A descoberta do segundo anel ocorre apenas dois meses após o primeiro anel de Quaoar ter sido revelado, indicando que o sistema é mais complexo do que se pensava.
© ON / UTFPr (ilustração do segundo anel de Quaoar)
Uma equipe de pesquisadores, liderada pelo aluno de doutorado do Observatório Nacional (ON/MCTI), Chrystian Luciano Pereira, descobriu um segundo anel improvável mais interno em torno do asteroide Quaoar. A orientação da pesquisa é realizada pelo Dr. Felipe Braga Ribas, professor do Programa de Pós-Graduação em Astronomia do Observatório Nacional (ON). Ambas as descobertas foram feitas com o uso da técnica de ocultações estelares, quando um objeto do Sistema Solar passa em frente a uma estrela e bloqueia a sua luz por alguns instantes.
Este objeto é um dos pequenos corpos do nosso Sistema Solar e é conhecido como um objeto Transnetuniano (TNO) por orbitar a região além do planeta Netuno. Com mais de 1.000 km de diâmetro, Quaoar é candidato a planeta-anão.
Os TNOs, como Quaoar, são fósseis praticamente intactos da formação do Sistema Solar. Dessa forma, catalogar suas características físicas é fundamental para entender como o Sistema Solar se formou e evoluiu até os dias atuais.
Anéis ao redor de corpos do Sistema Solar têm sido alvo de pesquisas desde 1610, quando Galileu Galilei observou pela primeira vez um anel em torno ao apontar sua luneta para Saturno. Nos séculos seguintes, anéis foram descobertos ao redor dos outros três planetas gigantes: Júpiter, Urano e Netuno.
Até 2013, não se sabia que anéis poderiam orbitar pequenos corpos do Sistema Solar. A surpresa ocorreu quando um sistema com dois anéis foi descoberto ao redor do objeto Centauro (10199) Chariklo, primeiro asteroide com anéis descoberto em trabalho liderado pelo Dr. Felipe Braga-Ribas (UTFPR-Curitiba/ON). Depois, em 2017, um anel foi descoberto ao redor do planeta-anão Haumea. Mais recentemente, em fevereiro deste ano, a mesma equipe divulgou a descoberta do terceiro sistema de anéis, agora ao redor do objeto Transnetuniano Quaoar.
De acordo com os pesquisadores, diferentemente dos anéis observados em Chariklo, Haumea e nos quatro planetas gigantes, os anéis de Quaoar se encontram em uma região inesperada, muito além do limite de Roche para o corpo (para Quaoar, esse limite é estimado em 1.780 km do centro do corpo).
O limite de Roche é uma região em que as forças de maré do corpo central estão em equilíbrio com a atração mútua das partículas que compõem um anel, impedindo então a acreção dessas partículas em satélites.
Em outras palavras, trata-se de uma “linha imaginária” que define a distância mínima que um objeto pode se aproximar de outro antes de ser desintegrado pela força gravitacional. Quando um objeto está dentro do limite de Roche, espera-se que ele se desintegre e forme um anel em torno do objeto central. Por outro lado, se estiver além deste limite, como é o caso dos anéis do Quaoar – espera-se que as partes de agreguem e formem um satélite, e não um anel como é o caso.
A partir dos dados observacionais do primeiro anel (Q1R), os pesquisadores conseguiram detectar o segundo anel (Q2R) que, na verdade, está mais próximo do TNO. O Q2R possui cerca de 10 km de largura e, apesar de estar mais próximo de Quaoar, também se encontra fora do limite de Roche, orbitando 2.520 km do centro do objeto. Isso revela o quão curioso e complexo o sistema de Quaoar pode ser. O anel mais externo orbita Quaoar a uma distância muito próxima a região de estabilidade gerada pela ressonância spin-órbita 1:3. Isso significa que enquanto o Quaoar completa três rotações, as partículas do anel completam uma órbita. Já o anel mais interno se encontra próximo a região de ressonância spin-órbita 5:7, ou seja, enquanto Quaoar completa sete rotações, as partículas do anel completam cinco órbitas.
Esse comportamento dinâmico é observado nos anéis ao redor de Chariklo e Haumea, que também se encontram próximos à região de ressonância 1:3. Isso sugere que as ressonâncias podem estar intimamente relacionadas com a manutenção e localização desses anéis. Outro fator que pode causar o confinamento desses anéis é a presença de pequenos satélites "pastores" que ainda não foram descobertos.
Outra propriedade interessante e não usual do anel Q1R de Quaoar é a variabilidade na sua largura e opacidade, sendo muito estreito e denso em uma região, tênue e extenso em outra.
Afim de obter mais informações de Quaoar e seu curioso anel, a equipe organizou uma campanha observacional para uma ocultação estelar que foi observada em 9 de agosto de 2022, envolvendo telescópios amadores e profissionais, como por exemplo o Gemini Norte e Canadá-França-Hawaii Telescope (CFHT), com diâmetro de 8,1 e 3,6 metros, respectivamente.
A alta performance dos instrumentos acoplados nos telescópios Gemini Norte e CFHT, as cameras 'Alopeke e WIRcam, respectivamente, aliado a sua localização no topo do Mauna Kea, no Havaí, permitiram a obtenção de curvas de luz com ótima qualidade.
A região densa e estreita do “primeiro” anel foi sondada por essa ocultação, revelando uma estrutura estreita confinada com aproximadamente 5 km de largura e com grande profundidade óptica (bastante densa). Esse núcleo estreito do anel é cercado por um envelope de material disperso com cerca de 60 km, se assemelhando em estrutura ao anel F de Saturno ou o arco observado nos anéis de Netuno.
A região mais extensa e tênue desse anel também foi detectada, tendo uma largura média de 90 km e com menos de 1% da opacidade da região mais densa. A distância calculada entre Quaoar e esse anel é de 4.060 km.
Trabalhos futuros acerca da determinação precisa da forma de Quaoar, em conjunto com novas observações desses anéis, serão importantes para um melhor entendimento do sistema dinâmico em que Quaoar e seus anéis se inserem e qual o real papel das ressonâncias na manutenção e confinamento desses anéis.
Este trabalho foi realizado como parte do projeto "Lucky Star", sob a liderança do Dr. Bruno Sicardy do Observatório de Paris (França) e foi viabilizado através de uma colaboração mundial envolvendo astrônomos profissionais e amadores. Este estudo contou com a participação de pesquisadores de diversos institutos internacionais, como: Observatório Nacional (Rio de Janeiro, Brasil), Instituto de Astrofísica de Andalucía (Granada, Espanha), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Curitiba, Brasil), Instituto Espacial da Flórida (Orlando, Flórida), entre outros.
Um artigo sobre a descoberta do segundo anel de Quaoar, sob o título “The two rings of (50000) Quaoar”, foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics Letters.
Fonte: Observatório Nacional