Pela primeira vez em mais de 50 anos, uma equipe internacional, da qual fazem parte os pesquisadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA1) Pedro Machado e David Luz, desvendou o mistério da nuvem “Y” de Vênus, descrevendo o mecanismo que a suporta e reproduzindo, de forma inédita, a sua evolução temporal.
© Mariner 10 (imagem de Vênus no ultravioleta)
O planeta Vênus está coberto por uma densa camada de nuvens sem quaisquer características distintivas. Porém, quando observado no ultravioleta, apresenta estruturas escuras impressionantes. A origem da maior destas estruturas, que cobre quase todo o disco do planeta e tem a forma de "Y", tem sido um mistério desde a sua descoberta há mais de cinco décadas. No início, os astrônomos pensavam que o Y era apenas um aglomerado de nuvens arrastadas pelo vento, mas em 1973, os dados da missão Mariner 10 da NASA revelaram que a estrutura se propaga como um todo com uma velocidade diferente do meio envolvente.
De acordo com Pedro Machado (IA e Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), "este estudo permitiu levantar o véu de um mistério que persiste há muito tempo sobre a atmosfera de Vênus, o que nos deixou muito entusiasmados. Concluímos que a estrutura observada é na realidade uma onda à escala planetária. Contudo, a princípio não sabíamos de que tipo de fenômeno ondulatório se tratava, visto não se enquadrar em nenhum dos casos conhecidos".
Estas estruturas escuras revelaram a presença de grandes quantidades de um composto ainda desconhecido, que absorve a radiação ultravioleta e obscurece essas regiões. As observações destas estruturas permitiram ainda inferir a característica rotação extrema da atmosfera de Vênus, enquanto o planeta demora 243 dias para girar sobre si mesmo, a atmosfera dá uma volta em torno do planeta a cada quatro dias.
"Uma onda do tamanho da Y deve desempenhar uma função primordial para explicar porque é que a atmosfera roda sessenta vezes mais rápido do que a superfície, de modo que compreender essa estrutura é crucial", afirma Javier Peralta, pesquisador do Instituto de Astrofísica de Andalucía (IAA-CSIC) e responsável por este estudo.
Os pesquisadores deduziram uma nova onda atmosférica compatível com a rotação extremamente lenta de Vênus e que explica, com uma simplicidade surpreendente, muitas das características observadas na onda Y.
Esta onda não está confinada somente à região equatorial, mas também está limitada às altitudes onde os ventos atingem a sua intensidade máxima, o que explica porque a Y só se observa no topo das nuvens de Vênus.
O resultado mais surpreendente deste estudo foi verificar que a forma de "Y" é devida à distorção que os ventos produzem nesta onda. "O vento forte que sopra para o oeste em Vênus é aproximadamente constante entre o Equador e as latitudes médias. Contudo, como em latitudes altas o raio do paralelo do lugar é menor, os ventos completam uma volta ao planeta mais rapidamente do que no Equador, de modo que a onda vai sendo distorcida, explica Javier Peralta. "Foi emocionante ver como essa nova onda de escala planetária toma a forma de um "Y", à medida que os ventos venusianos a distorcem".
Este estudo é destaque na revista Science e escolhido como capa da Geophysical Research Letters.
Fonte: Instituto de Astrofísica de Andalucía