sábado, 18 de setembro de 2021

Uma supernova gerada por fusão com estrela de nêutrons

Nem todas as supernovas são iguais. Algumas estrelas implodem repentinamente, enquanto outras explodem após o colapso do núcleo.

© C. Carter (ilustração de estrela de nêutrons desencadeando uma supernova)

Existem outros gatilhos conhecidos, mas todos os percursos de supernova previamente observados têm algo em comum: eles são determinísticos, sua evolução ocorre num movimento apenas pelas características da estrela. 

Mas a maioria das estrelas massivas tem companheiras. Existem muitos tipos de sistemas binários, incluindo aqueles em que um ou ambos os pares são uma estrela de nêutrons ou um buraco negro. Eles são chamados de binários compactos e podem formar órbitas estáveis ​​que se degradam lentamente, ao longo de milhões ou mesmo bilhões de anos, antes de finalmente se fundirem. Mas e se aquele encontro fatídico acontecer muito mais rapidamente, ao longo de apenas algumas centenas de anos?

Às vezes, a interação com gás denso circundante acelera a decadência orbital. Neste caso, Roger Chevalier (Universidade da Virgínia) teorizou em 2012 que o objeto compacto poderia fazer com que sua estrela vizinha explodisse prematuramente. Ao longo de um período de tempo relativamente curto, o objeto compacto colapsa para dentro, sua força gravitacional faz com que a estrela expanda suas camadas externas. À medida que gases densos se espalham por uma grande região ao redor da estrela, eles se arrastam na órbita mútua e aceleram a fusão e a subsequente supernova.

Agora, pela primeira vez, astrônomos afirmam ter observado o fenômeno. Tudo começou pela procura de explosões de raios gama (GRBs) “órfãs”. A maioria dos GRBs é o resultado de supernovas, quando uma estrela de alta massa forma uma estrela de nêutrons ou um buraco negro e explode. A explosão começa com jatos que fazem um túnel através da estrela, geralmente visíveis apenas se apontados precisamente para a Terra.

Mas os astrônomos queriam encontrar GRBs não apontados diretamente para nós. Isto pode ser feito indiretamente; ao observar a onda de choque de rádio, que um GRB cria quando viaja através do gás ao redor de um objeto. Em 2017, foi detectada através do Very Large Array (VLA) Sky Survey uma explosão repentina extremamente luminosa de ondas de rádio. Mas observações posteriores usando o telescópio Keck no Havaí mostraram que a onda de choque foi surpreendentemente lenta.

Para que a onda de choque viajasse tão lentamente de um evento tão luminoso, teria que haver uma grande quantidade de material no caminho, muito mais do que poderia ser transportado por ventos estelares antes do colapso. Astrônomos, após examinar algumas explosões não categorizadas catalogadas pelo MAXI, um gerador de imagens de raios X na Estação Espacial Internacional, surgiu uma surpresa. Foi encontrada uma explosão incomum de raios X que, após uma análise cuidadosa, parece estar na hora certa, no lugar certo no céu. Eles descobriram o que talvez seja a supernova de rádio mais luminosa já observada, cercada por um gás denso e associada à emissão de raios X de alta energia. Os raios X apontam para a presença de um jato relativístico, que pode ocorrer após eventos de fusão.

Esta interpretação dos dados é baseada em suposições sobre quanto material os jatos relativísticos podem ejetar, e quão observável isto pode ser, cuja física não é totalmente compreendida. O resultado também assume que os raios X e as ondas de rádio vêm do mesmo lugar, o que não é uma garantia porque o MAXI não tem a melhor resolução. Não há como mostrar definitivamente que a supernova vem de uma fusão, porque é transitória, o flash de raios X acabou e o brilho do rádio e a luz visível estão desaparecendo.

Quando o Observatório Vera C. Rubin, que monitora o céu, ficar operacional em alguns anos, deverá ajudar a caracterizar eventos raros e incomuns, como supernovas de fusão.

Os resultados foram publicados na revista Science.

Fonte: Sky & Telescope

Uma falha no campo magnético da Terra

Quando naves espaciais como as da empresa norte-americana SpaceX começarem a levar turistas para passeios na órbita da Terra, será necessário ficar mais atento e desligar alguns aparelhos ao passar sobre a América do Sul e o sul do oceano Atlântico.

© ESA (anomalia magnética na Terra)

Na imagem o azul mais escuro corresponde a área de menor intensidade do campo magnético.

Sobre essa região encontra-se uma área com campo magnético mais fraco, a Anomalia Magnética do Atlântico Sul (Amas), com menor poder de filtrar a radiação solar e as partículas do espaço. De acordo com estudos recentes, a Amas não para de se mover, podendo desaparecer de um lugar e reaparecer em outro. 

O campo magnético é o resultado do movimento do ferro líquido que envolve o núcleo interno do planeta, formado de ferro sólido. Ao girar a uma velocidade maior que a superfície, o ferro líquido produz um campo magnético com dois polos magnéticos opostos, próximos aos polos Norte e Sul geográficos. Sua intensidade na superfície do planeta é menor que a de um ímã de prender papel na porta da geladeira e diminui ainda mais no topo da atmosfera. Mesmo assim, funciona como um escudo de partículas cósmicas. 

Uma peculiaridade do campo magnético são as irregularidades ou anomalias, como a Amas. Dados históricos dos navegantes, que registravam a direção do campo magnético com bússolas, indicam que a Amas já existia na África do Sul no século XVI, com uma área bem menor, menos de um décimo da atual. Ela cruzou o oceano Atlântico a uma velocidade de cerca de 20 quilômetros por ano, aumentou em tamanho e diminuiu em intensidade. No entanto, pesquisadores brasileiros e franceses mostraram que o comportamento da Amas é diferente do que se imaginava.

“A Amas não se move em linha reta e velocidade constante quando vaga rumo a oeste, como previsto em modelos anteriores”, conta o geofísico Ricardo Trindade, da Universidade de São Paulo (USP), um dos autores de um estudo publicado na Earth, Planets and Space em fevereiro. “Há cerca de 80 anos, a Amas se dirigiu rapidamente para o sul e décadas depois foi para leste, antes de retomar o movimento para oeste.” 

O trabalho, baseado em dados de observatórios terrestres e de satélites, analisou a trajetória da Amas de 1840 a 2020, quando já cobria parte da América do Sul. Os pesquisadores brasileiros, trabalhando com colegas da Universidade de Nantes, na França, detectaram as variações de trajetória ao considerar o enfraquecimento do campo magnético da Terra, hoje 10% menos intenso do que quando foi medido com precisão pela primeira vez, em 1839, pelo matemático e físico alemão Carl Friedrich Gauss (1777-1855). Segundo Trindade, medir a Amas sem levar em consideração essa queda geral do campo magnético distorce as medidas, “como a profundidade do mar parece ser maior se for medida apenas a partir da maré alta”. 

A Amas, como todo o campo magnético da Terra, está hoje em sua fase mais fraca dos últimos cinco séculos. Teoricamente, a essa redução se seguiria uma inversão total dos polos magnéticos da Terra em centenas ou alguns milhares de anos, o que poderia provocar uma catástrofe climática e ambiental, como deve ter ocorrido há 780 mil anos. No entanto, analisando o registro magnético de estalagmites da caverna do Pau d’Alho, no município de Rosário do Oeste, em Mato Grosso, a equipe franco-brasileira mostrou que a Amas já passou por períodos de intensidade mínima em torno dos anos 850 e 1450, sem que os polos se invertessem. Depois disso, teria desaparecido sobre a América Latina e uma nova anomalia teria nascido próxima à África. Essa transição estaria acontecendo nesse momento: uma nova e pequena Amas já desponta no oceano Atlântico perto da África do Sul. Se a previsão estiver correta, a Amas atual, que cobre o Brasil, deve desaparecer, em data incerta, e o campo magnético da Terra deve ficar mais intenso, adiando a inversão dos polos. 

“As transformações abruptas na Amas observadas no Brasil, com queda na intensidade magnética, aconteceram cerca de 200 anos antes na África”, diz o geofísico Gelvam Hartmann, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos autores de um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences em dezembro de 2018. “Esse é o tempo, em média, que a Amas leva para se deslocar da África até a América do Sul.” A equipe chegou a essa conclusão comparando os dados da caverna com registros da África do Sul obtidos por outros grupos de pesquisa. 

Durante a formação das estalagmites – rochas que crescem do chão em direção ao teto, com acúmulo principalmente de calcário –, partículas de argila do solo, com minerais ferrosos como a magnetita, são carregadas pela chuva para dentro das cavernas. O calcário solidifica e a magnetita, como a agulha de uma bússola, se alinha ao campo magnético da Terra. Segundo Hartmann, as formações rochosas do interior das cavernas são ótimas para esse tipo de estudo por se formarem “em um ambiente livre de perturbações mecânicas que possam influenciar no registro magnético pelas magnetitas”.

A anomalia nascente perto da África surgiu nos últimos 15 anos, longe do centro da Amas, atualmente sobre o Paraguai. “Essa região está se expandindo e começando uma nova fase da anomalia”, explica o geofísico Filipe Terra-Nova, da USP. A conclusão reforça a hipótese de que as Amas se sucedem e, portanto, a reversão de polos estaria distante.

Um estudo internacional publicado na revista Science em fevereiro ilustra o impacto da movimentação dos polos magnéticos da Terra. Há cerca de 42 mil anos, após uma inversão, os polos não se estabilizaram e voltaram para a posição original. “O campo magnético quase desapareceu, deixando o planeta exposto a todo tipo de partículas de alta energia do espaço”, disse o geólogo Chris Turney, da University of New South Wales, em Sydney, Austrália. “Certamente, foi um período assustador, que lembrava o final dos tempos.” As intensas mudanças climáticas e ambientais podem até ter contribuído para a extinção de um tipo de hominídeo, os neandertais.

O telescópio espacial Hubble é desligado propositadamente sempre que passa pela Amas. As paredes da Estação Espacial Internacional (EEI) são feitas de materiais que reduzem a exposição dos astronautas aos raios cósmicos, principalmente quando passam por essa região.

“Os aviões comerciais, que voam a cerca de 12 km de altitude, podem sofrer impacto dos raios cósmicos”, comenta o físico Maurício Tizziani Pazianotto, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Em 2008, um Airbus A3300 que ia de Singapura para a Austrália baixou o nariz duas vezes na mesma viagem sem nenhuma ordem dos pilotos. Alguns passageiros se feriram. “A causa do acidente não foi descoberta, mas um dos fatores que não foi descartado foi a radiação cósmica”, diz.

Em um estudo publicado na revista IEEE Transactions on Aerospace and Electronic Systems em abril de 2020, ele mostrou que a probabilidade de interferência dos raios cósmicos varia de acordo com o local e a posição do aparelho no avião. Segundo ele, em alguns casos bastaria mudar a posição do equipamento – horizontal ou vertical – para reduzir a probabilidade de falhas.

Fontes: Pesquisa FAPESP e ESA

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Explosão de supernova esperada para 2037

É um desafio fazer previsões, especialmente em astronomia. Existem, no entanto, algumas previsões das quais os astrônomos podem depender, como o momento dos próximos eclipses lunares e solares e o regresso de alguns cometas.

© Hubble (supernova Requiem)

Três visões da mesma supernova aparecem na imagem de 2016 à esquerda, obtida pelo telescópio espacial Hubble. Mas não na imagem de 2019. A supernova distante, chamada Requiem, está inserida no gigantesco aglomerado de galáxias MACS J0138. O aglomerado é tão massivo que a sua poderosa gravidade dobra e amplia a luz da supernova, localizada numa galáxia bem por trás. Os círculos brancos na imagem destacam o efeito de lente gravitacional. A localização prevista da quarta imagem está destacada pelo círculo amarelo perto do canto superior esquerdo.

Agora, olhando bem além do Sistema Solar, os astrônomos adicionaram uma previsão sólida de um evento que ocorre nas profundezas do espaço intergaláctico: uma imagem de uma estrela explodindo, denominada supernova Requiem, que aparecerá por volta do ano 2037.

Embora esta retransmissão não seja visível a olho nu, alguns futuros telescópios devem ser capazes de a detectar. Acontece que esta futura aparência será a quarta observação conhecida da mesma supernova, ampliada, iluminada e dividida em imagens separadas por um enorme aglomerado de galáxias em primeiro plano agindo como lentes de aumento cósmico. 

Três imagens da supernova foram encontradas pela primeira vez em dados de arquivo obtidos em 2016 pelo telescópio espacial Hubble. As imagens múltiplas são produzidas pela poderosa gravidade do gigantesco aglomerado de galáxias, que distorce e amplia a luz da supernova bem por trás dele, um efeito chamado de lente gravitacional. Previsto pela primeira vez por Albert Einstein, este efeito é semelhante a uma lente de vidro que curva a luz para ampliar a imagem de um objeto distante.

As três imagens da supernova, vista como pontos pequenos captados num único instantâneo pelo telescópio espacial Hubble, representam a luz do rescaldo explosivo. Os pontos variam em brilho e cor, o que significa três fases diferentes do rescaldo da explosão à medida que arrefece com o tempo.A luz captada do aglomerado, MACS J0138.0-2155, levou cerca de 4 bilhões de anos para chegar à Terra. A luz da supernova Requiem precisou de cerca de 10 bilhões de anos para completar a sua viagem até nós, com base na distância da sua galáxia hospedeira.

A previsão do novo aparecimento da supernova tem por base modelos de computador do aglomerado, que descrevem os vários percursos que a luz da supernova está tomando através do labirinto de matéria escura no agrupamento galáctico. A matéria escura é um material invisível que compreende a maior parte da matéria do Universo e é a estrutura sobre a qual as galáxias e aglomerados de galáxias são construídos. Cada imagem ampliada segue um caminho diferente através do aglomerado e chega à Terra em momentos diferentes, devido, em parte, às diferenças no comprimento destes caminhos que a luz da supernova seguiu.

Sempre que alguma luz passa perto de um objeto muito massivo, como uma galáxia ou um aglomerado de galáxias, a deformação do espaço-tempo que a teoria da relatividade geral de Einstein infere estar presente para qualquer massa, atrasa a viagem da luz em torno desta massa. Além disso, a imagem da supernova sob efeito da lente gravitacional que aparecerá por volta de 2037 fica atrás das outras imagens da mesma supernova porque a sua luz viaja diretamente pelo meio do aglomerado, onde reside a quantidade mais densa de matéria escura. A imensa massa do aglomerado curva a luz, produzindo o atraso de tempo mais longo.

Um minúsculo objeto vermelho nos dados de 2016 chamou a atenção, que inicialmente pensou-se ser uma galáxia longínqua. Mas este tinha desaparecido nas imagens de 2019. Mas, após uma inspeção mais aprofundada dos dados de 2016, noto-se que havia na verdade três objetos ampliados, dois vermelhos e um roxo. Cada um dos três objetos foi emparelhado com uma imagem de lente de uma galáxia massiva distante. Isto significa que não era uma galáxia distante, mas na verdade uma fonte transitória neste sistema que havia desvanecido nas imagens de 2019 como a luz de uma lâmpada que tinha sido desligada.

As imagens da supernova com lente estão organizadas num arco em torno do núcleo do aglomerado. Aparecem como pequenos pontos próximos das características difusas em tons alaranjados que se pensa serem os instantâneos ampliados da galáxia hospedeira da supernova.

O desenvolvimento de mapas precisos da matéria escura em aglomerados de galáxias massivos é outra maneira de medir o ritmo de expansão do Universo e de investigar a natureza da energia escura, uma forma misteriosa de energia que atua contra a gravidade e faz com que o cosmos se expanda a ritmo mais acelerado. Este método de atraso de tempo é valioso porque é uma forma mais direta de medir o ritmo de expansão do Universo. 

A detecção de imagens de supernova sob o efeito de lentes gravitacionais vai tornar-se cada vez mais comum ao longo dos próximos 20 anos com o lançamento do telescópio espacial Nancy Grace Roman da NASA e do início das operações no Observatório Vera C. Rubin. Ambos os telescópios vão observar grandes áreas do céu, o que lhes permitirá localizar dezenas de supernovas com imagens múltiplas. Futuros telescópios, como o telescópio espacial James Webb da NASA, também podem detectar a luz da supernova Requiem em outras épocas da explosão. 

Os resultados foram publicados na revista Nature Astronomy.

Fonte: Space Telescope Science Institute

Revelado mistério cósmico da supernova chinesa de 1181

Segundo uma equipe internacional de astrônomos, um mistério cósmico com 900 anos, em torno das origens de uma famosa supernova avistada pela primeira vez na China no ano 1181, foi finalmente resolvido.

© U. Hong Kong (Estrela de Parker e da nebulosa PA 30)

Imagens em cores falsas da Estrela de Parker e da nebulosa PA 30 ao seu redor, que constituem o remanescente do evento SN 1181. As cores representam o infravermelho, óptico e ultravioleta. Os contornos na imagem do meio mostram emissão de raios X. À distância de 7.500 anos-luz, 45 segundos de arco no céu correspondem a 100.000 UA (unidade astronômica, é a distância média entre a Terra e o Sol, cerca de 150 milhões de quilômetros).

Uma nova pesquisa diz que uma nebulosa tênue e em rápida expansão, de nome Pa 30, em torno de uma das estrelas mais quentes da Via Láctea, conhecida como Estrela de Parker, encaixa no perfil, localização e idade da supernova histórica. 

No último milênio (começando no ano 1006), só houveram cinco supernovas brilhantes na Via Láctea. Destas, a supernova chinesa, também conhecida como "Estrela Convidada" de 1181, tem permanecido um mistério. Foi originalmente vista e documentada por astrônomos chineses e japoneses no século XII, que disseram que era tão brilhante quanto o planeta Saturno e permaneceu visível durante seis meses.

Também registaram uma localização aproximada no céu, mas nenhum vestígio confirmado da explosão tinha sequer sido identificado pelos astrônomos modernos. As outras quatro supernovas são agora bem conhecidas da ciência moderna e incluem a famosa Nebulosa do Caranguejo. 

Os astrônomos descobriram que a nebulosa Pa 30 está se expandindo a uma velocidade extrema de mais de 1.100 km/s (com esta velocidade, viajar da Terra à Lua levaria apenas 5 minutos). Eles usaram esta velocidade para derivar uma idade em torno de 1.000 anos, que coincidiria com os eventos do ano 1181. 

Os relatos históricos colocam a Estrela Convidada entre duas constelações chinesas, Chuanshe e Huagai. A Estrela de Parker está próxima desta posição. Isso significa que tanto a idade quanto a localização correspondem aos eventos de 1181.

A nebulosa Pa 30 e a Estrela de Parker foram propostos anteriormente como resultado da fusão de duas anãs brancas. Pensa-se que tais eventos levem a um tipo raro e relativamente tênue de supernova, chamada supernova do Tipo Iax. Apenas mais ou menos 10% das supernovas são deste tipo e não são bem compreendidas. O fato de SN1181 ter sido fraca, mas ter desvanecido muito lentamente, encaixa neste tipo. 

É o único evento é possível estudar a nebulosa remanescente e a estrela resultante da fusão, e também ter uma descrição da própria explosão. A fusão de estrelas remanescentes, anãs brancas e estrelas de nêutrons, dá origem a reações nucleares extremas e forma elementos pesados e altamente ricos em nêutrons, com ouro e platina. 

A combinação de todas estas informações como idade, localização, brilho do evento e duração historicamente registada de 185 dias, indica que a Estrela de Parker e Pa 30 são as contrapartes de SN1181. Esta é a única supernova do Tipo Iax onde estudos detalhados da estrela remanescente e da nebulosa são possíveis.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: University of Hong Kong

ALMA revela ambientes que dão origem a planetas

Uma colaboração internacional de cientistas, usando o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), concluiu o mais extenso mapeamento da composição química dos discos protoplanetários em torno de cinco estrelas jovens próximas em alta resolução, produzindo imagens que captam a composição molecular associada a nascimentos planetários, e um roteiro para estudos futuros da composição das regiões de formação planetária e cometária.

© ALMA (estrela HD 163296)

Os dados do ALMA da jovem estrela HD 163296 mostram a brilhante emissão do cianeto de hidrogênio em azul vista na imagem.

O novo estudo desvenda pistas sobre o papel das moléculas na formação do sistema planetário e se estes jovens sistemas de planetas em formação têm tudo o necessário para abrigar vida. 

O programa é apropriadamente chamado de MAPS (Molecules with ALMA at Planet-forming Scales). Os planetas formam-se em discos de poeira e gás, também chamados discos protoplanetários, em torno de estrelas jovens. A composição química ou moléculas contidas nestes discos pode ter um impacto sobre os próprios planetas, incluindo como e onde ocorre a formação planetária, a composição química dos planetas e se eles têm a composição orgânica necessária para suportar vida.

O MAPS olhou especificamente para os discos protoplanetários em torno das estrelas jovens IM Lup, GM Aur, AS 209, HD 163296 e MWC 480, onde já tinham sido detectadas evidências de formação planetária em andamento. O projeto levou a várias descobertas empolgantes, incluindo uma ligação entre poeira e subestruturas químicas e a presença de grandes reservatórios de moléculas orgânicas nas regiões internas do disco.

Notou-se que os discos de formação planetária em torno destas cinco estrelas jovens são fábricas de uma classe especial de moléculas orgânicas, os nitrilos, que estão implicadas nas origens da vida aqui na Terra. Foram observadas ao longo do projeto, e em detalhes sem precedentes, moléculas orgânicas simples como HCN, C2H e H2CO, graças à sensibilidade e poder de resolução dos receptores de Banda 3 e Banda 6 do ALMA.

Em particular, foi possível observar a quantidade de pequenas moléculas orgânicas nas regiões internas dos discos, onde provavelmente estão sendo formados planetas rochosos. Os cientistas também observaram moléculas orgânicas mais complexas como HC3N, CH3CN e c-C3H2, especialmente aquelas que contêm carbono e, portanto, têm maior probabilidade de atuar como matéria-prima de moléculas pré-bióticas maiores. Embora estas moléculas já tenham sido detectadas antes em discos protoplanetários, o MAPS é o primeiro estudo sistemático em vários discos e a alta resolução espacial e sensibilidade, e o primeiro estudo a encontrar as moléculas em escalas pequenas e quantidades tão significativas. Existe também uma semelhança química aos cometas do Sistema Solar. 

No entanto, as moléculas não estão distribuídas uniformemente pelos discos protoplanetários, como evidenciado no MAPS III e IV, que revelaram que, embora as composições gerais pareçam ser semelhantes à do Sistema Solar, a ampliação em alta resolução revela alguma diversidade na composição que poderia resultar em diferenças de planeta para planeta.

O gás molecular nos discos protoplanetários é muitas vezes encontrado em conjuntos de anéis e lacunas distintas. Mas o mesmo disco, observado em diferentes linhas de emissão molecular, parece completamente diferente, com cada disco tendo múltiplas faces moleculares. Isto significa que alguns planetas se formam com as ferramentas necessárias para construir e suportar vida, enquanto outros planetas vizinhos não. Um destes ambientes radicalmente diferentes ocorre no espaço em torno de planetas semelhantes a Júpiter, onde os cientistas descobriram que o gás é pobre em carbono, oxigênio e elementos mais pesados, embora seja rico em hidrocarbonetos, como o metano.

esta descoberta sugere que muitos gigantes gasosos podem formar-se com atmosferas extremamente pobres em oxigênio, mas ricas em carbono, desafiando as expetativas atuais das composições planetárias. 

Os resultados do programa aparecerão numa edição especial de 20 artigos científicos da revista The Astrophysical Journal Supplement Series.

Fonte: National Radio Astronomy Observatory

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Surpresa: a Via Láctea não é homogênea

Astrônomos da Universidade de Genebra observaram a composição dos gases na nossa Galáxia e mostraram que, ao contrário dos modelos estabelecidos até agora, não se misturam homogeneamente.

© Mark A. Garlick (nuvens e fluxos de gás cósmico pristino)

A ilustração mostra nuvens e fluxos de gás cósmico pristino (magenta) que acretam na Via Láctea, mas este gás não se mistura de forma eficiente no disco galáctico, como destacado para a vizinhança solar (ampliação).

Para melhor entender a história e a evolução da Via Láctea, os astrônomos estão estudando a composição dos gases e dos metais que compõem uma parte importante da nossa Galáxia. Destacam-se três componentes principais: o gás inicial oriundo do exterior da Via Láctea, o gás entre as estrelas, no seu interior enriquecido com elementos químicos, e a poeira gerada pela condensação dos metais presentes neste gás.

Até agora, os modelos teóricos presumiam que estes três componentes se misturavam homogeneamente por toda a Via Láctea e que atingiam um nível de enriquecimento químico semelhante ao da atmosfera do Sol, denominado metalicidade solar. 

Os astrônomos demonstram que estes gases não se misturam tanto quanto se pensava, o que tem um forte impacto na compreensão atual da evolução galáctica. Como resultado, as simulações da evolução da Via Láctea terão que ser modificadas. 

As galáxias são coleções gigantes de estrelas e são formadas pela condensação do gás do meio intergaláctico composto principalmente de hidrogênio e um pouco de hélio. Enquanto que as estrelas queimam o hidrogênio que as constitui ao longo da sua vida e formam outros elementos por meio da nucleossíntese. Quando uma estrela que chegou ao fim da sua vida explode, expele os metais que produziu, como ferro, zinco, carbono e silício, adicionando estes elementos ao gás da galáxia. Estes átomos podem então condensar-se em poeira, especialmente nas partes mais frias e densas da galáxia.

Inicialmente, quando a Via Láctea foi formada, há mais de 10 bilhões de anos, não tinha metais. A partir daí, as estrelas enriqueceram gradualmente o ambiente com os metais que produziam. O ambiente que compõe a Via Láctea, portanto, reúne os metais produzidos pelas estrelas, as partículas de poeira que se formaram a partir destes metais, mas também os gases de fora da Galáxia que regularmente entram nela.

Até agora, os modelos teóricos consideravam que estes três componentes se misturavam homogeneamente e atingiam a composição solar na nossa Galáxia, com um ligeiro aumento da metalicidade no centro, onde as estrelas são mais numerosas. 

Os astrônomos observaram em detalhes este aspecto usando um espectrógrafo ultravioleta no telescópio espacial Hubble. A espetroscopia permite que a luz das estrelas seja separada nas suas cores ou frequências individuais, um pouco como um prisma ou um arco-íris. Nesta luz decomposta, notam-se as linhas de absorção que permitem verificar a existência de metais. 

Durante 25 horas, a equipe de cientistas observou a atmosfera de 25 estrelas usando o telescópio espacial Hubble e o Very Large Telescope (VLT) no Chile. O problema? A poeira não pode ser contada com estes espectrógrafos, embora contenha metais. Portanto, a equipe desenvolveu uma nova técnica de observação. Trata-se de levar em consideração a composição total do gás e da poeira observando simultaneamente vários elementos como o ferro, zinco, titânio, silício e oxigênio. Em seguida é possível rastrear a quantidade de metais presentes na poeira e adicioná-la àquela já quantificada pelas observações anteriores para obter o total. Graças a esta dupla técnica de observação, os astrônomos descobriram que não só o ambiente da Via Láctea não é homogêneo, mas que algumas das áreas estudadas atingem apenas 10% da metalicidade solar.

Esta descoberta desempenha um papel fundamental na concepção de modelos teóricos sobre a formação e evolução das galáxias. Agora, os astrônomos pretendem refinar as simulações aumentando a resolução, para incluir estas mudanças na metalicidade em diferentes locais da Via Láctea. Estes resultados têm um forte impacto na compreensão da evolução das galáxias. Contudo, os metais desempenham uma função primordial na formação das estrelas, da poeira cósmica, das moléculas e dos planetas. E sabemos agora que podem ser formadas hoje novas estrelas e planetas a partir de gases com composições muito diferentes.

Um artigo sobre o assunto foi publicado na revista Nature.

Fonte: Université de Genève

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

O asteroide Cleópatra

Uma equipe de astrônomos obteve as imagens mais nítidas e detalhadas do asteroide Cleópatra.

© ESO/VLT (asteroide Cleópatra e suas luas)

Uma equipe, liderada Franck Marchis, astrônomo do Instituto SETI em Mountain View, EUA, e do Laboratoire d'Astrophysique de Marseille, França, determinou a forma tridimensional e a massa deste asteroide peculiar, que se parece com um osso de cachorro, com uma precisão maior do que nunca. Este estudo fornece pistas sobre como é que este asteroide e as duas luas que o orbitam se formaram.

Cleópatra orbita o Sol no Cinturão de Asteroides, entre Marte e Júpiter. Observações por radar, obtidas há cerca de 20 anos, revelaram que este objeto possui dois lóbulos ligados por uma haste grossa. Em 2008, foi descoberto que Cleópatra tem em sua órbita duas luas, chamadas AlexHelios e CleoSelene, em homenagem aos filhos da rainha egípcia. 

Para saberem mais sobre Cleópatra, os astrônomos usaram fotografias do asteroide tiradas entre 2017 e 2019 em momentos diferentes, com o instrumento SPHERE (Spectro-Polarimetric High-contrast Exoplanet REsearch) montado no Very Large Telescope (VLT) do ESO. À medida que o asteroide ia rodando sobre si mesmo, foi possível observá-lo a partir de diversos ângulos e criar os modelos 3D mais precisos de sua forma até o momento. Estes modelos limitaram a forma de “osso de cachorro” do asteroide e o seu volume, descobrindo que um dos lóbulos é maior que o outro e determinando que o comprimento do asteroide é cerca de 270 km, ou seja, ou cerca de metade do comprimento do Canal da Mancha.

Em um segundo estudo, liderado por Miroslav Brož da Universidade Charles em Praga, República Tcheca, detalha como utilizou observações do SPHERE para determinar com precisão as órbitas das duas luas de Cleópatra. Estudos anteriores já tinham estimado estas órbitas, mas as novas observações do VLT mostraram que as luas não estavam onde os dados antigos tinham previsto.

Graças às novas observações e a modelos sofisticados, a equipe conseguiu descrever de forma precisa como é que a gravidade de Cleópatra influencia os movimentos das suas luas e determinar as órbitas complexas de AlexHelios e CleoSelene, o que, por sua vez, lhe permitiu calcular a massa do asteroide, descobrindo assim que esta é 35% menor do que o estimado anteriormente.

Combinando estes novos valores de massa e volume, os astrônomos puderam calcular um novo valor para a densidade do asteroide, a qual, sendo menor que metade da densidade do ferro, revelou ser menor do que o que se pensava anteriormente. A nova densidade calculada é de 3,4 gramas por centímetro cúbico, enquanto anteriormente se pensava que a sua densidade média fosse de 4,5 gramas por centímetro cúbico.

A baixa densidade de Cleópatra, que se pensa ter uma composição metálica, sugere que este asteroide tem uma estrutura porosa e poderá ser pouco mais que um “monte de entulho”, o que significa, muito provavelmente, que se formou quando material continuou acumulando após um enorme impacto. 

A estrutura do asteroide Cleópatra e a maneira como ele gira também dão indicações de como suas duas luas poderiam ter se formado. O asteroide gira quase a uma velocidade crítica (que corresponde à velocidade acima da qual começaria a se desfazer) e por isso até pequenos impactos podem arrancar pedras da sua superfície. Pode ser que o asteroide Cleópatra é literalmente responsável pelo nascimento das suas luas. 

As novas imagens de Cleópatra e os resultados que daí se obtêm apenas foram possíveis graças a um dos sistemas de óptica adaptativa avançada em uso no VLT, situado no deserto chileno do Atacama. A óptica adaptativa ajuda a corrigir as distorções causadas pela atmosfera terrestre que faz com que os objetos pareçam desfocados, o mesmo efeito que faz com que as estrelas “cintilem” quando observadas a partir da Terra.

Devido a estas correções, o SPHERE foi capaz de obter imagens de Cleópatra, localizado a 200 milhões de quilômetros de distância da Terra quando está na sua posição mais próxima de nós, apesar do seu tamanho aparente do céu ser equivalente ao de uma bola de golfe situada a 40 km de distância.

O futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, com os seus sistemas de óptica adaptativa avançados, será ideal para obter imagens de asteroides distantes tais como Cleópatra.

Os estudos foram publicados no periódico Astronomy & Astrophysics

Fonte: ESO

Colisão estelar desencadeia explosão de supernova

Os astrônomos encontraram evidências dramáticas de que ou um buraco negro ou uma estrela de nêutrons espiralou até ao núcleo de uma estrela companheira e fez com que esta companheira explodisse como uma supernova.

© NRAO/Bill Saxton (detritos velozes de uma explosão de supernova)

As informações foram obtidas através de dados do VLASS (Very Large Array Sky Survey), um projeto de vários anos usando o VLA (Karl G. Jansky Very Large Array).

Os teóricos previram que isto poderia acontecer, mas esta é a primeira vez que realmente foi visto tal evento. A primeira pista surgiu quando os cientistas examinaram imagens do VLASS, que começou as observações em 2017, e encontraram um objeto brilhante emitindo ondas de rádio, mas que não havia aparecido num levantamento anterior do céu pelo VLA, de nome FIRST (Faint Images of the Radio Sky at Twenty centimeters). Fizeram observações subsequentes do objeto, designado VT 1210+4956, usando o VLA e o telescópio Keck no Havaí. Determinaram que a emissão brilhante no rádio vinha dos arredores de uma galáxia anã, formadora de estrelas, a cerca de 480 milhões de anos-luz da Terra. Mais tarde, descobriram que um instrumento a bordo da Estação Espacial Internacional tinha detectado, em 2014, uma explosão de raios X oriunda do objeto. 

Os dados de todas estas observações permitiram aos astrônomos reunir a história fascinante de uma dança da morte com séculos de duração entre duas estrelas massivas. Tal como a maioria das estrelas que são muito mais massivas do que o nosso Sol, estas duas nasceram como um par binário, orbitando-se uma à outra. Uma delas era mais massiva do que a outra e evoluiu ao longo do seu tempo de vida normal, alimentada pela fusão nuclear, mas mais rapidamente, e explodiu como uma supernova, deixando para trás ou um buraco negro ou uma estrela de nêutrons superdensa. A órbita do buraco negro ou da estrela de nêutrons ficou cada vez mais perto da sua companheira e há cerca de 300 anos entrou na atmosfera da companheira. Neste ponto, a interação começou a espalhar gás da companheira para o espaço. O gás ejetado, espiralando para fora, formou um anel em forma de rosca e em expansão, chamado toro, em torno do par. 

Eventualmente, o buraco negro ou a estrela de nêutrons fez o seu percurso em direção ao núcleo da estrela companheira, perturbando a fusão nuclear que produz a energia que impedia o colapso do núcleo sob a sua própria gravidade. À medida que o núcleo colapsava, formou brevemente um disco de material em órbita íntima da intrusa e impulsionou um jato de material para fora do disco a velocidades próximas da da luz, perfurando o seu caminho através da estrela. 

Este jato é o que produziu os raios X vistos pelo instrumento MAXI a bordo da ISS, e isto confirma a data deste evento em 2014. O colapso do núcleo da estrela fez com que ela explodisse como uma supernova, seguindo a explosão anterior da sua irmã. A estrela companheira iria explodir eventualmente, mas esta fusão acelerou o processo. 

O material expulso pela explosão de supernova de 2014 moveu-se muito mais depressa do que o material lançado anteriormente da estrela companheira e, quando o VLASS observou o objeto, a explosão de supernova estava colidindo com este material, provocando choques poderosos que produziram a brilhante emissão de rádio vista pelo VLA.

Um artigo que relata a descoberta foi publicado na revista Science.

Fonte: National Radio Astronomy Observatory

Um possível cometa binário extinto na região próxima à Terra

Pesquisadores do Observatório Nacional (ON) podem ter identificado o primeiro núcleo de cometa binário extinto da história na região dos Objetos Próximos da Terra (NEOs, na sigla em inglês).

© NASA/JPL-Caltech (ilustração do asteroide binário 2017 YE5)

Trata-se do objeto 2017 YE5, que fez um encontro próximo com a Terra em junho de 2018, atingindo uma distância de cerca de 0,04 UA (unidades astronômicas), ou 6 milhões de quilômetros (cerca de 16 vezes a distância da Terra à Lua). 

O objeto foi descoberto em dezembro de 2017, mas nenhum detalhe sobre suas propriedades físicas e binaridade foram conhecidas até junho de 2018. Na passagem de 2018, os observatórios de radar do Arecibo, Green Bank e Goldstone identificaram que se tratava de um sistema binário. Mais precisamente, eles relataram que o 2017 YE5 é composto por dois corpos de aproximadamente 900 metros de diâmetro que orbitam um ao outro em torno de um centro de massa comum entre eles. 

Sistemas binários formados por componentes de tamanhos semelhantes são relativamente raros na região dos NEOs. O 2017 YE5 é um dos apenas quatro sistemas deste tipo conhecidos. Os outros três são 69230 Hermes, (190166) 2005 UP156 e 1994 CJ1. 

Durante a aparição de 2018, uma equipe de pesquisadores liderados pelo astrônomo do ON Filipe Monteiro realizou observações fotométricas do binário 2017 YE5 no Observatório Astronômico do Sertão de Itaparica (OASI), no Observatório Astronómico Nacional de San Pedro Martír (OAN-SPM, México) e no Blue Mountain Observatory (BMO, Austrália). Com os dados obtidos nos diferentes observatórios, foi possível realizar uma caracterização completa deste sistema binário incluindo: período orbital do sistema e o período rotacional dos componentes; os índices de cor (relacionados à composição superficial dos asteroides); densidade média; albedo (quantidade de radiação solar refletida) e tipo taxonômico (sistema de classificação de asteroides baseado na forma do espectro de reflectância e no albedo).

Os pesquisadores determinaram que o período orbital do sistema binário em torno do centro de massa comum é de cerca de 24 horas. No entanto, ao analisar possíveis períodos adicionais no sistema, os astrônomos verificaram que um dos objetos pode estar girando com um período de rotação de cerca de 15 horas: “Geralmente, esses sistemas com corpos de tamanho semelhantes estão totalmente sincronizados, o que significa que o período orbital é igual ao período de rotação dos corpos. Mas nesse sistema, um dos corpos parece não ter atingido a sincronização ainda. Uma das possibilidades é a de que o sistema seja relativamente recente e ainda não conseguiu atingir a sincronização completa,” explicou Monteiro. 

Além disso, não se descarta que os componentes deste sistema possam ter composições diferentes, o que tornaria o processo de sincronização mais longo devido à diferença entre as massas dos corpos. O estudo indica que o objeto possui uma superfície muito avermelhada, consistente com os asteroides do tipo D, um tipo primitivo de asteroide, rico em material orgânico e volátil. A densidade média do objeto é de cerca de 1g/cm³, o que sugere a presença de voláteis (por exemplo, gelos) no interior dos componentes do sistema.

Os índices de cor obtidos para 2017 YE5 também são típicos de cometas da família de Júpiter, o que ocorre porque a maioria dos núcleos destes cometas exibem características superficiais semelhantes aos asteroides primitivos do tipo D. Por fim, dados no infravermelho disponibilizados pelo projeto MIT-Hawai near-Earth object survey permitiram derivar um albedo de cerca de 3% para o binário 2017 YE5, consistente com os resultados encontrados na literatura para núcleos cometários.

“Por se tratar de um objeto que possui uma órbita típica de cometas da família de Júpiter, estas características indicam que o sistema 2017 YE5 é um possível núcleo cometário binário, cujo material volátil foi perdido ao longo de sua história ou está guardado em seu interior”, explicou Monteiro. 

Embora o objeto pareça um cometa extinto, já que não foi observado sublimação de gelo, ele foi classificado como dormente, pois, como mencionado, os componentes voláteis podem estar abaixo de uma camada de rocha. A descoberta de um objeto como este na região próxima da Terra reforça a existência de cometas extintos e dormentes entre os NEOs, o que é bastante relevante, inclusive para entender como o material volátil (inclusive a água) chegou até a Terra.

“É importante mencionar que diversos estudos têm apontado os cometas (e asteroides primitivos) como os principais fornecedores de material orgânico e volátil para Terra primitiva, o que pode ter ajudado a criar um ambiente capaz de gerar as primeiras formas de vida,” ressaltou Monteiro. 

Por fim, os pesquisadores concluíram que o binário 2017 YE5 parece ser um alvo plausível para uma missão espacial, pois pode fornecer detalhes sobre o conteúdo volátil e orgânico na região próxima à Terra, bem como fornecer pistas sobre diferenças nos processos de formação de sistemas binários. Uma missão de retorno de amostra a um asteroide como este proporcionaria um grande progresso na compreensão da história inicial do Sistema Solar e na pesquisa da origem da vida na Terra. Ademais, por ser um possível cometa dormente, é um alvo interessante para entender os estados finais dos cometas, ou para estudar os processos dinâmicos que movem os asteroides de órbitas asteroidais típicas para órbitas cometárias.

As investigações resultaram em um artigo intitulado “Physical characterization of equal-mass binary near-Earth asteroid 2017 YE5: a possible dormant Jupiter-family comet”, publicado em agosto de 2021 no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society

Veja outras informações: Revelada a existência de raro asteroide duplo.

Fonte: Observatório Nacional

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Anãs brancas queimando hidrogênio e envelhecendo lentamente

Podem as estrelas moribundas deter o segredo da juventude? Novas evidências do telescópio espacial Hubble sugerem que as anãs brancas podem continuar queimando hidrogênio nos estágios finais das suas vidas, fazendo com que pareçam mais jovens do que realmente são.

© Hubble (aglomerados globulares M3 e M13)

Esta descoberta pode ter consequências sobre a medida da idade dos aglomerados estelares. A visão predominante das anãs brancas como estrelas inertes e em arrefecimento foi contestada por observações do telescópio espacial Hubble. Um grupo internacional de astrônomos descobriu a primeira evidência de que as anãs brancas podem diminuir o ritmo do seu envelhecimento queimando hidrogênio na sua superfície.

Isto foi uma grande surpresa, pois está em desacordo com o que geralmente se pensa. As anãs brancas são estrelas em lento arrefecimento que liberaram as suas camadas exteriores durante os últimos estágios das suas vidas. São objetos comuns no cosmos: aproximadamente 98% de todas as estrelas do Universo acabarão por tornar-se anãs brancas, incluindo o nosso próprio Sol. 

O estudo destes estágios de arrefecimento ajuda entender não apenas as anãs brancas, mas também os seus estágios iniciais. Para investigar a física subjacente à evolução das anãs brancas, os astrônomos compararam anãs brancas em duas coleções massivas de estrelas: os aglomerados globulares M3 e M13. Estes dois aglomerados partilham muitas propriedades físicas, como idade e metalicidade (a proporção de outros elementos que não o hidrogênio e hélio). Em particular, as estrelas num estágio evolutivo conhecido como Ramo Horizontal são mais azuis em M13, indicando uma população de estrelas mais quentes. Isto torna M3 e M13, juntas, um laboratório natural perfeito no qual testar como populações diferentes de anãs brancas arrefecem.

Usando o instrumento WFC3 (Wide Field Camera 3) do Hubble, os astrônomos observaram M3 e M13 no ultravioleta próximo, permitindo-lhes comparar mais de 700 anãs brancas nos dois aglomerados. Eles descobriram que o aglomerado M3 contém anãs brancas padrão que são simplesmente núcleos estelares em arrefecimento. O aglomerado M13, por outro lado, contém duas populações de anãs brancas: anãs brancas padrão e aquelas que conseguiram manter um invólucro exterior de hidrogênio, permitindo-lhes realizar fusão nuclear por mais tempo e, portanto, arrefecer mais lentamente. 

Comparando os seus resultados com simulações da evolução estelar em M13, os pesquisadores conseguiram mostrar que cerca de 70% das anãs brancas em M13 estão queimando hidrogênio nas suas superfícies, diminuindo o ritmo a que arrefecem.

Esta descoberta pode ter consequências sobre como os astrônomos medem as idades das estrelas na Via Láctea. A evolução das anãs brancas foi modelada anteriormente como um processo de arrefecimento previsível. Esta relação relativamente direta entre idade e temperatura possibilitou usar o ritmo de arrefecimento das anãs brancas como um relógio natural para determinar as idades dos aglomerados estelares, em particular dos globulares e dos abertos. 

No entanto, as anãs brancas que queimam hidrogênio podem fazer com que estas estimativas de idade sejam imprecisas até um bilhão de anos. Esta descoberta desafia a definição das anãs brancas à medida que seja considerada uma nova perspetiva sobre o modo como as anãs brancas envelhecem. Os pesquisadores estão agora analisando outros aglomerados semelhantes a M13 para restringir ainda mais as condições que levam as estrelas a manter o fino invólucro de hidrogênio que lhes permite envelhecer lentamente.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: ESA

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Um aglomerado globular brilhante

Esta imagem cravejada de estrelas obtida pelo telescópio espacial Hubble retrata o aglomerado globular NGC 6717, que fica a mais de 20.000 anos-luz da Terra, na constelação de Sagitário.

© Hubble (NGC 6717)

O NGC 6717 é uma coleção quase esférica de estrelas fortemente unidas pela gravidade. Os aglomerados globulares contêm mais estrelas em seus centros do que em suas regiões externas; as bordas escassamente povoadas do NGC 6717 contrastam fortemente com a coleção cintilante de estrelas em seu centro.

O centro da imagem também contém alguns intrusos. Estrelas brilhantes em primeiro plano são cercadas por efeitos de difração formadas pela luz das estrelas interagindo com as estruturas que sustentam o espelho secundário do telescópio espacial Hubble.

A área do céu noturno que contém a constelação de Sagitário também possui o centro da Via Láctea, que é preenchido com gás e poeira que absorvem luz. Esta absorção de luz, denominada extinção, torna o estudo de aglomerados globulares próximos ao centro da Galáxia um desafio. 

Para determinar as propriedades do aglomerado globular NGC 6717, os astrônomos usaram uma combinação da Wide Field Camera 3 do Hubble e da Advanced Camera for Surveys.

Fonte: NASA

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Uma população oculta de objetos cósmicos

Um novo estudo fornece uma explicação tentadora de como um objeto cósmico peculiar chamado WISEA J153429.75-104303.3 teve origem.

© JPL-Caltech (a anã marrom se movendo)

O objeto é uma anã marrom. Embora se formem como estrelas, estes objetos não têm massa suficiente para dar início a fusão nuclear, o processo que faz com que as estrelas brilhem.

A anã marrom escapou aos levantamentos normais porque não se parece com nenhuma das pouco mais de 2.000 anãs marrons que foram encontradas na nossa Galáxia até agora. À medida que as anãs marrons envelhecem, arrefecem e o seu brilho em diferentes comprimentos de onda muda. Não é diferente de como alguns metais, quando aquecidos, vão do branco brilhante ao vermelho profundo à medida que arrefecem. 

A anã marrom confundiu os cientistas porque era tênue em alguns comprimentos de onda importantes, sugerindo que era muito fria e antiga, mas brilhante em outros, indicando uma temperatura mais alta.

A anã marrom pode ter entre 10 e 13 bilhões de anos, pelo menos o dobro da média de idades de outras anãs marrons conhecidas. Isto significa que teria sido formada quando a Via Láctea era muito mais jovem e tinha uma composição química diferente. 

A anã marrom foi detectada pela primeira vez pelo NEOWISE (Near-Earth Object Wide-Field Infrared Survey Explorer) da NASA. Dado que as anãs marrons são objetos relativamente frios, irradiam principalmente luz infravermelha, ou comprimentos de onda maiores do que o olho humano pode ver.

Para descobrir como a anã marrom poderia ter propriedades tão contraditórias, os cientistas precisaram de mais informações. Então, observaram o objeto em comprimentos de onda infravermelhos adicionais com um telescópio terrestre no Observatório W. M. Keck no Havaí. Mas a anã marrom aparentava tão tênue nestes comprimentos de onda, que nem sequer foi possível detectá-la, aparentemente confirmando que era muito fria. 

Após medir a distância do objeto, cerca de 50 anos-luz da Terra, a equipe percebeu que estava se movendo rapidamente, cerca de 800.000 km/h. Este valor é muito superior ao de todas as outras anãs marrons conhecidas por estarem a esta distância da Terra, o que significa que provavelmente viaja pela Galáxia há muito tempo, encontrando objetos massivos que a aceleram com a sua gravidade.

Com várias evidências que sugerem que a anã marrom é extremamente antiga, os pesquisadores propõem que as suas estranhas propriedades não são de todo estranhas e que podem ser uma pista da sua idade. Quando a Via Láctea se formou há cerca de 13,6 bilhões de anos, era composta quase inteiramente de hidrogênio e hélio. Outros elementos, como o carbono, formaram-se dentro das estrelas; quando as estrelas mais massivas explodiram como supernovas, espalharam os elementos por toda a Galáxia. O metano, composto por hidrogênio e carbono, é comum na maioria das anãs marrons que têm uma temperatura semelhante à do objeto. 

Mas o perfil de luz de da anã marrom sugere que contém muito pouco metano. Tal como todas as moléculas, o metano absorve comprimentos de onda específicos, de modo que uma anã marrom rica em metano seria fraca nestes comprimentos de onda. A anã marrom, por contraste, é brilhante nestes comprimentos de onda, o que pode indicar baixos níveis de metano. Assim, o perfil de luz do objeto poderia corresponder ao de uma anã marrom muito velha que se formou quando a Galáxia ainda era pobre em carbono; muito pouco carbono durante a formação significa muito pouco metano na sua atmosfera hoje.

Para encontrar anãs marrons mais antigas, se é que existem, os pesquisadores podem ter que mudar a forma como procuram estes objetos. A anã marrom foi descoberta pelo cientista cidadão Dan Caselden, que estava usando um programa online que ele desenvolveu para encontrar anãs marrons em dados do NEOWISE. 

O céu está repleto de objetos que irradiam luz infravermelha; no geral, estes objetos parecem permanecer fixos no céu, devido à sua grande distância da Terra. Mas dado que as anãs marrons são tão fracas, são visíveis apenas quando estão relativamente perto da Terra, e isto significa que os cientistas podem observá-las movendo-se pelo céu durante meses ou anos.

O programa de Caselden tentou remover os objetos infravermelhos estacionários (como estrelas distantes) dos mapas do NEOWISE e destacar objetos em movimento que tinham características semelhantes às das anãs marrons conhecidas. Ele estava olhando para uma destas candidatas a anã marrom quando avistou outro objeto muito mais fraco movendo-se rapidamente. Este acabaria por ser WISEA J153429.75-104303.3, que não havia sido destacada porque não correspondia ao perfil de anã marrom do programa. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Jet Propulsion Laboratory

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Buracos negros crescendo e galáxias decaindo

Conforme a galáxia espiral barrada NGC 4921 desfalece no Aglomerado Coma, a cerca de 320 milhões de anos-luz de distância em Coma Berenices, ela está perdendo pedaços de si mesma ao longo do caminho. Mas novas observações mostram que não está perdendo tudo.

© ALMA/Hubble (NGC 4921)

A imagem composta mostra os dados do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) (vermelho/laranja) que revelam estruturas de filamentos deixadas para trás pela remoção de pressão de arraste, sobrepostas em uma visão de luz visível do telescópio espacial Hubble da galáxia espiral NGC 4921.

O espaço entre as galáxias neste aglomerado é preenchido com tênue gás quente e, conforme a galáxia cai neste gás, é influenciada pelo vento. Este vento, conhecido como pressão de arraste, remove o gás da galáxia e o seu reservatório de formação de estrelas. 

Os astrônomos há muito testemunham os efeitos da pressão de arraste em aglomerados de galáxias. Mas agora, usando o ALMA no Chile, William Cramer (Arizona State University) e colegas captaram a primeira evidência de que a pressão de arraste nem sempre tira tudo. Entre as nuvens de gás na galáxia NGC 4921, algumas delas estão retornando para a galáxia. Parece que os campos magnéticos os estão segurando contra o vento. 

As observações do ALMA cobrem apenas a borda da galáxia NGC 4921 conforme ela colapsa no aglomerado de galáxias. É provável que haja ainda mais gás caindo em outros quadrantes. Observações adicionais ajudarão a quantificar a quantidade de gás que retorna, prolongando a vida de formação estelar da galáxia.

O momento angular, ou spin, representa um problema para os astrofísicos. Nada está em repouso: estrelas, planetas e galáxias nascem girando. Então, como é que qualquer coisa cai no meio: como as estrelas acumulam gás, como os planetas crescem e como as galáxias alimentam seus buracos negros centrais? Para que qualquer objeto neste universo cresça ou evolua, primeiro precisa se livrar do spin. 

Uma nova simulação cosmológica mostra este processo em ação para um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia, que está embutido em um halo maior de gás quente. A simulação mostra o fluxo de gás desde o halo, 100.000 anos-luz ou mais, até seu buraco negro supermassivo central.

A grande variedade de escala permite que esta simulação visualize processos que os anteriores não conseguiam. As simulações mostram que estruturas de galáxias, como braços espirais, usam forças gravitacionais para bloquear o gás que orbitaria os centros das galáxias para sempre. Este mecanismo de frenagem permite que o gás caia em buracos negros.

A simulação é realista o suficiente para mostrar supernovas individuais explodindo na galáxia hospedeira e estrelas impulsionando ventos de partículas e radiação intensa. No entanto, a simulação não inclui nenhum retorno do buraco negro; fornece uma imagem de como um buraco negro supermassivo cresceria na ausência de seus próprios jatos ou ventos, o que poderia esculpir uma cavidade central e crescer lentamente. Incorporar o retorno do buraco negro continua sendo um projeto para o futuro.

O estudo será publicado no periódico Astrophysical Journal.

Fonte: Sky & Telescope

Um quarto das estrelas semelhantes ao Sol canibaliza seus planetas

Em sistemas planetários formados por estrelas semelhantes ao Sol, mas que apresentam processos dinâmicos severos que causam reconfigurações em sua arquitetura, alguns planetas podem ter sido “devorados” pela estrela hospedeira.


© Vanderbilt University (ilustração de estrela engolfando exoplaneta)

Uma equipe internacional de astrônomos, liderada por Lorenzo Spina, do Istituto Nazionale di Astrofisica (INAF), de Pádua, Itália, e incluindo Jorge Meléndez, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), estudou a composição química de estrelas de tipo solar em mais de cem sistemas binários, a fim de identificar assinaturas de planetas eventualmente “engolidos”.

“Em um sistema binário, as duas estrelas são formadas a partir do mesmo material e, portanto, deveriam ser quimicamente idênticas. No entanto, quando um planeta cai em uma estrela, ele é dissolvido na região mais externa do interior estelar, chamada de zona convectiva, e pode modificar a composição dessa região, aumentando o conteúdo de elementos químicos, ditos ‘refratários’, que são abundantes em planetas rochosos. Nas estrelas cujas assinaturas indicam o engolfamento de planetas são observadas quantidades maiores de lítio e de ferro em relação à sua estrela companheira gêmea do sistema binário,” disse Meléndez. 

O lítio é destruído no interior das estrelas, mas preservado no material que compõe os planetas. Portanto, uma abundância anormalmente alta desse elemento químico em uma estrela pode indicar que o material planetário foi engolido por ela. O estudo baseou-se em observações de 31 pares binários, portanto, de 62 estrelas, obtidas com o espectrógrafo HARPS no telescópio de 3,6 metros do Observatório de La Silla, operado pelo European Southern Observatory (ESO). 

Os dados levantados no local foram complementados com resultados anteriores, já consignados na literatura especializada. O Observatório de La Silla localiza-se no deserto do Atacama, nos Andes chilenos, em uma região extremamente seca, solitária e distante da poluição luminosa, que apresenta um dos céus noturnos mais escuros da Terra. 

“Esta foi a maior amostra já estudada de estrelas similares em sistemas binários e os resultados mostraram que pelo menos um quarto das estrelas de tipo solar ‘devora’ seus próprios planetas. A descoberta sugere que uma fração significativa dos sistemas planetários teve um passado muito dinâmico, ao contrário do nosso Sistema Solar, que preservou uma arquitetura ordenada,” afirma Meléndez. 

Esse resultado abre a possibilidade de usar abundâncias de certos elementos químicos para identificar estrelas com composição similar à do Sol. Estrelas deficientes em elementos ditos refratários apresentam maior probabilidade de hospedar estruturas análogas à de nosso Sistema Solar. 

Um sistema binário bastante estudado é 16 Cygni, situado a uma distância de aproximadamente 69 anos-luz da Terra. O sistema é formado por duas estrelas anãs amarelas parecidas com o Sol, 16 Cygni A e 16 Cygni B. E talvez englobe também uma estrela anã vermelha. Estima-se que 16 Cygni A e 16 Cygni B estejam separadas por uma distância de 860 UA, ou seja, 860 vezes a distância entre a Terra e o Sol. Para efeito de comparação, a distância entre o Sol e a chamada Heliopausa, que constitui a fronteira mais distante do Sistema Solar, é estimada entre 110 e 160 UA. 

Apesar da enorme distância que separa as duas estrelas gêmeas, a órbita fortemente excêntrica de um planeta maior do que Júpiter que orbita a estrela 16 Cygni B talvez se deva à perturbação gravitacional produzida pela estrela 16 Cygni A.

Nota-se também que a componente 16 Cygni A, que não tem nenhum planeta detectado, é sobreabundante em elementos refratários, o que sugere que talvez essa estrela já tenha engolido planetas. 

A pesquisa teve apoio da FAPESP, por meio de projeto Temático “Espectroscopia de alta precisão: das primeiras estrelas aos planetas”, coordenado por Meléndez. 

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: Agência FAPESP