Astrônomos anunciaram a descoberta de um caroço inesperado de monóxido de carbono gasoso no disco de poeira que circunda a estrela Beta Pictoris.
© Goddard Space Flight Center/F. Reddy (ilustração de Beta Pictoris)
A descoberta, feita com observações obtidas pelo Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) situado no norte do Chile, é surpreendente uma vez que se espera que tal gás seja rapidamente destruído pela radiação estelar. Algo, provavelmente colisões frequentes entre objetos pequenos e gelados, como cometas, faz com que o gás esteja sendo constantemente criado.
A Beta Pictoris, uma estrela próxima facilmente observável a olho nu no céu austral, já é tida como sendo o arquétipo dos sistemas planetários jovens. Sabe-se que abriga um planeta que orbita a estrela a uma distância de 1,2 bilhões de quilômetros e foi uma das primeiras estrelas que se descobriu rodeada por um enorme disco de poeira. Há muitas estrelas que se encontram envolvidas por nuvens de poeira em movimento, os chamados detritos de poeira. Trata-se dos restos de uma colisão em cascata de rochas em torno da estrela, um pouco como a destruição colisional da estação espacial que aparece no filme Gravity (mas a uma escala muito maior).
As novas observações do ALMA mostram que o disco está permeado de gás de monóxido de carbono. Paradoxalmente, a presença deste gás, tão prejudicial aos humanos na Terra, poderá indicar que o sistema planetário Beta Pictoris se tornará eventualmente passível de abrigar vida. O bombardeamento de cometas que os seus planetas sofrem atualmente está muito provavelmente fornecendo-lhes água indispensável à vida. Os cometas contêm gelos de monóxido de carbono, dióxido de carbono, amônia e metano, no entanto a sua componente majoritária é uma mistura de poeira e gelo de água.
© ESO/NASA (diagrama da concentração de monóxido de carbono em torno de Beta Pictoris)
No entanto, o monóxido de carbono é rápida e facilmente destruído pela radiação estelar, que dura apenas cerca de 100 anos no local onde se encontra no disco de Beta Pictoris. Observá-lo num disco com 20 milhões de anos de idade é realmente uma surpresa. A pergunta é então: de onde é que este gás vem e porque é que ainda lá se encontra?
“A não ser que estejamos observando Beta Pictoris num momento muito particular, o monóxido de carbono deve estar sendo continuamente criado” diz Bill Dent, um astrônomo do ESO trabalhando no Escritório do ALMA em Santiago, Chile, e autor principal do artigo científico. “A fonte mais abundante de monóxido de carbono num sistema estelar jovem é a colisão de objetos gelados, desde cometas a objetos maiores do tamanho de planetas”.
Mas a taxa de destruição tem que ser muito elevada: “Para que haja a quantidade de monóxido de carbono que estamos observando, a taxa de colisões tem de ser verdadeiramente espantosa; uma colisão de um cometa grande a cada cinco minutos”, diz Aki Roberge, astrônomo no Goddard Research Center da NASA, em Greenbelt, EUA e co-autor do artigo. “E para termos este número de colisões, terá que haver uma enorme concentração de cometas”.
O ALMA mostrou ainda outra surpresa, já que as observações revelaram não apenas o monóxido de carbono mas permitiram também mapear a sua localização no disco, devido à capacidade única do ALMA em medir simultaneamente posições e velocidades: o gás concentra-se num único caroço compacto. Esta concentração situa-se a 13 bilhões de quilômetros de distância da estrela, o que corresponde a cerca de três vezes a distância de Netuno ao Sol. A razão por que o gás se concentra neste pequeno caroço tão longe da estrela permanece um mistério.
“Este caroço de gás é uma importante pista sobre o que se passa nas regiões mais externas deste sistema planetário jovem”, diz Mark Wyatt, astrônomo da Universidade de Cambridge, RU, e co-autor do artigo. Mark explica que existem dois processos pelos quais este caroço se pode ter formado: “Ou a atração gravitacional de um planeta ainda não detectado, com massa semelhante à de Saturno, concentra as colisões cometárias nesta pequena região, ou o que estamos vendo são os resquícios de uma colisão catastrófica entre dois planetas gelados com massas semelhantes à de Marte”.
Ambas estas hipóteses dão aos astrônomos razões para esperar descobrir vários outros planetas em torno de Beta Pictoris. “Este monóxido de carbono é apenas o início, podem haver outras moléculas pré-orgânicas mais complexas libertadas por estes corpos gelados”, acrescenta Roberge.
Estão previstas mais observações com o ALMA, que ainda não alcançou sua capacidade máxima, para se continuar estudando este intrigante sistema planetário e consequentemente ajudar-nos a compreender quais as condições que existiam durante a formação do nosso Sistema Solar.
Os novos resultados foram publicados na revista Science.
Fonte: ESO