Uma chuva de cometas está caindo sobre uma jovem estrela distante, dando aos astrônomos uma nova visão de um processo que moldou nosso Sistema Solar bilhões de anos atrás.
© NASA/JPL-Caltech (ilustração de uma tempestade de cometas em torno de Eta Corvi)
Quando a Terra era um planeta jovem, detritos de cometas atingiam sua superfície, transportando material orgânico que pode ter ajudado o surgimento da vida em nosso mundo rochoso. Nos últimos anos, cientistas identificaram evidências indiretas de um processo semelhante em torno de Eta Corvi, uma estrela do tipo solar a cerca de 59 anos-luz de distância, que é um pouco maior e três vezes mais jovem do que o nosso próprio Sol. Agora, os lampejos de gás recentemente observados, os quais cientistas acreditam que emanam de cometas evaporando no calor da estrela, estão fornecendo evidências mais fortes tanto da existência de planetas ocultos quanto da ocorrência de impactos cataclísmicos.
Detectadas pelo astrônomo Barry Welsh, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e por sua colega Sharon Montgomery, da Clarion University, na Pensilvânia, estas lufadas de gás podem ter uma conexão profunda, embora indireta, com nosso próprio lar cósmico. Quando nosso Sol tinha a mesma idade de Eta Corvi, as interações gravitacionais entre os planetas externos do nosso Sistema Solar varreram para a parte interna os remanescentes gelados de sua formação, ocasionando um bombardeio que devassou a Terra e outros planetas rochosos. Este "bombardeio cósmico tardio" (LHB, na sigla em inglês) pode ter sido crucial para a habitabilidade da Terra e para nossa própria existência, ao trazer, do armazenamento profundo nas regiões frias do Sistema Solar externo, os compostos orgânicos e água, elementos essenciais para a vida. E algo parecido com isso parece estar ocorrendo agora em torno de Eta Corvi.
Quando visto em conjunto com observações anteriores que também sugerem influxos de fragmentos de gelo e colisões que abalam o planeta em torno de Eta Corvi, o trabalho de Welsh e de Montgomery constitui o melhor caso para um bombardeio de cometas em curso em torno de outra estrela. O influxo em si fornece dicas sobre planetas envoltos em dois anéis massivos. Acredita-se que uma cadeia de planetas gigantes esteja jogando os cometas para dentro, enquanto pelo menos um corpo rochoso parece ter sido atingido pelos destroços gelados. "Temos uma boa imagem dos diferentes fenômenos que estão ocorrendo no sistema e agora temos uma maneira de conectá-los", diz Sebastian Marino, astrônomo da Universidade de Cambridge que utilizou o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) no Chile para estudar Eta Corvi.
Com 1,5 bilhão de anos de idade, Eta Corvi e seu disco já passaram bastante da infância do planeta. Como o nosso próprio Sistema Solar, a estrela possui um par de discos de detritos, embora Eta Corvi esteja um pouco mais distante. Os discos interno e externo estão a 6 e 165 UA (unidades astronômicas, igual à distância entre a Terra e o Sol) da estrela, respectivamente. Em comparação, nosso Cinturão de Asteroides fica a 5 UA do Sol, enquanto o Cinturão de Kuiper, os restos de gelo que sobraram da formação do Sistema Solar, começa apenas com 40 UA. O fato de Eta Corvi brilhar mais e ser mais quente do que o nosso próprio Sol faz com que os cinturões sejam parecidos com os nossos.
A existência de cometas em torno de Eta Corvi não é inesperada. Em 2012, uma equipe de astrônomos liderada por Carey Lisse, no Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, descobriu material incomum no cinturão interno. Usando o telescópio espacial Spitzer da NASA, eles descobriram que nanolosangos microscópicos, juntamente com poeira rica em água e carbono, foram misturados ao cinturão interno. Os pesquisadores concluíram que algum material vindo de fora do cinturão mais externo havia entrado no sistema, provavelmente através de pelo menos um grande cometa, e que a pura força de sua colisão com um planeta rochoso invisível esmagou a rocha rica em carbono e transformou-a em pó de diamante, que então salpicava o cinturão interno.
Trabalhos posteriores de Marino sugeriram que uma cadeia de planetas de tamanho médio, maiores do que a Terra, mas menores do que Júpiter, poderiam arremessar material cometário para dentro da região do cinturão externo, numa espécie de jogo celestial de batata quente. Neste cenário, a atração gravitacional do planeta mais externo retira o material do cinturão externo e o transporta até que a gravidade do próximo planeta o afaste. Os cometas congelados continuam se movendo, de um planeta para outro, até chegarem ao cinturão interno, onde a luz da estrela derrete suas camadas externas e cria suas “caudas” distintivas de poeira e gás.
Welsh e Montgomery usaram um telescópio de 2,1 metros na Universidade do Texas, no Observatório McDonald de Austin, para estudar Eta Corvi em quatro noites. Durante uma das sessões de uma hora da equipe, eles viram gás quente, que saía de um objeto grande, ou de um aglomerado de objetos menores, bloqueando a luz da estrela. Métodos semelhantes foram usados para identificar cometas em torno de outras estrelas.
As novas observações poderiam ajudar a melhorar nossa compreensão do que aconteceu em nosso próprio Sistema Solar quando o Sol tinha a mesma idade que Eta Corvi tem hoje. Há um grande debate sobre se este evento memorável na história do Sistema Solar ocorreu como um único grande pico ou, em vez disso, a Terra e os outros planetas terrestres experimentaram um ataque mais lento e gradual. Se Eta Corvi é verdadeiramente um análogo confiável para o Sistema Solar pode dirimir as incertezas sobre o tempo e a magnitude da LHB; o que, por sua vez, poderia melhorar a compreensão deste processo à medida que ele se desdobra em outras estrelas.
Até agora, nenhum planeta foi confirmado orbitando Eta Corvi, mas a evidência indireta de sua existência é forte. Enquanto os limites exatos do Cinturão de Kuiper do nosso Sistema Solar são um tanto nebulosos e difusos, o cinturão externo de Eta Corvi é estreito e melhor definido. De acordo com David Nesvorny, um teórico do Southwest Research Institute que modela o desenvolvimento inicial do nosso Sistema Solar, um estreito cinturão sugere fortemente a presença de pelo menos um gigante gasoso nos arredores da faixa.
Tampouco as cadeias de planetas são incomuns. A multiplicidade é a norma para os sistemas exoplanetários, e quase todo tipo de sistema multiplanetário deve prontamente lançar material para a região interna. Atualmente, a maioria das técnicas de detecção de exoplanetas funciona melhor para encontrar mundos próximos de suas estrelas, mas há possibilidade de cadeias de planetas se estenderem para os limites externos de sistemas planetários alienígenas. Os planetas exteriores do Sistema Solar criam esta corrente, embora a gravidade de Júpiter, na maioria das vezes, ejete material para o espaço interestelar, em vez de transportá-lo para mais perto do Sol.
Welsh e Montgomery planejam continuar observando Eta Corvi para fornecer mais uma confirmação do tentador sinal do cometa. Uma nova geração de grandes telescópios terrestres e espaciais programados para começar as operações na próxima década podem ser capazes de fazer imagens do anel interno para ver mais claramente o que está acontecendo lá, talvez até revelando os planetas ocultos da estrela. Enquanto isso, os pesquisadores usaram os telescópios espaciais da NASA Chandra e Spitzer para monitorar a estrela, descartando mundos supermassivos cinco a dez vezes maiores que Júpiter; outras observações estabeleceram um limite superior de seis massas de Júpiter em quaisquer planetas ao redor de Eta Corvi. Pode ser apenas uma questão de tempo até que os astrônomos realmente enxerguem a multiplicidade de mundos de tamanho médio que deve se esconder por ali, e obtenham deles um vislumbre mais profundo de um dos capítulos mais violentos da história do nosso Sistema Solar.
Fonte: Scientific American