domingo, 16 de junho de 2024

O Sistema Solar pode ter passado por uma densa nuvem interestelar

Há cerca de dois milhões de anos, a Terra era um lugar muito diferente, com os nossos primeiros antepassados humanos vivendo ao lado de tigres dentes-de-sabre, mastodontes e enormes roedores.

© Nature (ilustração da Terra mergulhada fora da heliosfera)

E talvez tivessem tido frio: A Terra atravessava um período intensamente frígido, com sucessivas eras glaciares até há cerca de 12.000 anos. As eras glaciares ocorrem por várias razões, incluindo a inclinação e rotação do planeta, a alteração das placas tectônicas, as erupções vulcânicas e os níveis de dióxido de carbono na atmosfera. Mas e se mudanças drásticas como estas não forem apenas resultado do ambiente da Terra, mas também da localização do Sol na Galáxia? 

Num novo estudo, pesquisadores liderados pela Universidade de Boston encontraram evidências de que, há cerca de dois milhões de anos, o Sistema Solar encontrou uma nuvem interestelar tão densa que poderia ter interferido com o vento solar. Os cientistas pensam que a localização do Sol no espaço pode moldar a história da Terra mais do que se pensava. 

Todo o nosso Sistema Solar está envolto num escudo protetor de plasma que emana do Sol, conhecido como heliosfera. É feito de um fluxo constante de partículas carregadas, chamado vento solar, que se estende para lá de Plutão, envolvendo os planetas numa "bolha gigante". Protege-nos da radiação e dos raios galácticos que podem alterar o DNA, e os cientistas pensam que é parte da razão pela qual a vida evoluiu na Terra do modo como o fez. De acordo com este estudo mais recente, a nuvem fria comprimiu a heliosfera de tal forma que colocou brevemente a Terra e os outros planetas do Sistema Solar fora da sua influência, podendo afetar a química atmosférica da Terra. 

"Este trabalho é o primeiro a mostrar quantitativamente que houve um encontro entre o Sol e algo para lá do Sistema Solar que teria afetado o clima da Terra", afirma Merav Opher, física espacial da Universidade de Boston, especialista na heliosfera e principal autora do estudo. Ela é filha do professor Dr. Reuven Opher (IAG/USP).

Opher e os seus colaboradores essencialmente recuaram no tempo, utilizando modelos computacionais sofisticados para visualizar a posição do Sol, a heliosfera e o resto do Sistema Solar há dois milhões de anos. Também mapearam o percurso da Corrente Local de Nuvens Frias, um sistema de nuvens grandes, densas e muito frias, feitas principalmente de átomos de hidrogênio. As suas simulações mostraram que uma das nuvens frias perto do fim dessa corrente, denominada Lince Local, poderia ter colidido com a heliosfera. Caso isso tenha acontecido, a Terra teria ficado totalmente exposta ao meio interestelar, onde o gás e a poeira se misturam com os elementos atômicos que sobraram das estrelas que explodiram, incluindo o ferro e o plutônio. Normalmente, a heliosfera filtra a maior parte destas partículas radioativas. Mas sem proteção, podem facilmente chegar à Terra. 

De acordo com o artigo, isto alinha-se com evidências geológicas que mostram um aumento dos isótopos 60Fe (ferro 60) e 244Pu (plutônio 244) nos oceanos, na neve da Antártida e nos núcleos de gelo - e na Lua - do mesmo período. O momento também coincide com registos de temperatura que indicam um período de arrefecimento.

É impossível saber o efeito exato que a nuvem fria teve na Terra, por exemplo, se poderá ter provocado uma idade do gelo. Mas há algumas outras nuvens frias no meio interestelar que o Sol provavelmente encontrou nos bilhões de anos desde que nasceu. E é provável que encontre mais algumas daqui a cerca de um milhão de anos. 

Opher e os seus colaboradores estão agora trabalhando para descobrir onde o Sol estava há sete milhões de anos e ainda mais atrás. A localização do Sol milhões de anos no passado, bem como do sistema de nuvens frias, é possível com os dados recolhidos pela missão Gaia da ESA, que está construindo o maior mapa 3D da Galáxia e fornecendo uma visão sem precedentes da velocidade a que as estrelas se movem. 

O efeito de se cruzar com tanto hidrogênio e material radioativo não é claro, pelo que Opher e a sua equipe no Centro de Ciência SHIELD (Solar wind with Hydrogen Ion Exchange and Large-scale Dynamics) da Universidade de Boston, financiado pela NASA, estão agora explorando o efeito que poderia ter tido na radiação da Terra, bem como na atmosfera e no clima.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: Boston University

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