O material que cai num buraco negro lança raios X para o espaço, e agora, pela primeira vez, o observatório de raios X XMM-Newton da ESA usou os ecos reverberantes desta radiação para mapear o comportamento dinâmico e os arredores do próprio buraco negro.
© ESA (ilustração mostra os arredores de um buraco negro)
A maior parte dos buracos negros são demasiado pequenos, no céu, para resolvermos o seu ambiente imediato, mas ainda assim podemos explorar estes objetos misteriosos observando como a matéria se comporta quando se aproxima e cai neles.
À medida que o material espirala em direção a um buraco negro, é aquecido e emite raios X que, por sua vez, ecoam e reverberam à medida que interagem com o gás próximo. Estas regiões do espaço são altamente distorcidas devido à natureza extrema e à gravidade esmagadoramente forte do buraco negro.
Pela primeira vez, pesquisadores usaram o XMM-Newton para rastrear estes ecos de luz e mapear os arredores do buraco negro no núcleo de uma galáxia ativa. Com o nome IRAS 13224–3809, a galáxia hospedeira do buraco negro é uma das fontes de raios X mais variáveis do céu, passando por flutuações muito grandes e rápidas de brilho, na ordem de 50 em poucas horas.
"Todos nós estamos habituados à forma como o eco das nossas vozes soa diferente quando falamos numa sala de aula, em comparação com uma catedral, isto deve-se simplesmente à geometria e aos materiais dos locais, que fazem com que o som se comporte e se mova de maneira diferente," explica William Alston da Universidade de Cambridge, autor principal do novo estudo.
"De maneira semelhante, podemos observar como os ecos da radiação de raios X se propagam nas proximidades de um buraco negro, a fim de mapear a geometria de uma região e o estado de um aglomerado de matéria antes de desaparecer na singularidade. É um pouco como ecolocalização cósmica."
Como a dinâmica do gás em queda está fortemente ligada com as propriedades do buraco negro, William e colegas foram também capazes de determinar a massa e a rotação do buraco negro central da galáxia, observando as propriedades da matéria enquanto espiralava para dentro.
O material em espiral forma um disco enquanto cai para o buraco negro. Acima deste disco encontra-se uma região de elétrons muito quentes, com temperaturas na ordem dos bilhões de graus, chamada coroa. Embora os cientistas esperassem ver os ecos de reverberação que usaram para mapear a geometria da região, também avistaram algo inesperado: a própria coroa mudou de tamanho incrivelmente depressa, em questão de dias.
"À medida que o tamanho da coroa muda, o mesmo ocorre com o eco de luz, um pouco como se o teto da catedral estivesse subindo e descendo, mudando o eco das nossas vozes," acrescenta William.
"Ao rastrear os ecos de luz, fomos capazes de rastrear esta coroa em mudança e também obter valores muito melhores para a massa e para a rotação do buraco negro do que poderíamos determinar se a coroa não estivesse mudando de tamanho. Sabemos que a massa do buraco negro não pode estar flutuando; portanto, qualquer alteração no eco deve ser devida ao ambiente gasoso."
O estudo usou a observação mais longa de um buraco negro em acreção já obtida com o XMM-Newton, recolhida ao longo de 16 órbitas em 2011 e 2016 e totalizando 2 milhões de segundos, ou seja, pouco mais de 23 dias. Isto, combinado com a variabilidade forte e de curto prazo do próprio buraco negro, permitiu aos pesquisadores modelarem os ecos de maneira abrangente ao longo de escalas de tempo de um dia.
A região explorada neste estudo não é acessível a observatórios como o EHT (Event Horizon Telescope), que conseguiu obter a primeira imagem do gás na vizinhança imediata de um buraco negro, aquele localizado no centro da massiva galáxia vizinha M87. O resultado, com base em observações realizadas com radiotelescópios em todo o mundo em 2017 e publicado o ano passado, tornou-se imediatamente uma sensação global.
A imagem do EHT foi obtida usando um método conhecido como interferometria, uma técnica maravilhosa que só pode funcionar nos pouquíssimos buracos negros supermassivos mais próximos da Terra, como o de M87 e o da Via Láctea, porque o seu tamanho aparente no céu é grande o suficiente para este método funcionar.
Em contraste, esta abordagem é capaz de analisar as centenas de buracos negros supermassivos mais próximos que consomem ativamente matéria, e este número aumentará significativamente com o lançamento do satélite Athena da ESA.
A caracterização dos ambientes próximos dos buracos negros é um objetivo científico essencial da missão Athena da ESA, com lançamento previsto para o início da década de 2030 e que revelará os segredos do Universo quente e energético.
A medição da massa, rotação e ritmos de acreção de uma grande amostra de buracos negros é fundamental para entender a gravidade em todo o cosmos. Além disso, dado que os buracos negros supermassivos estão fortemente ligados às propriedades das suas galáxias hospedeiras, estes estudos também são fundamentais para aprofundar o nosso conhecimento de como as galáxias se formam e evoluem ao longo do tempo.
O mapeamento da reverberação é uma técnica excitante que promete revelar muito sobre os buracos negros e sobre o Universo em geral. Espera-se que o XMM-Newton realize campanhas de observação semelhantes para mais algumas galáxias ativas nos próximos anos, para que o método esteja totalmente estabelecido quando a missão Athena for lançada.
Um artigo foi publicado na revista Nature.
Fonte: ESA