Com o objetivo de compreender melhor o fenômeno conhecido como "inflação de raio", pesquisadores liderados pelo doutorando do Observatório Nacional (ON/MCTI), Fábio Wanderley, analisaram um grupo de estrelas anãs M no aglomerado aberto das Híades.
© J. Mtanous (aglomerado aberto das Híades)
Inflação de raio é quando o raio de uma estrela é maior do que o previsto pelos modelos estelares que não consideram campos magnéticos. Os raios são inflados por efeito do campo magnético, por isso, modelos que não o consideram tendem a subestimá-los.
O aglomerado das Híades é um aglomerado estelar aberto relativamente próximo, localizado a cerca de 43 parsecs de distância do Sol (1,33 quatrilhões de quilômetros ou cerca de 140 anos-luz), com aproximadamente 625 milhões de anos de idade. Por ser relativamente jovem, espera-se que as estrelas anãs M do aglomerado ainda mantenham seus campos magnéticos.
De acordo com Wanderley, isso as torna uma escolha ideal para investigar o fenômeno de inflação do raio estelar, pois elas possuem uma maior probabilidade de apresentar as chamadas assinaturas de inflação.
Ao analisar um conjunto de 48 estrelas anãs M do aglomerado, os pesquisadores descobriram que a inflação dos raios das estrelas anãs M tem relação com as manchas estelares, ou seja, com as áreas mais escuras e relativamente frias da superfície de estrelas que são geradas pelo campo magnético estelar. Alguns modelos indicam que estrelas como as anãs M, com uma maior cobertura de manchas, apresentam níveis mais altos de inflação de raio.
Segundo Wanderley, este trabalho e seus resultados são úteis para aprimorar o conhecimento acerca da física de estrelas anãs M. Além disso, podem ajudar a estudar planetas que orbitam essas estrelas. Em conjunto com trabalhos que estudam campos magnéticos dessas estrelas anãs M, é possível também estudar a habitabilidade de sistemas planetários que orbitam estas estrelas.
As chamadas estrelas anãs M são estrelas frias que pertencem à classe espectral M na sequência principal (faixa de estrelas no diagrama de Hertzsprung-Russell, que relaciona luminosidade e temperatura superficial das estrelas). Essas estrelas são consideravelmente menores e menos massivas que o Sol e são as mais comuns na nossa Galáxia.
O diagrama de Hertzsprung-Russell (HR) é essencial para estudar a evolução estelar. Estrelas iniciam sua evolução na sequência principal, tornam-se gigantes ou supergigantes e se extinguem como anãs brancas ou, em casos mais raros, como estrelas de nêutrons e buracos negros. #
Apesar de cerca de 75% das estrelas da nossa galáxia serem anãs M, a modelagem destas estrelas apresenta desafios dada a complexidade de seus espectros observados e o fato de elas serem pouco brilhantes, o que demanda um maior tempo para obtenção de espectros com maior sinal-ruído. Os espectros são uma espécie de “impressão digital" das estrelas e quanto maior o seu sinal-ruído, melhor a qualidade das observações e mais fácil é obter informações de qualidade sobre as características físicas das estrelas.
Segundo os pesquisadores, espera-se que estrelas do mesmo aglomerado aberto, como é o caso das estrelas anãs M deste estudo, tenham aproximadamente a mesma idade, tornando-as ideais para comparação com modelos físicos. Além disso, é esperado que essas estrelas tenham composições químicas semelhantes. Afinal, elas se originaram da mesma nuvem molecular, o que permite aos pesquisadores comparar parâmetros como a metalicidade com estrelas mais massivas já estudadas no aglomerado.
O estudo em questão fez a modelização das atmosferas das estrelas usando o método chamado “síntese espectral”, usando espectros no infravermelho do levantamento astronômico APOGEE (Apache Point Observatory Galactic Evolution Experiment), parte do SDSS IV (Sloan Digital Sky Survey IV), um projeto de grande escala que mapeou o céu e coletou dados de milhões de objetos astronômicos, incluindo estrelas, galáxias e quasares.
Foram determinados os parâmetros atmosféricos de 48 estrelas anãs M do aglomerado, como temperaturas efetivas, gravidades superficiais e metalicidades, além de outros parâmetros como luminosidades e raios estelares. Os raios obtidos foram comparados a diferentes modelos físicos de isócronas para analisar a inflação de raio. Isócronas são modelos que estimam características físicas estelares para uma determinada idade.
O resultado encontrado foi que a inflação de raio de estrelas anãs M não é muito significativa e representa na média cerca de 2% de aumento do raio. Entretanto, a definição de inflação de raio é muito dependente do modelo estelar utilizado, já que os modelos diferem consideravelmente, sobretudo para estrelas anãs M menos massivas, que possuem interior totalmente convectivo, ou seja, aquelas em que a transferência de energia ocorre por convecção, inclusive no núcleo.
Um dos resultados importantes foi que os raios obtidos para as anãs M das Híades podem ser explicados por modelos que consideram a presença de manchas estelares, indicando que estrelas com maior cobertura de manchas apresentam níveis mais altos de inflação de raio. Usando esses modelos, descobriu-se que a inflação observada em 76% da amostra pode ser explicada por uma cobertura de manchas de até 20%, enquanto as estrelas mais infladas podem ser explicadas por uma cobertura de manchas de até cerca de 40% da fotosfera estelar, a região visível da atmosfera de uma estrela. Também foi observado que estrelas com maior cobertura de manchas são, em média, mais ativas, exibindo maiores proporções entre a luminosidade de altas energias e a luminosidade bolométrica, ou seja, a medida da quantidade total de energia emitida por uma estrela.
O estudo em questão resultou no artigo “Stellar characterization and radius inflation of Hyades M Dwarf Stars from the APOGEE Survey” aceito para publicação no periódico The Astrophysical Journal.
Fonte: Observatório Nacional
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