quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Estrutura espiral de uma estrela moribunda

Astrônomos descobriram uma estrutura em espiral totalmente inesperada na matéria que circunda a estrela evoluída R Sculptoris.

estrela gigante vermelha R Sculptoris

© ESO (estrela gigante vermelha R Sculptoris)

Esta é a primeira vez que uma estrutura deste tipo, juntamente com uma concha esférica exterior, é encontrada em torno de uma estrela gigante vermelha. É também a primeira vez que astrônomos conseguem obter informação completa em três dimensões de uma espiral desta natureza. A estranha forma foi provavelmente criada por uma estrela companheira escondida, que orbita a gigante vermelha. Este trabalho é um dos primeiros resultados científicos do ALMA a ser publicado e sairá esta semana na revista Nature.

Uma equipe de astrônomos, utilizando o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), o mais poderoso telescópio milimétrico/submilimétrico do mundo, descobriu uma estrutura em espiral surpreendente no gás que rodeia a estrela gigante vermelha R Sculptoris. Este fato significa que existe provavelmente uma estrela companheira que orbita a estrela, mas que nunca foi vista anteriormente. Outra surpresa foi a descoberta de que a gigante vermelha ejetou muito mais material do que o esperado.

A R Sculptoris é o exemplo de uma estrela que se encontra no ramo assintótico das gigantes (AGB na sigla em inglês). São estrelas com massas iniciais entre as 0,8 e 8 massas solares, que se encontram nos últimos estágios das suas vidas. São gigantes vermelhas frias que apresentam acentuada perda de massa sob a forma de fortes ventos estelares e são tipicamente variáveis de longo período. A sua estrutura consiste num pequeníssimo núcleo central de carbono e oxigênio, rodeado por uma concha em combustão de hélio e hidrogênio, seguida de um enorme envelope convectivo. O Sol irá eventualmente evoluir para a fase de estrela AGB.

A concha ejetada que se forma em torno das estrelas AGB é composta por gás e grãos de poeira. Os grãos de poeira podem ser encontrados ao procurar emissão térmica, emissão esta que vai desde o infravermelho longínquo até aos comprimentos de onda do milímetro. No milímetro a emissão que vem da molécula de CO permite aos astrônomos obter mapas de alta resolução da emissão de gás proveniente dos fortes ventos estelares gerados pelas estrelas AGB. Estas observações descrevem também, de forma excelente, a distribuição do gás em torno destes objetos. A alta sensibilidade do ALMA torna possível obter diretamente imagens da zona de condensação da poeira e da estrutura do material em torno das estrelas AGB, mostrando detalhes menores que 0,1 segundos de arco.

Uma estrutura em espiral similar, mas sem a concha circundante, foi observada pelo Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA na estrela LL Pegasi. No entanto, ao contrário das novas observações do ALMA, estes dados não permitiram que a estrutura 3D completa fosse estudada. As observações do Hubble detectam a poeira, enquanto que as do ALMA detectam a emissão molecular.

"Já tínhamos visto anteriormente conchas em torno de estrelas deste tipo, mas esta é a primeira vez que vemos uma espiral de matéria saindo da estrela, juntamente com a concha circundante," diz o autor principal do artigo científico que descreve os resultados, Matthias Maercker (ESO e Instituto de Astronomia Argelander, Universidade de Bonn, Alemanha).

Uma vez que ejetam grandes quantidades de matéria, as gigantes vermelhas, como a R Sculptoris, contribuem muito para a poeira e gás que constituem a matéria prima na formação de futuras gerações de estrelas, sistemas planetários e, consequentemente, vida.

Quando estas novas observações foram obtidas, o ALMA distanciou-se logo em termos de qualidade dos outros observatórios submilimétricos. As observações preliminares mostraram claramente uma concha esférica em torno da R Sculptoris, mas nem a estrutura em espiral nem a companheira foram observadas.

"Quando observamos a estrela com o ALMA, nem metade das antenas estavam ainda operacionais. É realmente excitante imaginar o que a rede ALMA completa conseguirá observar quando estiver terminada em 2013", acrescenta Wouter Vlemmings (Universidade de Tecnologia Chalmers, Suécia), co-autor do estudo.

No final das suas vidas, as estrelas com até oito massas solares transformam-se em gigantes vermelhas e libertam enormes quantidades de matéria sob a forma de um denso vento estelar. Durante a fase de gigante vermelha, as estrelas sofrem periodicamente pulsações térmicas. Este fenômeno corresponde a fases de curta duração, em que se verificam explosões de combustão de hélio na concha que envolve o núcleo estelar. Uma pulsação térmica faz com que a matéria seja expelida para fora da estrela a uma taxa muito elevada, o que origina a formação de uma grande concha de poeira e gás em torno da estrela. Depois da pulsação, a taxa à qual a estrela perde massa volta ao seu valor normal.

As pulsações térmicas ocorrem com intervalo de 10 mil a 50 mil anos, durando apenas algumas centenas de anos. As novas observações de R Sculptoris mostram que esta estrela sofreu uma pulsação térmica há cerca de 1.800 anos, a qual durou cerca de 200 anos. A estrela companheira moldou o vento de R Sculptoris em forma espiral.

"Ao aproveitar o poder do ALMA para observar pequenos detalhes, podemos compreender muito melhor o que acontece com a estrela antes, durante e depois da pulsação térmica, através do estudo da forma da concha e da estrutura em espiral," diz Maercker. "Sempre esperamos que o ALMA nos desse uma nova visão do Universo, mas já está descobrindo coisas novas e inesperadas, com uma das primeiras configurações de observação é verdadeiramente excitante."

De modo a descrever a estrutura observada em torno de R Sculptoris, a equipe de astrônomos efetuou simulações de computador para seguir a evolução de um sistema binário. Estes modelos se ajustam muito bem às novas observações do ALMA. O sistema aqui modelado consiste numa estrela primária AGB em pleno processo de pulsação térmica e numa pequena estrela companheira. A separação entre as estrelas utilizada na simulação é de 60 unidades astronômicas, com uma massa total do sistema de 2 massas solares. O período orbital é de 350 anos.

"É um verdadeiro desafio tentar descrever de forma teórica todos os detalhes observados pelo ALMA, mas os nossos modelos de computador mostram que estamos realmente no caminho certo. O ALMA está nos dando novas pistas sobre o que se passa nestas estrelas e o que pode acontecer ao Sol daqui a alguns bilhões de anos," diz Shazrene Mohamed (Instituto de Astronomia Argelander, Bonn, Alemanha e Observatório Astrônomico da África do Sul), co-autor do estudo.

"Num futuro próximo, observações de estrelas como R Sculptoris pelo ALMA nos ajudarão a compreender como é que os elementos de que somos constituídos chegaram a locais como a Terra, e também nos fornecerão pistas de como é que o futuro longínquo da nossa própria estrela poderá ser," conclui Matthias Maercker.

Fonte: ESO

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