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sábado, 2 de março de 2024

Encontrada estrela de nêutrons no núcleo de remanescente de supernova

Utilizando as capacidades sem precedentes do telescópio espacial James Webb, astrônomos obtiveram as primeiras observações espectroscópicas das galáxias mais tênues durante os primeiros bilhões de anos do Universo.

© STScI (Aglomerado de Pandora)

Estas descobertas ajudam a responder a uma questão de longa data: que fontes causaram a reionização do Universo? 

Ainda há muito por compreender sobre o período, no início da história do Universo, conhecido como a era da reionização. Foi um período de escuridão sem estrelas ou galáxias, preenchido por uma densa névoa de hidrogênio gasoso, até que as primeiras estrelas ionizaram o gás à sua volta e a luz começou a viajar. 

Os astrônomos passaram décadas tentando identificar as fontes que emitiam radiação suficientemente poderosa para dissipar gradualmente este nevoeiro de hidrogênio que cobria o Universo primitivo. O programa UNCOVER (Ultradeep NIRSpec and NIRCam ObserVations before the Epoch of Reionization) consiste em observações espectroscópicas e de imagem do aglomerado Abell 2744. Uma equipe internacional de astrônomos utilizou a lente gravitacional deste alvo, também conhecido como Aglomerado de Pandora, para investigar as fontes do período de reionização do Universo.

As lentes gravitacionais ampliam e distorcem o aspecto de galáxias ainda mais distantes, pelo que têm uma aparência muito diferente das que se encontram em primeiro plano. A "lente" deste aglomerado massivo de galáxias deforma o tecido do próprio espaço de tal modo que a luz de galáxias distantes são desviadas. O efeito de ampliação permitiu o estudo de fontes muito distantes de luz para além de Abell 2744, revelando oito galáxias extremamente tênues que, de outra forma, seriam indetectáveis, até para o Webb. 

Foi descoberto que estas galáxias tênues são produtoras de imensa luz ultravioleta, a níveis quatro vezes superiores ao que se supunha anteriormente. Isto significa que a maior parte dos fótons que reionizaram o Universo provém provavelmente destas galáxias anãs. Esta descoberta revela o papel crucial desempenhado pelas galáxias ultrafracas na evolução inicial do Universo. Produzem fótons ionizantes que transformam o hidrogênio neutro em plasma ionizado durante a reionização cósmica. Isto realça a importância de compreender o papel das galáxias de baixa massa na história do Universo. 

Apesar do seu tamanho minúsculo, estas galáxias de baixa massa são produtoras prolíficas de radiação energética, e a sua abundância durante este período é tão substancial que a sua influência coletiva pode transformar todo o estado do Universo. Para chegar a esta conclusão, a equipe começou por combinar dados extremamente sensíveis de imagem do Webb com imagens de Abell 2744 obtidas pelo telescópio espacial Hubble para selecionar galáxias candidatas extremamente tênues na época da reionização. 

Esta é a primeira vez que os cientistas estimam a frequência das galáxias tênues. Os resultados confirmam que são o tipo de galáxias mais abundante durante a época da reionização. É também a primeira vez que se mede o poder de ionização destas galáxias, o que permite aos astrônomos determinar que estão produzindo radiação energética suficiente para ionizar o Universo primitivo.

Num próximo programa de observação do Webb, denominado GLIMPSE, os cientistas obterão as observações mais sensíveis alguma vez efetuadas do céu. Ao apontar para outro aglomerado de galáxias, chamado Abell S1063, serão identificadas galáxias ainda mais fracas durante a época da reionização. Isto permitirá aos cientistas verificar se as galáxias anãs do estudo atual são típicas da distribuição galáctica em larga escala. Uma vez que estes novos resultados se baseiam em observações obtidas num único campo, a equipe salienta que as propriedades ionizantes das galáxias fracas podem ser diferentes se estas residirem em regiões mais densas. Consequentemente, observações adicionais num campo diferente fornecerão novos conhecimentos e ajudarão a verificar estas conclusões. As observações do programa GLIMPSE também ajudarão na investigação do período conhecido como "amanhecer cósmico", quando o Universo tinha apenas alguns milhões de anos, para melhorar a nossa compreensão do aparecimento das primeiras galáxias.

Estes resultados foram publicados na revista Nature.

Fonte: ESA

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Cicatriz de metais encontrada em estrela canibal

Quando uma estrela como o Sol chega ao final da sua vida, pode “ingerir” planetas e asteroides do seu meio circundante e que nasceram com ela.

© ESO (ilustração da anã branca WD 0816-310)

Agora, com o auxílio do Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, os pesquisadores encontraram pela primeira vez uma assinatura única deste processo: uma espécie de "cicatriz" na superfície de uma estrela anã branca.

É bem sabido que algumas anãs brancas, remanescentes de estrelas como o nosso Sol que arrefecem lentamente, estão canibalizando pedaços dos seus sistemas planetários. Agora foi descoberto que o campo magnético da estrela desempenha um papel fundamental neste processo, resultando numa espécie de "cicatriz" na superfície da anã branca. 

A “cicatriz” que a equipe observou trata-se de uma concentração de metais bem marcada na superfície da anã branca WD 0816-310, o remanescente do tamanho da Terra de uma estrela semelhante (apenas um pouco maior) ao nosso Sol. Foi demonstardo que estes metais são originários de um fragmento planetário tão grande ou talvez até maior do que Vesta, o qual tem cerca de 500 km de diâmetro e é o segundo maior asteroide do Sistema Solar. 

As observações forneceram também pistas sobre a forma como a estrela obteve esta "cicatriz" metálica. A equipe notou que a intensidade da detecção de metais mudava à medida que a estrela girava, o que sugere que os metais se concentram numa área específica da anã branca, em vez de se espalharem por toda a sua superfície. Os pesquisadores descobriram também que estas mudanças estão sincronizadas com as mudanças no campo magnético da anã branca, indicando que esta "cicatriz" de metais está localizada num dos seus polos magnéticos. 

Todas estas pistas em conjunto parecem indicar que o campo magnético canalizou metais para a estrela, criando esta marca. Os astrônomos tinham já observado numerosas anãs brancas poluídas por metais espalhados pela sua superfície, conhecidos por terem origem em planetas ou asteroides que se aproximam demasiado da estrela, seguindo órbitas semelhantes às dos cometas no nosso Sistema Solar. No entanto, no caso da WD 0816-310, a equipa pensa que o material vaporizado foi ionizado e guiado para os polos magnéticos pelo campo magnético da anã branca. O processo partilha semelhanças com a forma como as auroras se formam na Terra e em Júpiter. 

Surpreendentemente, o material não se encontra uniformemente distribuído na superfície da estrela, como previsto pela teoria. Em vez disso, esta "cicatriz" é uma mancha concentrada de material planetário, mantido neste local pelo mesmo campo magnético que guiou os fragmentos em queda. 

Com estas observações os astrônomos conseguem determinar a composição da maioria dos exoplanetas. Este estudo único mostra igualmente como os sistemas planetários podem permanecer dinamicamente ativos, mesmo depois de "mortos".

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: ESO

Uma estrela de nêutrons na supernova 1987A

A supernova 1987A deixou para trás uma estrela de nêutrons, de acordo com novas observações do telescópio espacial James Webb (JWST).

© Hubble / Webb (SN 1987A e fonte compacta de argônio)

A imagem acima é uma combinação obtida pelo telescópio espacial Hubble de SN 1987A e da fonte compacta de argônio. A fonte azul fraca no centro é a emissão da fonte compacta detectada com o instrumento NIRSpec do JWST. Do lado de fora estão os detritos estelares, contendo a maior parte da massa, expandindo-se a milhares de km/s. O brilhante “colar de pérolas” interno é o gás das camadas externas da estrela que foi expelido cerca de 20.000 anos antes da explosão final. É que os detritos rápidos estão agora colidindo com o anel, explicando os pontos brilhantes. Fora do anel interno estão dois anéis externos, presumivelmente produzidos pelo mesmo processo que formou o anel interno. As estrelas brilhantes à esquerda e à direita do anel interno não têm relação com a supernova.

A explosão estelar foi observada pela primeira vez em 23 de fevereiro de 1987. No entanto, as evidências conclusivas da existência da estrela de nêutrons revelaram-se ilusórias. Agora, uma equipe liderada por Claes Fransson (Universidade de Estocolmo) afirma ter resolvido o caso. 

Uma estrela massiva que fica sem combustível nuclear lança as suas camadas exteriores para o espaço, formando um remanescente de supernova em expansão. Mas o núcleo da estrela entra em colapso. Dependendo da massa do núcleo, isto leva a um buraco negro ou a uma estrela de nêutrons, ou seja, uma esfera superdensa de partículas nucleares mais massiva que o Sol, mas não maior do que cerca de 25 quilômetros de diâmetro. 

A uma distância de cerca de 168.000 anos-luz, a SN1987A foi a supernova mais próxima observada na história recente. A detecção de neutrinos produzidos pela explosão sugeriu a formação de uma estrela de nêutrons, mas o objeto ultracompacto permanece escondido por gás e poeira nas partes internas do remanescente da supernova.

A poeira absorve grande parte da radiação. No entanto, o JWST observa no infravermelho, onde a absorção pela poeira é mínima. Os sensíveis espectrógrafos de infravermelho médio e próximo de Webb detectaram agora linhas de emissão de átomos de argônio e enxofre altamente ionizados (átomos que perderam até cinco elétrons) bem no centro do remanescente, indicando a presença de uma fonte energética próxima de raios X. A única fonte possível é uma estrela de nêutrons jovem e quente, que tem uma temperatura superficial de 2 milhões a 3 milhões de graus e irradia raios X de alta energia. 

Curiosamente, os resultados do JWST podem indicar que a estrela de nêutrons está percorrendo o espaço a uma velocidade de algumas centenas de quilômetros por segundo, uma vez que a região de emissão de argônio e enxofre está ligeiramente deslocada do centro original da explosão. As linhas de emissão estão desviadas para o azul, indicando que está se movendo em nossa direção. Essas velocidades natais são um fenômeno bem conhecido das estrelas de nêutrons, resultantes de uma ligeira assimetria da explosão da supernova.

A evidência da existência de uma estrela de nêutrons foi aumentando lentamente. Em 2019, observações do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), no Chile, revelaram uma bolha de poeira quente, possivelmente aquecida por uma estrela de nêutrons. Dois anos mais tarde, uma equipe liderada por Emanuele Greco (Universidade de Palermo, Itália) encontrou evidências em raios X de uma nebulosa de vento pulsar, um fluxo de partículas carregadas, aceleradas pelo poderoso campo magnético de uma estrela de nêutrons em rápida rotação. No entanto, não puderam excluir uma explicação alternativa: os raios X que observaram também poderiam ser produzidos por choques no anel brilhante de gás que rodeia a estrela que explodiu. 

Graças à alta resolução angular do JWST, a equipe tem agora a certeza de que esses raios X ionizantes devem ter origem muito perto do local da explosão. No entanto, ainda não conseguem distinguir se os raios X vêm da superfície da própria estrela de nêutrons ou de uma nebulosa de vento pulsar em torno da estrela. Uma prova direta envolveria a detecção de pulsações de rádio ou raios X da estrela de nêutrons, ou a observação de uma fonte pontual de raios X.

Os resultados aparecem numa artigo da revista Science.

Fonte: Sky & Telescope

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

O que alimenta o poderoso motor das fusões de estrelas de nêutrons?

A fusão e a colisão de estrelas de nêutrons produzem poderosas explosões de quilonova e erupções de raios gama.

© ESO / M. Garlick (ilustração de duas estrelas de nêutrons em fusão)

Há muito que os cientistas suspeitam que um campo magnético grande e ultraforte é o motor por detrás destes fenômenos altamente energéticos. No entanto, o processo que gera este campo magnético tem sido um mistério até agora. 

Os pesquisadores do Instituto Max Planck de Física Gravitacional e das universidades de Quioto e Toho revelaram o mecanismo subjacente graças a uma simulação computacional de alta resolução que considera toda a física fundamental. Os cientistas mostraram que as estrelas de nêutrons altamente magnetizadas, também conhecidas como magnetares, causam explosões de quilonova muito brilhantes.

Observações telescópicas poderão testar esta previsão no futuro. As estrelas de nêutrons são remanescentes compactos de explosões de supernova e são constituídas por matéria extremamente densa. Têm cerca de 20 quilômetros de diâmetro e até duas vezes a massa do nosso Sol, ou quase 700.000 vezes a massa da nossa Terra. 

No dia 17 de agosto de 2017, os astrônomos observaram pela primeira vez ondas gravitacionais, luz e raios gama da fusão de duas estrelas de nêutrons. Este evento marcou o início de um novo tipo de astronomia, combinando observações de ondas gravitacionais e eletromagnéticas. As observações das ondas gravitacionais e da explosão de raios gama emitidos durante a fusão revelaram que as fusões de estrelas de nêutrons binárias são a origem de, pelo menos, uma parte das explosões de raios gama de curta duração e dos elementos pesados.

Somente através de uma simulação numérica que considera todos os efeitos físicos fundamentais nas fusões de estrelas de nêutrons binárias é possível compreender o processo completo e os mecanismos subjacentes. A simulação numérica da fusãoaplicou a teoria da relatividade de Einstein com uma resolução espacial mais de dez vezes superior a qualquer simulação anterior.

Os fenômenos altamente energéticos associados às fusões de estrelas de nêutrons, como as explosões de quilonova e as erupções de raios gama, são muito provavelmente impulsionados pela magnetohidrodinâmica, ou seja, a interação entre campos magnéticos e fluidos. Isto implica que um remanescente da fusão de estrelas de nêutrons binárias deve gerar um campo magnético forte e em larga escala através de um mecanismo de dínamo.

Parte deste mecanismo é o mesmo que impulsiona o campo magnético do nosso Sol. Numa fusão de estrelas de nêutrons, o campo magnético de larga escala surge devido a instabilidades e vórtices na superfície onde as duas estrelas de nêutrons chocam uma contra a outra.

Existem duas fases de amplificação do campo magnético: numa primeira fase, a instabilidade Kelvin-Helmholtz amplifica rapidamente a energia do campo magnético por um fator de vários milhares em poucos milissegundos após a fusão. No entanto, este campo magnético amplificado continua sendo um campo de pequena escala. Mas após alguns milissegundos, há uma segunda fase de amplificação do campo magnético devido a outra instabilidade, a instabilidade magnetorotacional. Esta instabilidade amplifica ainda mais o campo de pequena escala e atua como um dínamo no campo de larga escala, o mesmo mecanismo que no Sol.

A estrela de nêutrons altamente magnetizada, que resulta da colisão, é hipoteticamente proposta como um magnetar. Cerca de 40 milissegundos após a fusão, os campos magnéticos "levantam" um forte vento de partículas para velocidades relativistas a partir dos polos do magnetar. Este vento forma um jato que está relacionado com os fenômenos altamente energéticos observados. Os pesquisadores mostram, pela primeira vez, que esta hipótese é viável. A simulação sugere que o motor do magnetar gera explosões de quilonova muito brilhantes. Esta previsão poderá ser testada através de observações num futuro próximo.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: Max Planck Institute for Gravitational Physics

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Estrelas de nêutrons são pistas de explosão de rádio misteriosa

Uma grande pista para a compreensão dos lampejos misteriosos e fugazes de ondas de rádio conhecidas como rajadas rápidas de rádio (FRBs) surgiu quando uma delas explodiu em nossa própria galáxia.

© NASA / JPL-Caltech (ilustração de um magnetar)

Numa ejeção que teria causado a desaceleração da sua rotação, um magnetar é retratado perdendo material para o espaço nesta ilustração. As linhas fortes e torcidas do campo magnético do magnetar (mostradas em verde) podem influenciar o fluxo de material eletricamente carregado do objeto, que é um tipo de estrela de nêutrons.

Uma estrela de nêutrons altamente magnetizada, ou magnetar, apelidada de SGR 1935+2154, emitiu uma explosão semelhante à FRB em 28 de abril de 2020, e de repente os astrônomos tinham uma FRB para estudar em nosso próprio quintal. Desde então, os astrônomos esperam por uma repetição. Em outubro de 2022, ocorreu a explosão esperada. 

Até 2020, quase todos os FRBs conhecidos tinham origem em galáxias distantes. No entanto, cada um deles transmitiu mais energia numa fração de segundo do que todo o Sol emite num ano. Alguns até fizeram isso mais de uma vez! 

Por um tempo, houve tantas ideias sobre o que poderia gerar essas explosões quanto os próprios FRBs. Agora, com o exemplo da Via Láctea, os astrônomos sabem que pelo menos alguns FRBs se originam de magnetares. Mas como os magnetares fazem isso? 

Ao receber um alerta do Burst Alert System a bordo do telescópio espacial Integral da NASA, Chin-Ping Hu (Universidade Nacional de Educação de Changhua, Taiwan) e colegas perguntaram a dois outros telescópios espaciais da NASA - o Neutron Star Interior Composition Explorer (NICER) e o Nuclear Spectroscopic Telescope Array (NuSTAR) - para voltar-se para o magnetar e começar a fazer observações. A equipe observou a estrela de nêutrons rodar em virtude de um ponto quente na sua superfície, que provavelmente marca um dos polos do campo magnético da estrela. À medida que a estrela gira dentro e fora de vista – 3,2 vezes por segundo! – o brilho da estrela de nêutrons parece pulsar. 

O NICER foi projetado especificamente para captar mudanças em escalas de tempo tão rápidas. O NuSTAR, por outro lado, forneceu espectros para acompanhar as observações de brilho, o que ajudou a determinar de onde vinha a emissão. A estrela emite raios X porque é muito quente, enquanto outros raios X provêm de partículas carregadas que se contorcem no poderoso campo magnético da estrela de nêutrons. Em questão de horas, os astrônomos observaram mudanças drásticas ocorrerem na estrela com tamanho de apenas 20 km.

Primeiro, a estrela de nêutrons apresentou uma falha, girando repentinamente mais rápido. Depois, mais lentamente, a taxa de rotação diminuiu ao longo de quatro horas, originando uma forte explosão de ondas de rádio, detectadas no solo pelo radiotelescópio CHIME, no Canadá. Outras quatro horas depois, ocorreu uma segunda falha. 

Durante as falhas, os espectros mostraram que os raios X vinham em grande parte do núcleo. Mas antes e durante a explosão de rádio, entre as falhas, a emissão das partículas aprisionadas magneticamente se fortaleceu. Sabe-se que estrelas de nêutrons apresentam falhas quando a superfície está fora de sincronia com o interior.

Podem ocorrer falhas quando movimentos sob a superfície da estrela de nêutrons tensionam a crosta, que então se rompe em um terremoto estelar. É mais provável que a ruptura aconteça perto do núcleo. Mesmo que a estrela de nêutrons gire apenas uma pequena fração de segundo, a energia envolvida em um terremoto estelar é incrível. Afinal, para um corpo de 20 quilômetros girando em 3,2 segundos, a superfície gira a 11.000 km/h; mudar isso, mesmo que um pouco, requer muita energia. 

O estranho sobre a falha do SGR 1935 é o fato de o aumento de velocidade ter se dissipado tão rapidamente. A maioria das estrelas de nêutrons leva semanas ou meses para se recuperar de uma falha, mas o magnetar voltou à sua taxa de rotação normal em poucas horas. Isso faz sentido, porém, se a falha marcou um terremoto e também liberou partículas carregadas em uma breve rajada de vento. Esse vento teria roubado a rotação da estrela quase tão rapidamente quanto a ganhou. Então, com todas essas partículas pairando num campo magnético superpoderoso, que é muito mais forte do que qualquer outro que possamos produzir na Terra, as condições eram adequadas para um cenário extremo.

Partículas (especificamente, elétrons e seus parceiros de antimatéria, pósitrons) nascem em pares a partir da energia do campo magnético, resultando numa “avalanche”. Os pares elétron-pósitron poderiam, em última análise, ser responsáveis pela explosão repentina de emissão de rádio em um processo semelhante ao do laser. Esta observação conecta uma rara explosão semelhante a uma FRB a uma rara falha dupla e fornece um caminho claro para futuras análises sobre a geração de FRB. 

As rajadas de 2020 e 2022 são as únicas rajadas de ondas de rádio verdadeiramente “altas” que foram detectadas até agora no SGR 1935+2154, embora atividades mais moderadas ocorram com mais frequência. A equipe planeja continuar monitorando o magnetar para observar mais explosões no futuro, fornecendo dados adicionais para ajudar a testar o cenário de criação de pares/vento.

Um artigo foi publicado na revista Nature.

Fonte: Sky & Telescope

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Erupção extrema numa jovem estrela semelhante ao Sol

Os astrônomos detectaram uma erupção extrema de uma jovem estrela que se tornou mais de cem vezes mais brilhante em apenas algumas horas.

© CfA / M. Weiss (ilustração da erupção da estrela jovem HD 283572)

Esta descoberta fornece uma nova perspectiva sobre a forma como as estrelas jovens semelhantes ao Sol se comportam no início das suas vidas e o seu impacto no desenvolvimento de qualquer um dos seus planetas recém-nascidos.

Os pesquisadores do SAO (Smithsonian Astrophysical Observatory), que faz parte do Centro para Astrofísica Harvard & Smithsonian (CfA), evidenciaram esta descoberta utilizando observações de HD 283572 pelo SMA (Submillimeter Array), uma estrela 40% mais massiva do que o Sol, localizada a cerca de 400 anos-luz de distância. O SMA é um conjunto de radiotelescópios em Mauna Kea, no Havaí, concebido especificamente para detectar luz nos comprimentos de ondas milimétricos. Com menos de 3 milhões de anos, HD 283572 é mais de mil vezes mais jovem do que o Sol, estando na idade em que os planetas semelhantes à Terra se começam a formar à volta das estrelas. 

Os astrônomos estavam usando o SMA para procurar o material poeirento produzido na formação de planetas jovens, material este que tem um brilho fraco, mas detectável nos comprimentos de onda milimétricos, ou rádio. No entanto, encontraram algo completamente diferente. Ocorreu uma erupção extraordinariamente brilhante de uma estrela jovem e incomum. As erupções são raras nestes comprimentos de onda e não era esperado ser visto nada para além do brilho tênue da poeira formadora de planetas.

As erupções estelares podem aumentar o brilho de uma estrela dezenas ou centenas de vezes em diferentes comprimentos de onda. À medida que as estrelas giram, os seus campos magnéticos podem enrolar-se e desenvolver regiões de maior energia magnética. Tal como uma mola demasiado apertada, esta energia magnética armazenada tem de ser eventualmente liberada. No caso das estrelas, isto produz acelerações intensas das suas partículas carregadas, que atravessam as superfícies. 

Um desafio para a observação de tais erupções é o fato de nunca se saber exatamente quando é que uma estrela poderá desencadear uma erupção, e a sua observação pode ser particularmente difícil em comprimentos de onda milimétricos. 

A equipe mediu a energia da erupção de HD 283572 e descobriu que, ao longo de um período de 9 horas, liberou cerca de um milhão de vezes mais energia do que qualquer erupção milimétrica observada nas vizinhas estelares mais próximas do Sol. Esta é uma das mais poderosas erupções de que há registo. Este foi um evento gigantesco, equivalente a gastar todo o arsenal nuclear da Terra em cerca de um milissegundo, repetidamente, durante quase meio dia!

Interações com estrelas companheiras ou planetas invisíveis, ou atividade periódica de manchas estelares são alguns mecanismos possíveis, mas o que permanece sem dúvida é o quão poderoso foi este evento. Quaisquer potenciais planetas em desenvolvimento neste sistema teriam sido fustigados pelo imenso poder desta erupção. A idade jovem da estrela e a sua natureza semelhante à do Sol fornecem pistas importantes sobre os ambientes típicos que planetas jovens e em desenvolvimento, como a Terra, podem encontrar.

Poderosas erupções podem limitar o crescimento das atmosferas planetárias ou danificar gravemente as atmosferas já desenvolvidas. Estão em curso observações adicionais para compreender a frequência com que HD 283572 tem este gênero de atividade e se as erupções em torno deste tipo de estrelas jovens inibem o crescimento das atmosferas planetárias.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: Harvard–Smithsonian Center for Astrophysics

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Desvendando os mistérios da formação e evolução planetária

Um sistema solar recentemente descoberto, com seis exoplanetas confirmados e um possível sétimo, está melhorando o conhecimento sobre a formação e evolução planetária.

© UCI (ilustração da estrela anã TOI-1136)

Utilizando um arsenal de observatórios e instrumentos espalhados pelo mundo, uma equipe liderada por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Irvine (UCI), compilou as medições mais precisas até à data das massas, propriedades orbitais e características atmosféricas dos exoplanetas.

Os resultados foram obtidos pelo TKS (TESS-Keck Survey), fornecendo uma descrição completa dos exoplanetas que orbitam TOI-1136, uma estrela anã a mais de 270 anos-luz da Terra. O estudo é um seguimento da observação inicial da estrela e dos exoplanetas feita pela equipe em 2019, utilizando dados do TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA. Este projeto forneceu a primeira estimativa das massas dos exoplanetas através do registo das variações do tempo de trânsito (VTT), uma medida da atração gravitacional que os planetas em órbita exercem uns sobre os outros. 

Para o estudo mais recente, os astrônomos juntaram os dados do VTT a uma análise da velocidade radial da estrela. Utilizando o telescópio APF (Automated Planet Finder) do Observatório Lick, no Monte Hamilton, no estado norte-americano da Califórnia, e o instrumento HIRES (High-Resolution Echelle Spectrometer) do Observatório W.M. Keck, no Mauna Kea, Havaí, conseguiram detectar ligeiras variações no movimento estelar através do desvio para o vermelho e para o azul do efeito Doppler, possibilitando determinar leituras da massa planetária com uma precisão sem precedentes.

Para obter informação tão exata sobre os planetas deste sistema, a equipe construiu modelos computacionais usando centenas de medições de velocidade radial sobrepostas a dados do  VTT. 

Quando se compara planetas em sistemas solares diferentes, há muitas variáveis que podem diferir com base nas propriedades distintas das estrelas e nas suas localizações em partes diferentes da Galáxia. A observação de exoplanetas no mesmo sistema permite o estudo de planetas que passaram por uma história semelhante. 

Pelos padrões estelares, a estrela TOI-1136 é jovem, com apenas 700 milhões de anos, outra característica que tem atraído caçadores de exoplanetas. O magnetismo, as manchas estelares e as erupções são mais prevalentes e intensas durante esta fase do desenvolvimento de uma estrela, e a radiação resultante impacta e molda os planetas, afetando as suas atmosferas. 

Os exoplanetas confirmados de TOI-1136, TOI-1136 b a TOI-1136 g, estão classificados como "sub-Netunos". O exoplaneta menor tem mais do dobro do raio da Terra, e os outros têm até quatro vezes o raio da Terra, comparáveis aos tamanhos de Urano e Netuno. Segundo o estudo, todos estes planetas orbitam TOI-1136 em menos do que os 88 dias que Mercúrio leva a dar a volta ao nosso Sol.

Outra componente estranha deste sistema solar é a possível presença, ainda não confirmada, de um sétimo planeta. Os pesquisadores detectaram alguns indícios de outra força ressonante no sistema. Quando os planetas estão orbitando perto uns dos outros, podem atrair-se gravitacionalmente uns aos outros.

Os períodos orbitais destes planetas são espaçados de forma semelhante. Quando os exoplanetas estão em ressonância, os puxões são sempre na mesma direção. Isto pode ter um efeito desestabilizador ou, em casos especiais, pode servir para tornar as órbitas mais estáveis. 

Será que vamos encontrar um mundo de rocha fundida, um mundo de água ou um mundo de gelo, todos no mesmo sistema solar? 

Um artigo foi publicado no periódico The Astronomical Journal

Fonte: University of California

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Descoberta a estrela de nêutrons mais massiva?

Quando os astrônomos não conseguem explicar algo diretamente, muitas vezes torna-se verdadeiramente excitante.

© D. Futselaar (ilustração de um pulsar e um buraco negro)

Uma equipe internacional liderada por pesquisadores do Instituto Max Planck de Radioastronomia e com a participação do Instituto Max Planck de Física Gravitacional descobriu agora um misterioso par que nunca tinha sido observado antes: um sistema constituído por uma estrela de nêutrons e um objeto que, à primeira vista, nem sequer deveria existir. Mas existem pistas importantes. 

Os pesquisadores da colaboração internacional TRAPUM (Transients and Pulsars with MeerKAT) descobriram um novo sistema constituído por dois objetos, localizado no aglomerado globular NGC 1851, na direção da constelação austral de Columba (Pomba). Os dois objetos têm muito provavelmente uma coisa em comum: ambos devem ter surgido, embora indiretamente, dos remanescentes de estrelas massivas, ou seja, de estrelas de nêutrons ou de buracos negros. 

As estrelas massivas formam-se frequentemente em sistemas estelares múltiplos. E são precisamente estas estrelas que, no final das suas vidas, morrem numa espetacular explosão de supernova. Os remanescentes: buracos negros ou estrelas de nêutrons que se orbitam uns aos outros, caso o sistema tenha sobrevivido à explosão. 

Até agora, só foram detectados pares de buracos negros e estrelas de nêutrons graças às ondas gravitacionais que emitem durante a sua dança íntima. É conhecida a natureza de pelo menos um dos dois objetos. A equipe utilizou o sensível radiotelescópio MeerKAT, na África do Sul, em combinação com poderosos detectores do Instituto Max Planck de Radioastronomia, e registrou pulsos fracos. 

Trata-se de uma estrela de nêutrons com um forte campo magnético que gira muito rapidamente, emitindo ondas de rádio ao longo de cones de luz opostos que varrem o Universo como um farol cósmico. O pulsar recentemente descoberto, de nome PSR J0514-4002E, gira em torno do seu próprio eixo mais de 170 vezes por segundo e a sua luz rádio atinge a Terra com a mesma frequência. A cada rotação, o radiotelescópio regista um pulso, semelhante ao tique-taque de um relógio. O pulsar tem um ritmo extremamente regular. 

Foram utilizados pequenos desvios ou diferenças no ritmo deste "relógio" para obter detalhes sobre uma companheira que orbita num centro de gravidade comum, juntamente com o pulsar. O efeito Doppler faz com que a frequência de rádio do pulsar se altere como resultado do seu movimento orbital, tal como o som da sirene de um carro de bombeiros ao passar pelo observador. Isto também permitiu determinar a órbita do pulsar em torno do objeto misterioso.

A situação é menos clara quando se trata do objeto companheiro que orbita o pulsar. Quando observa-se as imagens de NGC 1851 obtidas pelo telescópio espacial Hubble, não é visto nada nessa posição. Por isso, o objeto em órbita com o pulsar não é uma estrela normal, mas um remanescente extremamente denso de uma estrela colapsada. Se este objeto fosse também uma estrela, emitiria, tal como o Sol, um vento estelar, que o cone de luz rádio do pulsar teria de atravessar antes do radiotelescópio receber um sinal. Neste caso, o vento estelar influenciaria nas frequências do sinal de rádio. No entanto, não há sinais de tal efeito nos dados de rádio. Tudo indica que o misterioso objeto é um remanescente extremamente denso de uma estrela colapsada: um buraco negro ou outra estrela de nêutrons que não emite ondas de rádio. 

A procura por pistas continua: os astrônomos não só deduziram a órbita a partir das medições das diferenças de velocidade do "relógio" do pulsar, como também reduziram a massa do segundo objeto até 2,09 a 2,71 massas solares. Isto significa que a companheira pode ser mais massiva do que as estrelas de nêutrons mais pesadas conhecidas (cerca de duas massas solares) e, ao mesmo tempo, mais leve do que os buracos negros mais leves conhecidos (cerca de cinco massas solares). A razão pela qual ainda não foi encontrado nenhum outro objeto compacto entre duas e cinco massas solares não é totalmente compreendida.

As estrelas de nêutrons, os remanescentes ultradensos das explosões de supernovas, só podem ter até uma determinada massa. Quando ganham demasiada massa, talvez por consumirem outra estrela ou por colidirem com um objeto do mesmo tipo, entram em colapso. Qual exatamente o objeto resultante, após o colapso, é motivo de muita especulação, tendo sido propostos vários cenários de estrelas exóticas. A opinião predominante, no entanto, é que as estrelas de nêutrons colapsam para se tornarem buracos negros, objetos gravitacionalmente tão atrativos que nem a luz lhes consegue escapar. 

A teoria, apoiada pela observação, diz-nos que os buracos negros mais leves que podem ser criados por estrelas colapsadas são cerca de 5 vezes mais massivos do que o Sol. Isto é consideravelmente mais do que as 2,2 massas solares necessárias para o colapso de uma estrela de nêutrons, dando origem ao que é conhecido como a lacuna de massa dos buracos negros. A natureza dos objetos compactos, nesta gama de massas, é desconhecida e o estudo detalhado tem-se revelado até agora um desafio, uma vez que apenas vislumbres fugazes de tais objetos foram captados em observações das ondas gravitacionais produzidas por eventos de fusão no Universo distante. 

Embora a equipe não possa dizer de forma conclusiva se descobriu a estrela de nêutrons mais massiva que se conhece, o buraco negro mais leve que se conhece ou até mesmo uma nova e exótica variante estelar, o que é certo é que descobriu um laboratório único para investigar as propriedades da matéria sob as condições mais extremas do Universo.

Um artigo foi publicado na revista Science.

Fonte: Max Planck Institute for Radio Astronomy

Observações mostram que as estrelas massivas nascem em grupos

Há muito que se pensa que as estrelas massivas nascem como gêmeas, trigêmeas ou em grupos ainda maiores. Mas, até agora, havia poucas evidências observacionais que confirmassem a multiplicidade do nascimento das estrelas massivas.

© ALMA (região de formação estelar massiva)

Imagem, em cores falsas, da região de formação estelar massiva G333.23-0.06 a partir de dados obtidos com o observatório Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA). As inserções mostram regiões detectadas com sistemas múltiplos de protoestrelas. Os símbolos pretos indicam a posição de cada uma das estrelas recém-formadas. A imagem abrange uma região com 0,62 por 0,78 anos-luz (que no céu corresponde a uns meros 7,5 x 9,5 segundos de arco).

Isto mudou com as observações aqui apresentadas: um estudo detalhado, utilizando o observatório ALMA, encontrou quatro protoestrelas binárias, um sistema triplo, um quádruplo e um quíntuplo num grande aglomerado estelar.

Os novos resultados confirmam a nossa compreensão atual da formação de estrelas massivas: estas nascem, realmente, em grupos. As estrelas massivas, há muito que se pensa que o nascimento múltiplo seja a norma. Este fato foi demonstrado por simulações que traçaram o colapso de nuvens gigantes de gás e poeira desde o início até à formação de estrelas separadas no seu interior: um processo hierárquico em que porções maiores da nuvem se contraem para formar núcleos mais densos, e em que regiões menores dentro destes "núcleos natais" colapsam para formar as estrelas separadas: estrelas massivas, mas também várias estrelas menos massivas. 

O nosso Sol formou-se como uma protoestrela de baixa massa num aglomerado de estrelas do gênero. As estrelas massivas, que têm mais de oito vezes a massa do nosso Sol, são de particular interesse, pois são estas as que dão oportunidade às estrelas de nêutrons e aos buracos negros, sendo estes com possibilidade de fundir uns com os outros e emitir grandes quantidades de ondas gravitacionais. Além disso, as estrelas massivas são muito brilhantes, até um milhão de vezes mais brilhantes do que o nosso Sol, sendo estas vistas em outras galáxias. 

Até agora, embora houvesse uma boa compreensão teórica da formação de estrelas nestas circunstâncias, faltavam evidências fundamentais: é muito difícil observar regiões de formação estelar em detalhe suficiente. Até à data, as observações tinham sido capazes de mostrar apenas alguns isolados candidatos a sistemas múltiplos em aglomerados estelares massivos, mas nada que se parecesse com a população prevista pelas simulações. Para confirmar ou descartar os modelos atuais da formação de estrelas massivas, era clara a necessidade de observações mais detalhadas. 

Um grupo de astrônomos do NAOJ (National Astronomical Observatory of Japan), da Universidade para Estudos Avançados em Tóquio, e do Instituto Max Planck de Astronomia em Heidelberg, propôs-se observar 30 promissoras regiões de formação estelar massiva com o ALMA entre 2016 e 2019. A análise dos dados revelou-se um desafio considerável e demorou vários anos. Cada observação separada produz cerca de 800 GB de dados e a reconstrução de imagens a partir das contribuições das 66 antenas é um processo complexo.

As imagens reconstruídas resultantes são notáveis: mostram detalhes até cerca de 200 UA (1 UA, ou unidade astronômica, corresponde à distância Terra-Sol) para uma grande região com cerca de 200.000 UA de diâmetro. 

Os resultados são excelentes notícias para o quadro atual da formação de estrelas massivas. Especificamente, os astrônomos estão atualmente trabalhando numa análise semelhante para as 29 regiões adicionais de formação estelar massiva que observaram, às quais se juntarão em breve mais 20, com novas observações ALMA. Isso deverá permitir obter estatísticas de maior alcance sobre as propriedades dessas regiões e compreender a evolução dos sistemas múltiplos. Mas mesmo com os resultados atuais, o papel dos sistemas múltiplos na formação de estrelas massivas está agora firmemente ancorado na observação. 

Um artigo foi publidado na revista Nature Astronomy

Fonte: Max-Planck-Institut für Astronomie

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

As estrelas antigas podem ser os melhores locais para procurar vida

Os cientistas supuseram, em tempos, que as estrelas aplicavam um eterno freio magnético, provocando um abrandamento interminável na sua rotação.

© J. Fohlmeister (ilustração do sistema 51 Pegasi e do seu campo magnético)

Com novas observações e métodos sofisticados, espreitaram agora os segredos magnéticos de uma estrela e descobriram que não é o que esperavam. Em 1995, os astrônomos suíços Michael Mayor e Didier Queloz anunciaram a primeira descoberta de um planeta localizado além do nosso Sistema Solar, em órbita de uma distante estrela semelhante ao Sol conhecida como 51 Pegasi. Desde então, foram encontrados mais de 5.500 exoplanetas em órbita de outras estrelas da nossa Galáxia e, em 2019, os dois cientistas partilharam o Prêmio Nobel da Física pelo seu trabalho pioneiro. 

Na semana passada, astrônomos revelaram novas observações de 51 Pegasi, sugerindo que o atual ambiente magnético em torno da estrela pode ser particularmente favorável ao desenvolvimento de vida complexa. 

Estrelas como o Sol nascem girando depressa, o que cria um forte campo magnético que pode entrar em erupção de forma violenta, bombardeando os seus sistemas planetários com partículas carregadas e radiação nociva. Ao longo de bilhões de anos, a rotação da estrela abranda gradualmente à medida que o seu campo magnético é arrastado por um vento que flui a partir da sua superfície, um processo conhecido como frenagem magnética. A rotação mais lenta produz um campo magnético mais fraco e ambas as propriedades continuam  diminuindo em conjunto, alimentando-se uma à outra. 

Até há pouco tempo, os astrônomos assumiam que a frenagem magnética continuava indefinidamente, mas novas observações começaram a desafiar esta suposição. A equipe de astrônomos dos EUA e da Europa combinou observações de 51 Pegasi feitas pelo TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA com medições de ponta do seu campo magnético feitas pelo LBT (Large Binocular Telescope) no estado norte-americano do Arizona, utilizando o instrumento PEPSI (Potsdam Echelle Polarimetric and Spectroscopic Instrument).

Embora o exoplaneta que orbita 51 Pegasi não passe em frente da sua estrela progenitora, da perspectiva da Terra, a própria estrela mostra variações sutis de brilho nas observações do TESS, que podem ser usadas para medir o raio, a massa e a idade, uma técnica conhecida como asterossismologia. Entretanto, o campo magnético da estrela imprime uma pequena quantidade de polarização na luz estelar, permitindo ao PEPSI do LBT criar um mapa magnético da superfície da estrela à medida que esta gira, uma técnica conhecida como Imagiologia Zeeman-Doppler. 

Em conjunto, estas medições permitiram à equipe avaliar o atual ambiente magnético em torno da estrela. Observações anteriores do telescópio espacial Kepler da NASA já sugeriam que a frenagem magnética poderia diminuir substancialmente para lá da idade do Sol, cortando a estreita relação entre rotação e magnetismo nas estrelas mais velhas. No entanto, as evidências desta mudança eram indiretas, baseando-se em medições da rotação de estrelas com uma vasta gama de idades. 

Era evidente que a rotação deixava de abrandar algo perto da idade do Sol (4,5 bilhões de anos), e que o enfraquecimento da frenagem magnética nas estrelas mais velhas podia reproduzir este comportamento. No entanto, apenas medições diretas do campo magnético de uma estrela podem estabelecer as causas subjacentes, e os alvos observados pelo Kepler eram demasiado tênues para observações do LBT. 

As observações revelaram que a frenagem magnética muda subitamente em estrelas ligeiramente mais jovens do que o Sol, tornando-se mais de 10 vezes mais fraca neste ponto e diminuindo ainda mais à medida que continuam envelhecendo. A equipe atribuiu estas alterações a uma mudança inesperada na força e na complexidade do campo magnético, e à influência desta mudança no vento estelar. As propriedades recentemente medidas de 51 Pegasi mostram que, tal como o nosso Sol, já passou por esta transição para uma frenagem magnética enfraquecida. 

No nosso Sistema Solar, a transição da vida dos oceanos para a terra ocorreu há várias centenas de milhões de anos, coincidindo com o momento em que a frenagem magnética começou a ficar mais fraca no Sol. As estrelas jovens bombardeiam os seus planetas com radiação e partículas carregadas que são hostis ao desenvolvimento de vida complexa, mas as estrelas mais velhas parecem proporcionar um ambiente mais estável. 

As descobertas sugerem que os melhores locais para procurar vida para além do nosso Sistema Solar podem estar em torno de estrelas de meia-idade ou mais velhas.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Leibniz Institute for Astrophysics

Uma "cauda de gato" poeirenta no sistema Beta Pictoris

Beta Pictoris, um jovem sistema planetário situado a apenas 63 anos-luz de distância, continua intrigando os cientistas mesmo após décadas de estudo aprofundado.

© STScI (sistema estelar Beta Pictoris)

Possui o primeiro disco de poeira fotografado em torno de outra estrela, um disco de detritos produzido por colisões entre asteroides, cometas e planetesimais. Observações do telescópio espacial Hubble revelaram um segundo disco de detritos neste sistema, inclinado em relação ao disco mencionado anteriormente. 

Agora, astrônomos utilizaram o telescópio espacial James Webb para obter imagens do sistema Beta Pictoris (Beta Pic) e descobriu uma nova estrutura nunca antes vista. Com o auxílio dos instrumentos NIRCam (Near-Infrared Camera) e MIRI (Mid-Infrared Instrument) do Webb foi possível analisar a composição dos dois discos de detritos de Beta Pic. Os resultados excederam as expectativas, revelando um "ramo" de poeira fortemente inclinado, com o aspecto de uma cauda de gato, que se estende da parte sudoeste do disco de detritos secundário. 

Beta Pictoris é o disco de detritos que tem uma estrela muito brilhante e próxima e um ambiente circunstelar complexo com um disco multicomponente, exocometas e dois exoplanetas fotografados. Mesmo com o Webb, foi crucial observar Beta Pic em comprimentos de onda corretos; neste caso, o infravermelho médio para assim detectar a "cauda de gato", uma vez que esta só apareceu nos dados do MIRI. Os dados no infravermelho médio, obtidos pelo Webb, também revelaram diferenças de temperatura entre os dois discos de Beta Pic, o que provavelmente se deve a diferenças de composição.

Para explicar a temperatura mais quente no disco secundário, a equipe deduziu que a poeira pode ser um "material orgânico refratário" altamente poroso, semelhante à matéria encontrada nas superfícies dos cometas e asteroides do nosso Sistema Solar. Por exemplo, uma análise preliminar do material recolhido do asteroide Bennu pela missão OSIRIS-REx da NASA revelou que era muito escuro e rico em carbono, bastante semelhante ao que o MIRI detectou em Beta Pic. 

No entanto, uma grande questão permanece em aberto: o que poderia explicar a forma da cauda de gato, uma característica curvada única, diferente da que se vê em discos à volta de outras estrelas? Foram modelados vários cenários na tentativa de emular a "cauda de gato" e desvendar as suas origens. Embora sejam necessários mais estudos e testes, a equipe apresenta uma forte hipótese de que a "cauda de gato" é o resultado de um evento de produção de poeira que ocorreu há apenas cem anos.

O modelo preferido da equipe explica o ângulo acentuado da cauda em relação ao disco como uma simples ilusão de ótica. A nossa perspectiva, combinada com a forma curva da cauda, cria o seu ângulo observado quando, de fato, o arco de material apenas se afasta do disco com uma inclinação de cinco graus. Tendo em conta o brilho da cauda, estima-se que a quantidade de poeira no interior da "cauda de gato" é equivalente à de um grande asteroide do nosso cinturão principal, espalhado por 16 trilhões de quilômetros. 

Um recente evento de produção de poeira, no interior dos discos de detritos de Beta Pictoris, também poderia explicar uma extensão assimétrica recentemente observada do disco interno inclinado, como visto nos dados do MIRI e observado apenas no lado oposto da cauda. A recente produção de poeira por colisão também poderia explicar uma característica previamente detectada pelo ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) em 2014: um aglomerado de monóxido de carbono (CO) localizado perto da "cauda de gato".

Uma vez que a radiação da estrela deve decompor o CO em cerca de cem anos, esta concentração de gás ainda presente pode ser uma evidência persistente do mesmo evento. 

Fonte: Space Telescope Science Institute

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Estrela altera seu brilho a cada quatro anos

Doze anos de observações em uma região obscura da constelação de Escorpião, vizinha do centro da Via Láctea, levaram à descoberta de um objeto celeste envolto em um contexto singular.

© Vista (estrela central iluminando nebulosa)

Imagem em falsa cor mostra a estrela central (dentro do círculo cinza) que ilumina parte da nebulosa (rosa), enquanto outra região fica escurecida (azul).

Uma equipe internacional de astrônomos identificou uma jovem estrela variável, que muda de brilho ao longo do tempo, imersa em uma nebulosa, uma nuvem de gás e poeira cósmica, que também altera periodicamente sua luminosidade.

“A cada quatro anos, aproximadamente, a estrela pisca e diminui por um certo tempo o seu brilho. Uma região da nebulosa pisca em sincronia com ela, enquanto outra parte se comporta de maneira inversa”, diz o astrofísico Roberto Saito, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), autor principal que estuda o exótico objeto celeste. 

Esse padrão de variação da luminosidade foi observado durante três ciclos completos de quatro anos. O jogo de pisca e apaga da estrela e da nebulosa é atribuído a um fenômeno ondulatório denominado eco luminoso, similar ao que ocorre com a reverberação produzida pelo som. A estrela emite uma luz que, quando encontra a nebulosa, é refletida de volta e ilumina a nuvem de gás e poeira. Devido à velocidade finita da luz e ao grande tamanho da nebulosa, suas diferentes regiões são, do ponto de vista de um observador externo, iluminadas pela estrela central em momentos distintos. A estrela emite luz em todas as direções. A parte da luz que vem diretamente para a Terra ilumina a região da nuvem mais próxima de nós. Já a luz emitida na direção oposta demora mais para chegar aqui porque tem de ir até a porção mais distante da nebulosa antes de ser refletida de volta em direção à Terra. Quando isso ocorre, a estrela já escureceu de novo. 

No espaço, ecos de luz são comumente observados em novas e supernovas. A nova é a explosão brilhante produzida quando uma enorme massa de gás é transferida de uma estrela grande e relativamente fria para outra, pequena, mas muito quente, em um sistema binário. Quando estrelas gigantes chegam ao final de seu ciclo de vida e sofrem uma violenta explosão nuclear, esse jorro de luz e energia é denominado supernova. 

Em uma estrela variável, ecos de luz nunca tinham sido registrados. Por não se parecer com nenhum tipo de estrela presente nos catálogos de objetos astronômicos, o astro da constelação de Escorpião recebeu o nome de WIT-12. As letras remetem à pergunta, em inglês, “what is this?”, usada para indicar corpos celestes que não se encaixam em nenhuma classe conhecida de objetos e são agrupados em uma categoria à parte. O numeral indica que a estrela é o décimo segundo corpo celeste a ser considerado um WIT, nomenclatura adotada pelo projeto Vista Variables in the Via Lactea (VVV). 

Saito também participou da descoberta de outros WIT a partir de dados do VVV. Desde 2010, essa iniciativa mapeou, em frequências do infravermelho próximo, cerca de 1 bilhão de estrelas no plano da Via Láctea com o telescópio Vista, do Observatório Europeu do Sul (ESO), localizado em Cerro Paranal, no Chile. As observações do Vista usaram diferentes filtros de cor ao longo do tempo e possibilitaram identificar, inicialmente, a existência de uma nebulosa cujo brilho se alterava periodicamente. Em seguida, foi possível associar a mudança de luminosidade da nuvem de gás e poeira a uma fonte de brilho, também variável, situada em seu centro, provavelmente uma estrela. 

Para determinar as características desse objeto celeste, os autores do trabalho tiveram de recorrer aos serviços de outro telescópio situado no Chile. Usaram o Soar, – que tem como um de seus sócios o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – para obter o espectro da estrela. 

Esse tipo de registro decompõe a luz emitida por um astro em suas cores constituintes (diferentes comprimentos de onda) a partir dos quais se pode inferir alguns parâmetros, como sua composição química, temperatura e luminosidade intrínseca. A análise do espectro no infravermelho próximo permitiu classificar a fonte de luz no interior da nebulosa como um objeto estelar jovem (YSO, young stellar object). 

Os dados disponíveis sugerem que se trata de uma estrela vermelha jovem. Esse tipo de corpo celeste, que está nos primórdios de sua existência, costuma ser relativamente frio, com massa não muito maior do que a do Sol, e ter sido formado há apenas alguns milhões de anos. Também é comum que um YSO ainda esteja circundado por uma nuvem de gás e poeira. 

Para o astrofísico Augusto Damineli, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que não está envolvido nos estudos com a estrela e a nuvem de gás e poeira, os resultados apresentados são o começo, e não o fim, dos trabalhos com WIT-12. “Sabemos que se trata de uma estrela variável que emite ecos luminosos para a nebulosa que a cerca”, pondera Damineli. “Foi preciso um investimento observacional significativo para se poder fazer essa afirmação. Ainda assim, ela é completamente insuficiente para responder à pergunta ‘o que é isso?’.” Ele espera que o emprego de novos métodos de análise, possivelmente com ajuda da inteligência artificial, e a entrada em operação de instrumentos de observação mais potentes possam jogar uma luz sobre a natureza de estrelas fora do padrão. Até porque objetos misteriosos como os WIT devem ser registrados com mais constância à medida que novos telescópios, como o Observatório Vera Rubin, no Chile, comecem a funcionar.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Revista FAPESP