domingo, 29 de abril de 2018

Gaia cria o mapa estelar mais completo da Via Láctea

A missão Gaia da ESA produziu o catálogo de estrelas mais completo, até hoje, incluindo medições de alta precisão de aproximadamente 1,7 bilhões de estrelas e revelando detalhes inéditos da nossa Galáxia.

mapa com a Via Láctea e galáxias vizinhas

© ESA/Gaia/DPAC (mapa com a Via Láctea e galáxias vizinhas)

No mapa acima as regiões mais claras indicam concentrações mais densas de estrelas especialmente brilhantes, enquanto regiões mais escuras correspondem a zonas do céu onde são observadas menos estrelas. A representação de cores é obtida através da combinação da quantidade total de luz com a quantidade de luz azul e vermelha registada pelo Gaia em cada área do céu. A estrutura brilhante horizontal que domina a imagem é o plano Galáctico, o disco achatado que hospeda a maioria das estrelas da Via Láctea. No meio da imagem, o Centro Galáctico parece vívido e repleto de estrelas. As regiões mais escuras no plano Galáctico correspondem a nuvens de gás interestelar e poeira em primeiro plano, que absorvem a luz das estrelas mais distantes, atrás das nuvens. Muitas destas ocultam berçários estelares onde estão nascendo novas gerações de estrelas. Espalhados pela imagem estão também muitos aglomerados globulares e abertos e galáxias inteiras. Os dois objetos brilhantes perto do cano inferior direito da imagem são a Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães, duas galáxias anãs que orbitam a Via Láctea.

Avista-se no horizonte uma multidão de descobertas, após este tão aguardado lançamento, que é baseado em 22 meses de mapeamento do céu. Os novos dados incluem posições, indicadores de distância e movimentos de mais de um bilhão de estrelas, juntamente com medições de alta precisão de asteroides dentro do nosso Sistema Solar e estrelas além da Via Láctea.

A análise preliminar destes dados fenomenais revela pequenos pormenores sobre a composição da população estelar da Via Láctea e sobre como as estrelas se movem, informações essenciais para investigar a formação e evolução da nossa Galáxia.

O satélite Gaia foi lançado em dezembro de 2013 e iniciou as operações científicas no ano seguinte. O primeiro lançamento de dados, baseado em pouco mais de um ano de observações, foi publicado em 2016; continha distâncias e movimentos de dois milhões de estrelas. O novo lançamento de dados, que cobre o período entre 25 de julho de 2014 e 23 de maio de 2016, fixa as posições de quase 1,7 bilhões de estrelas, e com uma precisão muito maior. Para algumas das estrelas mais brilhantes da pesquisa, o nível de precisão equivale a observadores na Terra serem capazes de identificar uma moeda de Euro na superfície da Lua.

Com estas medições precisas, é possível separar a paralaxe das estrelas, uma aparente mudança no céu causada pela órbita anual da Terra ao redor do Sol, dos seus verdadeiros movimentos através da Galáxia. O novo catálogo lista a paralaxe e a velocidade no céu, ou o movimento próprio, para mais de 1,3 bilhões de estrelas. Das medições mais precisas da paralaxe, cerca de dez por cento do total, os astrônomos podem estimar diretamente as distâncias de estrelas individuais.

O segundo lançamento de dados do Gaia representa um enorme salto em relação ao satélite Hiparcos da ESA, antecessor do Gaia e a primeira missão espacial para astrometria, que pesquisou cerca de 118.000 estrelas, há quase trinta anos.

O abrangente conjunto de dados fornece uma ampla gama de tópicos para a comunidade astronômica. Além das posições, os dados incluem informações de brilho de todas as estrelas pesquisadas e medições de cor de quase todas, além de informações sobre como o brilho e a cor de meio milhão de estrelas variáveis mudam com o tempo. Contém, também, as velocidades ao longo da linha de visão de um subconjunto de sete milhões de estrelas, as temperaturas da superfície de cerca de 100 milhões e o efeito da poeira interestelar em 87 milhões.

O Gaia também observa objetos no nosso Sistema Solar: o segundo lançamento de dados inclui as posições de mais de 14 mil asteroides conhecidos, o que permite a determinação precisa das suas órbitas. Uma amostra muito maior de asteroides será compilada em futuros lançamentos do Gaia.

Mais longe ainda, o Gaia aproximou-se das posições de meio milhão de quasares distantes, galáxias brilhantes impulsionadas pela atividade dos buracos negros supermassivos nos seus núcleos. Estas fontes são utilizadas para definir um quadro de referência para as coordenadas celestes de todos os objetos no catálogo do Gaia, algo que é feito rotineiramente em ondas de rádio, mas agora, pela primeira vez, também está disponível em comprimentos de onda ópticos.

Esperam-se grandes descobertas assim que os cientistas começarem a explorar o novo lançamento do Gaia. Um exame inicial, realizado pelo consórcio de dados para validar a qualidade do catálogo, já revelou algumas surpresas promissoras, incluindo novas descobertas sobre a evolução das estrelas.

Foi construído também o diagrama Hertzsprung-Russell mais detalhado de estrelas alguma vez já feito em todo o céu, evidenciando algumas tendências interessantes.

Batizado com o nome dos dois astrônomos que o conceberam no início do século XX, o diagrama de Hertzsprung-Russell compara o brilho intrínseco das estrelas com a sua cor e é uma ferramenta fundamental para estudar as populações de estrelas e a sua evolução.

Uma nova versão deste diagrama, baseada em quatro milhões de estrelas, até uma distância de cinco mil anos-luz do Sol, selecionadas do catálogo do Gaia, revela, pela primeira vez, muitos detalhes. Isto inclui a assinatura de diferentes tipos de anãs brancas, de tal forma que pode ser feita uma diferenciação entre aquelas com núcleos ricos em hidrogênio e aquelas dominadas pelo hélio.

nova versão do diagrama de Hertzsprung-Russell

© ESA/Gaia/DPAC (nova versão do diagrama de Hertzsprung-Russell)

As estrelas mais brilhantes podem ser vistas na parte superior do diagrama, enquanto as estrelas mais tênues estão na parte inferior. As estrelas mais azuladas, que têm superfícies mais quentes, estão à esquerda e estrelas mais avermelhadas, com superfícies mais frias, estão à direita. A escala de cores nesta imagem não representa a cor das estrelas, mas é uma representação de quantas estrelas estão em cada porção do diagrama: o preto representa números menores de estrelas, enquanto o vermelho, laranja e amarelo correspondem a números cada vez mais altos de estrelas.

A grande faixa diagonal no centro do gráfico é conhecida como a sequência principal. É aqui que são encontradas as estrelas de pleno direito que geram energia através da fusão do hidrogênio em hélio. As estrelas massivas, com cores mais azuladas ou esbranquiçadas, estão situadas na extremidade superior esquerda da sequência principal, enquanto as estrelas de massa intermediária, como o nosso Sol, caracterizadas pelo seu tom amarelado, estão localizadas no meio. Estrelas mais vermelhas e de baixa massa podem ser encontradas na parte inferior direita.

À medida que as estrelas envelhecem, incham, tornando-se mais brilhantes e avermelhadas. As estrelas neste estágio, estão situadas no braço vertical do diagrama que sai da sequência principal e vira para a direita. Este é conhecido como o ramo das gigantes vermelhas. Embora as estrelas mais massivas inchem para gigantes vermelhas e expludam como poderosas supernovas, estrelas como o nosso Sol possuem um estágio final de existênca menos espetacular, eventualmente tornando-se em anãs brancas, os núcleos quentes de estrelas mortas. Estas podem ser encontradas no canto inferior esquerdo do diagrama.

Combinado com as medições do Gaia das velocidades das estrelas, o diagrama permite distinguir entre várias populações de estrelas de diferentes idades que estão localizadas em diferentes regiões da Via Láctea, como o disco e o halo, e que se formaram de diferentes maneiras. Pesquisas minuciosas adicionais sugerem que as estrelas que se movem rapidamente e que pertencem ao halo abrangem duas populações estelares que se originaram através de dois cenários de formação diferentes, necessitando pesquisas mais detalhadas.

Para um subconjunto de estrelas, dentro de alguns milhares de anos-luz do Sol, o Gaia mediu a velocidade em todas as três dimensões, revelando padrões nos movimentos das estrelas que estão orbitando a Galáxia em velocidades similares. Estudos futuros confirmarão se estes padrões estão ligados a perturbações produzidas pela barra galáctica, uma concentração mais densa de estrelas com uma forma alongada no centro da Galáxia, pela arquitetura do braço espiral da Via Láctea, ou pela interação com galáxias menores que se fundiram há bilhões de anos atrás.

Na precisão do Gaia é também possível ver os movimentos das estrelas dentro de alguns aglomerados globulares - antigos sistemas de estrelas unidos pela gravidade e situados no halo da Via Láctea - e dentro das nossas galáxias vizinhas, a Pequena e a Grande Nuvem de Magalhães.

Os dados do Gaia foram utilizados para derivar as órbitas de 75 aglomerados globulares e 12 galáxias anãs que giram em torno da Via Láctea, fornecendo informações importantíssimas para estudar a evolução passada da nossa Galáxia e o seu ambiente, as forças gravitacionais que estão atuando e a distribuição da matéria escura elusiva que permeia as galáxias.

Uma série de artigos científicos, que descrevem os dados contidos no lançamento e o seu processo de validação aparecerão numa edição especial da Astronomy & Astrophysics.

Fonte: ESA

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