Com o auxílio de telescópios do ESO e de outras organizações de todo o mundo, os astrônomos observaram uma rara explosão luminosa de uma estrela sendo dilacerada por um buraco negro supermassivo.
© ESO/M. Kornmesser (espaguetificação de estrela por buraco negro)
Este fenômeno, conhecido por evento de ruptura de marés, se trata do mais próximo de nós registrado até hoje, a pouco mais de 215 milhões de anos-luz de distância da Terra, e foi estudado com um detalhe sem precedentes.
“A ideia de que um buraco negro 'sugando' uma estrela próxima parece saída da ficção científica. Mas é exatamente o que acontece num evento de ruptura de marés,” diz Matt Nicholl, professor e pesquisador da Royal Astronomical Society na Universidade de Birmingham, Reino Unido, e autor principal deste novo estudo. Estes eventos de ruptura de marés, onde a estrela é sujeita ao algo chamado “espaguetificação” quando está sendo sugada por um buraco negro, são raros e nem sempre fáceis de estudar.
A equipe de pesquisadores utilizou o Very Large Telescope (VLT) e o New Technology Telescope (NTT), ambos do ESO, para observar um clarão de luz registrado o ano passado perto de um buraco negro supermassivo, para investigar em detalhes o que acontece quando uma estrela é devorada por tal objeto.
Quando uma estrela azarada se aproxima demais de um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia, a extrema atração gravitacional exercida pelo buraco negro desfaz a estrela em finas correntes de matéria. Quando alguns destes fios finos de material estelar caem no buraco negro durante este processo de espaguetificação, é liberado um clarão brilhante de energia que pode ser detectado pelos astrônomos.
Apesar de brilhante e forte, até agora os astrônomos tinham tido dificuldade em analisar este clarão de luz, devido ao fato deste se encontrar frequentemente obscurecido por uma "cortina" de poeira e restos de material. Mas agora os astrônomos conseguiram finalmente obter pistas sobre a origem desta cortina.
“Descobrimos que, quando um buraco negro devora uma estrela, pode lançar uma quantidade de material para o exterior, que nos obstrui a visão,” explica Samantha Oates, também da Universidade de Birmingham. Isto ocorre porque a energia liberada, quando o buraco negro “devora” o material estelar, faz com que os restos da estrela sejam lançados para o exterior.
Esta descoberta foi possível porque o evento de ruptura de marés que a equipe estudou, AT2019qiz, foi descoberto pouco tempo depois da estrela ter sido desfeita. “Como apanhamos o evento cedo, pudemos ver a cortina de poeira e restos sendo criada à medida que o buraco negro lançava para o exterior uma poderosa corrente de matéria com velocidades de até 10.000 km/s,” diz Kate Alexander, bolsista Einstein da NASA na Universidade Northwestern, EUA. “Esta única 'espiada atrás da cortina' nos proporcionou a primeira oportunidade de localizar a origem do material ocultante e seguir em tempo real como é que engolfa o buraco negro.”
A equipe observou AT2019qiz, situado numa galáxia espiral na constelação de Eridano, durante um período de 6 meses, vendo o clarão luminoso aumentar de intensidade e depois desvanecer.
Foram feitas observações múltiplas do evento durante os meses seguintes em instalações que incluiram o X-shooter e o EFOSC2, instrumentos potentes montados no VLT e no NTT, situados no Chile. As rápidas e extensas observações no ultravioleta, óptico, raios X e ondas rádio revelaram, pela primeira vez, uma ligação direta entre o material que é arrancado da estrela e o clarão brilhante que é emitido quando esta é devorada pelo buraco negro.
“As observações mostraram que a estrela tinha aproximadamente a mesma massa que o nosso Sol e que perdeu cerca de metade desta massa para o buraco negro gigante, o qual apresenta mais de um milhão de vezes a massa da estrela,” diz Nicholl.
A pesquisa nos ajuda a entender melhor os buracos negros supermassivos e como a matéria se comporta nos ambientes de extrema gravidade ao seu redor. A equipe diz que AT2019qiz pode até ser uma “pedra de Roseta” para interpretar futuras observações de eventos de ruptura de marés. O Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, previsto para começar a observar em meados desta década, permitirá a detecção destes eventos cada vez mais tênues e rápidos, ajudando assim a desvendar mais mistérios da física dos buracos negros.
Esta pesquisa foi publicada no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Fonte: ESO