Bilhões de partículas da invisível matéria escura provavelmente estão atravessando seu corpo neste exato momento, passando pelo o espaço entre seus átomos sem deixar um único rastro.
© NASA/CXC/CfA/STScI/ESO (aglomerado de galáxias 1E 0657-556)
A imagem mostra o aglomerado de galáxias 1E 0657-556 que provavelvemente contém matéria escura além da matéria bariônica (comum).
De acordo com a concepção convencional, essas partículas seriam menos frequentes durante o inverno boreal e deveriam atingir seu pico por volta de 1º de junho. Mas um novo estudo sugere que esse cálculo está muito errado; o verdadeiro pico ocorre no começo do mês de março.
Acredita-se que a matéria escura constitua quase 27% da massa e energia totais do Universo, mas sua natureza é um mistério. Uma das melhores ideias da física é que essa matéria seja composta por partículas teóricas chamadas de WIMPs (partículas massivas de interação fraca, em inglês), mas até agora as WIMPs não foram detectadas. Seja o que for a matéria escura, ela parece se aglomerar em grandes nuvens chamadas de halos que abarcam galáxias, incluindo nossa própria Via Láctea. Conforme o Sistema Solar faz sua progressão regular pela Via Láctea, ele passa por esse halo, fazendo com que matéria escura bombardeie o Sol e os planetas com um vento estável. A Terra, no entanto, também gira ao redor do Sol. Astrofísicos supunham que quando nosso planeta se movia na direção contrária à do vento de matéria escura (o que ocorre durante o verão boreal), nós deveríamos ver um aumento percentual no número de partículas de matéria escura, e uma redução correspondente quando a Terra viaja com a maré durante o inverno boreal.
Mas essas ideias já aceitas podem estar erradas. O novo estudo sugere que o padrão seria fortemente afetado pelos efeitos gravitacionais do Sol, que até então não eram levados em consideração. “Conforme WIMPs passam pelo Sistema Solar, o arrasto gravitacional do sol altera suas trajetórias individuais, mudando sua direção e velocidade”, explica Samuel Lee da Princeton University, um dos autores do novo artigo, que foi publicado em 3 de janeiro no periódico Physical Review Letters. “Para nossa surpresa, descobrimos que os efeitos podem ser bem drásticos”. Esse arrasto gravitacional também poderia fazer com que a densidade de partículas de matéria escura variem percentualmente, e deveriam modificar o pico sazonal em aproximadamente três meses. “É importante considerar os dois efeitos”, observa Lee.
O arrasto do Sol sobre a matéria escura é chamado de gravitational focusing, porque o Sol age como uma lente para focalizar as rotas das WIMPs em sua direção. O fenômeno depende da energia e velocidade dessas partículas: WIMPs rápidas seriam menos afetadas porque passariam pelo Sistema Solar em velocidades muito altas para sofrer os efeitos do arrasto do Sol, que poderia alterar a rota de WIMPs menos energéticas, que se movessem mais lentamente. “O resultado geral é que a data do sinal máximo se afasta da data canônica de 1º de junho e vai para 1º de março”, explica Lee.
Os efeitos sazonais sobre a matéria escura podem impactar experimentos que pretendam detectar partículas de matéria escura diretamente. Esses experimentos são projetados para capturar as intangíveis WIMPs na rara ocasião de colidirem com partículas de matéria comum. Uma maneira de diferenciar WIMPs reais de partículas comuns é encontrar mais delas em um momento do ano que em outro. Levar a focalização gravitacional em conta poderia ser crucial para identificar um sinal de matéria escura de verdade, apenas WIMPs reais teriam um pico em março todos os anos. “Existem muitos experimentos e muitas situações relevantes em que esse efeito poderia ser muito importante”, declara o físico teórico Peter Graham da Stanford University, que não se envolveu no estudo. “Eu acho que esse é um trabalho excelente que aumenta nossa compreensão do sinal da matéria escura em um experimento de detecção direta”.
Vários projetos estão se aproximando das WIMPs e de outras partículas candidatas à matéria escura e devem ser capazes de encontrá-las, ou descartá-las, dentro de uma década ou menos. Um experimento controverso, o DAMA/Libra (Large sodium Iodide Bulk for RAre processes) no Laboratório Nacional Gran Sasso do Instituto Nacional de Física Nuclear (INFN), na Itália, alegou em 2008 ter detectado WIMPs e tê-las observado em maior número em março que em outras épocas do ano. Muitos físicos duvidaram da descoberta, especialmente porque seus resultados conflitaram com as descobertas nulas de outros detectores. Lee e seus colaboradores apontam que os resultados do DAMA/Libra de fato concordam com sua previsão de que o pico de matéria escura deveria se deslocar de junho para março. “Usar o ângulo de focalização gravitacional como segunda verificação nos ajudará a saber se esses eventos vêm da matéria escura. E experimentos futuros com certeza serão capazes de fazer uso desse efeito como segunda verificação”.
A natureza da matéria escura tem eludido os cientistas por décadas, mas poderia existir um reservatório dela bem na nossa vizinhança?
Se as estranhas medidas feitas pelos satélites do Sistema de Posicionamento Global (GPS) provarem ser causadas por um halo da matérica não bariônica ao redor do nosso planeta. Durante uma apresentação no congresso da União Geofísica Americana (AGU) em San Francisco em Dezembro de 2013, o especialista em GPS, Ben Harris (da Universidade do Texas em Arlington) descreveu algumas medidas da massa da Terra feitas usando uma frota de satélites GPS que estão em órbita ao redor do nosso planeta.
Ele notou uma discrepância de massa quando comparou os resultados com as medidas oficiais de massa usadas pela União Astronômica Internacional (IAU). O conhecimento orbital dos satélites ajudou Harris a calcular a estatística vital da Terra com alto grau de precisão. Depois de analisar 9 meses de dados do GLONASS, do GPS e do Galileo, ele encontrou um valor de massa da Terra que é 0,005 e 0,008 por cento maior do que as medidas anunciadas pela IAU. O que isso significa? Bem, isso poderia indicar um erro não forçado na coleta de dados para as análises, mas existe outra possibilidade intrigante.
Essa discrepância na massa da Terra poderia ser influência de um halo, ou anel, de matéria escura existente ao redor do nosso planeta. Harris explica suas medidas, dizendo que o halo planetário de matéria escura invisível precisaria estar localizado na região equatorial da Terra e teria uma espessura de 191 quilômetros, e uma largura de 70.000 quilômetros. Como observado por Anil Ananthaswamy da New Scientist, Harris ainda levaria em conta os efeitos das interações gravitacionais e relativísticas com o Sol e com a Lua.
Essa pesquisa destaca o vazio de conhecimento que existe sobre a matéria escura. Acredita-se que 85% do Universo seja composto por essa matéria não bariônica, mas nós ainda não a observamos diretamente, somente criada em imensos aceleradores de partículas como o LHC. Nós sabemos que ela está ali, contudo, permeando os aglomerados de galáxias e dobrando o espaço-tempo. Através de indicações indiretas, como as lentes gravitacionais e os movimentos orbitais, nós podemos detectar a coisa e essas medidas recentes de GPS fornecem outro significado tentador do entendimento do efeito sútil de massa numa potencial junção Terra com a matéria escura.
De maneira interessante, a presença hipotética da matéria escura poderia ter outro efeito sutil na nossa vizinhança planetária. Durante os sobrevvos das sondas pela Terra, anomalias minúsculas na velocidade das sondas foram detectadas. Por exemplo, a sonda NEAR (Near-Earth Asteroid Rendezvous) da NASA usou o nosso planeta para uma assitência na velocidade gravitacional em 1998. Durante o sobrevoo, em adição à velocidade extra fornecida pelo sobrevoo, aconteceu um acréscimo misterioso de 13 milímetros por segundo. Esse pequeno valor, tem sido registrado em outros sobrevoos de outras sondas, e é conhecido como anomalia de sobrevoo e é um dos fatores que contribuem para reforçar a evidência de que a gravidade exercida nas sondas é exercida por um halo invisível de matéria escura.
O sobrevoo mais recente, contudo, da sonda com destino a Júpiter da NASA, a Juno, ocorrido em Novembro de 2013, não revelou nenhuma anomalia de velocidade, só aumentando o mistério sobre a natureza das anomalias de sobrevoo.
A saga para elucidar a existência da matéria escura continua.
Fonte: Discovery e Scientific American