Com o auxílio do Very Large Telescope (VLT) do ESO, astrônomos descobriram a galáxia mais brilhante observada até hoje no Universo primordial e encontraram evidências fortes de que este objeto contém estrelas da primeira geração.
© ESO/M. Kornmesser (ilustração da galáxia mais brilhante do Universo primordial)
Estas estrelas massivas e brilhantes, puramente teóricas até agora, foram as criadoras dos primeiros elementos pesados na história, os elementos necessários à formação das estrelas que nos rodeiam atualmente, os planetas que as orbitam e a vida tal como a conhecemos. A galáxia recentemente descoberta chamada CR7 é três vezes mais brilhante do que a galáxia distante mais brilhante que era conhecida até agora.
Os astrônomos desenvolveram há algum tempo a teoria da existência de uma primeira geração de estrelas, conhecidas por estrelas de População III, que teriam nascido do material primordial do Big Bang. O nome População III vem do fato dos astrônomos já terem classificado anteriormente as estrelas da Via Láctea como sendo de População I (estrelas como o Sol, ricas em elementos pesados e que formam o disco da galáxia) e de População II (estrelas mais velhas, com baixo conteúdo de elementos pesados e encontradas no bojo e no halo da Via Láctea e em aglomerados globulares).
Todos os elementos químicos mais pesados, como o oxigênio, nitrogênio, carbono e ferro, que são essenciais à vida, formaram-se no interior das estrelas, o que significa que as primeiras estrelas se devem ter formado dos únicos elementos que existiam antes delas: hidrogênio, hélio e traços mínimos de lítio.
Estas estrelas de População III seriam enormes, várias centenas ou mesmo milhares de vezes mais massivas do que o Sol, extremamente quentes e transientes, que explodiriam sob a forma de supernovas após cerca de apenas dois milhões de anos. No entanto, e até agora, a busca de provas físicas da sua existência tinha-se revelado infrutífera. Encontrar estas estrelas é muito difícil: estes objetos teriam uma vida muito curta e teriam brilhado num momento em que o Universo era essencialmente opaco à sua luz. Descobertas anteriores incluem Nagao et al., 2008, onde não foi detectado hélio ionizado; De Breuck et al., 2000, onde se detectou hélio ionizado ao mesmo tempo que carbono e oxigênio, assim como uma assinatura clara de um núcleo ativo de galáxia; e Cassata et al., 2013, onde foi detectado hélio ionizado, mas com uma largura equivalente muito pequena (ou fraca intensidade), ao mesmo tempo que carbono e oxigênio.
Uma equipe liderada por David Sobral, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, Universidade de Lisboa, e do Observatório de Leiden, Holanda, utilizou o VLT para observar o Universo primordial, no período conhecido por época da reionização, que ocorreu cerca de 800 milhões de anos após o Big Bang. Em vez de fazer um estudo profundo e direcionado a uma pequena área do céu, a equipe ampliou o seu foco de estudo produzindo o maior rastreio de galáxias muito distantes já obtido.
Este extenso estudo fez uso não apenas do VLT, mas também do observatório W. M. Keck, do telescópio Subaru e do telescópio espacial Hubble da NASA/ESA. A equipe descobriu e confirmou um número surpreendente de galáxias brilhantes muito jovens. Uma delas, chamada CR7, trata-se de um objeto excepcionalmente raro, de longe a galáxia mais brilhante alguma vez observada nesta época do Universo. O nome CR7 é uma abreviação do COSMOS Redshift 7, uma medida do lugar ocupado em termos de tempo cósmico. Quanto maior o desvio para o vermelho (redshift), mais distante estará a galáxia e mais para trás no tempo da história do Universo se encontra também. A A1689-zD1, uma das galáxias mais velhas já observada, por exemplo, tem um desvio para o vermelho de 7,5. A CR7 é três vezes mais brilhante que a anterior detentora deste título, Himiko, que se pensava ser uma galáxia extraordinária para esta época precoce do Universo. Galáxias ricas em poeira observadas em épocas mais recentes do Universo podem irradiar mais energia que a CR7, através da emissão infravermelha da poeira morna. A energia proveniente da CR7 é majoritariamente luz visível e ultravioleta. Com a descoberta da CR7 e outras galáxias brilhantes, o estudo era já um sucesso, no entanto pesquisa posterior produziu mais resultados ainda melhores.
Com o auxílio dos instrumentos X-shooter e SINFONI montados no VLT, a equipe encontrou forte emissão de hélio ionizado em CR7 mas, crucialmente e surpreendentemente, nenhum traço de elementos mais pesados na região mais brilhante da galáxia, o que constitui uma forte evidência da existência de aglomerados de estrelas de População III com gás ionizado, numa galáxia do Universo primordial. A equipe considerou duas teorias alternativas: que a fonte de luz era ou um AGN ou estrelas Wolf-Rayet. A falta de elementos pesados e outras evidências, no entanto, vão contra estas duas teorias. A equipe considerou também que a fonte poderia ser um buraco negro em colapso direto, um tipo de objeto que é ele próprio excepcionalmente exótico e puramente teórico. A ausência de uma linha de emissão larga e o fato da luminosidade do hidrogênio e do hélio serem muito maiores do que o previsto para tais buracos negros indicam que esta hipótese é altamente improvável. A ausência de emissão de raios X negaria também esta possibilidade, no entanto são necessárias mais observações.
“A descoberta superou, desde o início, todas as nossas expectativas”, disse David Sobral, “uma vez que não esperávamos encontrar uma galáxia tão brilhante. Após desvendarmos pouco a pouco a natureza de CR7, percebemos que não só tínhamos descoberto a galáxia distante mais brilhante conhecida até agora, como também que este objeto tinha todas as características que se esperam de estrelas de População III. Estas estrelas são as que formaram os primeiros átomos pesados que, em última análise, são os que nos permitem estar aqui. Este estudo revelou-se extremamente interessante”.
Em CR7 encontraram-se tanto aglomerados de estrelas mais azuis como também alguns mais vermelhos, o que indica que a formação das estrelas de População III ocorreu em ondas, como se previa. O que a equipe observou de modo direto foi o último período de estrelas de População III formadas, sugerindo que tais estrelas devem ser mais fáceis de detectar do que o que se pensava anteriormente: estas estrelas encontram-se no meio de estrelas regulares, em galáxias mais brilhantes, e não apenas nas galáxias mais tênues, menores e precoces, as quais são tão fracas que se tornam extremamente difíceis de estudar.
Jorry Matthee, segundo autor do artigo científico que descreve estes resultados, conclui: “Sempre me perguntei de onde é que nós viemos. Mesmo quando era pequeno queria saber de onde vinham os elementos químicos: o cálcio dos meus ossos, o carbono dos meus músculos, o ferro do meu sangue. Descobri que estes elementos foram formados inicialmente no início do Universo, pela primeira geração de estrelas. Com esta descoberta estamos vendo, de fato, tais objetos pela primeira vez”.
Estão planejadas mais observações com o VLT, o ALMA e o telescópio espacial Hubble de modo a confirmar sem sombra de dúvidas que o que se observou são estrelas de População III, além de procurar e identificar outros exemplos.
Este trabalho foi descrito no artigo científico intitulado “Evidence for PopIII-like stellar populations in the most luminous Lyman-α emitters at the epoch of re-ionisation: spectroscopic confirmation”, por D. Sobral, et al., que foi aceito para publicação na revista especializada The Astrophysical Journal.
Fonte: ESO