Pesquisadores do Observatório Nacional (ON) podem ter identificado o primeiro núcleo de cometa binário extinto da história na região dos Objetos Próximos da Terra (NEOs, na sigla em inglês).
© NASA/JPL-Caltech (ilustração do asteroide binário 2017 YE5)
Trata-se do objeto 2017 YE5, que fez um encontro próximo com a Terra em junho de 2018, atingindo uma distância de cerca de 0,04 UA (unidades astronômicas), ou 6 milhões de quilômetros (cerca de 16 vezes a distância da Terra à Lua).
O objeto foi descoberto em dezembro de 2017, mas nenhum detalhe sobre suas propriedades físicas e binaridade foram conhecidas até junho de 2018. Na passagem de 2018, os observatórios de radar do Arecibo, Green Bank e Goldstone identificaram que se tratava de um sistema binário. Mais precisamente, eles relataram que o 2017 YE5 é composto por dois corpos de aproximadamente 900 metros de diâmetro que orbitam um ao outro em torno de um centro de massa comum entre eles.
Sistemas binários formados por componentes de tamanhos semelhantes são relativamente raros na região dos NEOs. O 2017 YE5 é um dos apenas quatro sistemas deste tipo conhecidos. Os outros três são 69230 Hermes, (190166) 2005 UP156 e 1994 CJ1.
Durante a aparição de 2018, uma equipe de pesquisadores liderados pelo astrônomo do ON Filipe Monteiro realizou observações fotométricas do binário 2017 YE5 no Observatório Astronômico do Sertão de Itaparica (OASI), no Observatório Astronómico Nacional de San Pedro Martír (OAN-SPM, México) e no Blue Mountain Observatory (BMO, Austrália). Com os dados obtidos nos diferentes observatórios, foi possível realizar uma caracterização completa deste sistema binário incluindo: período orbital do sistema e o período rotacional dos componentes; os índices de cor (relacionados à composição superficial dos asteroides); densidade média; albedo (quantidade de radiação solar refletida) e tipo taxonômico (sistema de classificação de asteroides baseado na forma do espectro de reflectância e no albedo).
Os pesquisadores determinaram que o período orbital do sistema binário em torno do centro de massa comum é de cerca de 24 horas. No entanto, ao analisar possíveis períodos adicionais no sistema, os astrônomos verificaram que um dos objetos pode estar girando com um período de rotação de cerca de 15 horas: “Geralmente, esses sistemas com corpos de tamanho semelhantes estão totalmente sincronizados, o que significa que o período orbital é igual ao período de rotação dos corpos. Mas nesse sistema, um dos corpos parece não ter atingido a sincronização ainda. Uma das possibilidades é a de que o sistema seja relativamente recente e ainda não conseguiu atingir a sincronização completa,” explicou Monteiro.
Além disso, não se descarta que os componentes deste sistema possam ter composições diferentes, o que tornaria o processo de sincronização mais longo devido à diferença entre as massas dos corpos. O estudo indica que o objeto possui uma superfície muito avermelhada, consistente com os asteroides do tipo D, um tipo primitivo de asteroide, rico em material orgânico e volátil. A densidade média do objeto é de cerca de 1g/cm³, o que sugere a presença de voláteis (por exemplo, gelos) no interior dos componentes do sistema.
Os índices de cor obtidos para 2017 YE5 também são típicos de cometas da família de Júpiter, o que ocorre porque a maioria dos núcleos destes cometas exibem características superficiais semelhantes aos asteroides primitivos do tipo D. Por fim, dados no infravermelho disponibilizados pelo projeto MIT-Hawai near-Earth object survey permitiram derivar um albedo de cerca de 3% para o binário 2017 YE5, consistente com os resultados encontrados na literatura para núcleos cometários.
“Por se tratar de um objeto que possui uma órbita típica de cometas da família de Júpiter, estas características indicam que o sistema 2017 YE5 é um possível núcleo cometário binário, cujo material volátil foi perdido ao longo de sua história ou está guardado em seu interior”, explicou Monteiro.
Embora o objeto pareça um cometa extinto, já que não foi observado sublimação de gelo, ele foi classificado como dormente, pois, como mencionado, os componentes voláteis podem estar abaixo de uma camada de rocha. A descoberta de um objeto como este na região próxima da Terra reforça a existência de cometas extintos e dormentes entre os NEOs, o que é bastante relevante, inclusive para entender como o material volátil (inclusive a água) chegou até a Terra.
“É importante mencionar que diversos estudos têm apontado os cometas (e asteroides primitivos) como os principais fornecedores de material orgânico e volátil para Terra primitiva, o que pode ter ajudado a criar um ambiente capaz de gerar as primeiras formas de vida,” ressaltou Monteiro.
Por fim, os pesquisadores concluíram que o binário 2017 YE5 parece ser um alvo plausível para uma missão espacial, pois pode fornecer detalhes sobre o conteúdo volátil e orgânico na região próxima à Terra, bem como fornecer pistas sobre diferenças nos processos de formação de sistemas binários. Uma missão de retorno de amostra a um asteroide como este proporcionaria um grande progresso na compreensão da história inicial do Sistema Solar e na pesquisa da origem da vida na Terra. Ademais, por ser um possível cometa dormente, é um alvo interessante para entender os estados finais dos cometas, ou para estudar os processos dinâmicos que movem os asteroides de órbitas asteroidais típicas para órbitas cometárias.
As investigações resultaram em um artigo intitulado “Physical characterization of equal-mass binary near-Earth asteroid 2017 YE5: a possible dormant Jupiter-family comet”, publicado em agosto de 2021 no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
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Fonte: Observatório Nacional