação e partículas carregadas que são hostis ao desenvolvimento de vida complexa, mas as estrelas mais velhas parecem proporcionar um ambiente mais estável. 

As descobertas sugerem que os melhores locais para procurar vida para além do nosso Sistema Solar podem estar em torno de estrelas de meia-idade ou mais velhas.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Leibniz Institute for Astrophysics

Uma "cauda de gato" poeirenta no sistema Beta Pictoris

Beta Pictoris, um jovem sistema planetário situado a apenas 63 anos-luz de distância, continua intrigando os cientistas mesmo após décadas de estudo aprofundado.

© STScI (sistema estelar Beta Pictoris)

Possui o primeiro disco de poeira fotografado em torno de outra estrela, um disco de detritos produzido por colisões entre asteroides, cometas e planetesimais. Observações do telescópio espacial Hubble revelaram um segundo disco de detritos neste sistema, inclinado em relação ao disco mencionado anteriormente. 

Agora, astrônomos utilizaram o telescópio espacial James Webb para obter imagens do sistema Beta Pictoris (Beta Pic) e descobriu uma nova estrutura nunca antes vista. Com o auxílio dos instrumentos NIRCam (Near-Infrared Camera) e MIRI (Mid-Infrared Instrument) do Webb foi possível analisar a composição dos dois discos de detritos de Beta Pic. Os resultados excederam as expectativas, revelando um "ramo" de poeira fortemente inclinado, com o aspecto de uma cauda de gato, que se estende da parte sudoeste do disco de detritos secundário. 

Beta Pictoris é o disco de detritos que tem uma estrela muito brilhante e próxima e um ambiente circunstelar complexo com um disco multicomponente, exocometas e dois exoplanetas fotografados. Mesmo com o Webb, foi crucial observar Beta Pic em comprimentos de onda corretos; neste caso, o infravermelho médio para assim detectar a "cauda de gato", uma vez que esta só apareceu nos dados do MIRI. Os dados no infravermelho médio, obtidos pelo Webb, também revelaram diferenças de temperatura entre os dois discos de Beta Pic, o que provavelmente se deve a diferenças de composição.

Para explicar a temperatura mais quente no disco secundário, a equipe deduziu que a poeira pode ser um "material orgânico refratário" altamente poroso, semelhante à matéria encontrada nas superfícies dos cometas e asteroides do nosso Sistema Solar. Por exemplo, uma análise preliminar do material recolhido do asteroide Bennu pela missão OSIRIS-REx da NASA revelou que era muito escuro e rico em carbono, bastante semelhante ao que o MIRI detectou em Beta Pic. 

No entanto, uma grande questão permanece em aberto: o que poderia explicar a forma da cauda de gato, uma característica curvada única, diferente da que se vê em discos à volta de outras estrelas? Foram modelados vários cenários na tentativa de emular a "cauda de gato" e desvendar as suas origens. Embora sejam necessários mais estudos e testes, a equipe apresenta uma forte hipótese de que a "cauda de gato" é o resultado de um evento de produção de poeira que ocorreu há apenas cem anos.

O modelo preferido da equipe explica o ângulo acentuado da cauda em relação ao disco como uma simples ilusão de ótica. A nossa perspectiva, combinada com a forma curva da cauda, cria o seu ângulo observado quando, de fato, o arco de material apenas se afasta do disco com uma inclinação de cinco graus. Tendo em conta o brilho da cauda, estima-se que a quantidade de poeira no interior da "cauda de gato" é equivalente à de um grande asteroide do nosso cinturão principal, espalhado por 16 trilhões de quilômetros. 

Um recente evento de produção de poeira, no interior dos discos de detritos de Beta Pictoris, também poderia explicar uma extensão assimétrica recentemente observada do disco interno inclinado, como visto nos dados do MIRI e observado apenas no lado oposto da cauda. A recente produção de poeira por colisão também poderia explicar uma característica previamente detectada pelo ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) em 2014: um aglomerado de monóxido de carbono (CO) localizado perto da "cauda de gato".

Uma vez que a radiação da estrela deve decompor o CO em cerca de cem anos, esta concentração de gás ainda presente pode ser uma evidência persistente do mesmo evento. 

Fonte: Space Telescope Science Institute

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Supernovas revelam detalhes sobre a expansão do Universo

Em 1998, os astrofísicos descobriram que o Universo está se expandindo a um ritmo acelerado, atribuído a uma entidade misteriosa chamada energia escura, que constitui cerca de 70% do cosmo.

© Cosmonovas (ilustração de uma supernova)

Embora prenunciada por medições anteriores, a descoberta foi uma surpresa; na época, os astrofísicos concordavam que a expansão do Universo deveria estar desacelerando por causa da gravidade. Esta descoberta revolucionária, que os astrofísicos alcançaram com observações de tipos específicos de estrelas em explosão, chamadas supernovas do tipo Ia foi reconhecida com o Prêmio Nobel da Física em 2011. 

Agora, 25 anos após a descoberta inicial, os cientistas que trabalham no Dark Energy Survey (DES) divulgaram os resultados de uma análise sem precedentes usando a mesma técnica para investigar ainda mais os mistérios da energia escura e da expansão do Universo. 

Foram colocadas restrições mais fortes à expansão do Universo já obtidas com o levantamento de supernovas do DES. Em uma apresentação na 243ª reunião da Sociedade Astronômica Americana em 8 de janeiro, os astrofísicos do DES relataram resultados que são consistentes com o modelo cosmológico padrão de um Universo em expansão acelerada. No entanto, as descobertas não são definitivas o suficiente para descartar um modelo possivelmente mais complexo. 

O DES mapeou uma área de quase um oitavo de todo o céu usando a Dark Energy Camera, uma câmera digital de 570 megapixels construída pelo Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab). Foi montado no Telescópio Víctor M. Blanco no Observatório Interamericano Cerro Tololo, um programa do National Optical-Infrared Astronomy Research Laboratory (NOIRLab), em 2012. 

Os cientistas do DES recolheram dados de 758 noites ao longo de seis anos. Para compreender a natureza da energia escura e medir a taxa de expansão do Universo, efetuando análises com quatro técnicas diferentes, incluindo a técnica de supernova usada em 1998. Esta técnica requer dados de supernovas do tipo Ia, que ocorrem quando uma estrela morta extremamente densa, conhecida como anã branca, atinge uma massa crítica e explode. 

Como a massa crítica é quase a mesma para todas as anãs brancas, todas as supernovas do tipo Ia têm aproximadamente o mesmo brilho real e quaisquer variações restantes podem ser calibradas. Assim, quando os astrofísicos comparam o brilho aparente de duas supernovas do tipo Ia vistas da Terra, podem determinar as suas distâncias relativas de nós. Os astrofísicos traçam a história da expansão cósmica com grandes amostras de supernovas abrangendo uma ampla gama de distâncias. Para cada supernova, combinam a sua distância com uma medição do seu desvio para o vermelho, ou seja, a rapidez com que se afasta da Terra devido à expansão do Universo. Este histórico é usado para determinar se a densidade da energia escura permaneceu constante ou mudou ao longo do tempo. À medida que o Universo se expande, a densidade da matéria diminui. Mas se a densidade da energia escura for constante, isso significa que a proporção total de energia escura deve aumentar à medida que o volume aumenta.

O modelo cosmológico padrão é o ΛCDM (Lambda Cold Dark Matter), um modelo baseado na densidade da energia escura sendo constante ao longo do tempo cósmico. Diz-nos como o Universo evolui, usando apenas algumas características, como a densidade da matéria, o tipo de matéria e o comportamento da energia escura. 

O método da supernova restringe muito bem duas dessas características: a densidade da matéria e uma quantidade chamada w, que indica se a densidade da energia escura é constante ou não. De acordo com o modelo cosmológico padrão, a densidade da energia escura no Universo é constante, o que significa que ela não se dilui à medida que o Universo se expande. Se isso for verdade, o parâmetro representado pela letra w deverá ser igual a –1.

Os resultados encontraram w = –0,80 +/- 0,18 usando apenas supernovas. Combinado com dados complementares do telescópio Planck da ESA (Agência Espacial Europeia), onde w atinge –1 dentro da margem de erro. 

Esta análise final de supernovas do DES trouxe muitas melhorias em relação ao primeiro resultado de supernova do DES, lançado em 2018, que utilizou apenas 207 supernovas e três anos de dados. Para a análise de 2018, os cientistas do DES combinaram dados sobre o espectro de cada supernova para determinar os seus desvios para o vermelho e classificá-las como tipo Ia ou não. Eles então usaram imagens tiradas com diferentes filtros para identificar o fluxo no pico da curva de luz, um método chamado fotometria. Mas os espectros são difíceis de adquirir, exigindo muito tempo de observação nos maiores telescópios, o que será impraticável para futuras pesquisas de energia escura, como o Legacy Survey of Space and Time, LSST, a ser conduzido no Observatório Vera C. Rubin. 

A espectroscopia de acompanhamento da galáxia hospedeira com o telescópio Anglo-Australiano forneceu desvios para o vermelho precisos para cada supernova. A utilização de filtros adicionais também permitiu obter dados mais precisos do que os levantamentos anteriores e representa um grande avanço em comparação com as amostras de supernovas anteriores, que utilizaram apenas um ou dois filtros. 

Os pesquisadores do DES usaram técnicas avançadas de aprendizado de máquina para auxiliar na classificação de supernovas. Entre os dados de cerca de dois milhões de galáxias distantes observadas, o DES encontrou vários milhares de supernovas. No final das contas, os cientistas usaram 1.499 supernovas do tipo Ia com dados de alta qualidade, tornando-a a maior e mais profunda amostra de supernovas já compilada por um único telescópio. Em 1998, os astrônomos utilizaram apenas 52 supernovas para determinar que o Universo  está se expandindo a um ritmo acelerado. 

Existem pequenas desvantagens da nova abordagem fotométrica em comparação com a espectroscopia: como as supernovas não possuem espectros, há maior incerteza na classificação. No entanto, o tamanho da amostra muito maior possibilitado pela abordagem fotométrica compensa a pesquisa. As técnicas inovadoras em que o DES foi pioneiro irão moldar e impulsionar futuras análises astrofísicas. Projetos como o LSST de Rubin e o telescópio espacial Nancy Grace Roman da NASA continuarão de onde o DES parou.

Mesmo com experiências mais avançadas sobre energia escura, os cientistas do DES enfatizaram a importância de ter modelos teóricos para explicar a energia escura, além das suas observações experimentais. Os cientistas do DES continuam a usar os resultados das supernovas em mais análises, integrando-os com os resultados obtidos com outras técnicas do DES. 

Um modelo mais complexo pode ser necessário. A energia escura pode de fato variar com o tempo. Para chegar a uma conclusão definitiva, os cientistas precisarão de mais dados. A energia escura ainda está por aí para ser descoberta.

O Dark Energy Survey é uma colaboração internacional que compreende mais de 400 astrofísicos, astrônomos e cosmólogos de mais de 25 instituições, inclusive do Brasil, lideradas por membros do Laboratório Nacional do Acelerador Fermi do Departamento de Energia dos EUA. 

Um artigo foi submetido ao periódico Astrophysical Journal

Fonte: Fermi National Accelerator Laboratory

Estrela altera seu brilho a cada quatro anos

Doze anos de observações em uma região obscura da constelação de Escorpião, vizinha do centro da Via Láctea, levaram à descoberta de um objeto celeste envolto em um contexto singular.

© Vista (estrela central iluminando nebulosa)

Imagem em falsa cor mostra a estrela central (dentro do círculo cinza) que ilumina parte da nebulosa (rosa), enquanto outra região fica escurecida (azul).

Uma equipe internacional de astrônomos identificou uma jovem estrela variável, que muda de brilho ao longo do tempo, imersa em uma nebulosa, uma nuvem de gás e poeira cósmica, que também altera periodicamente sua luminosidade.

“A cada quatro anos, aproximadamente, a estrela pisca e diminui por um certo tempo o seu brilho. Uma região da nebulosa pisca em sincronia com ela, enquanto outra parte se comporta de maneira inversa”, diz o astrofísico Roberto Saito, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), autor principal que estuda o exótico objeto celeste. 

Esse padrão de variação da luminosidade foi observado durante três ciclos completos de quatro anos. O jogo de pisca e apaga da estrela e da nebulosa é atribuído a um fenômeno ondulatório denominado eco luminoso, similar ao que ocorre com a reverberação produzida pelo som. A estrela emite uma luz que, quando encontra a nebulosa, é refletida de volta e ilumina a nuvem de gás e poeira. Devido à velocidade finita da luz e ao grande tamanho da nebulosa, suas diferentes regiões são, do ponto de vista de um observador externo, iluminadas pela estrela central em momentos distintos. A estrela emite luz em todas as direções. A parte da luz que vem diretamente para a Terra ilumina a região da nuvem mais próxima de nós. Já a luz emitida na direção oposta demora mais para chegar aqui porque tem de ir até a porção mais distante da nebulosa antes de ser refletida de volta em direção à Terra. Quando isso ocorre, a estrela já escureceu de novo. 

No espaço, ecos de luz são comumente observados em novas e supernovas. A nova é a explosão brilhante produzida quando uma enorme massa de gás é transferida de uma estrela grande e relativamente fria para outra, pequena, mas muito quente, em um sistema binário. Quando estrelas gigantes chegam ao final de seu ciclo de vida e sofrem uma violenta explosão nuclear, esse jorro de luz e energia é denominado supernova. 

Em uma estrela variável, ecos de luz nunca tinham sido registrados. Por não se parecer com nenhum tipo de estrela presente nos catálogos de objetos astronômicos, o astro da constelação de Escorpião recebeu o nome de WIT-12. As letras remetem à pergunta, em inglês, “what is this?”, usada para indicar corpos celestes que não se encaixam em nenhuma classe conhecida de objetos e são agrupados em uma categoria à parte. O numeral indica que a estrela é o décimo segundo corpo celeste a ser considerado um WIT, nomenclatura adotada pelo projeto Vista Variables in the Via Lactea (VVV). 

Saito também participou da descoberta de outros WIT a partir de dados do VVV. Desde 2010, essa iniciativa mapeou, em frequências do infravermelho próximo, cerca de 1 bilhão de estrelas no plano da Via Láctea com o telescópio Vista, do Observatório Europeu do Sul (ESO), localizado em Cerro Paranal, no Chile. As observações do Vista usaram diferentes filtros de cor ao longo do tempo e possibilitaram identificar, inicialmente, a existência de uma nebulosa cujo brilho se alterava periodicamente. Em seguida, foi possível associar a mudança de luminosidade da nuvem de gás e poeira a uma fonte de brilho, também variável, situada em seu centro, provavelmente uma estrela. 

Para determinar as características desse objeto celeste, os autores do trabalho tiveram de recorrer aos serviços de outro telescópio situado no Chile. Usaram o Soar, – que tem como um de seus sócios o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – para obter o espectro da estrela. 

Esse tipo de registro decompõe a luz emitida por um astro em suas cores constituintes (diferentes comprimentos de onda) a partir dos quais se pode inferir alguns parâmetros, como sua composição química, temperatura e luminosidade intrínseca. A análise do espectro no infravermelho próximo permitiu classificar a fonte de luz no interior da nebulosa como um objeto estelar jovem (YSO, young stellar object). 

Os dados disponíveis sugerem que se trata de uma estrela vermelha jovem. Esse tipo de corpo celeste, que está nos primórdios de sua existência, costuma ser relativamente frio, com massa não muito maior do que a do Sol, e ter sido formado há apenas alguns milhões de anos. Também é comum que um YSO ainda esteja circundado por uma nuvem de gás e poeira. 

Para o astrofísico Augusto Damineli, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que não está envolvido nos estudos com a estrela e a nuvem de gás e poeira, os resultados apresentados são o começo, e não o fim, dos trabalhos com WIT-12. “Sabemos que se trata de uma estrela variável que emite ecos luminosos para a nebulosa que a cerca”, pondera Damineli. “Foi preciso um investimento observacional significativo para se poder fazer essa afirmação. Ainda assim, ela é completamente insuficiente para responder à pergunta ‘o que é isso?’.” Ele espera que o emprego de novos métodos de análise, possivelmente com ajuda da inteligência artificial, e a entrada em operação de instrumentos de observação mais potentes possam jogar uma luz sobre a natureza de estrelas fora do padrão. Até porque objetos misteriosos como os WIT devem ser registrados com mais constância à medida que novos telescópios, como o Observatório Vera Rubin, no Chile, comecem a funcionar.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Revista FAPESP