sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Pistas sobre a origem cósmica dos magnetares

Uma equipe internacional de astrônomos utilizou um poderoso conjunto de radiotelescópios para obter novas informações acerca de um magnetar com apenas algumas centenas de anos.

© NRAO (ilustração de um magnetar)

Ao captar medições precisas da posição e velocidade do objeto, obtiveram novas pistas do seu percurso de desenvolvimento. 

Quando uma estrela de massa relativamente elevada entra em colapso no fim da sua vida e explode como supernova, pode deixar para trás uma estrela superdensa chamada estrela de nêutrons. Forças extremas durante a sua formação fazem frequentemente com que as estrelas de nêutrons girem muito depressa, emitindo feixes de luz como um farol. Quando esse feixe está alinhado de forma a ser visível da Terra, a estrela é também chamada pulsar. E, quando uma estrela de nêutrons se forma com uma rotação rápida como um pulsar e um campo magnético milhares de vezes mais forte do que uma estrela de nêutrons típica, é-lhe dada a designação de magnetar. 

Estas estrelas têm aproximadamente o dobro da massa do nosso Sol num tamanho físico da ordem de dezenas de quilômetros. Apesar de existirem muitas semelhanças entre as estrelas de nêutrons, os pulsares e os magnetares, os astrônomos ainda estão intrigados quanto às condições que levam estas estrelas extremas a evoluir para percursos tão distintos. 

Agora, uma equipe de astrônomos liderada por Hao Ding do Observatório Mizusawa VLBI do NAOJ (National Astronomical Observatory of Japan), utilizou o VLBA (Very Long Baseline Array) do NRAO (National Radio Astronomy Observatory) para determinar as características fundamentais de um magnetar recém-descoberto com níveis de precisão sem precedentes.

Atualmente, conhecem-se 30 magnetares, mas apenas 8 deles são suficientemente semelhantes para serem relevantes para este estudo. O VLBA foi utilizado durante um período de 3 anos para recolher dados sobre a posição e sobre a velocidade do magnetar Swift J1818.0-1607, que foi descoberto no início de 2020. Pensa-se que Swift J1818.0-1607 seja o mais jovem descoberto até à data e é o magnetar de rotação mais rápida, completando uma em apenas 1,36 segundos.

O Swift J1818.0-1607 está localizado na direção da constelação de Sagitário. Situado do outro lado do bojo galáctico central, dentro da Via Láctea, e a apenas 22.000 anos-luz de distância, está relativamente próximo da Terra. Perto o suficiente para utilizar o método da paralaxe para determinar com precisão a sua localização tridimensional dentro da Galáxia. O método de paralaxe calcula a distância usando a mudança aparente na posição de um objeto em relação a objetos de fundo conhecidos e distantes. 

O tempo de vida de um magnetar é ainda desconhecido, mas os estima-se que o Swift J1818.0-1607 tenha apenas algumas centenas de anos. As brilhantes emissões de raios X de um magnetar necessitam de um mecanismo de fluxo energético extremamente elevado; apenas o rápido decaimento do seu intenso campo magnético pode explicar o poder por detrás destas assinaturas espectrais. Mas este é também um processo extremo. Para as estrelas comuns na sequência principal, as estrelas azuis brilhantes têm vidas muito curtas porque gastam o seu combustível muito mais depressa do que as suas irmãs amarelas. A física é diferente para os magnetares, mas é provável que eles também tenham vidas mais curtas do que os seus parentes pulsares.

Além disso, os magnetares também podem apresentar emissões na extremidade inferior do espectro eletromagnético, em comprimentos de onda de rádio. Para estas emissões, a radiação síncrotron proveniente da rotação rápida do magnetar é provavelmente a fonte de energia. Na radiação de síncrotron, o plasma que rodeia a estrela de nêutrons está tão ligado à superfície da estrela que gira a uma velocidade muito próxima da velocidade da luz, gerando emissões em comprimentos de onda de rádio. 

A velocidade em astronomia é mais facilmente descrita como tendo dois componentes, ou direções. A sua velocidade radial descreve a rapidez com que se move ao longo da linha de visão, o que neste caso significa ao longo do raio da Galáxia. Para um magnetar como Swift J1818.0-1607, localizado do outro lado do bojo central, há demasiado material no caminho para determinar com precisão a velocidade radial. A velocidade transversal, por vezes chamada velocidade peculiar, descreve o movimento perpendicular ao plano da Galáxia, e é mais facilmente discernível. 

À medida que os astrônomos tentam compreender os processos de formação que são comuns e os que são diferentes entre estrelas de nêutrons, pulsares e magnetares, esperam usar medições precisas da velocidade transversal para ajudar a analisar as condições que fazem com que uma estrela evolua por um destes três percursos.

Este estudo reforça a teoria de que é improvável que os magnetares se formem nas mesmas condições que os jovens pulsares, sugerindo assim que os magnetares surgem sob processos de formação mais exóticos.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: National Radio Astronomy Observatory

sábado, 3 de agosto de 2024

A rotação da estrela próxima V889 Herculis

Astrônomos da Universidade de Helsinque descobriram que o perfil de rotação de uma estrela próxima difere consideravelmente do do Sol.

© Jani Närhi (ilustração da rotação da estrela vizinha V889 Herculis)

A observação fornece informações sobre a astrofísica estelar fundamental e ajuda a compreender a atividade solar, as suas manchas e erupções. 

O Sol gira mais rapidamente no equador, ao passo que a rotação abranda nas latitudes mais elevadas e é mais lenta nas regiões polares. Mas uma estrela vizinha semelhante ao Sol, V889 Herculis, a cerca de 115 anos-luz de distância na direção da constelação de Hércules, gira mais depressa a uma latitude de cerca de 40 graus, enquanto que tanto o equador como as regiões polares giram mais lentamente. 

Não foi observado um perfil de rotação semelhante em nenhuma outra estrela. O resultado é espantoso porque a rotação estelar tem sido considerada um parâmetro físico fundamental bem compreendido, mas tal perfil rotacional não foi previsto nem mesmo em simulações computacionais. 

As anomalias no perfil de rotação de V889 Herculis indicam que a compreensão da dinâmica estelar e dos dínamos magnéticos é insuficiente. A estrela alvo, V889 Herculis, é muito parecida com um jovem Sol, contando sobre a história e a evolução da nossa estrela.

As estrelas são estruturas esféricas onde a matéria se encontra no estado de plasma, constituído por partículas carregadas. São objetos dinâmicos que se encontram num equilíbrio entre a pressão gerada pelas reações nucleares nos seus núcleos e a sua própria gravidade. Ao contrário de muitos planetas, não têm superfícies sólidas. A rotação estelar não é constante em todas as latitudes, um efeito conhecido como rotação diferencial. É causado pelo fato de o plasma quente subir à superfície da estrela através de um fenômeno chamado convecção, que por sua vez tem um efeito na rotação local. Isto porque o momento angular tem de ser conservado e a convecção ocorre perpendicularmente ao eixo de rotação perto do equador, ao passo que é paralela ao eixo perto dos polos. 

No entanto, muitos fatores como a massa estelar, a idade, a composição química, o período de rotação e o campo magnético têm efeitos sobre a rotação e dão origem a variações nos perfis de rotação diferenciais.

A rotação diferencial estelar é um fator crucial que tem um efeito na atividade magnética das estrelas. O método desenvolvido pela equipe abre uma nova janela para o funcionamento interno de outras estrelas. Os astrônomos do Departamento de Física de Partículas e Astrofísica da Universidade de Helsinque determinaram o perfil rotacional de duas estrelas jovens próximas aplicando uma nova modelação estatística a observações de brilho de longa linha de base. Os pesquisadores modelaram as variações periódicas nas observações, tendo em conta as diferenças no movimento aparente das manchas em diferentes latitudes. O movimento das manchas permitiu então estimar o perfil rotacional das estrelas. 

A segunda estrela analisada, LQ Hydrae, na direção da constelação de Hidra, está girando como um corpo rígido, a rotação parece inalterada desde o equador até aos polos, o que indica que as diferenças são muito pequenas. 

Os pesquisadores baseiam os seus resultados nas observações das estrelas alvo realizadas com o observatório de Fairborn. O brilho das estrelas tem sido monitorizado com telescópios robóticos há cerca de 30 anos, o que permite conhecer o comportamento das estrelas durante um longo período de tempo. 

As estrelas V889 Herculis e LQ Hydrae são ambas com cerca de 50 milhões de anos que, em muitos aspectos, se assemelham ao jovem Sol. Ambas giram muito depressa, com períodos de rotação de apenas cerca de um dia e meio. Por esta razão, as observações de brilho de longa linha de base contêm muitos ciclos de rotação. As estrelas foram selecionadas como alvos porque são observadas há décadas e porque ambas têm sido estudadas ativamente na Universidade de Helsinque.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: University of Helsinki

O aglomerado de estrelas Rosa de Caroline

Encontrado entre o rico campo de estrelas da Via Láctea, o aglomerado de estrelas NGC 7789 localiza-se a cerca de 8.000 anos-luz de distância da Terra na constelação de Cassiopeia.

© Guillaume Seigneuret (NGC 7789)

O aglomerado foi descoberto no final do século XVIII pela astrônoma Caroline Lucretia Herschel, irmã de William Herschel, e por isso o aglomerado é conhecido como a Rosa de Caroline. 

O seu aspecto visual através de pequenos telescópios, criado pelo complexo de estrelas e espaços vazios do aglomerado, sugere pétalas de rosa aninhadas. O aglomerado aberto de estrelas tem uma idade estimada de 1,6 bilhão de anos. Todas as estrelas no aglomerado provavelmente nasceram no mesmo tempo, mas as mais brilhantes e mais massivas exauriram mais rapidamente o combustível de hidrogênio nos seus núcleos. 

Estas estrelas se desenvolveram a partir de estrelas da sequência principal como o Sol e se transformaram em muitas estrelas gigantes vermelhas que aparecem amareladas nesta imagem. 

Usando medidas de cor e brilho, os astrônomos podem modelar a massa e então a idade do aglomerado de estrelas, observando as estrelas que saíram da sequência principal e se tornaram gigantes vermelhas. 

Com mais de 50 anos-luz de diâmetro, a Rosa de Caroline se espalha por cerca de meio grau (o mesmo tamanho angular da Lua) perto do centro desta imagem telescópica. 

Fonte: NASA

quarta-feira, 31 de julho de 2024

A explosão de raios gama mais brilhante já observada

Em outubro de 2022, os astrônomos ficaram surpreendidos com a mais brilhante explosão de raios gama (GRB, sigla inglesa para "gamma-ray burst"), rapidamente apelidada de BOAT ("brightest of all time", a mais brilhante de todos os tempos).

© NASA (jato de partículas emerge de estrela massiva)

Agora, cientistas relatam que os dados do telescópio espacial de raios gama Fermi da NASA revelam uma característica nunca antes vista. Poucos minutos após a erupção da BOAT, o GBM (Gamma-ray Burst Monitor) do Fermi registrou um pico de energia incomum. 

Quando a matéria interage com a luz, a energia pode ser absorvida e reemitida de formas características. Estas interações podem aumentar ou diminuir o brilho de determinadas cores (ou energias), produzindo características chave visíveis quando a luz é espalhada, como um arco-íris, num espectro. Estas características podem revelar uma grande quantidade de informações, como por exemplo os elementos químicos envolvidos na interação. 

A energias mais elevadas, as características espectrais podem revelar processos específicos de partículas, como a aniquilação de matéria e antimatéria para produzir raios gama. Embora alguns estudos anteriores tenham relatado possíveis evidências de características de absorção e emissão em outras GRBs, o escrutínio subsequente revelou que tudo isto poderia ser apenas flutuações estatísticas.

As GRBs são as explosões mais poderosas do cosmos e emitem grandes quantidades de raios gama, a forma mais energética de luz. O tipo mais comum ocorre quando o núcleo de uma estrela massiva esgota o seu combustível, entra em colapso e forma um buraco negro que gira rapidamente. A matéria que cai no buraco negro gera jatos de partículas com direções opostas que atravessam as camadas exteriores da estrela quase à velocidade da luz. 

As GRBs foram detectadas quando um destes jatos aponta quase diretamente para a Terra. A BOAT, formalmente conhecida como GRB 221009A, entrou em erupção no dia 9 de outubro de 2022 e saturou imediatamente a maioria dos detectores de raios gama em órbita, incluindo os do Fermi. Isto impediu os cientistas de medir a parte mais intensa da explosão. As observações reconstruídas, juntamente com argumentos estatísticos, sugerem que a BOAT, se fizer parte da mesma população de GRBs anteriormente detectadas, foi provavelmente a explosão mais brilhante que apareceu nos céus da Terra em 10.000 anos. 

A suposta linha de emissão aparece quase 5 minutos depois da explosão ter sido detectada e muito depois de ter escurecido o suficiente para acabar com os efeitos de saturação no Fermi. A linha persistiu durante pelo menos 40 segundos e a emissão atingiu um pico de energia de cerca de 12 MeV (milhões de elétrons-volt). Para comparação, a energia da luz visível varia entre 2 e 3 elétrons-volt. 

Então, o que é que produziu esta característica espetral? A equipe considera que a fonte mais provável é a aniquilação de elétrons e dos seus homólogos antimatéria, os pósitrons. Quando um elétron e um pósitron colidem, aniquilam-se, produzindo um par de raios gama com uma energia de 0,511 MeV. A matéria no jato se move quase à velocidade da luz, esta emissão sofre um grande desvio para o azul e é empurrada para energias muito mais elevadas. Se esta interpretação estiver correta, para produzir uma linha de emissão com um pico de 12 MeV, as partículas aniquiladoras deveriam estar se movendo na nossa direção a cerca de 99,9% da velocidade da luz. 

Um artigo foi publicado na revista Science

Fonte: NASA

Óxidos de carbono na lua Ariel de Urano

A superfície da lua de Urano, Ariel, está coberta por uma quantidade significativa de dióxido de carbono gelado, especialmente no hemisfério que está sempre virado para o lado oposto à direção do movimento orbital da lua.

© Voyager 2 (Ariel, lua de Urano)

Este fato é surpreendente, porque mesmo nas regiões geladas do sistema uraniano, que está 20 vezes mais longe do Sol do que a Terra, o dióxido de carbono transforma-se rapidamente em gás e perde-se para o espaço. 

Os cientistas têm teorizado que algo está fornecendo dióxido de carbono à superfície de Ariel. Alguns defendem a ideia de que as interações entre a superfície da lua e as partículas carregadas na magnetosfera de Urano criam dióxido de carbono através de um processo chamado radiólise, no qual as moléculas são quebradas por radiação ionizante.

Mas um novo estudo faz pender a balança a favor de uma teoria alternativa, a de que o dióxido de carbono e outras moléculas estão emergindo do interior de Ariel, possivelmente até de um oceano líquido subsuperficial. 

Usando o telescópio espacial James Webb para recolher espectros químicos da lua e depois comparando-os com espectros de misturas químicas simuladas em laboratório, uma equipe de pesquisa liderada por Richard Cartwright do Laboratório de Física Aplicada Johns Hopkins em Laurel, no estado norte-americano de Maryland, descobriu que Ariel tem alguns dos depósitos mais ricos em dióxido de carbono do Sistema Solar, somando uma espessura estimada de 10 milímetros ou mais no hemisfério posterior da lua. 

Entre esses depósitos havia outra descoberta intrigante: os primeiros sinais claros de monóxido de carbono. Não deveria estar presente, pois é preciso descer até aos 30 K (-243º C) para que o monóxido de carbono fique estável. A temperatura da superfície de Ariel, entretanto, é em média cerca de 30º C mais quente. O monóxido de carbono teria de ser ativamente reabastecido. A radiólise pode ainda ser responsável por alguma dessa reposição.

Experiências laboratoriais mostraram que o bombardeamento por radiação da água gelada misturada com material rico em carbono pode produzir tanto dióxido de carbono como monóxido de carbono. Assim, a radiólise pode fornecer uma fonte de reabastecimento e explicar a abundância de ambas as moléculas no hemisfério posterior de Ariel. Mas permanecem muitas questões sobre a magnetosfera uraniana e sobre a extensão das suas interações com as outras luas do planeta. 

Mesmo durante o sobrevoo da Voyager 2 por Urano, há quase 40 anos, os cientistas suspeitavam que essas interações poderiam ser limitadas porque o eixo do campo magnético de Urano e o plano orbital das suas luas estão deslocados um do outro cerca de 58 graus. A Voyager 2 fotografou apenas cerca de 35% da superfície de Ariel durante o seu breve voo rasante.

Modelos recentes confirmam essa previsão. Ao invés, a maior parte dos óxidos de carbono pode ser proveniente de processos químicos que aconteceram (ou ainda estão acontecendo) num oceano de água por baixo da superfície gelada de Ariel, escapando através de fendas no exterior gelado da lua ou possivelmente através de plumas eruptivas. Além disso, as novas observações espectrais sugerem que a superfície de Ariel pode também abrigar minerais de carbonato, sais que só podem ser produzidos através da interação da água líquida com as rochas.

Com a superfície de Ariel coberta de desfiladeiros semelhantes a cortes, sulcos entrecruzados e manchas lisas que se pensa serem de erupções criovulcânicas, os pesquisadores já suspeitavam que a lua foi ou ainda pode ser ativa. Um estudo de 2023 sugeriu que Ariel e/ou a sua lua irmã, Miranda, podiam estar emitindo material para a magnetosfera de Urano, incluindo possivelmente através de plumas. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: Johns Hopkins University

domingo, 28 de julho de 2024

A matéria escura numa colisão entre aglomerado de galáxias

Os astrônomos desvendaram uma colisão confusa entre dois enormes aglomerados de galáxias, na qual as vastas nuvens de matéria escura dos aglomerados se separaram da chamada matéria normal.

© Adam Makarenko (ilustração da colisão entre dois aglomerados de galáxias)

As novas observações são as primeiras a sondar diretamente a dissociação das velocidades da matéria escura e da matéria normal.

Os dois aglomerados contêm cada um milhares de galáxias e estão situados a bilhões de anos-luz da Terra. Ao atravessarem-se um pelo outro, a matéria escura - uma substância invisível que sente a força da gravidade, mas não emite luz - passou à frente da matéria normal. 

Os aglomerados de galáxias estão entre as maiores estruturas do Universo, coladas umas às outras pela força da gravidade. Apenas 15 por cento da massa destes aglomerados é matéria normal, a mesma matéria que constitui os planetas, as estrelas e as pessoas. Desta matéria normal, a grande maioria é gás quente, enquanto o resto são estrelas e planetas. Os restantes 85% da massa do aglomerado corresponde à matéria escura. 

Durante a luta que ocorreu entre os aglomerados, conhecidos coletivamente como MACS J0018.5+1626 (MACS J0018.5), as galáxias individuais saíram praticamente ilesas porque existe muito espaço entre elas. Mas quando as enormes reservas de gás entre as galáxias (a matéria normal) colidiram, o gás tornou-se turbulento e sobreaquecido. Embora toda a matéria, incluindo a matéria normal e a matéria escura, interaja através da gravidade, a matéria normal também interage através do eletromagnetismo, que a torna mais lenta durante uma colisão. Assim, enquanto a matéria normal ficou atolada, as "poças" de matéria escura dentro de cada aglomerado navegaram em frente. 

A descoberta foi feita utilizando dados do CSO (Caltech Submillimeter Observatory, recentemente retirado do seu local em Maunakea, no Havaí, que será transferido para o Chile), do observatório W.M. Keck em Maunakea, do observatório de raios X Chandra, do telescópio espacial Hubble, do observatório espacial Herschel, do observatório Planck e do ASTE (Atacama Submillimeter Telescope Experiment) no Chile. 

Algumas das observações foram efetuadas há décadas, enquanto a análise completa utilizando todos os conjuntos de dados teve lugar nos últimos dois anos. Esta dissociação entre a matéria escura e a matéria normal já foi observada anteriormente, sendo a mais famosa a do Aglomerado Bullet. Nesta colisão, o gás quente pode ser visto claramente ficando atrás da matéria escura, depois dos dois aglomerados de galáxias se terem atravessado um ao outro. 

A situação que ocorreu em MACS J0018.5 é semelhante, mas a orientação da fusão girou cerca de 90 graus em relação à do Aglomerado Bullet, ou seja, um dos aglomerados massivos de MACS J0018.5 está voando quase direito em direção à Terra, enquanto o outro está se afastando.

Para medir a velocidade da matéria normal, ou gás, no aglomerado, os pesquisadores utilizaram um método de observação conhecido como efeito cinético Sunyaev-Zel'dovich (ou efeito SZ). Os astrônomos fizeram a primeira detecção observacional do efeito cinético SZ num objeto cósmico individual, um aglomerado de galáxias chamado MACS J0717, em 2013, utilizando dados do CSO (as primeiras observações do efeito SZ feitas de MACS J0018.5 datam de 2006). 

O efeito cinético SZ ocorre quando os fótons do início do Universo, a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, se dispersam nos elétrons do gás quente a caminho da Terra. Os fótons sofrem um desvio, o chamado efeito Doppler, devido aos movimentos dos elétrons nas nuvens de gás ao longo da nossa linha de visão. Medindo a mudança de brilho da radiação cósmica de fundo em micro-ondas devido a este efeito, foi possível determinar a velocidade das nuvens de gás dentro dos aglomerados de galáxias. 

Em 2019, os pesquisadores tinham efetuado estas medições do efeito cinético SZ em vários aglomerados de galáxias, o que lhes indicava a velocidade do gás, ou matéria normal. Também utilizaram o Keck para conhecer a velocidade das galáxias no aglomerado, o que indicou, por aproximação, a velocidade da matéria escura (porque a matéria escura e as galáxias se comportam de forma semelhante durante a colisão). 

A equipe também usou os dados do Hubble para mapear a matéria escura usando um método conhecido como lente gravitacional. Adicionalmente, John ZuHone, do Centro de Astrofísica do Harvard & Smithsonian, ajudou a simular a destruição do aglomerado. Estas simulações foram usadas em combinação com os dados dos vários telescópios para determinar a geometria e a fase evolutiva do encontro entre os aglomerados

Os cientistas descobriram que, antes de colidirem, os aglomerados estavam se movendo um para o outro a cerca de 3.000 quilômetros/segundo, o que equivale a cerca de um por cento da velocidade da luz. 

Com uma imagem mais completa do que estava se passando, os pesquisadores conseguiram perceber porque é que a matéria escura e a matéria normal pareciam estar viajando em direções opostas. Embora seja difícil de visualizar, a orientação da colisão, juntamente com o fato da matéria escura e da matéria normal se terem separado uma da outra, explica as estranhas medições de velocidade. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: California Institute of Technology

O que é que se passa com Quíron?

Em primeiro lugar, o que é Quíron?

© Flyazure (ilustração de atividade cometária no centauro Quíron)

Originalmente descoberto em 1977 e classificado como um asteroide, o corpo menor Quíron foi o primeiro membro identificado de uma nova classe de objetos no nosso Sistema Solar, agora conhecida como centauros. Os centauros são objetos em órbitas de curta duração que residem entre o cinturão de asteroides e o cinturão de Kuiper, uma região em forma de rosquinha de corpos gelados que se estende muito para além da órbita de Netuno. Tal como Quíron, os centauros escaparam do cinturão de Kuiper e estão sendo espalhados pelos planetas gigantes. 

A maior parte dos centauros vai "saltar" durante cerca de 10 milhões de anos, antes de ser expulsa do Sistema Solar, sendo que apenas alguns sobreviverão para se tornarem cometas de curto período. Nos últimos 50 anos, Quíron continuou se destacando dos restantes centauros. Sendo um dos maiores centauros em termos de tamanho, este corpo do Sistema Solar é conhecido por se comportar como um cometa, com períodos de atividade que criam uma atmosfera difusa e poeirenta. Estudos mais recentes encontraram até evidências de um possível anel duplo gelado em torno do planetoide. 

Personagem complexo, Quíron tem intrigado os astrônomos há quase meio século. No entanto, foram os acontecimentos mais recentes dos centauros que suscitaram maior intriga. Ao analisar dados do ATLAS (Asteroid Terrestrial-impact Last Alert System) em 2021, astrônomos da Queen's University de Belfast, Irlanda do Norte, notaram que Quíron estava inesperadamente muito mais brilhante no céu noturno quando comparado com os 5 anos anteriores de observações. 

O ATLAS é uma rede de quatro pequenos telescópios robóticos no Havaí, na África do Sul e no Chile, que trabalham em conjunto para analisar todo o céu noturno numa busca diária de asteroides potencialmente perigosos para a Terra. 

Algo tinha acontecido e agora Quíron estava refletindo muito mais luz solar. Qualquer que fosse a causa, a mudança tinha ocorrido quando Quíron esteve atrás do Sol e, assim sendo, quando não foi visível da Terra durante mais de cinco meses. 

Foi revelado que Quíron registrou um aumento ou sofreu um surto de atividade cometária. Os pesquisadores da Queen's University de Belfast exploraram Quíron com o telescópio do Observatório Gemini para procurar uma coma difusa, um sinal comum de um cometa. Sem coma (cabeleira) à vista, determinaram que pode ser que a coma esteja presa a Quíron pela sua fraca gravidade, ou que esteja tão longe que é demasiado tênue para ver à volta do objeto, mesmo com o enorme telescópio Gemini. 

No entanto, o aumento de luz da poeira extra em volta de Quíron permanece visível. O que é que isto significa? Examinar este estranho acontecimento num pequeno corpo do Sistema Solar, e explorar os processos ativos que ocorrem em tempo real, ajuda a melhor compreender os processos cometários ativos nos centauros, uma fase crucial na evolução de alguns dos cometas de curto período do nosso Sistema Solar. 

Um artigo foi publicado no periódico The Planetary Science Journal

Fonte: Queen's University Belfast

terça-feira, 23 de julho de 2024

Dez novas estrelas de nêutrons em Terzan 5

Uma equipe internacional liderada por pesquisadores do Instituto Max Planck de Física Gravitacional, do Instituto Max Planck de Radioastronomia e do National Radio Astronomy Observatory (NRAO) descobriu dez estrelas de nêutrons em rotação rápida no aglomerado globular Terzan 5.

© NRAO (ilustração de dez novos pulsares em Terzan 5)

Muitas delas encontram-se em binários incomuns e raros, incluindo uma potencial candidata a recorde de estrela dupla de nêutrons, um pulsar numa órbita extremamente elíptica e vários sistemas "aranha" em que as estrelas de nêutrons estão evaporando as suas companheiras.

Estas descobertas aumentam o número de pulsares de milissegundo conhecidos neste aglomerado estelar muito denso em mais de um-quarto, para um total de 49. Os pesquisadores esperam descobrir mais pulsares em binários possivelmente ainda mais extremos: tencionam analisar todos os dados de Terzan 5 registados com o MeerKAT, utilizando o enorme poder computacional do projeto de ciência cidadã Einstein@Home, gerido pelo Instituto Max Planck de Física Gravitacional.

As estrelas de nêutrons são remanescentes compactos de explosões de supernova e são constituídas por matéria exótica e extremamente densa. São mais massivas do que o nosso Sol, mas com um diâmetro de apenas cerca de 20 quilômetros. Devido aos seus fortes campos magnéticos e à sua rápida rotação, emitem um feixe de ondas de rádio semelhante a um farol cósmico. Quando a rotação aponta periodicamente estes feixes para a Terra, a estrela de nêutrons torna-se visível como uma fonte de rádio pulsante: um pulsar de rádio. Alguns destes pulsares de rádio atingem períodos de rotação de apenas alguns milissegundos ao acumularem material de uma estrela companheira binária. Estes são chamados pulsares de milissegundo. 

O aglomerado globular Terzan 5 é um dos locais mais povoados de estrelas da nossa Via Láctea. No seu núcleo, onde existem milhões de vezes mais estrelas por unidade de volume do que na vizinhança do nosso Sol, as estrelas encontram-se e interagem com muito mais frequência do que em outros locais. Este fato torna-o uma "fábrica" muito eficiente para produzir pulsares em sistemas binários extraordinários. Já se conheciam 39 pulsares em Terzan 5 antes deste estudo, que acrescentou mais dez.

Os astrônomos fizeram as suas descobertas utilizando dados do radiotelescópio MeerKAT. O MeerKAT é um conjunto de 64 antenas na região de Karoo, África do Sul, com uma sensibilidade sem precedentes para fontes no hemisfério sul. Como parte do grande projeto de pesquisa TRAPUM (TRansients and Pulsars using MeerKAT), a equipe observou Terzan 5 duas vezes durante várias horas com 56 antenas do MeerKAT. A caracterização dos novos pulsares, uma tarefa que pode levar muitos anos, foi feita muito rapidamente graças a décadas de dados de arquivo obtidos com o GBT (Green Bank Telescope). 

Além deste sistema exótico encontrado com o MeerKAT, outro exemplo recente como o sistema NGC 1851E, que poderá ser o primeiro sistema pulsar, buraco negro, está mostrando que os aglomerados globulares são uma mina de ouro de oportunidades. Uma descoberta do presente trabalho é um sistema binário que, por um lado, pode consistir de duas estrelas de nêutrons. Estas estrelas de nêutrons duplas são muito raras, cerca de 20 dos mais de 3.600 pulsares conhecidos pertencem a esta classe em particular. 

Se as observações futuras confirmarem estas suspeitas, o sistema duplo seria também um recordista, com o pulsar de rotação mais rápida e a órbita de período mais longo para esta classe de sistemas. Por outro lado, o mesmo sistema pode também ser um pulsar massivo com uma estrela companheira anã branca. Um pulsar de grande massa pode condicionar a composição interior das estrelas de nêutrons. 

A órbita extremamente elíptica de outra descoberta indica uma série de encontros estelares próximos no seu passado. Quando as estrelas do centro densamente povoado de Terzan 5 passam por um sistema binário, a sua gravidade pode perturbar as suas órbitas, podendo mesmo ejetar e substituir as estrelas que o compõem. 

Os astrônomos vão voltar a observar Terzan 5 com o MeerKAT em frequências de rádio mais elevadas, o que deverá aumentar ainda mais as hipóteses de novas descobertas. Quem sabe, talvez a próxima descoberta neste fantástico aglomerado globular seja algo tão exótico como um par de pulsares de milissegundo ou um pulsar de milissegundo orbitando um buraco negro?

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Max Planck Institute for Radio Astronomy

domingo, 21 de julho de 2024

Estrelas parecidas com o Sol orbitam companheiras "escuras"

A maior parte das estrelas no nosso Universo são formadas aos pares.

© Caltech (ilustração de um sistema estelar binário)

O nosso Sol é solitário, mas muitas estrelas como o nosso Sol orbitam estrelas parecidas, enquanto uma série de outros pares exóticos "apimentam" o Universo. Os buracos negros, por exemplo, são por vezes encontrados orbitando uns aos outros. 

Um emparelhamento que se tem revelado bastante raro é o de uma estrela semelhante ao Sol com um tipo de estrela morta chamada estrela de nêutrons. Agora, astrônomos liderados por Kareem El-Badry, do Caltech (California Institute of Technology), descobriram o que parecem ser 21 estrelas de nêutrons orbitando em sistemas binários com estrelas como o nosso Sol. 

As estrelas de nêutrons são núcleos densos e "queimados" de estrelas massivas que explodiram. Por si só, são extremamente tênues e normalmente não podem ser detectadas diretamente. São mais massivas do que as estrelas semelhantes ao Sol, mas os dois objetos orbitam-se mutuamente em torno de um centro de massa comum. À medida que as estrelas de nêutrons orbitam, puxam pelas estrelas semelhantes ao Sol, fazendo com que as suas companheiras se desloquem para trás e para a frente no céu. 

Utilizando a missão Gaia da ESA, os astrônomos conseguiram captar estas oscilações reveladoras de uma nova população de estrelas de nêutrons "escuras". Dados de vários telescópios terrestres, incluindo o Observatório W. M. Keck em Maunakea, Havaí; o Observatório La Silla no Chile; e o Observatório Whipple no estado norte-americano do Arizona, foram usados para acompanhar as observações do Gaia e aprender mais sobre as massas e órbitas das estrelas de nêutrons escondidas. 

Embora estrelas de nêutrons já tenham sido detectadas anteriormente em órbita de estrelas como o nosso Sol, estes sistemas eram todos mais compactos. Com pouca distância separando os dois corpos, uma estrela de nêutrons pode roubar massa à sua parceira. Este processo de transferência de massa faz com que a estrela de nêutrons brilhe intensamente em comprimentos de onda de raios X ou rádio. Em contraste, as estrelas de nêutrons no novo estudo estão muito mais longe das suas companheiras, na ordem de uma a três vezes a distância entre a Terra e o Sol. Isto significa que os recém-descobertos "cadáveres" estelares estão demasiado longe das suas parceiras para lhes estarem roubando material. Em vez disso, estão adormecidos e escuros. 

A enorme estrela teria colidido com a pequena estrela, provavelmente engolindo-a temporariamente. Mais tarde, a estrela de nêutrons progenitora teria explodido como supernova, o que, de acordo com os modelos, deveria ter desvinculado os sistemas binários, fazendo com que as estrelas de nêutrons e as estrelas do tipo solar se afastassem em direções opostas.

O Gaia conseguiu encontrar as improváveis companheiras devido às suas órbitas largas e longos períodos (as estrelas semelhantes ao Sol orbitam em torno das estrelas de nêutrons com períodos de seis meses a três anos). O Gaia é também mais sensível aos binários que estão relativamente próximos. A maior parte dos sistemas recentemente descobertos situam-se a menos de 3.000 anos-luz da Terra, uma distância relativamente pequena quando comparada, por exemplo, com os 100.000 anos-luz de diâmetro da Via Láctea.

As novas observações também sugerem quão raros são os pares. Estima-se que cerca de uma em cada milhão de estrelas do tipo solar orbita uma estrela de nêutrons numa órbita larga. Usando os dados do Gaia, também foram encontrados dois buracos negros silenciosos escondidos na nossa Galáxia. Um deles, chamado Gaia BH1, é o buraco negro mais próximo da Terra, a 1.600 anos-luz de distância.

Um artigo foi publicado no periódico California Institute of Technology.

Fonte: The Open Journal for Astrophysics